sábado, 25 de janeiro de 2025
Sobre a minha mãe
Ontem já distribuí algumas das cópias dos livros que me deste, inclusive ontem passei a tarde nos avós e entreguei-lhes uma cópia e eles adoraram… disseram que guardam muita estima por ti, pela Tia Giginha e pelo resto da família e que a casa deles está sempre aberta para vocês. Curiosamente passamos a tarde a folhear algumas das páginas do livro em conjunto e a ouvir as histórias que os avós recordam sobre a nossa família. Ambos dizem que recordam a Bisavó Maria sempre arranjada, de echarpe lilás e chapéus imponentes. O avô recorda ainda que em miúdo curiosamente ia ajudar a cuidar do pomar da Vila Maria junto com outros miúdos. Recorda ainda que a casa deles na Pedreira fazia muto com a casa da Tia Rozaura e de alguns episódios que jogavam à bola e algumas vezes ia parar ao terreno da Tia Rozaura. O avô contou ainda uma história da Tia Giginha ainda miúda em ter curiosidade em ir à oficina de ourivesaria do pai do meu avô e de estar muito curiosa em como se faziam as peças, perguntou como é que soldavam as peças e outras partes do fabrico de jóias. O avô diz ainda que se lembra bem do teu pai, que pensa ser de Avintes e que trabalhava no Porto numa associação de ourives também (não sei se se confirma verdade). Os avós recordam ainda a beleza das roseiras da Vila Maria e da casa, o avô reforça ainda que a casa era um marco da cidade e se hoje se mantivesse erguida poderia ter servido eventualmente como fundação ou biblioteca municipal. Isto entre outras histórias que agora não me recordo. Mas muito engraçado como os dois se lembram de tanta coisa e como o livro nos permitiu ter conversa para a tarde toda. Os avós disseram que iam ler o livro e depois quando se lembrassem de mais histórias me contavam. Quem sabe se talvez no novo livro os avós consigam dar algum do seu input? Achava muito engraçado e eles iam adorar.
. O pai manteria o vai-vem solitário, por mais algum tempo, a fechar os negócios, onde se tinha feito um homem rico, com joalharia na Rua do Ouvidor. e com o projeto de integrar uma sociedade bancária, que a morte prematura iria inviabilizar. Fez a derradeira travessia no paquete Lipari, da companhia "Chargeurs Réunis",.em 17 de fevereiro de 1926.
Foi no dia 5 de outubro de 1910 que em Lisboa implantaram a República. Há 113 anos.
Os nossos avós, que tinham casado em 10 de setembro estavam num hotel na Praça da Figueira. Não só estavam em lua-de-mel, mas também estavam à espera de embarcar para o Rio de Janeiro, onde o avô António Carlos Pereira d'Aguiar, exercia a sua profícua vida profissional.
Estavam a vestir-se quando ouviram a multidão e lhes entrou pela janela uma bala, que ficou alojada no guarda vestidos.
Com um canivete o avô tirou-a e guardou-a.
Ele faleceu de aneurisma cardíaco em 10 de julho de 1926, tinha 40 e poucos anos. Ela, Maria da Conceição faleceu de pneumonia em 28 de Março de 1977, com quase 90 anos e uma fabulosa memória. Nasceu em 6 de agosto de 1888.
Guardava com carinho essa bala, que eu vi, assim como guardava tudo o que dizia respeito ao avô. Até a simples pétala duma flor que ele lhe ofereceu. Idolatrava-o.
Nunca mais dormiu no quarto do casal. Dormia na cama onde ele morreu. Mobília que eu comprei e que orgulhosamente tenho na quinta do Marco de Canaveses. É o meu quarto.
De tempos a tempos, a avó convidava-me para dormir no quarto grande, que estava sempre fechado à chave. Dizia que mais ninguém deixava tudo a brilhar, como eu. Deitava-me cansada, mas sentia-me uma princesa, porque dormiria numa cama com colchão de penas, com cortinas e banquinho com degraus para entrar e sair. Era altíssima aquela cama; num quarto enorme, com sala de estar, chaise longue para disfrutar duma boa leitura e duas varandas com reposteiros de veludo. Um quarto com móveis lindíssimos, em pau preto. Com um santuário onde o Cristo era ladeado pelas estatuetas do S. Cosme e S. Damião.
Para mim era uma semana de pura felicidade, e hoje são caríssimas recordações que me fazem feliz e me deixam a alma em paz.
Como os nossos avós, também tive um casamento feliz, um marido idolatrado, que foi e sempre será a minha PAIXÃO.
I – NOS SEUS TEMPOS DE MENINA
Maria Antónia, a Mariazinha nasceu no início dos fascinantes anos 20, e, ao longo de quase um século, haveria de agir e reagir com ânimo forjado no espírito dessa época, ainda que a realidade, tantas vezes, teimasse em não corresponder à dimensão de sonhos e ilusões. Esse olhar subjetivo sobre coisas e lugares, acontecimentos e pessoas e, antes de mais, sobre si própria, foi a sua forma de vencer obstáculos, lançando pontes entre pragmatismo e utopia.
Nesse dia 28 de agosto era já um pequeno ser saudável e ruidoso (dois atributos, seus, invariáveis), enchendo de alegria a casa dos avós maternos, Carolina e Joaquim, em Gondomar
“O melhor lugar do mundo para nascer” - pensava ela, quando atingiu a idade para pensar e ter opiniões inabaláveis,
A avó Carolina (Ferreira Ramos) vinha de uma antiga família de Gondomar, descendente direta das temíveis "Alexandras", que, pelas histórias que legaram à posteridade, parecem personagens de romances de Agustina. Desconhece-se como realmente se chamavam pois, até onde foi possível averiguar, não se descobriu nenhuma Alexandra. O nome foi retomado, no masculino e feminino, em gerações mais recentes. e teria assentado, na perfeição, a esta neta, (em grau que, ao certo, não se sabe).
O avô Joaquim (Mendes Barboza), ao longo de décadas, o muito competente e estimado notário do concelho de Gondomar, viera do Norte, com raízes numa aristocracia minhota não muito abastada. O casamento de amor não se fez sem antes vencer algumas resistências do mais endinheirado clã da noiva. Contudo, rapidamente as qualidades humanas do noivo o tornaram tão bem quisto no círculo dos Ferreira Ramos, como entre o povo e os notáveis da terra
Os retratos, muitos, mostram algumas semelhanças físicas ( e das temperamentais sabe-se por relatos vários) entre a avó Carolina e esta neta, mas entre elas subsiste uma diferença: a primeira envelheceu, como manda a natureza, e a segunda venceu essa fatalidade até quase aos últimos dias, em 2019.
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O avô, cuja serenidade e gentileza foram suporte de uma longa e feliz união conjugal, parece ter envelhecido melhor, de belo rapaz a atraente velhinho, ainda e sempre bonito, lúcido e bem-humorado. Numa das últimas fotografias, saindo da diligência que o trazia, possivelmente, do Porto, vê-se, em fundo, a vivenda, onde a neta passou os seus primeiros dias, tal como era, então, antes de modernizada pelo proprietário seguinte o tio José, o mais novo dos rapazes, e o que fez carreira mais brilhante, como ativista político, deputado e, anos depois, como juiz e conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça
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A Vila Maria, casa grande "de brasileiro", que fez parte da vida de Mariazinha, com estatuto de afetos e pertença, como se fosse um membro da família, estava ainda em atrasado estado de construção. Era coisa imponente, cujo avanço a vila observava com curiosidade, ao passar na rua, no eixo principal, que liga o Souto a Quintã, onde moravam os avós.
Só os garotos mais afoitos entravam às escondidas, pela tardinha, saltando taipais e trazendo novas sobre coisas extraordinárias, como a sala de banho, que ocupava a parte traseira do último andar, a norte, sul e poente, com sete janelas panorâmicas sobre o Monte Crasto e o verde dos campos de um São Cosme ainda rural, com apenas o seu pequeno círculo citadino.
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No casarão, ao gosto da época designado “Vila Maria”, nasceu somente a irmã mais nova, Maria Madalena, mas a Mariazinha, também se consideravam dali. Na sua memória mais remota não ficara rasto de nenhuma outra morada.
Era a sexta filha de Maria da Conceição Barbosa Ramos e de António Carlos Pereira de Aguiar, ambos de Gondomarenses, por naturalidade e pela tradição forjada no encadeamento de muitas gerações.
No início desse ano de 1920, morrera no Rio de Janeiro, com pouco mais de um ano, o irmão Augusto, de todos o mais bonito, com enormes e suaves olhos azuis, como os do mano mais velho, Manuel. Dele há duas fotografias, que fazem jus à sua lendária formosura – uma em que foram cumpridos os cânones da moda de retratar os bebés em nudez total de menino Jesus no presépio, e outra com a família completa em fins de 2019, envolvido que rendas no que parece vestido de baptizado. Terá sido tirada nesse dia cerimonial e depois usada, por conveniência, no passaporte colectivo? Uma hipótese, apenas…
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O passaporte destinava-se a próxima deslocação a Portugal, já em preparação. Não seria mais uma de muitas travessias, mas a última, a de regresso definitivo da família à Pátria. Entre 1920 e 1926, o pai viajaria sozinho, para o Rio, por diversas vezes, para cuidar de negócios, que foi mantendo, mesmo se a intenção era a de os ir encerrando.
Emigrara para o Brasil em 1996, com 16 anos, ao encontro do irmão João, mais velho e quase com idade para ser seu pai, e um próspero empresário, ou, como então se dizia, “negociante”. Aos 28 anos, quando se apaixonou (perdidamente) pela futura mulher, jovem lindíssima, de boas famílias, prendada e virtuosa, (escolha ideal, como comprovou ao longo de 16 anos de casamento feliz), era multimilionário, investidor no mercado financeiro, dono da Joalharia Aguiar, no nº 63 da rua do Ouvidor, e importador/exportador, nesse ramo, o que o levava a viajar, frequentemente, entre a a América do Sul e a Europa – Portugal, Espanha, Itália e Inglaterra… - como está documentado em fotografias e postais.
Durante muito tempo aventava-se que viajava por puro turismo, e nesse sentido iam os relatos da avó Maria, a destacar o seu gosto por conhecer terras novas, até que, lido mais atentamente, um dos postais, se constata que dá como justificação para a falta de notícias os "muito afazeres". Não restam dúvidas: os negócios também estavam na sua rota pelas capitais europeias. Podemos até supor que alguns dos negócios eram parcerias com os irmãos, que enriqueceram no mesmo setor, João no Rio de Janeiro, Augusto no Porto, (com a sua "Joalharia Aguiar", na Rua das Flores). Numa extensa família de quinze filhos (há dúvidas no número preciso, podem ter sido mais), formaram sempre um trio especialmente unido. Eram filhos de um ourives da Gândra, Manuel Pereira de Aguiar, e de Rosa Pereira de França, parte de uma família ali enraizada, pelo menos, desde o século XVI. De grandes propriedades de terras, os Pereira de França foram, ao menos alguns de proles numerosas, transitando, quando não “decaindo”, para outros domínios, como essa indústria ou arte que pôs Gondomar no mapa do país - a ourivesaria.
É uma ocupação ou negócio que está, curiosamente, ausente, tanto quanto se sabe, da ascendência materna da Mariazinha. Os Ferreira Ramos foram comerciantes, proprietários, funcionários públicos, advogados, médicos, alguns deles com conhecido pendor para a intervenção cívica e política.
Os bisavôs, pais da avó Carolina, foram os donos da quinta da Bela Vista, ignorando-se se a adquiriram por compra ou por herança. A quinta seria vendida a estranhos na geração seguinte. Os Mendes Barboza, do avô Joaquim, descendiam de antigas famílias minhotas da aristocracia rural. Ele próprio, homem de sólida cultura clássica, politicamente conservador moderado, fora aluno de um seminário, e quase recebera ordens. Quando saiu do seminário entrou para carreiras do funcionalismo público pública, foi professor, secretário da administração local, em Paredes e São Cosme, e, depois, por décadas e décadas, notário do concelho de Gondomar.
A filha mais nova, Maria, casou com António Carlos Pereira de Aguiar, em 24 de setembro de 1910. O namoro, ao longo de dois anos, não suscitou, oposição e para o aceitar, Maria rejeitou a corte de um primo Barboza, visconde de Paredes, ou um dos filhos do visconde (ninguém registou, com precisão, os graus de parentesco, nem detalhes por ela tantas vezes contados a filhos e a netos).
Nos retratos do casal, de antes e de durante a sua década de vida em comum na paradisíaca cidade do Rio de Janeiro, vamos vendo, no visual e na indumentária, e mais na feminina, a evolução dos tempos….
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O avô António era um "homem de família", muito afetivo, custava-lhe muito qualquer separação, mesmo de apenas algumas semanas, aquando do nascimento de filhos em Portugal, e, nos derradeiros anos da sua vida, quando os negócios o obrigavam a viajar para o Rio de Janeiro, depois do regresso da família a São Cosme. Na correspondência que, desses períodos, se guarda, a manifestação da saudade e a ternura são invariáveis. Trata a bem-amada esposa com as mesmas expressões ternas e intensas, que lhe conhecemos dos tempos de noivado, quando o oceano os apartava. Dos meninos quer saber tudo, os mais pequenos gestos ou gracinhas e pede à mulher que lhes fale dele, constantemente, para que o não esqueçam….
O desaparecimento do bonito e meigo Augustinho foi para o casal o momento mais trágico que partilharam rodeados das outras quatro crianças, que enchiam de risos a mansão de Santa Teresa. Aí passou Augusto um ano e poucos meses do seu destino breve.
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Augustinho era, com Carolina e José Augusto, um dos três meninos brasileiros de naturalidade. Gerados no Rio, mas nascidos em Gondomar, outros três, Manuel Joaquim, António Maria e Maria Antónia. Depois do retorno, a família cresceu com mais duas raparigas. Glória Doroteia (Lolita) e Maria Madalena (Leninha).
A Leninha tinha dois meses, à data da morte súbita do pai…Maria Aguiar, viúva aos 37 anos, ficou com os sete filhos a seu cargo, mais o outro, Augustinho, sempre vivo na memória, com retrato grande nos álbuns da família. Foi vítima de pneumonia, desfaleceu nos braços da mãe. Olhou-a e disse a sua palavra preferida: “mamã”. A avó Maria contava-nos a história, com emoção, em lágrimas – e por isso o adotávamos, como “o nosso menino”.
Mariazinha veio ocupar o quinto lugar, deixado vazio pelo Augustinho, na descendência dos avós Aguiar Aguiar. Cruzou os mares, invisível no ventre materno, e, apesar de nunca ter podido fazer o trajecto de retorno, via-se como luso-brasileira e consumou uma paixão vitalícia pelo paraíso perdido do Brasil na leitura de escritores brasileiros, como Jorge Amado ou Érico Veríssimo, na música, nas novelas da Globo... -
O seu nascimento terá mitigado dias de luto, redobrado por morte, nesse ano, da avó paterna, Rosa Pereira de França. Ao luto familiar se deverá a ausência de retratos da menina até fevereiro de 1922. Aos 18 meses teve, finalmente, direito a foto individual e a uma outra, com a mãe e os irmãos, ocupando o centro de cena, sentada numa mesinha com camilha, de laçarote branco no cabelo curto e claro, olhando desconfiadamente, sob a luz dos holofotes, frente à câmara escura colocada. À sua direita, Manuel, à esquerda Carolina e António e numa cadeirinha, o indomável José, por alguns minutos aquietado. Todos com uma ilusória aparência de crianças muito bem comportadas
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Maria Aguiar vestida de preto, ainda de luto pesado, pela mãe, falecida em 1921. O marido provavelmente estava ausente no Rio de Janeiro e terá recebido aí as primeiras cópias.
Nesse ano de 1922 e no seguinte, Mariazinha voltou, várias vezes, à “Fotografia Cardozo” no Largo do Souto, desfilando diante das câmaras, gordinha, retraída e relutante, em diversos vestidinhos, incluindo um traje carnavalesco, possivelmente comprado pelo papá no centro da Europa.
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A predileção por trajes folclóricos tinha tradição na família. Há retratos da mãe, com as irmãs e um grupo de amigas, todas em traje etnográfico de Viana do Castelo. Na geração dos filhos, até um dos rapazes, José, aos três ou quatro anos, se vê, em retrato de estúdio, transformado em credível e bonita minhota.
Alguns dos fatos envergados por Mariazinha e Carolina são mais exóticos, embora não, como se poderia esperar, do exotismo tropical. O carnaval brasileiro, nascido nas favelas, não fascinava, então, a alta burguesia carioca.
Carolina e Maria Antónia, à data as únicas raparigas, são as protagonistas centrais dos Carnavais ou entrudos de São Cosme. No carnaval de 1923, Carolina sorri, Mariazinha posa, de sobreolho carregado. em traje de vianesa, xaile e lenço na cabeça, só destoando do conjunto os confortáveis sapatinhos de presilha, em vez de socos rústicos, com que não conseguiria dar um passo, sem cair.
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Nesse início de 1923, a família estava prestes a instalar-se na Vila Maria. No ano seguinte, fotografias de amador, sem grande definição, mostram a Mariazinha já na casanova e no jardim, ainda muito despido das flores, arbusto e árvores. Na melhor dessas imagens, tirada do lado norte, mal se distinguem as personagens, minúsculas, face à massa enorme do edifício. A Mariazinha sobressai, graças a um vestido claro e laço branco no cabelo. De facto, mais avulta o laçarote do que o rosto da menina...
Nos roseirais, simétricos e dispostos em hemiciclo, a partir do portão de entrada, começavam a crescer rosas, de variadas espécies e cores que o pai cultivava, como “hobby”, e para levar a exposições. Paixão partilhado com o irmão Augusto, que conquistou medalhas, com as que cultivava na casa da Gândra, (medalhas, hoje reverentemente conservadas, pelos seus descendentes, em São Paulo).
Uma das últimas fotografias do avô Aguiar mostra-o na ala sul do jardim, com as filhas Lolita e Mariazinha. Em outra, está com a Lolita ao colo, ao lado do cunhado, Manuel Marques, o marido de Rosaura, com a afilhada Mariazinha, junto a si. Ambas as manas com laços de seda tão grandes, que poderiam passar por chapeuzinhos...
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A diferença de idade entre Mariazinha e Lolita era de dois anos, que não as impediam de se verem e agirem como gémeas. A mais velha foi, desde o berço, tão pequenina, a mais nova tão robusta que, aos cinco ou seis anos, já eram da mesma altura e, aquando da comunhão solene, feita em simultâneo, já a mais nova era a maior. Fisicamente não eram nada parecidas, Mariazinha muito branca, olhos azulados, Lolita muito morena e com grandes olhos verdes, como o papá.
Pai amoroso e condescendente, do qual ambas guardam poucas lembranças, sendo a mais nítida a da sua gentileza - as bonecas e os lindos vestidos que lhes oferecia, saídos das suas malas, na volta de Paris, brincadeiras, passeios no jardim e nos recantos da quinta, a apanha de frutos maduros, os cestinhos de morangos, que ele próprio acabava de colher e lavava na torneira do tanque, para lhes dar. Às vezes, a Mariazinha era mandada a casa dos tios Rosaura e Manuel, na companhia de uma criada, a levar de present, mais um cesto de morangos.
À Lolita dizia: “És a minha molequinha”. E ela, muito ladina, respondia: “O papá é o meu molequinho”. E riam, juntos, dessa alusão à cor de pele morena, caraterística de muitos dos mais bonitos Aguiares.
Mariazinha não recordava diálogos com o pai, só os presentes saídos das malas e os morangos colhidos nos campos, e um episódio solto, contada pela mãe – segundo a qual, ele tinha sido o primeiro a descobrir os olhos de cores diferentes da recém-nascida. Mal a tomou nos braços, exclamou: "Maria, a menina tem um olho de cada cor!" A anomalia passara despercebida à mãe e à parteira, por não ser evidente, como seria, fossem as cores fortemente contrastantes. Um dos olhos era azul esverdeado, o outro verde azulado, lindos, luminosos. Combinavam, na perfeição. Maria Antónia exibia a singularidade com desmedido orgulho, tirando, para isso, os óculos prontamente. Era a única a sofrer de miopia, detetada na escola. Dos óculos de lentes grossas e aros redondos, como então se usava, não gostava nada, raramente se deixava fotografar com eles. Mais tarde, passou a disfarçar a doença, usando lentes escuras, como se fossem óculos de sol, dos quais nem à noite prescindia (até no cinema!)
A falta de imagens da Vila Maria, nos primeiros anos, contrasta com a superabundância de retratos dos últimos anos vividos da casa, como antes dos jardins de Santa Teresa, registados em assinalável número de fotografias de profissionais, artisticamente emolduradas nos estúdios, (excelentes, na hora, mas pouco resistentes ao desgaste dos anos, hoje todas mais ou menos desvanecidas). Os figurantes são vultos indistintos, alguns identificados pela postura corporal. O desenho de escadarias, janelas, varandas, arcadas, pátios, e vegetação tropical é, em alguns, ainda perceptível…
Não temos, assim, documentação visual do quotidiano, das festas e convívios de um tempo de bonomia e esperança, como foram os anos de 1923 a 1926 em São Cosme. Da família completa não resta, se é que existiu, uma só fotografia.
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A data da inauguração da nova casa é desconhecida. Provavelmente, antes de terminadas as obras de edificação, decoração e, por fim, de transferência da infinidade de malas e caixotes, vindos do Brasil, estavam já em fase mais avançada os trabalhos de planificação das áreas de jardim e de quinta agrícola e a plantação das árvores de fruta, extensos vinhedos eflores.
Os últimos anos da década de 20 foram dramáticos na Vila Maria. Diz-se que, depois de uma morte, para os que ficam "a vida continua", mas a vida, depois daquele dia 26 de julho, não continuou igual ao que tinha sido. Para Maria Aguiar foi como se o tempo tivesse parado no momento em que se abraçou o marido, pela última vez. Na verdade, não sabia como continuar. Entre lágrimas e desmaios, caía doente na cama, o médico tornara-se uma visita frequente e não tinha remédios para a sua falta de ânimo. Dois irmãos Alexandre e Rosaura moravam muito perto e estavam sempre com ela. Ambos casados, sem filhos, disponíveis e dedicados, fizeram frente à situação, trataram das crianças, como suas. A Leninha, de dois meses, ficou ao cuidado dos tios Hermínia e Alexandre, que, alguns anos antes, tinham perdido a sua única filha. Como moravam do outro lado da rua, era fácil à Leninha transitar da casa dos tios, onde preferia de passar os dias, para a casa da mãe, onde, ao longo dos anos, até à idade adulta, era “obrigada” a pernoitar.
Tempo de pesadelo, que deixou marcas. O funeral fora cerimónia arrasadora, uma multidão juntou-se para dizer adeus a um amigo amável e encantador, de quem todos gostavam. No curto trajeto que liga a Vila Maria à Igreja Matriz, atravessando o Souto, organizaram-se, segundo relato dos jornais de Gondomar, oito turnos para transporte da urna, a fim de que muitos pudessem prestar-lhe essa homenagem, família chegada, as direções do Clube Gondomarense, do Clube dos Caçadores, dos Bombeiros Voluntários, dos quais era associado ou benemérito. Pormenor tocante, num dos turnos, vem mencionado, no meio de doutores. empresários e grandes lavradores da terra, o nome do seu criado, João Pereira, possivelmente um dos mais diretos beneficiários da sua proverbial simpatia e generosidade.
Depois, foi o silêncio, por longos meses rompido pelo pranto incontido e coletivo. O testemunho mais lancinante, mais expressivo, chegou até nós sob forma de um soneto escrito pelo filho António Maria, menino de onze anos:
Meu Pai
Quem te levou, meu Pai?!... Quem te levou
Para esse mundo, assim tão azulado?
Responde... sim. Teu filho, um desgraçado
Para quem a tua ausência já chegou
Para esse mundo sem fim, quem te arrastou?
Partiste!... Fiquei só! Desventurado
Pede a Deus, a quem por ti tenho rogado,
Embora infeliz... para quem tudo se quebrou
Partiste, morreu tudo neste mundo...
E minha Mãe, oh Pai, sempre a chorar
E eu choro, desde o dia em que, moribundo,
Te segurei... morreste pai... Agora então
Depois de tudo, me vês, sempre a chorar,
Chorará eternamente, Senhor, meu coração!
O soneto vale por uma reportagem de muitas palavras. E deixa uma dúvida; terá sido este filho quem, de manhã, encontrou o pai morto?
Só as mais pequenas atravessaram o verão negro de 1926 (negro como a mágoa e o luto), num estado de absoluta incompreensão, e dele não guardaram memórias.
Mariazinha recordava, vagamente, apenas a estranheza de ver o pai a dormir numa caixa comprida e estreita, de se ter aproximado e tocado nas suas mãos, e na face, e de as sentir geladas, de ter tentado acordá-lo, sem conseguir. Contava, também, mas por ouvir contar, a cena dramática da saída da urna. O irmão Manuel deitou-se sobre o caixão fechado, e quis impedir que o levassem da sala. Foi preciso retirá-lo, afastá-lo, tratar a sua crise de desespero, antes de seguirem com a cerimónia. Mais nada se sabe, por relatos de família, somente pelos recortes de imprensa do que por relatos.
Da morte quase não se falava, e do funeral menos ainda, A viúva punha, definitivamente, o acento na sua vida extraordinária, na pessoa afetuosa, serena, extrovertida e divertida que ele era. Nos alegres e constantes convívios com amigos, na adega convivial ou no jardim, à volta das mesas redondas, em bancos e cadeiras de ripinhas de madeira verde escuro, a mesma cor das venezianas, que contrastavam com o rosa forte das paredes da casa.
Na oralidade sobreviveram apontamentos pitorescas de hábitos tropicais, que conservava - tomar um duche frio pela manhã, um pequeno almoço só de frutas, nadar nas águas gélidas do tanque grande (uma quase piscina), que ficava na zona de transição entre os jardins e a quinta agrícola, junto à chamada "casa da eira". E, também, o gosto pelas caçadas…e pelas partidas inofensivas, como a de oferecer aos amigos laranjas de aspeto magnífico, misturando umas muito doces, outras muito azedas (de uma laranjeira exótica, que mandara plantar só para esse efeito). A mania de partir pratos e canecas à bengalada, nas feiras e romarias de São Cosme, extravagância muito popular entre as louceiras, que, mal o viam, o chamavam: "Sr. Aguiar, venha partir a minha louça!". Compreensível convite, porque ele pagava sempre a dobrar...
Pelos jornais ficamos a saber outras peculiaridades, como a do uso uma linguagem sempre correta, mesmo em ambientes de camaradagem masculina, sem soltar um palavrão. "Com os diabos!" era a exclamação mais heterodoxa que lhe arrancavam... Era monárquico convicto, ouviam-lhe dizer, algumas vezes: "Talassa, passa, Buíça chiça"....
Mais de vinte e cinco anos de Brasil, com tanto sucesso, dezasseis de casamento, com tantas alegrias e não mais de dois ou três anos feéricos, com toda a família na Vila Maria.
E depois? Depois, a viúva, uma jovem de trinta e seis anos bonita e chique, moderna e sociável, perfeita esposa e mãe e perfeita anfitriã de uma infindável sucessão de festas, ficou convertida num vulto negro e severo. De um longo período de depressão, saiu para a igreja, refugiou-se na fé e na religião, primeiro passivamente, para consolo da alma, mas, à medida que recuperava forças, voltou-se para trabalho diário num campo novo, o da beneficência. Fora a mulher do prestigiado empresário António Carlos Pereira de Aguiar, seria a sua respeitada enquanto dele a memória estava bem viva entre os da sua geração, e, por fim, ela própria, Maria Aguiar, voz influente, personalidade forte, líder no feminino, universalmente admirada, na sua terra.
E os filhos? Com o pai, os sete teriam tido outros percursos, oportunidades, escolhas, casamentos, carreiras.... Alguns, certamente, associados aos seus empreendimentos
de milhões, todos com outros horizontes, entre São Cosme e Rio. Sabe-se que o avô se ia envolver, mais e mais, em negócios de banca, com o inseparável amigo Cunha, que haveria de prosseguir sozinho um roteiro ascendente. Manteve sempre o contacto com a família do
velho companheiro. Era o padrinho da Lolita, e muito popular entre os meninos Aguiares. Anos depois, proporia casamento à lindíssima viúva, aceitando, de bom grado, a ideia de se tornar o segundo pai dos seus sete filhos. Ainda ouvi de alguns dos tios e de minha mãe, a velha interrogação: “Mas porque é que a Mamã não casou com o banqueiro
O Senhor Cunha não conseguiu da mãe um "sim", que os filhos teriam dado, com entusiasmo, em uníssono. Todos tinham noção de viver num patamar de baixo, perdido o estatuto de nascimento, perda irreparável, equiparável a uma expulsão bíblica do paraíso, sem culpa de ninguém…
VILA MARIA
ÉRAMOS FELIZES E NÃO SABÍAMOS
.
... Mais tarde, muitas décadas mais tarde, Mariazinha escreveu numa das folhas soltas em que guardava grande variedade de notas e reflexões: "éramos felizes e não sabíamos". O pai deixara-lhes por herança, um pequenos paraíso pensada para eles, onde sonhara vê-los crescer., a Vila Maria, uma vila dentro da vila, com espaços muito diversificados e esplêndidos, o casarão, onde tudo era grande, à dimensão de uma família extensa e em crescimento, rodeada pelo jardim, o pomar, as vinhas, a casa do forno, onde dormia o criado, a casa da eira, contígua ao maior dos tanques, o galinheiro, para as crianças, uma espécie de pequeno zoo, e, do lado oposto, quase escondidas atrás do pomar, as pocilgas, albergadas num comprido conjunto granítico, os tanques, o chalet, com entrada independente para a rua, destinado a garagem e arrumos, os mirantes, o da frente, do qual se poderia acenar, e até, verdadeiramente conversar, com apenas uma rua de permeio, para quem assomasse às janelas da residência do tio Alexandre, e um outro, semelhante nos fundos da quinta, num idílico cenário campestre, há muito desaparecido, depois da abertura, no início da década de setenta, de uma nova via, que cortou parte da propriedade. No preciso lugar onde existira, se construiu uma escola profissional, agora vizinha do auditório de Gondomar.
Não é de admirar que Mariazinha, como todos os manos, ali se sentisse tão absolutamente livre, mesmo estando, como as outras meninas, proibida de passar a linha vermelha dos portões. Ela, que era a mais rebelde e desobediente, não precisava de desafiar essa ordenação materna, porque gostava mais de estar na Vila Maria do que em qualquer outro lugar. Rapariga desportiva, pequena e ágil, ávida de ar livre e exercício físico, bastante criativa nas formas, mais ou menos radicais, de o praticar, em companhia de Lolita, trepando às árvores mais altas, saltando a partir delas para telhados, o mais procurado dos quais era o da casa da eira da casa da eira. Tinha, porém, um ponto fraco – era visível das janelas da sala dos tios, e a tia Hermínia, sempre vigilante, quando as avistava, obrigava-as a descer imediatamente, com brados e gestos frenéticos. Nem por isso as denunciava à mãe, por recear a sua tendência para uma excessiva severidade, que era, talvez, a sua maneira de assumir o duplo papel de mãe e pai de crianças rebeldes. Por sorte delas, mostrava-se mais preocupada em as manter dentro dos limites protetores da quinta e muito menos em as vigiar no seu interior. Ao longo do dia, ausentava-se constantemente, envolvidíssima na prática de boas obras, com sede na paróquia. Por causa de um incansável voluntariado as deixava, assim, muito à vontade, e elas aproveitavam em pleno as virtualidade da situação. Podiam, sem oposição, convidar primos e amigas, escolhidas, é claro, dentro de um seleto círculo de convivência, sob o olhar de autoridades mais benignas do que a materna, não as criadas, pois não as havia com o perfil de uma velha governanta (raramente satisfaziam, por muitos anos seguidos o grau de exigência da empregadora), mas os queridíssimos tios, o tio Alexandre, convertido em figura tutelar masculina, em segundo pai e as tias Rosaura e Hermínia.
VILA MARIA – UMA FOTOBIOGRAFIA
A Vila Maria não é apenas uma casa, É uma personagem, lembrada, adorada. Hoje já só um lugar de memórias, e um lugar nas memórias dos seus. São poucas as imagens dos seus primeiros anos, os anos da fundação e do fundador.
Depois de um longo hiato, as imagens recomeçam na década de 30, quando o ambiente se torna mais distendido, num aliviar do luto pesado.
, Mariazinha e Lolita posam para as câmaras com a maior compostura, não deixando transparecer aquilo de que eram capazes quando não vigiadas pela objetiva, Em todo, nota-se que a mãe toma a precaução de as separar, Uma à sua esquerda, a outra à sua direita, não fossem tecer alguma partida... Ela, como se vê, não abandona os fatos negros, mostra-se de semblante triste e nostálgico, embora tivesse recuperado o antigo hábito de captar nas câmaras fotográficas os momentos conviviais – com o primeiro genro, a primeira nora, os primeiros netos, António José e Mário, filhos de Carolina casada, aos 18 anos, com Serafim Caetano Pereira, um empresário de Quintã, católico de comunhão diária e solista do coro da igreja. E os filhos de Manuel Joaquim e Clara de Sousa, Margarida e António. Clara pertencia a uma conhecida família de São Cosme, era muito bonita e muito viva - por ela Manuel se apaixonou, e, por ela, apesar de ser um aluno brilhante e quase doutor, abandonou o curso de Medicina, em Coimbra.
A foto em que a avó Maria está com as filhas Mariazinha e os netos António José e Mário é uma raridade, a única em que figuram, ao colo das crianças, três dos lendários gatinhos franceses de olhos azuis e pelo branco, a que o avô era muito afeiçoado. E, em fundo avista-se uma casa velha como uma série de janelas de guilhotina, que se tornaram o alvo da pontaria do António Maria. O mais tranquilo dos rapazes, tão bem comportado em todos os demais aspetos, era um perigo de fisga na mão. Nenhum dos numerosos quadradinhos de vidro lhe escapava. O vizinho, contudo, não protestava - era sempre compensado do incómodo, com o pagamento dos estragos a dobrar. .
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A comunhão solene dos filhos mais velhos, Carolina e Manuel fora celebrada, em 1923. É essa a data escrita em fundo da última foto de estúdio em que vemos o casal, ambos de luto (pela morte da mãe Carolina Ferreira Ramos?), com os dois filhos
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A Mariazinha, em retrato oficial para as fichas de inscrição escolar, parece exatamente o que não era, uma menina melancólica e tristonha.
Da escola primária tem boas recordações, o que implica tê-las, também, da professora, Dona Aurora Montenegro, senhora muito distinta, pertencente ao círculo de amizades da mãe. Já velhinha do ponto de vista da criança, o que possivelmente significa que era mulher de meia idade, vivia numa mansão próxima da Vila Maria, uma pequena quinta, no caminho do Largo da Pedreira, onde moravam os tios Rosaura e Manuel.
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O início do ano letivo coincidia com as festividades em honra de Nossa Senhora do Rosário, que eram, e ainda são, as mais importantes no calendário anual da vila (agora cidade) de Gondomar, um composto de celebração religiosa, romaria, feira popular. As meninas gozavam-nas, em pleno! Em nenhuma outra época do anos se viam tanto por fora dos muros da Vila Maria, acompanhadas, sim, mas não lhes faltando nunca voluntários para esse papel, entre tios, outros parentes e os confiáveis pais das suas amigas. A mãe participava, de boa vontade, na sucessão de eventos, mais ligada à organização da vertente religiosa, mas olhando com a mesma simpatia as diversões, talvez por se lembrar de igual condescendência da parte dos seus pais. O Largo do Souto, a dois passos da Vila Maria, e a rua espaçosa que o liga à Igreja, transformavam-se em esplanadas cheias de gente, em constante vai vem entre tendas, onde se vendia de tudo, da doçaria tradicional a louças regionais, bordados, ou brinquedos. A banda tocava no coreto. A restauração centrava-se em dois grandes pavilhões, o da Cruz Vermelha e o da Cruz Branca, ambos com fins beneficentes.
Recordação singular dos convívio e tertúlias em que todo o Gondomar se reunião nos dois pavilhões é um simples guardanapo de papel rendilhado e florido, com uma quadra popular, que mais do que pelo valor poético, em verdade nulo, vale pela graça e por ser testemunho de outros modos de estar e de agradar ao seu público. A dizer-nos, por exemplo, que as batatas fritas já estavam na moda!
Também não faltavam fotógrafos ambulantes e um deles retratou, em 1931, em grupo, as pequenas Mariazinha, Lolita e Leninha,com os primos José Joaquim e Tininha, filhos dos tios Celestina, que eram os mais próximos na idade. Todos engalanados para a festa, como mandava o protocolo. Por muitos que fossem os de fora, a festa não deixava de ser um ponto de encontro para a sociedade elegante de São Cosme, os pavilhões eram frequentados por famílias inteiras e o chá, os bolos, ou as batatas fritas, servidos por meninas voluntárias.
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Maria Aguiar, na senda de pais e irmãos, era uma apaixonada pelo folclore, música, tanto pela chamada "clássica" como pela popular, e pelo teatro. Todas as filhas aprenderam piano, qualquer que fosse o seu grau de talento, mais elevado, por sinal, (quem diria?), na estouvada Mariazinha, ainda que só Madalena, menos fulgurante, mas mais metódica, tivesse completado o curso do Conservatório.
E também lhes foi permitido pisar os palcos do Cine teatro Nun' Álvares, em récitas beneficentes, muito aplaudidas como vedetas de comédias. Mariazinha que sonhava ser atriz, aí fez a sua estreia de sucesso e aí acabou uma a brevíssima carreira...
Um programa com correções feitas à mão, indicará que a colaboração da família Aguiar, não se limitava à representação, antes estaria no centro da organização
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Maria Laura foi a outra prima, que entrou na iconografia da Vila Maria, onde era visitante muito frequente com a mãe Maria Isabel (Mimi), prima direita e a melhor amiga de Maria Aguiar. Órfã, como elas, de um pai desaparecido na juventude. Um artista plástico, muito moreno, de quem filha herdou os traços e a tez - tão morena que, a seu lado, a Lolita parece mais branca e a Mariazinha irremediavelmente pálida.
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Enfim, uma fotografia das duas, em que, de algum modo, desafiam a câmara, com mais naturalidade, como se estivessem a magicar uma próxima golpada.
Estão atrás do poço, com a parede do mirante em fundo.
REPETIDO
A Vila Maria era uma vila dentro da vila, com espaços muito diversificados, a moradia, onde tudo era grande, à dimensão de uma família numerosa e em crescimento, e, à sua volta, o jardim, o pomar, as vinhas, a casa do forno, onde dormia o criado, a casa da eira, contígua ao maior dos tanques, o galinheiro, para as crianças, uma espécie de pequeno zoo, e, do lado oposto, quase escondidas atrás do pomar, as pocilgas, albergadas num comprido conjunto granítico, os tanques, o chalet, com entrada independente para a rua, destinado a garagem e arrumos, os mirantes, o da frente, do qual se poderia acenar, e até, verdadeiramente conversar, com apenas uma rua de permeio, para quem assomasse às janelas da residência do tio Alexandre, e um outro, semelhante nos fundos da quinta, num idílico cenário campestre, há muito desaparecido, depois da abertura, no início da década de setenta, de uma nova via, que cortou parte da propriedade. No preciso lugar onde existira, se construiu uma escola profissional, agora vizinha do auditório de Gondomar.
Não é de admirar que Mariazinha, como todos os manos, ali se sentisse tão esplendidamente livre, mesmo estando, como as outras meninas, proibida de passar a linha vermelha dos portões. Ela, que era a mais rebelde e desobediente, não precisava de desafiar essa ordenação materna, porque gostava mais de estar na Vila Maria do que em qualquer outro lugar. Rapariga desportiva, ávida de ar livre e exercício físico, muito criativa nas formas, mais ou menos radicais de o praticar, na companhia de Lolita, trepando às árvores mais altas, saltando a partir delas para telhados, o mais procurado dos quais era o da casa da eira da casa da eira, Um só defeito – era visível das janelas da sala dos tios, e a tia Hermínia, quando as avistava, obrigava-as a descer imediatamente, com brados e gestos frenéticos. Mas não as denunciava à mãe, muito mais preocupada em as manter dentro dos limites protetores da quinta e muito menos em as vigiar. Ela própria se ausentava constantemente, ocupadíssima pela prática de boas obras, com sede na paróquia. Por causa desse incansável voluntariado as deixava, assim à vontade e elas aproveitavam em pleno as virtualidade da situação. Podiam convidar primos e amigas, dentro de um seleto círculo de convivência, é certo, e por ali andavam outras autoridades mais benignas do que a materna. Não as criadas, a quem faltava autoridade (sendo quase sempre novas, porque raras permanecera por muitos anos), mas os queridíssimos tios, o tio Alexandre, convertido em figura tutelar masculina, em autêntico segundo pai e as tias Rosaura e Hermínia.
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As vindimas eram um tempo especialmente animado, vinham jornaleiros contratados e elas observavam os avanços do trabalho, correndo para cima e para baixo, ou fazendo de conta que ajudavam, Depois, o grande lagar da adega enchia-se de uvas, que eram pisadas pelos homens, ao som de cãnticos. Na cozinha, as criadas preparavam refeições substanciais e elas olhavam, fascinadas, as enormes quantidades de feijão e carne de porco, com que eles, no fim, retemperavam forças... Também havia, anualmente, a matança do porco, espetáculo que lhes era vedado. Vinha o dono do talho de São Cosme, que era especialista e amigo da mãe e lhe fazia esse favor.. As mais novas, ficavam em casa, de janelas e portas fechadas, e, mesmo assim, ouviam, ao longe, horrorizadas, os gritos lancinantes dos desgraçados. Recordam-se da carne ser guardada em arcas, com enormes quantidades de sal...
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Se a Vila Maria era festiva, também o eram as férias de verão, de que a mãe nunca prescindiu, um mês na praia da Foz, onde arrendava sempre a mesma casa, e duas semanas nas termas de Vizela, tudo em nome dos cuidados de saúde.
A FOZ...
As férias, sobretudo as longas férias de verão levavam-nas ao triângulo São Cosme, Foz e Vizela.
A partida para a Foz era antecedida pelas excitantes tarefas da compra de vestidos novos, chapéus e fatos de banho. Não no "pronto a vestir", a que a mãe seria avessa toda a vida, mas começando pela compra dos tecidos no Porto, depois pelas provas na modista, também do Porto, evidentemente. Em São Cosme não havia alta costura, só costureiras para tarefas mais modestas. A decisão da mãe preponderava invariavelmente, ao contrário do que acontecia quando das expedições de compras nos Clérigos a convite do complacente Tio Alexandre,
Nas palavras da própria Maria Antónia " a Mamã gostava de imaginar os modelos dos nossos chapéus de praia, cortava os moldes, com muita habilidade e mandava-os à Maria Folhelha para cozer e enformar as abas, que ficavam impecáveis. Abas largas, para proteger do sol. Era igualmente uma artista a tricotar (perfeccionista e perfeita em tudo, reconheciam as filhas - dos bordados, em ponto de pé de flores, rendas de bilros, às maravilhosas compotas de cereja e de chila, que abundava nos seus terrenos ou até, também, na poda das rosas, herdadas do marido, nas quais nenhum jardineiro era autorizado a tocar....). Pelo visto, perdeu-se, igualmente, uma talentosa estilista, que se limitava a trabalhar para as filhas, que ainda recordam os seus chapéus de ráfia, muito engraçados, a condizer com as cores dos trajes de praia. Os fatos de banho eram de malha, comprada a metro e feitos numa competente modista portuense. Curtos, mas sem exageros, pelo meia da coxa, alças largas e decote pequeno, sempre de cores neutras. Por baixo, usávamos calções justos à perna".
Agosto era o mês do mar, de passeios, de lanches nas confeitarias qua a mãe não dispensava, aí mais à vontade do que sobre a areia, com os seus vestidos invariavelmente escuros - impensável a austera viúva em fato de banho. Arrendavam sempre a mesma casa grande, onde tudo já era familiar
Há bastantes fotografias da Foz, mas nenhuma com esses preciosos fatos de banho de época - possivelmente porque a mãe tolerava o seu uso para o fim exclusivo de mergulhar nas ondas, mas considerava impróprio exibi-los, nomeadamente na película. Toda a família, velhos e novos se vê na praia em traje de passeio
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E VIZELA
Setembro era sinónimo de Vizela, para onde a mãe partia só com as filhas, mais novas, uma corte feminina. Os rapazes talvez porque não apreciassem a pacatez das termas, ficavam em casa, sob a proteção do tio Alexandre.
Voltavam sempre à mesma pensão, pertença a um casal muito acolhedor, o Sr João e a Senhora Mariquinhas, pais da Aurora, uma bonita ruiva, a quem achava muita graça, relevando o facto de ser divorciada, não se sabe se de algum modo justificado pelo perfil violento do ex-marido o seria. Memorável, num dos anos, o relato de um rapaz tolinho (quase nunca falta, um tolinho, nas pequenas terras) sobre uma mulher nua nadando nas águas da Mourisca. Mulher não identificada, e que não foi vista por mais ninguém
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O COLÉGIO DA ESPERANÇA
A Maria Antónia passou dois anos num internato de freiras, esperando que a irmã Lolita terminasse a instrução primária, para juntas entrarem no colégio da Esperança. Para ambas, o colégio, foi contrariando o nome, um lugar de desesperança, onde se sentiam presas e frustradas. Sem longos carreiros para correr, sem mirantes e esconderijos, sem telhados para saltar, nem árvores para trepar aos ramos mais altos e comer fruta ainda mal amadurecida. À solta, como se estivessem num pequeno sertão... Já na quinta do colégio, as árvores eram só para olhar, não para exercícios de acrobacia. O desporto que lhe restava para vencer imparavelmente, com estatuto de campeã, era o ténis de mesa, então dito ping-pong. Os dias eram mais fáceis de suportar do que as noites. No sombrio dormitório coletivo chorava até cair de cansaço no sono, como a Lolita. Ficavam em camas seguidas, muitas vezes, entre lágrimas, em sussurro planeavam fugas que nunca levaram a cabo. No fundo, sabiam que seriam recambiadas de volta, depois de castigadas, sem dó nem piedade. A mãe não se deixava comover com lamentos e apelos saudosos das meninas, ao contrário do pai, que fora convencido pelos pedidos veemente da irmã mais velha , em situação idêntica. No ano letivo de 1925/26 ele retirou-a do internato , não exatamente, para ficar em casa com lições de piano e explicações do Prof Costa, como queria, mas matriculando-a no Conservatório de Música do Porto e no Colégio Joana d'Arc, onde tirava notas suficientes às disciplinas selecionadas e "muito bom" a comportamento. E sempre feliz, pernoitando na Vila Maria e, gozando o que não poderia imaginar serem os últimos meses com o seu Papá.
Boa nota a comportamento era coisa impensável para a dupla que tumultuava o Colégio da Esperança. Normal, sobretudo para Lolita, a mais extrovertida, era uma negativa tão baixa que, mesmo depois de habilmente ajuntado o número 1 à esquerda, a mãe repreendia-a por ter apenas um 12 ou 13, no capítulo em que era mais exigente. Na verdade, o exito escolar contava relativamente menos, pois o seu destino era o casamento e estavam ali para ter umas luzes de cultura geral, e nada mais. Todas fizeram o que então se chamava o 5º ano (atual 9º) , em "Singulares", isto é, apresentando-se a exame final somente nas matérias da sua preferência. No caso da Mariazinha, história, geografa, desenho, português e francês, nada de matemáticas, ou de química... E piano, evidentemente, Completou o 6º ano do Conservatório, o que significava cumprir o programa de estudo, mas não fazer exames.
Quanto a planos de fuga, eram dois, e não levaram nenhum por diante. Um era escalar os altos muros da quinta, num salto audacioso para o exterior, outro, que evitava o risco e o prazer de tais proezas atléticas, era, escapulirem-se pela capela com acesso direto à rua por uma sólida porta de grades, fechada por chave de ferro. Bastava roubar a chave e uma vez, estiveram de chave na mão, prestes a consegui-lo. Foi uma sensata colega, Maria Laura Horta, que as persuadiu a desistir... Não se sabe como tencionavam chegar a Gondomar, se a pé, fazendo uns dez quilómetros por ou tomando o elétrico. Tinham sempre dinheiro para pequenas extravagâncias e aquela teria sido grande.... Recebiam uma mesada do tio Alexandre, vinte escudos para cada uma, com os quais encomendavam a uma recoveira chocolates e toda a espécie de bolachinhas e doçarias.
Plano de deserção, mais exequível, mas sempre de curto prazo, era engendraram uma doença, constipação, gripe, pneumonia, se preciso fosse. Para isso, andavam de meias e soquetes molhados dentro dos sapatos, mas eram demasiadamente saudáveis e resistentes, raramente obtinham os resultados esperados...
Da Esperança, no centro do Porto, e a tão poucos quilómetros de São Cosme, só iam a casa nas férias, Páscoa, verão, Natal. Recebiam vistas à quinta-feira, a mãe, o tio Alexandre, às vezes os irmãos, sobretudo o Manuel, que, como rapaz, beneficiava de mais liberdade. Estava num internato, na Rua Fernandes Tomás, mas era aluno do Liceu Alexandre Herculano, podia ao menos circular pelas ruas do Porto, dentro das baias de horários rígidos.
Nos últimos anos, visitante muito mais assíduo era o namorado da Lolita, o Eduardo (Fonseca), que, sendo mais velho, parecia muito mais velho, já ligeiramente calvo, e se fazia passar por tio. Nessa respeitável qualidade, sendo admitido na sala de vistas, com permissão para dar um beijo na face à falsa sobrinha. Ela aparecia, muito juvenil, de lacinho vermelhos no cabelo e soquetes ou meias pelo joelho. Vermelho era a sua cor preferida, como o amarelo era a da irmã.
Nem tudo era mau, como retrospetivamente reconheceriam. Não lhes faltavam amigas, entre colegas e professoras. Tornaram-se muito populares, espalhavam alegria à sua volta, cantavam maravilhosamente e as suas excentricidades davam colorido às rotinas colegiais. Certo é que, por tudo isso, receberam, talvez de algumas vítimas de pequenas partidas, a alcunha de " galos doidos" ...
Entre as colegas de boa memória, estão M iriam Cavalier (uma das poucas alunas dessa geração que, depois, faria carreira distinta como médica). A Renia Finkelstein (que veio muito pequena da Polónia, de onde trouxe muitos "pins", que lhes oferecia e em cuja boutique de luxo, na década de oitenta, compraria um belo casaco de "vison"), a Zita Seabra (muito bonita, loira, de olhos azuis, mãe da Zita Seabra, antiga deputada do PCP e dos PSD), Fernanda Málen (que haveria de professar como religiosa), a Olímpia e a Julieta, com quem continuaria a conviver, já depois de casada, em Espinho, onde elas tinham casa de praia, a sensata Maria Laura, que lhes impediu uma fuga destinada a fracasso, a Manuela Abrantes (aluna externa, que as convidava para festas, num esplêndido palacete, ali bem perto . ocasião para saírem da clausura por umas horas, com uma autorização da mãe, primorosamente falsificada).
Curiosa a quantidade de nomes estrangeiros, a dar o toque cosmopolita ao colégio, onde as filhas da burguesia se misturavam com meninas órfãs, de qualquer classe socioeconómica. Muitas eram do litoral, havia um importante contingente de Ílhavo, outras de vários pontos do norte e nordeste como Olímpia e Julieta, as tais que veraneavam por Espinho.
As melhores recordações da Mariazinha são da sala de piano, as de Lolita, certamente, da sala de visitas, onde ousadamente namorava com o seu bem-amado Eduardo.
A Professora de piano, Margarida Portela, ea uma extraordinária executante e pedagoga faz, que considerava a Mariazina uma aluna muito especial, talentosa pianista em perspetiva. Ofereceu-lhe as valsas de Chopin, com uma encomiástica dedicatória. Muitas décadas depois, deu-as à única música da família na nova geração, a Sameiro (que terminaria, em simultâneo, os cursos de Medicina e do Conservatório de Música), mas esqueceu-se de copiar a dedicatória, e sempre lamentava o esquecimento.
Nos saraus do Colégio chegou a tocar a quatro mãos com uma menina de Avintes, a Amélia morreu jovem (mais uma vítima da tuberculose, como a inesquecível Tia Glorinha). Nas temporadas que passava em Avintes, depois de casada, a Maria Antónia reencontrou a mãe da Amélia, vizinha dos sogros. Era a única pessoa para quem abria o piano da filha, e ficava a ouvi-la, encantada...
A professora Margarida era muito bonita e tal como a boa aluna de Gondomar, muito míope. Esta, além de míope, condenada a óculos de lentes grossas, (que, por vaidade, tirava sempre que podia, sem risco de tropeçar e cair) era praticamente cega do olho esquerdo, o mais azul, contrastando o direito, o esverdeado.
Uma das mais melancólicas recordações dois a do roubo de jóias de que foi vítima. A possibilidade de haver ladras, mesmo nos bons colégios é sempre de considerar, mas a mãe deixava-as arriscar. E assim ficou sem uns brincos lindíssimos que tinham sido da Tia Glorinha, dados pela Tia Rozaura. E ela até viu, a rapariga a mexer nas suas gavetas. Mas hesitou - mais expedita a escalar telhados do que a denunciar colegas..A ladra não parou por aí e acabou
por ser chamada a capítulo, e expulsa, mas sem devolver muitos dos objetos surripiados. No dormitório ficava ao lado da Mariazinha - foi-lhe fácil observar os seus movimentos, a vasculhar gavetas sem chave. Depois passou a ter a melhor das vizinhas, a amiga Fernanda Málen, futura freira.
Décadas mais tarde, numa reunião de antigas alunas, olhou em volta e reconheceu a ladra., mas a pedido da Miriam guardou segredo silêncio sobre esse escândalo do passado distante... .
Os dois dormitórios, o das pequenas e o das veteranas, eram vigiados por uma encarregada, de nome Beatriz, e estavam separados pela sala de piano, O das mais novas, aberto, sem divisórias, o outro com a privacidade relativa de cortinas que podiam fechar-se. Na convidativa sala de piano imaginava-se num salão de concertos, sonhava alto, sem saber que os únicos palcos que a mãe lhe permitiu pisar seriam os do colégio e, esporadicamente, os do Teatro Nuno Álvares de São Cosme…
Pela vida fora, atraiu com as suas canções, as suas histórias e benignas excentricidades, apenas a família, gerações sucessivas Curioso é que até o seu dentista, um dia, sem saber das suas ambições secretas. lhe disse: "Devia ter sido atriz. Vê-se que tem jeito!" Até mesmo na cadeira do dentista representava bem a sua personagem. "Tem a certeza de que isto está limpo? Não usou essa agulha nos dentes do homem que saiu daqui quando eu entrei?
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NAS RUAS DO PORTO
Para a gente de de Gondomar, o Porto era a capital do País, onde se ia, constantemente, às compras, à modista, ao cinema e ao teatro, às confeitarias e cafés, aos médicos especialistas.
O elétrico de São Cosme ao Bolhão, o nº 10, com dois traços, tinha paragem em frente ao portão da Vila Maria A viagem era demorada, mas muito agradável e a mãe utilizava-o, com muita frequência e, em tempo de férias, gostava da companhia das filhas. O Bolhão estava rodeado de lojas de toda a espécie, e de algumas das suas confeitarias preferidas, como a Villares.. O Grande Hotel do Porto, em Santa Catarina, era lugar de boas recordações, o escolhido pelo marido quando, de longe a longe, decidiam passar a noite na cidade para um jantar especial ou para ir ao teatro..
O colégio não contava como parte da cidade do Porto, que ali dentro não se via nem se sentia, era uma clausura que podia estar em qualquer ponto geográfico... A cidade alegre, que adoravam, só começava para além dos seus portões.
Mais do que a mãe, era o tio Alexandre que as levava em excursões ao comércio portuense, às sapatarias, às lojas de roupa ou às livrarias. vestidos, de sapatos, sempre liberal, bem-disposto e complacente. A Lolita era sempre rápida e despachada nas escolhas. A Mariazinha era um caso bicudo... Não gostava de nada, punha defeitos em tudo, sobretudo no que respeita a sapatos. Corriam a "baixa" inteira, miravam as montras, aqui e ali entravam para ela experimentar vários modelos, sem que ela se decidisse.
O tio, paciente, sugeria: : "Vai olhando e quando vires uma menina com uns sapatos de que gostes, diz-me e eu pergunto à mãe onde os comprou e levo-te lá".
Irremediavelmente exigente e complicativa...
Não sabemos, com certeza, como a julgavam os outros, as amigas, os professores, os parentes, mas ela própria se descreveria assim, numa idade avançada.
“Não sou bonita, nem feia, sou simpática, Fui sempre muito simpática (isto não é narcisismo). E fui, em tempos, há muitos anos, uma rapariga interessante, pequena, bastante pequena, mas cheia de saúde, estuante de vida, de vida e de alegria, que transbordava por todos os poros do meu corpo. Diziam, até, que tinha muita graça, aquela graça natural de uma rapariga que da vida só queria a vida e nada mais. E o fulcro da vida era o amor. De uma sensibilidade doentia, muito sincera, expansiva e nada egoísta.
Na verdade, o autorretrato, no que respeita à beleza física, pecará por excessiva modéstia. Para a tia Rozaura, era a rapariga mais bonita de Gondomar, na sua geração. O tio Alexandre achava-a parecida com uma irmã do futuro cunhado António Aguiar, segundo ele, lindíssima, por quem fora apaixonado na juventude (Florinda?). João, o futuro marido, quando a conheceu, notou as suas semelhanças com a famosa atriz Paulette Goddard. Os rapazes com que namorou, às vezes, simultaneamente, também a consideravam uma beldade.... E, acima de tudo, tal como a mana Lolita, tinha e teve até aos últimos dias, aquilo que se chama carisma .
(parcialmente revisto em 8 nov 2023)
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