segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

ASSIM ERA ELA apresentação do livro

Short Bio: João Miguel Aguiar é atualmente Investigador integrado e Professor Adjunto no Instituto Politécnico de Gestão e Tecnologia (ISLA-Gaia), onde dirige a licenciatura em Multimédia. João é licenciado em Sociologia e mestre em Ciências da Comunicação, ambos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e doutorado em Media Digitais - Indústria, Públicos e Mercados (2018) pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e pela Universidade NOVA de Lisboa, em colaboração com a Universidade do Texas em Austin. João Aguiar foi também investigador no programa UT Austin | Portugal, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). João Aguiar trabalha na área dos Processos Sociais, Humanidades Digitais, com ênfase nas Ciências e Tecnologias da Comunicação e dos Media Digitais. Nas suas atividades de investigação tem colaborado com diversos investigadores de diferentes áreas, sendo autor de vários trabalhos científicos. Foi ainda professor auxiliar convidado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e professor auxiliar na Universidade Fernando Pessoa. Um anexo • Verificado pelo Gmail Muito boa tarde, Com muito gosto agradeço o honroso convite para esta apresentação e cumprimento cordialmente todas e todos os presentes. É com profunda honra — e uma emoção difícil de disfarçar — que apresento esta fotobiografia Minha Mãe. Assim era Ela, da autoria de Maria Manuela Aguiar, integrada na coleção Mulheres Entre Mundos, da Associação Mulher Migrante. Uma coleção que preserva percursos femininos marcados pela mobilidade, pela resiliência e pela memória. Não vos falo apenas como apresentador: falo como sobrinho e afilhado da grande mulher aqui celebrada — alguém que cresceu dentro da sua presença luminosa, da sua inteligência afetiva e dessa cumplicidade rara que só o amor familiar verdadeiro permite. Na verdade, este livro é mais do que memória: é um território de pertença. É um gesto de amor, uma restituição afetiva e histórica da vida de Maria Antónia Barbosa Aguiar, a Mariazinha, ou, para muitos sobrinhos, a eterna Tia Giginha. Para mim, é ainda mais — é a celebração de uma das presenças fundadoras da minha vida: a minha tia, minha madrinha, e uma das pessoas com quem partilhei uma cumplicidade rara e inesquecível. A narrativa conduz-nos desde as raízes da família Barbosa Aguiar, entre Portugal e o Brasil, revelando a infância da “Mariazinha”, nascida em São Cosme de Gondomar, a 28 de agosto de 1920, depois de uma viagem silenciosa no ventre da mãe, que regressava do Rio de Janeiro. O texto restitui-nos o universo simbólico da mítica Villa Maria — esse espaço emocional onde a infância, a festa e o luto coexistiram. Onde se aprendeu que a felicidade é feita de detalhes: da casa imponente, da sombra dos roseirais, dos pomares, mas principalmente da família, dos recitais improvisados, do teatro amador, das celebrações em conjunto e da alegria que atravessava gerações. Com a Tia sempre presente, com o seu riso contagiante, a sua energia inesgotável, o humor atrevido que nenhuma adversidade conseguiu silenciar. Uma mulher que “tinha da vida apenas vontade de vida” — como escreve a Manuela — mas que carregou também a dor irreparável da perda. Da perda precoce do pai em 1926, da perda da filha Lecas, transformando o sofrimento numa força silenciosa, jamais em amargura. A fotobiografia acompanha o casamento com o seu João, as tertúlias familiares, as romarias, os veraneios em Espinho e aquela elegância natural que a fazia simultaneamente conservadora e iconoclasta — capaz de respeitar tradições, mas sem deixar de enfrentar a moralidade tradicional. Ler estas páginas é reencontrar uma mulher que viveu 98 anos sem nunca desistir de ser inteira: generosa sem ostentação, alegre sem ingenuidade, firme sem dureza. Uma mulher que não cabia nos estereótipos do seu tempo — nem nos de hoje. Nas páginas que percorremos — feitas de cartas, retratos, postais, memórias orais e arquivos familiares — reencontramos não apenas uma biografia, mas uma história social de Gondomar, das suas famílias, das migrações atlânticas, das transformações culturais do século XX e do século XXI. Este livro preserva o que raramente fica registado: o modo como uma vida comum se torna absolutamente extraordinária. É, portanto, mais do que memória: é legado. Não apenas para a família, mas para Gondomar, para a diáspora portuguesa e para a história das mulheres que, sem procurarem palco, acabaram por merecê-lo. E como ela o merecia… Agradeço à Associação Mulher Migrante por reconhecer que vidas como a da Tia Giginha não são apenas privadas — são património. E agradeço-vos por estarem aqui, a testemunhar este reencontro entre a história e o afeto. Um gesto de continuidade entre o passado e o futuro. E, para mim, é também um reencontro íntimo: o privilégio de ver, nas imagens e nas palavras, aquilo que sempre soube — que ela era assim, exatamente assim, e que continuará a sê-lo enquanto houver memória para a nomear. João Miguel Aguiar Fundação Engº António de Almeida, Porto, 29 de novembro de 2025

domingo, 14 de setembro de 2025

Minha Mãe ASSIM ERA ELA apresentação de IVONE FERREIRA

Sra. Presidente da Câmara Municipal de Espinho, cara Amiga Maria Manuel Cruz Dra. Manuela Aguiar, Prof Doutora Graça Guedes e restantes presentes, minhas senhoras, meus senhores, amigos e amigas, Boa tarde. Bem-vindas e bem-vindos a mais esta iniciativa, lançamento de novo livro enquadrado na coleção “Mulheres entre Mundos”, da autoria de Maria Manuela Aguiar a quem agradeço, desde já, a confiança que depositou em mim para a apresentação de “Minha Mãe, assim era ela”. Maria Manuela Aguiar tem-se revelado uma escritora de mão cheia. E utilizo esta expressão não só para me referir ao talento na escrita, mas também porque se afirma como alguém com uma memória prodigiosa e preocupada com o legado histórico que são usos e costumes de épocas ainda muito próximas de nós, mas que serão, talvez, as mais sacrificadas, as mais esquecidas, porque a seguir a elas, chegou a tecnologia, a pressa de viver, a multidão de elevada iliteracia e a quem deixámos de “pedir contas” do seu passado. Sei que talvez sejam polémicas estas minhas afirmações, mas socorro-me, por exemplo, de uma notícia difundida há pouco mais de uma semana, pela SIC, em que era afirmado que Portugal está em 2º lugar, entre os 30 países com o nível mais baixo de proficiência em literacia, 46% dos portugueses com idades entre os 25 e 64 anos tem muita dificuldade em interpretar textos e só consegue compreender textos muito curtos e com o mínimo de informação irrelevante. Ora, se é este o estado em que nos encontramos, como vamos ter vontade de ler, de escrever, de guardar ou de divulgar a nossa História, as histórias da História? É fundamental que quer a escrita, quer a leitura não se percam. É preciso resgatá-las, restaurá-las. E este livro é uma peça fundamental para esse resgate. Conta-nos uma história de vida, integrante da história de uma família, que, por sua vez, integra a história de um território, que integra a história de um país, que integra a História do mundo. Como todos sabem, mas vale a pena recordar, as histórias de vida nascem nos Estados Unidos. E nascem do confronto entre os migrantes e os nacionais, anteriormente instalados. Os migrantes, ao entrarem naquele “novo mundo”, abandonavam todo o seu passado e sentiu-se que era preciso guardar sinal dessa existência antiga, tão diferente da nova. Foi igualmente do choque de dois universos que nasceu, na Europa, a necessidade de coletar histórias de vida: por um lado, o universo tradicional, fundado num modelo repetitivo, obediente aos estereótipos e aos arquétipos. Por outro, o universo da modernidade, fundado num modelo cumulativo e de valorização da mudança. Ambos os percursos, o americano e o europeu, tem como objetivo conservar documentos ameaçados, registar a escuta das últimas testemunhas, manter na memória as formas passadas para que o presente e o futuro façam delas uso, da melhor maneira. As histórias de vida fazem falar “os povos do silêncio”. Os “não heróis”, as “não heroínas”. Os que não tem o seu nome na placa de uma rua, mas que a ajudaram a construir. As que não foram à guerra, mas foram as obreiras do material que deu vitórias aos guerreiros. As que não votaram, mas que, na tipografia, ajudaram a imprimir os votos. Estas histórias de vida, sobretudo as que têm as mulheres como figura central, criam em nós a necessidade de nos interrogarmos sobre por que motivo as sociedades diferenciaram tanto homens e mulheres quer na hierarquia quer nas funções. De tal forma o fizeram que, assim que espreitamos para os bastidores da História, encontramos logo mulheres surpreendentes que chegaram até nós através das suas histórias de vida. Mas que tiveram de se vestir de homens ou de usar nomes masculinos, para realizarem os seus percursos de vida da maneira que desejavam. A primeira, María Perez, uma castelhana que viveu no século XII, e desafiou para um duelo, que venceu, o rei de Aragão, Afonso I. Quando se descobriu que era mulher, foi batizada com o cognome de La Varona. Mais tarde, casou e abandonou a guerra... pela família. E Joana D’Arc? E Mary Read? A aventureira inglesa que se alistou como soldado no regimento de infantaria da Flandres? E Henrietta Faber, que no princípio do século XIX se disfarçou de homem e trabalhou como “doutor” em Havana? Quando, em 1820, se apaixonou, revelou que era mulher e quis casar. Foi presa, porque em Cuba era proibido as mulheres estudarem e praticarem Medicina. E porque não recordar também as escritoras que adotaram nomes masculinos? George Eliot, que se chamava Mary Ann Evans, ou George Sand, Amandine Aurore Lucile Dupin, baronesa de Dudevant, ou Victor Catalá, a catalã Caterina Albert i Paradís. Porque as menciono? Porque elas são um pequeno exemplo de como meia humanidade, a parte feminina, viveu, durante milénios, uma existência frequentemente clandestina e, em grande parte, esquecida, mas sempre muito mais rica do que a forma em que estava presa, sempre acima dos preconceitos e dos estereótipos. Porque há uma história que é preciso que fique na História e que só pode ser resgatada se lhe dermos voz, se a escrevermos e, sobretudo, se a lermos. E agora volto à minha leitura desta história de vida que Maria Manuela Aguiar escreveu. Uma investigação genealógica cuidadosa, meticulosa, profunda e apresentada de uma forma tão interessante que nela mergulhamos e desse mergulho não queremos sair. Numa escrita saltitante e cheia de energias positivas, Manuela Aguiar incentiva-nos a visitar “uma elegante vivenda na rua do Paissandú, onde não faltava uma discreta águia de asas abertas na fachada”, ou a sonhar com o jovem Alfredo de quem a sua mãe dizia “Devia se um Aguiar bonito, para a minha mãe ser tão benevolente com ele...”. Claro que era. E o mistério é desvendado ao ser encontrado, e cito, “um pequeno embrulho de fotografias antigas, entre elas o seu retrato, que parece confirmar o prognóstico da sobrinha: um atraente jovem, de olhar intenso e inquieto.” A história de vida de Mariazinha, a Sra. Dna. Maria Antónia Barbosa de Aguiar, insere-se numa viagem que Manuela Aguiar faz até ao século XVII, numa mistura riquíssima e trepidante, mas em sã convivência, com “outras vidas” que com esta se cruzam, de maridos, irmãos e cunhados, tios e primos, um bispo e até, veja-se o pormenor, um parentesco com a primeira mulher de Camilo Castelo Branco. É muito interessante ver como se podem construir, ou percecionar, como agora está na moda dizer, várias formas de ser e de estar através da descrição da personalidade da figura central. Não resisto a ler só mais este pequeno excerto. Memória de Manuela Aguiar: “Lembro-me do meu pai, esfuziantemente divertido. Só bebia socialmente e tornava-se logo muito mais desinibido, mais despreocupado. A mãe, que vivia em estado de despreocupação permanente, comentava: “Este homem só fica normal quando bebe...” E assim, de uma assentada percecionamos o ambiente alegre e feliz em que viveu Manuela Aguiar, o relacionamento de mãe e pai e um pouco da personalidade de cada um. Aí está mais uma razão por que me apaixonam as histórias de vida, em geral e esta em especial. Poderia contar-vos muitas mais histórias, lendo outros extratos contidos neste livro, fazer o retrato quase fidedigno de Maria Antónia, como se a tivesse conhecido mesmo, e de muitos membros da sua família, tal é a riqueza de pormenores que Manuela Aguiar nos oferece, sobre todos os atores que colocou neste livro. Mas, melhor do que eu, para falar com emoção e credibilidade, de alguém que conheceu pessoalmente e com quem conviveu, está ao meu lado a querida Professora Graça Guedes a quem passo a palavra, usando o título de um livro da escritora italiana Susanna Tamaro: Graça, “vai, aonde te leva o coração”. Espinho, 13 setembro 2025

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

A LENINH E A XANA testemunhos sobre a Tia Mariazinha

Maria Madalena Godinho do Amaral Barbosa de Aguiar Com o seu carismático carácter e férreo temperamento, conseguiu uma proeza épica: Agregar toda a família AGUIAR. Dos mais aos menos jovens todos temos momentos agradáveis para recordar. Ao seu lado era fácil passar do sorriso às gargalhadas; o tempo passava depressa quando nos contava histórias do passado; e o imenso carinho e respeito que nos ensinava a ter por todos os parentes que foram os personagens dessas histórias. A sua força de viver fazia-nos pensar que afinal a vida é um filme onde nós, os protagonistas, devemos investir toda a força de vontade, para que o fim seja a nosso contento. Nunca a esqueceremos querida tia Giginha! Leninha Maria Alexandra Aguiar da Fonseca Querida Tia Q saudades! Saudades daqueles sábados em que se comia broa de Avintes, com muito vinho verde. Que saudades dos pequenos almoços à 1.00 da tarde, na Latina, em Espinho. Que saudades de ouvir a Tia quando me falava no dia dos meus anos e invariavelmente dizia:"Não te esqueças que quem fez o paro foi o Tio Manuel, mas quem cortou o cordão umbilical fui eu..." Mas Tia, estou zangada com a Tia, porque dias antes de ter partido falámos ao telefone e a Tia prometeu-me que esperava por mim para o seu 100º aniversário. Eu cumpri, cá estou, mas a Tia foi embora, sem me dizer nada. Contudo, como a Tia nunca se despedia com um "adeus", mas sim com um "até logo", penso que logo nos havemos de rever. Até logo! Xana Infelizmente chegaram na 25ª hora para a publicação da Blogue história e não estavam, por isso, no ficheiro da fotobiografia, mas serão integrados na 2ª edição...

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

MÃE Os 105 anos ...

Hoje devia ter sido lançada a sua fotobiografia, na coleção "Mulher entre Mundos". O livro foi entregue pela gráfica no dia 20 - o dia dos 103 anos da Tia Lola, mas estava tanta gente ainda de férias, que se tornou necessário adiar. Para 6 de setembro, depois para a semana seguinte. Está, assim , previsto para 13 de setembro, às 15.30, na Biblioteca. No referido dia 20 fui à Feira buscar o livro, com o João Miguel e a Sofia. Visitamos o castelo, onde, em criança, tantas vezes fui com os meus pais e brinquei com a Lecas! Um castelo de boa memória. A capa com o habitual tratamento da coleção - um toque de aguarela.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

SOBRE A FOTOBIOGRAFIA DA TIA MARIAZINHA Esta Fotobiografia, composta pela Manuela Aguiar sobre a Tia Mariazinha - a sua Mãe –, uma personalidade cheia que encheu as nossas vidas desde sempre, é um extraordinário e comovente documento por onde desfila a incrível sucessão dos nossos “passados”, das muitas pessoas que os preencheram e já partiram. Reflecte o calor e a alegria das reuniões familiares que festejavam um aniversário, um casamento, um batizado, ou que festejavam o simples e único prazer de estarmos juntos. Juntos para rirmos, para nos informarmos da vida de cada um, da saúde, dos sucessos e dos planos. Do centro deste turbilhão sentimental, emerge a Tia Mariazinha, ou Tia Giginha como a tratávamos desde muito pequenos. Aparece como uma senhora luminosa, irreverente, generosa, uma deliciosa companhia contagiante. Teve uma longa vida ensombrada pela perda da filha Lecas, quando esta completou vinte anos, que a deixou para sempre intimamente atónita, paralisada por tão profunda e irreparável injustiça. Muitos e muitos de nós a seguiram nesse calvário de saudade porque a Lecas não sai, nem sairá das nossas recordações. Mas a vida continuou. Não deixou que se perdesse o riso cristalino da Tia Giginha, nem as gargalhadas cúmplices com a Lolita - a irmã gémea -, nem o que trocavam de confidencias que só às duas diziam respeito. Irreverente, descia as escadas da sua casa encavalitada no corrimão, gostava do baloiço que tinha no jardim, provocava as jovens da família na tentativa de lhes arrancar segredos, brindava à vida sofregamente. A Fotobiografia faz uma eloquente demostração desta riqueza de vida, faz-nos revê-la enternecidamente entre tantos como o Tio João, o Tio David, o Tio Manuel, a Avó Maria, a Tia Lena, o Tono e o Mário… tantos e tantos com quem foi feliz. A seguir a estes vem outra geração, os mais novos que a vão guardar, que vão passar as suas histórias e vão sorrir sempre que o fizerem. Gostava do amarelo e de Chopin, que tocava ao piano. Do sobrinho Ernesto Fonseca, o Nestó

sexta-feira, 6 de junho de 2025

terça-feira, 1 de abril de 2025

LANÇAMENTO DO LIVRO DA DOCAS - Ivone Ferreira

Lançamento do livro “DOCAS, de Passagem Por Tantos Lugares” 29 de março de 2025 AMM – FACE, Espinho Breve apreciação Quando começa a nossa Vida? A Vida de cada um ou de cada uma de nó s? Para alguns, quando nascem; para outros, quando encontram um propó sito, um amor ou, simplesmente, quando escolhem ser felizes. Para outros, ainda, a vida começa quando decidem vivê-la plenamente, aproveitando cada momento e aceitando desaRios com coragem. Para a Maria Eduarda Aguiar da Fonseca, que, a partir de agora, passo a tratar por DOCAS, a vida começou e recomeçou vezes sem conta. Quando nasceu, quando encontrou propó sitos e ideais, quando viveu a realidade de uma comunhã o solene, ao lado do irmã o Nestó , que ela considerou o momento social mais alto do tempo que passou em Freixeda, ou quando, de repente, só porque sim, porque era essa a sua vontade irreprimı́vel, tomou a “decisã o radical” de ir fazer a festa dos seus 20 anos com o pai, que estava em Luanda. Imaginem a DOCAS, imaginem-se como a DOCAS, que nos obriga a ir lá atrás, ao baú da memó ria, com estas recordaçõ es: “Alguém me retratou no aeroporto da Portela, talvez a minha mãe, de saia justa e sapatos de tacão alto. Quem viaja assim equipada como quem vai para o escritório? E logo eu que sempre me considerei tão prática... Mas ninguém andava de jeans e sapatilhas, naquele Portugal tão arcaico e tão convencional.” Ela é, sem dú vida, uma “Mulher entre Mundos”. A viver cada momento diferente, cada lugar para onde a levavam, ou para onde queria ir. Porquê? Muitas vezes, só porque sim. E nã o será essa a melhor maneira de partir e de chegar? De começar, de recomeçar? 2 Ainda pequenina, levaram-na pelas minas, “algumas em locais que não constam do mapa”, porque o seu pai, engenheiro de minas, residiu em vá rias delas, devido à proRissã o. “Desde as minas da Escarvada, no Douro, da Bejanca, no Minho, à Freixeda, em Trás os montes, da Bica na Beira Alta a Cercal no Alentejo...” Das minas, em lugares quase sem nome, voa até Luanda, a grande capital portuguesa de A[ frica, como lhe chamavam... “Estava na minha fase áurea, única e irrepetível, a consumir a idade dos meus vinte anos, sem obrigações nem canseiras, sem querer saber o que viria depois. Não me foi diRícil encontrar emprego e apaixonar-me um pouco por África. E também me apaixonei, muito, pelo homem que seria num futuro ainda distante, um amor forte e duradouro da minha vida, o Fernando.” Aı́ está outra forma de começar a viver: encontrar um grande amor! E na sua histó ria há , claro, esta histó ria de amor, um amor tantas vezes contrariado, mas com tanta intensidade, com idas e vindas, com admiraçã o mú tua, tã o fora do tradicional, “daqueles tempos”, como a pró pria Docas conta. “Fui a primeira mulher da família a viver uma “união de facto”. (Uniã o de facto... lembram-se do peso destas duas palavras? Já ninguém diz, atualmente, que isto seja algo pouco comum, mas há umas décadas, sabem o que provava? Que a mulher, sobretudo a mulher, era uma mulher de coragem, que aguentava olhares de soslaio, alguns comentá rios escondidos e em voz baixa, e a reprovaçã o envergonhada, mas maledicente, da sociedade). Dessa relaçã o, Docas revela que “O segredo da nossa surpreendente, mas conseguida compatibilidade, foi o facto de nunca termos tentado modiRicar-nos mutuamente. Eu mantive sempre a simplicidade que tanto aprecio (...), ele, pelo contrário, era um requintado colecionador de antiguidades, sempre bem vestido e bem parecido! Quando eu aparecia com algum vestuário elegante, a Manela (a prima, digo eu, que está aqui connosco) comentava, de imediato: “Foi o Fernando quem escolheu esse fatinho?” 3 Lembra, nestas suas memó rias, o emprego na “Caixa de Doenças ProRissionais” e o seu destacamento para o Instituto de Emigraçã o, quando a mesma prima Manuela foi Secretá ria de Estado. Juntando as viagens que fazia com o Fernando, nos verõ es, pela Europa, com os percursos de carro, por quase todo o Portugal, para estar perto dos familiares, e as viagens que teve de fazer, em serviço, construı́mos essa imagem de mulher entre mundos, “de passagem por tantos lugares” que é o tı́tulo deste livro de memó rias, de vidas, de usos e costumes, de pensamentos, de reRlexõ es, mas sobretudo, de verdades cheias de sentimentos, cheias de emoçõ es. A sua escrita é muito clara, leve e cheia de um humor, de um sorriso, de uma alegria que transborda em cada parágrafo, contando histó rias de tios, primas, ou do irmã o Nestó , dentro da sua pró pria histó ria. E na sua histó ria, há , claro, a faceta mais marcante de DOCAS, apó s a reforma. A DOCAS tinha um propó sito que registou no seu livro, no capı́tulo “A minha segunda vida”. E a segunda vida seria como? Pelas suas palavras: “O meu projeto de vida futura era não fazer nada, mas aRinal, acabei por dar início à mais ativa, criativa e empolgante fase da minha vida: a pintar!” Ela que nã o queria fazer nada, aRinal, voltou a ter uma nova vida e recomeçou a pintar a acrı́lico. Foi a Pintura e essas tantas outras atividades que, com certeza, a Rizeram escrever ainda “Aproximava-me dos 70 anos e não sentia a idade” e mais à frente “esses anos intensos deram-me tudo o que podia ter desejado e ainda mais” ... Mas nem tudo foi um caminho livre de espinhos para Docas. Como ela pró pria descreve, com uma lucidez brilhante, real e, talvez, conformada, “Sendo o destino o que é, tantas vezes feito de acasos, lançou-me subitamente, num novo ciclo, o “ciclo das doenças” ... E esse é o ciclo mais duro, mais escuro, mais difı́cil para DOCAS. Como já referi, descreve-o com pormenor suRiciente para, com ela, sentirmos a dor, a angú stia, o medo que perpassou aquando da descoberta de um 4 cancro de mama, mas também a sua coragem e a resiliência, o apoio de alguns amigos e uma nova Vida que construiu... O tempo passa e a DOCAS, hoje, retrospetiva a sua vida, ou as suas vidas, na cronologia das exposiçõ es de pintura que foi realizando, numa reRlexã o interessantı́ssima sobre os tı́tulos dessas exposiçõ es. Escreve assim, na página 146 do seu livro: “Parece que pressenti a sequência do meu futuro na cronologia das exposições realizadas desde a fase da “Passagem da Luz” ou do “Movimento” à “Aridez” Rinal...” E depois, ainda, “Quero viver cada dia, sem prensar no amanhã. Mas com o melhor do passado, muito presente. Gosto mais de olhar os meus acrílicos agora do que gostava dantes. (...) “ No livro seguem-se fotos de qualidade de algumas das suas obras que servem de epı́logo Rinal. “Com alguns deles me despeço desta escrita de memórias, porque creio que falam mais do que quaisquer palavras.” Tem razã o, DOCAS, uma imagem vale sempre mais do que mil palavras, e, por isso, creio ser a altura de terminar esta apresentaçã o, nã o sem lhe dizer que adorei ler o seu livro e que, obras como esta, fazem parte da Histó ria social, cultural e das mentalidades, fazem parte da Histó ria da Vida Privada de Portugal, do chamado “mundo ocidental”, cuja forma de viver e de ser passa por um perı́odo tã o conturbado. Obrigada por este testemunho, que aconselho vivamente. A sua vida, as suas Vidas, sã o realmente uma viagem no tempo e, como diz Henry Miller: "O destino de uma viagem nunca é um lugar, mas uma nova forma de ver as coisas." A sua forma de ver as coisas, de viver as Vidas, está excelentemente retratada neste “DOCAS, de passagem por tantos lugares”. Que bom! Parabéns. Ivone Dias Ferreira Vila Nova de Gaia, 29 de março de 2025