Da mesma "caixinha das surpresas":
Embora dances à farta,
Não me esqueças, por favor,
Que muita mulher se mata
Na fogueira de um amor...
Naquela noite orvalhada,
Quis confessar-te um desejo:
Um mangerico te dava
Em troca de um simples beijo.
António Aguiar
Paços de Ferreira
(Aqui não há dúvidas quanto à autoria! São quadras manuscritas com a belíssima letra do Tio, num papelinho de época, envelhecido pelo tempo que passou!).
31 comentários:
Mais coisas apareceram do Tio Tónio: por exemplo, um desenho de um emblema para as irmãs bordarem nas camisolas.
Já tinha ouvido falar dessa habilidade, mas agora julgo ter encontrado o original!
Talentoso em muitas artes.
O único que tinha também habilidade para o lado económico da vida - o único que enriqueceu e deixou fortuna aos filhos.
E tinha um charme !
Kika disse
A mim, o Tio lembrava-me o Humphrey Bogart, com os seus fatos completos, lenço na apela e o seu chapéu. A elegância dos anos 40!
Mas o homem mais elegante que vi na minha vida foi o meu marido, de fraque, no dia do casamento do Joca!
Maria Antónia disse
Era o homem mais elegante de Gondomar - e fazia sensação junto do sexo oposto. Muito sex-appeal!
Xaninha disse
Muito charmoso, muito educado, muito agradável!
Xaninha disse
E não esqueço que ajudou muito o meu filho António.
Se ele tivesse seguido os seus conselhos estava rico...
Bia disse
Tinha um sotaque ligeiro de Gondomar, ou melhor do norte, encantador!
Maria Antónia disse
Era muito meu amigo, mas quando era nova, se eu ía sair com um namorado, denunciava-me à Mamã e, quando eu chegava a casa, esperava-me uma bofetada.
O Zé era o contrário, muito mais tolerante. Via e calava-se. Sabia que andava com amigos deles, de confiança. Romances inofensivos.
Xaninha disse
Via-se que gostava muito da família.
Sempre que nos encontrava, vinha cumprimentar todos, o Toninho, eu, os meninos, com ar feliz, e ficava a conversar.
Não convivíamos muito, mas sempre que havia ocasião passavamos bons momentos juntos.
A mim, pouco antes de morrer, ofereceu-me um gracioso coração de filigrana de ouro e disse-me:
"Nunca te ofereci nada. Quero que fiques com uma recordação minha".
Uma linda recordação - do Tio, da sua simpatia e desse sentimento de familia de que falava a Xaninha.
Convivemos um pouco mais quando comprou um andar em Espinho, junto à praia. Fomos lá almoçar muitas vezes, ao domingo!
Era a Leninha que cozinhava cabrito, por ex.- uma grande especialista.
Bonito homem, não muito alto, magro qb, moreno, olhos grandes, expressivos. Mais Aguiar do que Barbosa ou Ferreira Ramos!
Maria Manuela disse
Também acho. Parecido com os primos Aguiar Saraiva - o António, o Zé Armando, até o Manelzinho.
O mesmo tipo.
E tinha aquele sorriso, que podia ser afectivo ou trocista, conforme as circunstâncias. e lhwe ficava sempre bem!
Um ar de homem tranquilo, de bem com as pessoas e com a vida.
Algumas vezes estivemos com os tios António e Antónia, a festejar o aniversário do seu casamento.
E não faltamos, evidentemente, às bodas de ouro.
O dia 28 de Agosto - dia de anos da Mãe, da Meira e da Mª do Carmo.
O maior óbice para a presença da mãe nessas festas não era a coincidência dos aniversários. Era o calor de Agosto... Com a sua alergia a altas temperaturas, sobretudo nos últimos anos, tornou-se difícil arranca-la de Espinho, onde sopram as brisas frescas da maresia.
Poucas gravações em vídeo tenho do Tio. Uma pena!
Tinha uma memória tão fantástica como o da minha mãe, e a vantagem de recordar outras facetas da crónica agora para sempre desconhecida da família. Não só porque era mais velho, como por ter interesses diferentes, naturalmente. Até por ser homem, com outra vivência social, outra perspectiva da história da terra e da família, dos velhos tios republicanos, outra experiência profissional, outro conhecimento das aventuras dos irmãos...
Se este blog tivesse nascido no seu tempo muitos dos hiatos do conhecimento do passado familiar, da história dos Avós estaria suprido.
E teríamos relatos bem narrados, com graça e humor.
Consigo imaginar as páginas que escreveria - não sei é escrevê-las como ele o faria...
Tenho uns 15 ou 20 minutos gravados numa das últimas vezes que esteve aqui em casa. Lembro que fez uns depoimentos, a meu pedido. Tenho que os localizar.
Já estava doente. Era evidente que não teria muito mais oportunidades de recolher os seus testemunhos. mas ele estava com pressa.
Recordo também uma boleia que me deu para o Porto, num dos seus vários automóveis.
Curiosamente, raras vezes andei de carro com ele!
Tinha fartura de carros, de casas, de apartamentos.
Na casa que construiu no terreno da Vila Maria - depois que a parte do fundo foi parcialmente expropriada e
ficou com frente para uma nova rua -guardava algumas preciosas mobílias antigas e esplendidas pratas! Era o que mais me chamava a atenção.
Não havia outros sinais de grande riqueza. Vivia num ambiente de conforto, sim, mas discreto, como ele próprio.
Numa estante, tinha uma fotografia minha!
Dei por ela no dia do funeral - o caixão estava junto a essa estante, por isso tive tempo para reparar no pormenor.
Estava com aspecto tão sereno, um ar tão jovem!
Ninguém diria a idade que tinha, na casa dos 80.
Parecia ter 60. A doença era das que não deixa marcas exteriores...
A juventude não era só de aspecto físico.
Estava lúcido, como a Avó Maria aos 80. Mas a Avó paracia a idade que tinha, com uma fragilidade física contrabalançada pela energia psíquica e o gosto de viver. O Tio António movia-se com a ligeireza de um homem muito mais novo!
E teve uma serenidade exemplar, face à gravidade do seu estado, que não ignorava.
Mantinha o sorriso, a boa disposição a alegria de conviver e conversar. Até ao último momento - até entrar em coma...
Não quero recordar essas visitas ao hospital, quando já não nos podia ver. Quero lembrá-lo como o vi, divertido, bem humorado, pela última vez, no quarto particular do hospital, a dizer que nessa tarde tinha muito que fazer - seguir em directo as cerimónias do funeral de Diana de Gales.
Como as coisas se interligam e sucedem... Na mesma caixinha de papelão onde encontrei as quadras de S João, apareceram várias cartas do Tio, do tempo do seu início de carreira como Tesoureiro da Fazenda Públicas.
Parece que começou em Mangualde. Daí foi promovido para o Funchal - que, como confessa às irmãs, era exactamente para onde queria ir.
Escreve-lhes ainda para o colégio!
Elas eram uns anos mais novas...
Tem uma letra desenhada na perfeição e escreve como falava - com graça e leveza, vendo sempre o melhor ângulo das situações.
E escreve muitas vezes às irmãs!
Outras cartas continuam a registar o roteiro geográfico da sua vida profissional: Paços de Ferreira e Castro Daire.
Já é casado, a Inesinha é tema de conversa. Fala também de mim, promove correspondência entre as primas - a Inês, 3 anos mais nova, mas já a escrever com desembaraço: uns "gatafunhos" gigantes e hesitantes, mas notável para a tenra idade!
Foi sempre precoce a linda Inês, nunca "posta em sossego"
De Paços de Ferreira um cartão fala-nos do Margarido e das suas acrobacias aéreas.
Passava junto à casa com a avionete e, às vezes, até lhes deixava cair, com precisão, pacotes de presentes ou mensagens.
Eu ainda me lembro do deslumbrante Margarido, um homem lindo, atraente, sempre com um soriso e sucesso com toda a gente, de todas as idades, a começar pelas crianças
Também eu o adorava e fiquei chocadísima com a sua morte, numa queda do avião.
Incrível, porque ele era um verdadeiro artista ao comando da sua "nave"! Insuperável!
Duas das missivas do Funchal falam das festas das irmãs Mariazinha e Lola . As tais festas, de que se fala em papéis da mesma caixa.
Descobri mesmo que houve, no princípio e no fim do verão de 1938, duas iniciativas diferentes.
Primeiro, uma festa de meninas, um numeroso número de meninas, que deve ser aquela de que fala o manuscrito da "escritora" Lólita.
Nenhuma das manas se lembra desse acontecimento que deve ser relativamente menor...
Do que falam é do teatro, a que assistiu toda a vila de Gondomar, no "Nuno Álvares" e que foi um marco na sua vida de adolescentes.
Encontrei o programa dessa inesquecível comédia. O relato da Mãe está fundamentalme certo, com um pequeno lapso: a outra criada chamava-se Plácida e não Serena.
Não é grave: sendo um termo sinónimo, não atraiçoa o fio da história.
Uma das visitas (aéreas) do Margarido, nas palavras do Tio Tónio:
"Recebi, hoje, aqui a visita do Às da Aviação que, por vosso intermédio, quero agradecer. O programa agradou e toda a gente se entusiamou a vê-lo.
Junto vai uma planta de Santo Tirso para que, se o Snr. Margarido passar por lá, saiba donde a minha filha lhe poderá dizer adeus".
É fácil imaginar a comoção que o inesperado festival aéreo provocou em Paços, naquele dia 15 de julho de 1947!
Mais se fica a saber pelo sintético cartão que o Tio partiu, de seguida, com a família para Barcelos até 10 de Agosto.
Não há informação precisa, mas possivelmente o Margarido terá mesmo sobrevoado, nos seus famosos voos razantes, as vilas de Santo Tirso e Barcelos - por elas espalhando o alvoroço e a alegria, como tantas vezes aconteceu em Gondomar!
Em 5 de março, notícias sobre o já então animado carnaval madeirense:
"No dia de carnaval, houve cá um cortejo, que foi interesante. Como não sei dançar, pouco me diverti. Na rua principal (Rua da Carreira) quási era impossível passar-se socegado: as velhas e as mais nogentas atiravam-se aos fabianos e à força queriam obrigá-los a jogar o Carnaval, uma piada semi-selvagem. As raparigas mais interessantes - que aliás são muitas - apenas observavam envôltas na sua pacatezz e outras recolhiam-se a bailes familiares. E algumas caras continuam no carnaval, trazendo uma máscara que, mesmo naqueles dias, é custoso admitir".
Curiosas observações, revelando "mixed feelings" em matéria de festejos carnavalescos.
Que eu compreendo e partilho...
Máscaras sufocam-me, só de olhar para elas. E também detesto a partilha forçada de folgedos "semi-selvagens" - expressão muito adequada.
Quanto ás raparigas bonitas, diga-se que o Tio sempre teve bom gosto.
As namoradas - e a mulher com quem casou - eram todas lindíssimas.
Fora com as velhas nogentas!
Noutras das cartas do Funchal, de 24-10-1938, dá-nos conta de que estava á espera de transferência para o continente. Concretamente, para a Figueira da Foz. Que eu saiba, isso não aconteceu. A correspondência irá continuar a partir de Paços de Ferreira - aparentemente o posto seguinte.
Um pequeno extracto:
"...espero o despacho que decidirá se vamos ou não para a Figueira da Foz. A primavera de cá continua ainda e os dias têem estado, até, um pouco quentes.
A abundânciace bananas também é boa e eu creio dever a elas a fortaleza do meu bigode."
Sempre a gracejar, com graça. mas o certo é que o dito bigode lhe ficava muito bem. Há um retrato, de estúdio, desse tempo, que eu considero o melhor de todos os seus retratos!
A meio do século está colocado em Castro de Aire.
Da carta de 14 de Janeiro de 1951:
(...)" A Toninha tem passado mal e o resultado da análise foi positiva, pelo que as Lecas irão ter mais uma priminha. O peor de toda a história é queterá de se sujeitar a uma cesariana, de outra forma, não poderia ter a criança sem que voltasse a ficar com a fístula que teve no outro parto. Já falei ao Mário Barbosa e aos 8 meses e meio será internada e operada pelo Dr. Álvaro Rosas."
A Inês, que está óptima, diz que aguarda a carta da Manela. Ela não tem ido para a escola, que a mãe não deixa para não ficar sózinha".
E há mesmo exemplares interessantes dessa correspondência entre primas. Num deles, eu elogio a Inês, 3 anos mais nova, pela sua bela escrita. Tinha 6 anos e já alinhavava uns dizeres perceptíveis!
A menina que estava para nascer - o Tio falava no feminino e acertou! - era, evidentemente a Léninha.
Meses depois, em Novembro desse ano. escreve :
(...)" Tive a inspecção durante uns dias, que me esgotou - e que, felizmente, me fez bôa justiça - e as miúdas adoentadas. A mãe teve a gripe, a Madaleninha também ficou muito constipada e a seguir doentinha dos intestinos, porque a Inês lhe deu um dole de vinho, enquanto a Toninha virou costas a arrumar umas coisas.Agora, felizmente, estão melhores."
A terrível Inês, rápida como o "Speedy Gonzalez" e sempre a fazer coisas inesperadas - e, muitas vezes, perigosas, ainda que bem intencionadas, como terá sido a tentativa de dar tratamento à tal constipação. Devia saber que no vinho acham melhoras de resfriados os adultos e extrapolou para o bébé... Desta não tinha conhecimento, mas está de acordo com o perfil da prima, enquanto criança...
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