domingo, 14 de setembro de 2025
Minha Mãe ASSIM ERA ELA apresentação de IVONE FERREIRA
Sra. Presidente da Câmara Municipal de Espinho, cara Amiga Maria Manuel Cruz
Dra. Manuela Aguiar, Prof Doutora Graça Guedes e restantes presentes, minhas senhoras, meus senhores, amigos e amigas,
Boa tarde.
Bem-vindas e bem-vindos a mais esta iniciativa, lançamento de novo livro enquadrado na coleção “Mulheres entre Mundos”, da autoria de Maria Manuela Aguiar a quem agradeço, desde já, a confiança que depositou em mim para a apresentação de “Minha Mãe, assim era ela”.
Maria Manuela Aguiar tem-se revelado uma escritora de mão cheia.
E utilizo esta expressão não só para me referir ao talento na escrita, mas também porque se afirma como alguém com uma memória prodigiosa e preocupada com o legado histórico que são usos e costumes de épocas ainda muito próximas de nós, mas que serão, talvez, as mais sacrificadas, as mais esquecidas, porque a seguir a elas, chegou a tecnologia, a pressa de viver, a multidão de elevada iliteracia e a quem deixámos de “pedir contas” do seu passado.
Sei que talvez sejam polémicas estas minhas afirmações, mas socorro-me, por exemplo, de uma notícia difundida há pouco mais de uma semana, pela SIC, em que era afirmado que Portugal está em 2º lugar, entre os 30 países com o nível mais baixo de proficiência em literacia, 46% dos portugueses com idades entre os 25 e 64 anos tem muita dificuldade em interpretar textos e só consegue compreender textos muito curtos e com o mínimo de informação irrelevante.
Ora, se é este o estado em que nos encontramos, como vamos ter vontade de ler, de escrever, de guardar ou de divulgar a nossa História, as histórias da História?
É fundamental que quer a escrita, quer a leitura não se percam. É preciso resgatá-las, restaurá-las.
E este livro é uma peça fundamental para esse resgate.
Conta-nos uma história de vida, integrante da história de uma família, que, por sua vez, integra a história de um território, que integra a história de um país, que integra a História do mundo.
Como todos sabem, mas vale a pena recordar, as histórias de vida nascem nos Estados Unidos. E nascem do confronto entre os migrantes e os nacionais, anteriormente instalados. Os migrantes, ao entrarem naquele “novo mundo”, abandonavam todo o seu passado e sentiu-se que era preciso guardar sinal dessa existência antiga, tão diferente da nova.
Foi igualmente do choque de dois universos que nasceu, na Europa, a necessidade de coletar histórias de vida: por um lado, o universo tradicional, fundado num modelo repetitivo, obediente aos estereótipos e aos arquétipos. Por outro, o universo da modernidade, fundado num modelo cumulativo e de valorização da mudança.
Ambos os percursos, o americano e o europeu, tem como objetivo conservar documentos ameaçados, registar a escuta das últimas testemunhas, manter na memória as formas passadas para que o presente e o futuro façam delas uso, da melhor maneira.
As histórias de vida fazem falar “os povos do silêncio”. Os “não heróis”, as “não heroínas”. Os que não tem o seu nome na placa de uma rua, mas que a ajudaram a construir. As que não foram à guerra, mas foram as obreiras do material que deu vitórias aos guerreiros. As que não votaram, mas que, na tipografia, ajudaram a imprimir os votos.
Estas histórias de vida, sobretudo as que têm as mulheres como figura central, criam em nós a necessidade de nos interrogarmos sobre por que motivo as sociedades diferenciaram tanto homens e mulheres quer na hierarquia quer nas funções.
De tal forma o fizeram que, assim que espreitamos para os bastidores da História, encontramos logo mulheres surpreendentes que chegaram até nós através das suas histórias de vida. Mas que tiveram de se vestir de homens ou de usar nomes masculinos, para realizarem os seus percursos de vida da maneira que desejavam. A primeira, María Perez, uma castelhana que viveu no século XII, e desafiou para um duelo, que venceu, o rei de Aragão, Afonso I. Quando se descobriu que era mulher, foi batizada com o cognome de La Varona. Mais tarde, casou e abandonou a guerra... pela família.
E Joana D’Arc? E Mary Read? A aventureira inglesa que se alistou como soldado no regimento de infantaria da Flandres? E Henrietta Faber, que no princípio do século XIX se disfarçou de homem e trabalhou como “doutor” em Havana? Quando, em 1820, se apaixonou, revelou que era mulher e quis casar. Foi presa, porque em Cuba era proibido as mulheres estudarem e praticarem Medicina.
E porque não recordar também as escritoras que adotaram nomes masculinos? George Eliot, que se chamava Mary Ann Evans, ou George Sand, Amandine Aurore Lucile Dupin, baronesa de Dudevant, ou Victor Catalá, a catalã Caterina Albert i Paradís.
Porque as menciono? Porque elas são um pequeno exemplo de como meia humanidade, a parte feminina, viveu, durante milénios, uma existência frequentemente clandestina e, em grande parte, esquecida, mas sempre muito mais rica do que a forma em que estava presa, sempre acima dos preconceitos e dos estereótipos.
Porque há uma história que é preciso que fique na História e que só pode ser resgatada se lhe dermos voz, se a escrevermos e, sobretudo, se a lermos.
E agora volto à minha leitura desta história de vida que Maria Manuela Aguiar escreveu.
Uma investigação genealógica cuidadosa, meticulosa, profunda e apresentada de uma forma tão interessante que nela mergulhamos e desse mergulho não queremos sair.
Numa escrita saltitante e cheia de energias positivas, Manuela Aguiar incentiva-nos a visitar “uma elegante vivenda na rua do Paissandú, onde não faltava uma discreta águia de asas abertas na fachada”, ou a sonhar com o jovem Alfredo de quem a sua mãe dizia “Devia se um Aguiar bonito, para a minha mãe ser tão benevolente com ele...”. Claro que era. E o mistério é desvendado ao ser encontrado, e cito, “um pequeno embrulho de fotografias antigas, entre elas o seu retrato, que parece confirmar o prognóstico da sobrinha: um atraente jovem, de olhar intenso e inquieto.”
A história de vida de Mariazinha, a Sra. Dna. Maria Antónia Barbosa de Aguiar, insere-se numa viagem que Manuela Aguiar faz até ao século XVII, numa mistura riquíssima e trepidante, mas em sã convivência, com “outras vidas” que com esta se cruzam, de maridos, irmãos e cunhados, tios e primos, um bispo e até, veja-se o pormenor, um parentesco com a primeira mulher de Camilo Castelo Branco.
É muito interessante ver como se podem construir, ou percecionar, como agora está na moda dizer, várias formas de ser e de estar através da descrição da personalidade da figura central. Não resisto a ler só mais este pequeno excerto. Memória de Manuela Aguiar: “Lembro-me do meu pai, esfuziantemente divertido. Só bebia socialmente e tornava-se logo muito mais desinibido, mais despreocupado. A mãe, que vivia em estado de despreocupação permanente, comentava: “Este homem só fica normal quando bebe...”
E assim, de uma assentada percecionamos o ambiente alegre e feliz em que viveu Manuela Aguiar, o relacionamento de mãe e pai e um pouco da personalidade de cada um. Aí está mais uma razão por que me apaixonam as histórias de vida, em geral e esta em especial.
Poderia contar-vos muitas mais histórias, lendo outros extratos contidos neste livro, fazer o retrato quase fidedigno de Maria Antónia, como se a tivesse conhecido mesmo, e de muitos membros da sua família, tal é a riqueza de pormenores que Manuela Aguiar nos oferece, sobre todos os atores que colocou neste livro.
Mas, melhor do que eu, para falar com emoção e credibilidade, de alguém que conheceu pessoalmente e com quem conviveu, está ao meu lado a querida Professora Graça Guedes a quem passo a palavra, usando o título de um livro da escritora italiana Susanna Tamaro: Graça, “vai, aonde te leva o coração”.
Espinho, 13 setembro 2025
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