3 - OS MENDES BARBOZA E OS FERREIRA RAMOS
O único forasteiro foi esse avô de porte aristocrático, JOAQUIM MENDES BARBOZA, vindo de um norte não muito longínquo, natural de Santa Maria Madalena de Paredes, filho de António Mendes e de Joaquina Roza Coelho Barboza, Estudara no seminário, que depressa trocaria pelo ensino das Leis. Veio a ser o primeiro tabelião de Gondomar. A secretária onde trabalhava ainda ali existe, na casa de uma bisneta chamada Maria Madalena.
Em 2 de maio de 1870, aos 30 anos, casou na capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em São Cosme, com CAROLINA FERREIRA RAMOS. A noiva, quatro anos mais nova, teve por madrinha a irmã Joanna, outra das voluntariosas e lindas e bonitas filhas de Anna Pereira (cujos pais, José Pereira e Thereza d' Almeida, eram ambos oriundos de São Cosme) e de Joaquim Ferreira Ramos, (filho de Francisco Ferreira Ramos e de Catharina Alves, de Valbom). De Francisco e de Catharina, mais nada se sabe.
O filho, JOAQUIM FERREIRA RAMOS era um abastado comerciante, ou não teria podido comprar, aquando da mudança de Valbom para São Cosme, a quinta da Bela Vista e a sua casa apalaçada. De ANNA PEREIRA há uma única fotografia, em traje de lavradeira rica, de chapéu preto e lenço de seda, ignorando- se o foi, de verdade - ou se estava fantasiada para o entrudo, como então era comum (há vários retratos das netas. com trajes minhotos, de Viana e dos bisnetos, também, um deles, rapazinho, também vestido de vianesa...). Contudo, o pormenor de estar de livro aberto na mão, apontará para a primeira hipótese, assim como a lenda das "Alexandras", ligada a heranças e ambição de terras, "maxime" a uma antepassada que queria impor marido rico à filha, e, não o conseguindo, pois a menina tinha outra opção em vista, praticamente, quase sequestrada dentro de portas, até ao dia em que, ajudada por criados de coração romântico e solidário, e pelo pároco, escapou de, manhã cedo, para a Igreja, e casou, apressadamente, com a benção de Deus, mas não com a da mãe. Esta, suspeitando do que se passava ( a filha levara-lhe à cama, ela própria, bandeja do pequeno almoço, mas não fora ouvida nem vista depois de não ter vindo recolher a bandeja), também correu para o templo. Chegou tarde demais e, em incontrolada fúria, restou-lhe apedrejar o cortejo nupcial, já de saída, a atravessar o adro...
De Joaquim, marido de Anna, também há um só retrato, em idade mais avançada. Um senhor distinto, de olhos claros, e uma extraordinária parecença com o que terá sido o mais atraente e brilhante dos seus bisnetos, Manuel Joaquim, legatário dos cristalinos olhos azuis e do nome, que coincidia com o do avô minhoto, o eterno enamorado de Carolina. Este não teria, segundo o registo chegado até nós, sido, de início, muito bem recebido na Quinta da Bela Vista - nada de apedrejamentos, é certo, no mais brando meio de uma burguesia comercial. Educação, boas maneiras e ascendência ainda não contavam tanto, todavia, como haveres materiais, em que o recém-chegado tabelião, era parco... Belo rapaz, letrado e amável, encantou Carolina, que não desistiu do seu amor, na melhor tradição das "Alexandras". Rapidamente, porém, se converteriam às suas virtudes, como toda a sociedade gondomarense. Tanto as memórias das filhas, como a monografia do Concelho de Gondomar, escrita Camilo de Oliveira, de quem era próximo, o apresentam do mesmo modo, que se pode sintetizar numa palavra: um senhor exemplar! O cidadão, o profissional, o homem de família. Foi longo e feliz o casamento com Carolina, a elegante jovem, depois de oito vezes grávida (a última das quais já quase na casa dos 50 para dar à luz Maria da Conceição) a imponente matriarca, em caráter e temperamento, forte e determinada, mas mais comedida do que as temíveis avós. Um pequeno episódio (e sãotão poucos e fragmentados os diálogos concretos que a narrativa oral trouxe até nós...), será revelador da permanente vontade e facilidade de concórdia na vida do casal: num tempo em que os apelidos dados aos recém nascidos eram de livre escolha de quem os registava, os quatro primeiros rapazes receberam apenas os do pai (Mendes Barboza). Só quando estava à espera do quinto, Carolina se deu conta disso e comentou: "Os meus filhos não têm o meu nome!". Não ocorrera ao marido, que a tratava carinhosamente por "mamã", ter isso especial relevância para ela.. Daí em diante, não só reparou a omissão, como tratou de colocar o apelido da mulher no último lugar, no nosso sistema, o comummente dominante. Os quatro filhos mais novos são, portanto, Barboza Ramos... Foi na vila que o acolheu, personalidade central, sempre discreto e confiável, dando de si, nas muitas fotografias em que perdura, a imagem da pessoa serena e gentil, que, de facto, era para com ricos e pobres.
"Um santo!", nas palavras da filha Rozaura (Barboza Ramos). Rozaura: nome, que se distingue pela raridade, escolhido por ele - porque andava a ler, por altura altura do seu nascimento, um romance de cavalaria com o longo título de "Retiro de Cuidados e Vida de Carlos, e Rozaura". Essa simples alusão, dá-nos a conhecer gosto pela leitura, e uma faceta romântica. Podemos imaginá-lo ao serão, enquanto Carolina bordava peças de enxoval (e muitos bordados primorosos chegaram, em perfeito estado de conservação, ao século XXI) sentado em cadeirões de pau canto e palhinha, ainda agora bem conservado, à luz de um candeeiro de "abat jour" de vidro branco e translúcido (igualmente resistente ao tempo), a saborear as 352 densas páginas daquela escrita antiga e de não fácil decifração para as novas gerações). A saga que lhe ocupava as horas livres começa auspiciosamente numa madrugada ( "Rompia a aurora..." , continua em longas narrativas de guerras, conflitos e mil e um obstáculos que vão adiando a união dos jovens, só alcançada no final feliz, com a etnográfica descrição do cortejo nupcial em direção à Igreja: "levando a Marqueza Rozaura da mão e Dom Manrique a Carlos ao lado direitto e assistiao ao seu recebimento e quando voltaram por quantas ruas passarao choviam infinitas flores das janelas, com repetidos vivas. Cedo com sua espoza Rozaura para Rezzo virao. Laus Deo".
Rozaura Barboza Ramos não teria tão vistoso casamento, nem iria para Rezzo, quedar-se- ia por Gondomar, também feliz, com um viúvo muito amável, chamado Manuel Marques. O pesado livro de capas de couro ser-lhe -ia, mais tarde, dado como presente, que legaria a sua afilhada Maria Antónia, diligente guardadora de quaisquer preciosidades de valor afetivo..
Joaquim Mendes Barboza, o grande leitor de romances,era monárquico regenerador e dedicado homem de família, contudo, com as origens (Bitarães. Penafiel, Paredes), parece ele ter mantido escassos contactos. Talvez os pais, em 1970, tivessem já falecido. Certo é que deles não há memória nas crónicas familiares, nem de outros parentes, com a exceção de um sobrinho, que era Visconde de Paredes (ou um dos filhos do Visconde) e namorou a filha mais nova, Maria da Conceição. Vinha, garboso e galante, a cavalo, namoravam no mirante, mas ela, após alguma hesitação, preferiu o "brasileiro" António Carlos, que, segundo disse muitas vezes, a olhava, apaixonado, com uns grandes e expressivos olhos verdes, como jamais vira outros.
Os demais antepassados de Maria Antónia têm, invariavelmente, raízes fundas em Gondomar, a (então) pacata vila que recebera, antes da fundação do reino de Portugal, o nome de um rei godo. Do lado paterno, os Pereira e Aguiar da Gandra, do materno, os bisavós Anna e Joaquim, da Quinta da Bela Vista, (quinta na geração seguinte, vendida a estranhos, não se sabe ao certo quando, mas largas décadas antes da sua demolição, durante os mandatos autárquicos do Major Valentim, que terá manobrado no sentido de a "desclassificar" pela retirada do selo protetor de património de interesse público)
Alguns dos numerosos irmãos de Carolina, seguiram as pisadas do pai, e, com a sua vocação empresarial, enriqueceram, caso de MANUEL GUEDES (Ferreira Ramos), que dá o nome à praça do Município em Gondomar, e ANTÓNIO FERREIRA RAMOS, emigrado para o Brasil, onde lançou com um Salgado Zenha, (decerto antepassado do que ficou na história da nossa democracia), uma sociedade próspera, a "Ramos e Zenha". Desse Tio gostava muito a Maria da Conceição (que viria a ser Maria Aguiar). Com ele manteve correspondência assídua e trocou retratos, seguindo o seu percurso e o dos filhos, que ocupam várias páginas num gracioso álbum de capa de veludo arroxeado. Este António casou com Carolina Silveira Martins, (irmã do Governador do Rio Grande do Sul, que se notabilizou nos primeiros anos da República brasileira). e tornou-se um verdadeiro patriarca de incontável descendência, hoje espalhada pelo sul do Brasil, de Bagé, onde morou, a São Paulo, e aos confins do Uruguai.
Desses inúmeros primos que, separados pelo oceano, se desconhecem, só dois se encontrariam, um dia, em fins do século XX, em Brasília, os primos Maria Manuela Aguiar, Vice-Presidente da Assembleia da República Portuguesa, e Sá Azambuja, Senador da República Federativa do Brasil, ambos descendentes diretos, e no mesmo grau, de Anna e Joaquim..
Um outro ANTÓNIO FERREIRA RAMOS era filho de Manuel Guedes, e também muito próximo da prima direita Maria da Conceição. A vida levou-o para longe, embora um longe menos longínquo, (Lisboa), depois do casamento com uma filha de Ramalho Ortigão, de quem descendem todos os Ortigão Ramos, Foi, entre outros empreendimentos, proprietário do teatro que é hoje o São Luís e, tal como o pai, um benfeitor da terra mátria. Camilo de Oliveira, nas memórias de Gondomar, lembra que instituiu bolsas de estudos, em igual quantidade e montante para rapazes e raparigas. A instrução feminina foi uma das causas republicanas, defendida pelo movimento feminista, e, também por muitos homens, companheiros de crenças revolucionárias, como este gondomarense, genro de Ramalho.
Manuel Guedes, conhecido pelo republicanismo militante, não cheou a ver o fim do regime monárquico, mas o seu nome continuava presente, e foi dado, nos alvores do novo regime, à Praça onde tivera, antes de se fixar no Porto, uma loja comercial, no casarão, de azulejos, que ainda lá está, em frente à Câmara - o que, infelizmente, se não pode dizer da Vila Maria, ou da Quinta da Boavista, da qual resta um pequeno lago de pedra, transplantado para junto da capela do Monte Crasto, a crer numa história contada, no café do Castro, num dia da comunhão solene de uma Joana do século XXI, por um simpático velhinho anónimo, que se gabava de ter frequentado a propriedade.
Os filhos de Carolina e Joaquim afastaram-se do mundo de atividades empresariais, que tinha feito a fortuna de avós e parentes.Tal como o pa,i enveredaram, quase todos, por carreiras do funcionalismo público, os três mais velhos, Alberto, António e Alexandre e o mais novo, José Barbosa Ramos, advogado e deputado pelo Porto, que acabaria por ingressar na magistratura judicial. Em vez de servir o Estado, AMÉRICO dedicou-se ao serviço de Deus, e foi um padre bondoso e querido dos paroquianos. Temperamentalmente, o mais próximo do pai....
ALEXANDRE MENDES BARBOZA começou como Secretário da Administração e, mais tarde, foi Administrador do Concelho. Sempre envolvido na vida cultural de São Cosme, esteve entre os fundadores do Clube Gondomarense e pertenceu aos seus executivos, Era alto, bonito e elegante, apreciador de teatro, assíduo frequentador do Sá da Bandeira e das tertúlias da "Brasileira". E, ocasionalmente, poeta, também, embora dos seus versos só uma quadra tenha sido conservada pela sobrinha Maria Antónia:
"Morre um afeto, outro nasce
Passa um desejo, outro vem
Depois de um sonho, outro sonho
De tantos que a vida tem"
Afetos femininos não lhe terão faltado na juventude, era, entre os seus elegantes irmãos, o mais bem parecido...
Casou com HERMÍNIA, senhora alegre e recatada, que aceitava, como boa, a sua constante intervenção cívica e cultural. Um só grande desgosto na vida a dois, a morte da única filha, ainda pequenina. Ambos gostavam de crianças e dedicaram-se aos sobrinhos, filhos da irmã/cunhada Maria, que tão cedo enviuvou - sobretudo, à mais nova, Maria Madalena,orfã de pai com apenas 3 meses. Foi criada mais com eles do que com a própria mãe. O convívio era facilitado por morarem em frente à Vila Maria. O ambiente de concórdia e serenidade do seu lar, de tal modo moldou o espírito da pequena Madalena e o seu modo de estar na vida, que nem se diria parte do grupo dos buliçosos irmãos e irmãs Barbosa Aguiar. Parecia filha da Tia Hermínia, na sua postura sereníssima, na dedicação a todos os animais, em geral, e a gatinhos, em especial.
Deste tio falecido pouco depois de acabar a 2ª Grande Guerra, mal se lembram os sobrinhos netos. Republicano e laico, embora tolerante, pois os opositores começavam na família mais íntima, sempre procurou moderar os ímpetos de excessiva generosidade com que a irmã Maria enchia as caixas de peditórios da igreja, não com muito sucesso. Maria Aguiar não fora acostumada, durante o casamento, a preocupações de economizar em coisa alguma, e muito menos nas dádivas à paróquia....Para surpresa geral, reconciliou.se com a fé da infância à beira da morte e pediu que lhe chamassem um padre para uma última confissão. Chamado pela amiga, Senhora Dona Maria Aguiar, acorreu, de imediato o Abade Andrade, irmão do Bispo do Poro Dom Florentino. Com ele ficou longamente, em confissão e em conversa, e foi ele que ouviu as suas últimas palavras. Saiu do quarto, comovido, e disse à família ali reunida . "Acaba de morrer um santo". Os amigos republicanos e laicos, (laicos como ele fora até aos momentos derradeiros), e anti-clericais, diriam o mesmo, de outra forma. Talvez: "morreu um justo". Os sobrinhos Aguiar choravam a partida do segundo pai
Igualmente republicano, mas mais revolucionário no campo da luta, era ANTÓNIO, o anarquista, que foi, várias vezes, preso no Aljube, e, durante o consulado de Sidónio, degredado em Angola. O degredo foi, porém, não só uma pausa nas escaramuças políticas, como oportunidade de conhecer paisagens, gente e costumes, com os quais se deu bem, e de se lançar em negócios razoavelmente rentáveis. Que ramo de negócios? Lá não se sabe, cá, após o retorno, parece ter investido num "café - concerto", onde terá falhado a aventura empresarial.
Voltou a um emprego de funcionário... e continuou frequentador do meio, onde recrutava as companheiras espanholas, a última das quais, Teresita, lhe sobreviveu.
Igualmente republicano, mas mais revolucionário no campo da luta, era ANTÓNIO, o anarquista, que foi, várias vezes, preso no Aljube, e, durante o consulado de Sidónio, degredado em Angola. O degredo foi, porém, não só uma pausa nas escaramuças políticas, como oportunidade de conhecer paisagens, gente e costumes, com os quais se deu bem, e de se lançar em negócios razoavelmente rentáveis. Que ramo de negócios? Lá não se sabe, cá, após o retorno, parece ter investido num "café - concerto", onde terá falhado a aventura empresarial.
Voltou a um emprego de funcionário... e continuou frequentador do meio, onde recrutava as companheiras espanholas, a última das quais, Teresita, lhe sobreviveu.
. Também ALBERTO MENDES BARBOZA esteve preso no Aljube, ainda rapaz solteiro, Casou com a simpática ZARITA, foi um mais pacato pai de família - pai de um médico e sogro de um pintor, Mário Ferreira, casado com a sua linda e inteligente filha Maria Isabel (Mimi), grande amiga da prima Maria da Conceição de quem era apenas alguns anos mais nova. Mimi teve uma única filha, Maria Laura, que casaria com Luís Aragão, um homem encantador, que foi despachante da Alfândega do Porto, quando esse cargo estava num alto patamar lucrativo e prestigiado. Dois filhos, a lindíssima Anabela (Bebinha) e o Luís. Ficaram famosas as festas que davam em sua casa no Porto, onde as primas Aguiar nunca faltavam .
JOSÉ BARBOSA RAMOS casou com senhora de ilustres famílias beirãs, CELESTINA MESQUITA DE ABREU, a tia Celestina de perfil aparentemente não muito diverso do da tia Hermínia, a cunhada minhota, também ela de boas famílias (antiga aluna interna de bons colégios de freiras porque o pai enviuvara quando ela era menina). Tiveram dois filhos, José Joaquim (Zé Quim) e Celestina (Tininha) Mesquita d' Abreu Barbosa.. Viviam na casa que fora dos antepassado Carolina e Joaquim, perto da Praça Manuel Guedes e foram sempre companheiros de brincadeira dos primos Barbosa Aguiar, A Tininha será a primeira mulher da família com curso universitário (Farmácia) e exerceu, como diretora e proprietária de uma Farmácia em Valongo. O Zé Quim, licenciou-se em Histórico - Filosóficas e foi Bibliotecário da Universidade de Coimbra. Na geração anterior, o pai distinguira-se, como político, à frente de um jornal de intervenção e como deputado pelo Porto, como advogado e, seguidamente, como Juiz. Fez, na Magistratura, um percurso fulgurante, e acabaria aposentado compulsivamente do Supremo Tribunal de Justiça, onde era o mais jovem Conselheiro de sempre. José Joaquim era um homem inteligemte e culto, com o sentido de humor mordaz, que se atribui aos Barboza, (embora venha , de facto, no ADN dos Ferreira Ramos:::), e imenso "charme", teve mil e uma namoradas até casar com Maria da Luz Biscaia (luzinha), e politicamente levou o progressismo paterno para dentro das fronteiras do PCP (afastando-se, depois da revolução de 74 para o MDP/CDE e áreas mais compatíveis com a sua irreverência de espírito , não longe do mesmo quadrante ideológico)
Monárquicos, também os houve na família,, como já foi dito. Caso de AMÉRICO MENDES BARBOZA. Mmonárquico regenerador, como o pai e as irmãs. Rozaura, Glória e Maria da Conceição (de Carolina, a mãe, se ignoram, de facto, as convicções políticas, embora não custe admitir que fosse monárquica, como tendiam a ser as mulheres, mais do que os homens.... Ideologicamente divididos , mas afetivamente unidos, nunca deixaram que isso interferisse na boa relação quotidiana.. Nos anos 30, várias vezes António se refugiou, onde a polícia do regime nunca se lembraria de o procurar, na "Vila Maria" junto da irmã que dava o nome à Vila e era uma cidadã acima de toda a suspeita, catolicíssima e dirigente local da "Obra das Mães". Às criadas dizia: "Daquele Senhor, que está lá em cima, não se fala a ninguém". E elas não falaram. Nas últimas vezes, esteve ele acompanhado da sua companheira espanhola, a Teresita, e de um cãozinho. Era viúvo já, mas da falecida mulher nada consta - à sua memória mais se associa a ex-bailarina espanhola e o cão que, no seu funeral (civil, exatamente como quis) ficou sentado no chão, durante o velório, ao lado de um busto da República. Nenhuma das irmãs acompanhou o cortejo fúnebre até ao cemitério. Ficaram a chorar a sua morte, dentro de casa, de portas e janelas fechadas. Um enterro laico era, para aquela geração, uma morte eterna pior do que a morte terrena. Ainda não viam Deus como suficientemente justo para receber nos céus um bom ateu, como hoje crescentemente se acredita, tanto ou mais do que num Deus concreto...
Das filhas de Carolina, GLÓRIA BARBOZA RAMOS foi a única que quis continuar estudos, no Porto. Os rapazes seguiram, um para o seminário, todos os outros para os colégios da cidade, embora só um, por sinal, o mais novo. se formasse na Universidade de Coimbra. Para as meninas, o ensino oficial era facultativo - depois do primário, podiam ter, em casa, aulas de piano de língua e "cultura geral", sem grande rigor ou obrigação e aprendiam as artes domésticas de cozinhar e bordar... Glória terminou, com facilidade, o curso do Magistério na Escola Normal, tornando-se uma pioneira na família. Contudo, não chegou a exercer o cargo de professora - a tuberculose levou-a aos 21 anos. Do Porto, terá trazido, além do diploma, uma doença incurável, a tuberculose. Escolheu ficar em casa, não ir para um sanatório de montanha, como quem vai para o exílio. Rozaura, a irmã mais velha, aceitou trata-la dedicadamente, como faria, anos depois, com o irmão, o bondosíssimo Padre Américo, que morreu com aura de santo entre os paroquianos.
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Glória, ao contrário de Rozaura, era uma rapariga moderna, de uma formosura mais exuberante. Não hesitava em passear, na modesta vila de São Cosme, os seus vestidos citadinos, levando com ela, lado a lado, igualmente alta e chique, Maria, e, atrás, consumida e vigilante, a mana mais baixinha e modesta, com nome de heroína de romance. Paravam os moços de Gondomar, espantados para as ver pisar terra batida como quem caminha em passadeira vermelha e atiravam às meninas piropos e galanteios, a, que, às vezes, horror dos horrores, elas ripostavam (ou melhor, no singular, ripostava Glória, ria Maria, discretamente, e quase chorava a mais conservadora, com o despropósito). Seria a jovem professora "feminista"? Dir-se.ia que sim, fica a dúvida - as manas não desvendariam o mistério. apenas contaram que era excelente amazona e namorava um primo Lobão. São muitas fotografias que dela nos dão uma imagem de beleza e de auto-confiança, a coincidir com a opinião transmitida pelas irmãs. Um seu retrato de grandes dimensões, que dominava a galeria dos retratos de casa da irmã Maria, foi muitas vezes emprestado, tal como o piano, para as récitas e peças de teatro da Ala Nuno Álvares, como decoração em palco de salas de visitas, dominadas por imponentes quadros de parede...(incrível a cedência do pesadíssimo piano alemão, "Riese", que fazia o curto trajeto para o Souto em carro de bois, segundo os relatos de Maria Antónia, ela própria executante musical e atriz de várias comédias, que divertiam a boa sociedade Sãocosmense,...).
ROZAURA BARBOZA RAMOS, a incansável enfermeira dos dois irmãos, não pode, por fim, evitar o contágio... Mas não ficaria a ser tratada em casa - decisão sua (para poupar mais riscos no círculo próximo) ou dos próprios pais, talvez cada vez mais crentes na solução hospitalar? Resta a dúvida. Partiu para o sanatório do Caramulo, onde ficou por muitos meses. Aí viveria a grande paixão da sua vida, com um médico que lhe retribuia o sentimento, o Dr Manso, ou Amâncio, também ele já atingido pela tuberculose. A doença os reuniu e os acabaria por separar, porque ela curou-se e ele não, pelo menos, nessa fase. Guardou numa caixinha, atadas com uma fita de seda, as cartas que ele lhe escreveu, deixando dito que queria que fossem enterradas com ela. E assim seguiram com ela, para o seu jazigo em São Cosme, sem que ninguém ousasse abri-las e lê-las.
A Gondomar regressou, pois, saudável, tendo resistido a dietas espantosas, (que incluíam uma dúzia de ovos por dia) e fazendo muitas amigas, sobretudo do sul do país, meninas da alta burguesia, igualmente arrancadas à morte certa pela competência do Dr Manso (ou Amâncio). Com elas se correspondia e, por várias vezes, visitou as melhores amigas nas suas quintas dos arredores de Lisboa. Estava num solar de Benfica, em 1908, aquando do regicídio, e pode assistir, com a anfitriã, às exéquias do Rei D Carlos e do Principe Real Luís Filipe, muito formoso e loiro no caixão, com os vestígios mal disfarçados da bala que lhe atravessou a têmpora. Se monárquica já era, mais intransigente se sentiu. Contudo, o médico beirão era republicano, amigo de Afonso Costa, que, um dia, lhe apresentara durante um passeio na serra, em que aquele político acompanhou um seleto grupo de convidados, doentes já no bom caminho da cura. Desses passeios frequentes há imagens muito bonitas, junto a quedas de águas. Algumas até foram encaixilhadas e chegaram bastante sumidas ao presente. Em nenhuma delas, porém, se vê o famoso Afonso. Certo é que a jovem de Gondomar terá tido uma intensa vida social, entre tempos de repouso forçado, naquela verdadeira "Suiça portuguesa", de que falava com entusiasmo. .
Sobreviveu, rija e saudável, até ao ano em que completaria o seu centenário (1979), Casou, anos mais tarde, já com mais de 30 anos, com o simpático viúvo, funcionário da Contrastaria, MANUEL MARQUES, muito estimado por Maria e António Aguiar, como se comprova pelo convite para ser padrinho da Maria Antónia
Do primeiro casamento tinha ele um filho já adulto, Armando, de quem todos gostava, mas com quem conviviam pouco. Morava, talvez em Braga, de onde, tal como o pai, era natural. De Braga, ficou famosa nos Natais de Gondomar uma receita regional de "formigos" ou "mexidos", doce delicioso, à base de pão, mel, pinhões e passas, que ninguém fazia tão bem como a Tia Rozaura - artista incomparável, tanto na cozinha, como nas rendas e bordados, que saiam das sua mãos. Aos 95 anos, terminou uma enorme colcha em crochet, da mais alta complexidade técnica! - e mais teria empreendido, se as sobrinhas não a dissuadissem, receando pela sua saúde, porque exagerava no andamento do trabalho, com receio de morrer e deixar a obra inacabada...
Do primeiro casamento tinha ele um filho já adulto, Armando, de quem todos gostava, mas com quem conviviam pouco. Morava, talvez em Braga, de onde, tal como o pai, era natural. De Braga, ficou famosa nos Natais de Gondomar uma receita regional de "formigos" ou "mexidos", doce delicioso, à base de pão, mel, pinhões e passas, que ninguém fazia tão bem como a Tia Rozaura - artista incomparável, tanto na cozinha, como nas rendas e bordados, que saiam das sua mãos. Aos 95 anos, terminou uma enorme colcha em crochet, da mais alta complexidade técnica! - e mais teria empreendido, se as sobrinhas não a dissuadissem, receando pela sua saúde, porque exagerava no andamento do trabalho, com receio de morrer e deixar a obra inacabada...
Foi uma velhinha encantadora, com uns olhos vivos e perspicazes, gostava de falar por aforismos e provérbios, e até de usar um "calão" ligeiro, (que escandalizava a irmã e afilhada Maria, incapaz de dizer uma palavra imprópria) . Eram radicalmente diferentes, Maria sempre pronta a sair, a passear, a conviver, a liderar iniciativas e a influenciar o seu círculo social, enquanto Rozaura de bom grado se quedava em casa, tricotando, conversando e lendo (sobretudo jornais, analisados de ponta a ponta), vendo televisão, sempre recatada e serena, embora pudesse fazer comentários certeiros e ácidos, a quem, perante ela, caía no ridículo ou a quem conseguia desmascarar jogadas de intriga ou oportunismo,
Numa pessoa tão prudente, hábil e sábia se estranha a decisão mais errada que tomou na vida e de que haveria de se arrepender: - um segundo casamento, já quase sexagenária, com um "brasileiro" de torna-viagem. MANUEL LIMA. Revelou-se homem de mau feitio, que a sua serenidade foi suportando, até que se viu viúva, de novo, e em pior situação financeira, depois da dispendiosa doença que levou o falecido. Com muito sentido prático, hábitos antigos de poupança e o apoio de uma criada dedicadíssima, Maria da Conceição Póvoas, atravessou aqueles tempos em que não existia segurança social, vendendo apenas uma pequena quinta muito bonita, "a Passagem". Conservou tudo o resto, as "relíquias de família", de que era legatária - móveis, loiças, jóias, bordados, linhos e "bibelots" - contando à afilhada Maria Antónia, a história longa de cada peça. E com a afilhada, no Porto e, depois, em Espinho, passaria, os últimos trinta anos, sempre uma companhia agradável para várias gerações de sobrinhos, que escutavam as suas histórias. Consigo trouxe recordações, pertences do maior valor afetivo e uma criada fiel, já não a Maria, mas uma sucessora, chamada Olívia Pessegueiro (mais outro traço distintivo entre irmãs, saber ou não manter o pessoal doméstico, que na Casa da Pedreira ficava décadas e na Villa Maria mudava constantemente)
ROZAURA BARBOZA RAMOS, a incansável enfermeira dos dois irmãos, não pode, por fim, evitar o contágio... Mas não ficaria a ser tratada em casa - decisão sua (para poupar mais riscos no círculo próximo) ou dos próprios pais, talvez cada vez mais crentes na solução hospitalar? Resta a dúvida. Partiu para o sanatório do Caramulo, onde ficou por muitos meses. Aí viveria a grande paixão da sua vida, com um médico que lhe retribuia o sentimento, o Dr Manso, ou Amâncio, também ele já atingido pela tuberculose. A doença os reuniu e os acabaria por separar, porque ela curou-se e ele não, pelo menos, nessa fase. Guardou numa caixinha, atadas com uma fita de seda, as cartas que ele lhe escreveu, deixando dito que queria que fossem enterradas com ela. E assim seguiram com ela, para o seu jazigo em São Cosme, sem que ninguém ousasse abri-las e lê-las.
A Gondomar regressou, pois, saudável, tendo resistido a dietas espantosas, (que incluíam uma dúzia de ovos por dia) e fazendo muitas amigas, sobretudo do sul do país, meninas da alta burguesia, igualmente arrancadas à morte certa pela competência do Dr Manso (ou Amâncio). Com elas se correspondia e, por várias vezes, visitou as melhores amigas nas suas quintas dos arredores de Lisboa. Estava num solar de Benfica, em 1908, aquando do regicídio, e pode assistir, com a anfitriã, às exéquias do Rei D Carlos e do Principe Real Luís Filipe, muito formoso e loiro no caixão, com os vestígios mal disfarçados da bala que lhe atravessou a têmpora. Se monárquica já era, mais intransigente se sentiu. Contudo, o médico beirão era republicano, amigo de Afonso Costa, que, um dia, lhe apresentara durante um passeio na serra, em que aquele político acompanhou um seleto grupo de convidados, doentes já no bom caminho da cura. Desses passeios frequentes há imagens muito bonitas, junto a quedas de águas. Algumas até foram encaixilhadas e chegaram bastante sumidas ao presente. Em nenhuma delas, porém, se vê o famoso Afonso. Certo é que a jovem de Gondomar terá tido uma intensa vida social, entre tempos de repouso forçado, naquela verdadeira "Suiça portuguesa", de que falava com entusiasmo. .
Sobreviveu, rija e saudável, até ao ano em que completaria o seu centenário (1979), Casou, anos mais tarde, já com mais de 30 anos, com o simpático viúvo, funcionário da Contrastaria, MANUEL MARQUES, muito estimado por Maria e António Aguiar, como se comprova pelo convite para ser padrinho da Maria Antónia
Do primeiro casamento tinha ele um filho já adulto, Armando, de quem todos gostava, mas com quem conviviam pouco. Morava, talvez em Braga, de onde, tal como o pai, era natural. De Braga, ficou famosa nos Natais de Gondomar uma receita regional de "formigos" ou "mexidos", doce delicioso, à base de pão, mel, pinhões e passas, que ninguém fazia tão bem como a Tia Rozaura - artista incomparável, tanto na cozinha, como nas rendas e bordados, que saiam das sua mãos. Aos 95 anos, terminou uma enorme colcha em crochet, da mais alta complexidade técnica! - e mais teria empreendido, se as sobrinhas não a dissuadissem, receando pela sua saúde, porque exagerava no andamento do trabalho, com receio de morrer e deixar a obra inacabada...
Do primeiro casamento tinha ele um filho já adulto, Armando, de quem todos gostava, mas com quem conviviam pouco. Morava, talvez em Braga, de onde, tal como o pai, era natural. De Braga, ficou famosa nos Natais de Gondomar uma receita regional de "formigos" ou "mexidos", doce delicioso, à base de pão, mel, pinhões e passas, que ninguém fazia tão bem como a Tia Rozaura - artista incomparável, tanto na cozinha, como nas rendas e bordados, que saiam das sua mãos. Aos 95 anos, terminou uma enorme colcha em crochet, da mais alta complexidade técnica! - e mais teria empreendido, se as sobrinhas não a dissuadissem, receando pela sua saúde, porque exagerava no andamento do trabalho, com receio de morrer e deixar a obra inacabada...
Foi uma velhinha encantadora, com uns olhos vivos e perspicazes, gostava de falar por aforismos e provérbios, e até de usar um "calão" ligeiro, (que escandalizava a irmã e afilhada Maria, incapaz de dizer uma palavra imprópria) . Eram radicalmente diferentes, Maria sempre pronta a sair, a passear, a conviver, a liderar iniciativas e a influenciar o seu círculo social, enquanto Rozaura de bom grado se quedava em casa, tricotando, conversando e lendo (sobretudo jornais, analisados de ponta a ponta), vendo televisão, sempre recatada e serena, embora pudesse fazer comentários certeiros e ácidos, a quem, perante ela, caía no ridículo ou a quem conseguia desmascarar jogadas de intriga ou oportunismo,
Numa pessoa tão prudente, hábil e sábia se estranha a decisão mais errada que tomou na vida e de que haveria de se arrepender: - um segundo casamento, já quase sexagenária, com um "brasileiro" de torna-viagem. MANUEL LIMA. Revelou-se homem de mau feitio, que a sua serenidade foi suportando, até que se viu viúva, de novo, e em pior situação financeira, depois da dispendiosa doença que levou o falecido. Com muito sentido prático, hábitos antigos de poupança e o apoio de uma criada dedicadíssima, Maria da Conceição Póvoas, atravessou aqueles tempos em que não existia segurança social, vendendo apenas uma pequena quinta muito bonita, "a Passagem". Conservou tudo o resto, as "relíquias de família", de que era legatária - móveis, loiças, jóias, bordados, linhos e "bibelots" - contando à afilhada Maria Antónia, a história longa de cada peça. E com a afilhada, no Porto e, depois, em Espinho, passaria, os últimos trinta anos, sempre uma companhia agradável para várias gerações de sobrinhos, que escutavam as suas histórias. Consigo trouxe recordações, pertences do maior valor afetivo e uma criada fiel, já não a Maria, mas uma sucessora, chamada Olívia Pessegueiro (mais outro traço distintivo entre irmãs, saber ou não manter o pessoal doméstico, que na Casa da Pedreira ficava décadas e na Villa Maria mudava constantemente)
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