segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Memórias da Mãe PARTE II A FAMÍLIA PATERNA Maria Manuela Aguiar quarta, 11/12/2019, 02:39 para Maria, mariamanuelabarbara OS PEREIRA DE AGUIAR - SOB O SIGNO DA DIVERSIDADE De diversidade se pode falar, a seu propósito, em diversos sentidos. Antes de mais, num confronto com o outro lado da família. Enquanto nos Barboza e nos Ferreira Ramos há uma memória que os traz até nós, com a marca de uma acentuada homogeneidade não só de classe social, de fortuna ou profissão (com predominância de comerciantes, empresários, funcionários públicos, professores, médicos, advogados, que se irá acentuando nas novas gerações), como de intervenção cívica, para além das fissuras ideológicas, nos Aguiar encontramos precisamente o oposto. . ROSA PEREIRA E MANUEL DE AGUIAR Rosa Pereira e Manuel de Aguiar, tiveram 15 filhos, que chegaram à idade adulta (não havendo notícia de que outros tenham desaparecido em crianças, como então era comum). Ao que parece, distinguiam-se mais pelas diferenças do que pelas parecenças e tiveram destinos também muito variáveis. Maria, a mãe de Maria Antónia, dizia que nunca vira família que, nesse aspeto, se comparasse àquela! Havia loiros e morenos, os muito bonitos e os que não o eram, os altos e os baixos, os ricos e os pobres, os muito trabalhadores e os boémios, os que que fizeram história da família e os que caíram no mais completo anonimato.... De Manuel de Aguiar, a longa lista de avoengos está por investigar. O pai, Miguel Aguiar e as gerações imediatamente anteriores eram, provavelmente do concelho de Gondomar. Já ascendência de Rosa Pereira está estudada, ao longo de mais de 300 anos, graças por Hernâni Maia, professor catedrático e especialista de genealogia, descendente direto de um segundo matrimónio de Anna Pereira de França, a mãe de Rosa. São, surpreendentemente, 300 anos de enraizamento em Gondomar. Deles, todavia, só se conhecem o grau de parentesco, nomes, apelidos diversos, como França. Moura, Castro. Alguns desses antepassados ter-se-iam dedicado à arte que põe no mapa a vila de Gondomar .Numa imprecisa crónica oral destaca-se a vaga memória de uma parente, Joaquina, que foi a primeira mulher de Camilo Castelo Branco (a pesquisa do primo Maia permitiu confirma-la), e de um Bispo, figura ainda mais nebulosa, ainda não encontrada e, que, se existiu, será do lado Aguiar. ANNA PEREIRA DE FRANÇA, A MÃE DE ROSA PEREIRA De Anna Pereira absolutamente nada se saberia se seu trineto Hernâni Maia não tivesse escrito sobre ela, baseando-se num fidedigno relato da prima Beatriz Lobão. E, assim, uma avó de tantas gerações revive, num perfil enobrecido de coragem e de bondade, recompensadas numa vida de início árduo e de fim feliz. Nasceu em 1813, a quinta dos onze filhos de Pedro Pereira de França e de Maria Fernandes de Jesus, de Pevidém, Seus avós paternos eram Manuel Pereira e Custódia de França, originária de uma antiga família de São Cosme - de apelido França, descendentes remotos de gente muito abastada, os Tomé, de Bouça Cova, e os Moura, da Cónega, ligados. desde 1616, pela união de Catarina Tomé e Domingos de Moura. Anna casou, no dia 1 de julho de 1834, com José Pinto dos Santos Garrido, de Penafiel. Ficaram a morar na Gandra e esperaram seis anos por uma filha única, Rosa. Ele morreu logo depois, deixando-as, mãe e filha, em muito má situação financeira. A fortuna dos antepassados há muito se perdera, sucessivamente dividida entre membros de famílias extremamente numerosas A viúva, mulher destemida, sem poder contar com ajuda de ninguém, tratou de se estabelecer, ali mesmo, na Gandra, com um pequeno comércio, que lhe permitiu subsistir e criar a menina. Na sua venda veio a conhecer João Moreira dos Santos, filho de gente rica, da Foz do Sousa, negociante de ourivesaria que ali passava, de vez em quando, quando, terminados os afazeres, regressava a casa. Num fim de dia de temporal, quando se pôs a caminho da Foz, foi surpreendido por fortes chuvadas, e chegou à loja de Anna completamente encharcado. Condoída, ela teve o gesto gentil de lhe emprestar roupa do falecido marido, guardando o fato sujo e molhado para o limpar e devolver, quando ele voltasse. Encantado com a sua postura, João Moreira não tardou muito em a pedir em casamento. Um pedido que a surpreendeu, porque já ia nos 38 anos, e ele, também viúvo, após um casamento efémero e sem descendência, era um jovem de 25. Pôs uma só condição: teria de tratar Rosa como se fosse sua própria filha, pedido ao qual um homem de bom caráter não teve dificuldade em aceder, nem em cumprir. O matrimónio foi celebrado em 28 de junho de 1851. No ano seguinte, nasceu Violante Pereira Moreira dos Santos, em 16 de junho de 1852, e seguidamente, em 21 de fevereiro de 1854, já a mãe ultrapassara a barreira dos quarenta, um rapaz, João Moreira. Rosa foi madrinha da irmã e seriam íntimas ao longo de toda a vida. Anna formou com João Moreira dos Santos e os três filhos uma família mais pequena do que a dos pais, (tinha 10 irmãos), ou do que a sua primogénita (com os 15 Pereira de Aguiar)), mas perfeitamente harmoniosa. O marido tornara-se o ourives mais abastado de Gondomar. Morreu novo, com 49 anos, em 1874, mas, desta feita, os herdeiros puderam manter intacto o seu nível de vida. De Anna existe uma só imagem, guardada num album dos netos António e Maria Aguiar. Um retrato de estúdio, que a mostra em idade avançada (faleceu com 73 anos), possivelmente já viúva, vestida de preto, com uma jóia sóbria. Já os filhos aparecem juntos em muitas fotografias de passeios e festas de família, a testemunhar a amizade que sempre mantiveram. Do marido se conhece também, apenas, uma foto pertencente a seu trineto Hernâni Maia OS IRMÃOS DE ROSA VIOLANTE PEREIRA MOREIRA DOS SANTOS Violante casou com um jovem ourives, empregado de seu pai, José Martins de Almeida Lopes, pouco depois daquele falecer, em 1834, Em dez anos de casamento, tiveram sete filhos, e mais não foram provavelmente, porque ele decidiu tentar a sua sorte no Brasil, onde foi pouco afortunado e onde acabou por falecer. Violante, com a meação na herança do pai, criou cinco raparigas e um rapaz (uma das meninas desaparecera prematuramente), continuando ligada ao ramo da ourivesaria Todas as filhas casaram bem e ela teve um vida confortável , na sua casa da Gandra, falecendo aos 81 anos JOÃO MOREIRA João Moreira era um jovem de 20 anos, quando perdeu seu pai, com quem, ainda adolescente, aparece num formal retrato de fotógrafo. Coube-lhe continuar os negócios de família e, também dele se pode dizer que casou bem, com a proprietária de uma grande joalharia da Rua das Flores. Levou sempre um vida de alto nível, foi um dos primeiros gondomarenses a ter carros de luxo e motorista. Desaparecida,a mulher, tomou por companheira uma criada, Rosa, com quem terá oficializado a união. Sem filhos de qualquer dos dois matrimónios, era um tio muito popular entre os sobrinhos António e Maria Aguiar, como entre sobrinhos netos, que o visitavam, com frequência, na sua casa de Quintã, e o recebiam, com grande contentamento, na Vila Maria. As fotografias mostram-no num piquenique, em que está em primeiro plano, à direita, entre a segunda mulher e a irmã Rosa Pereira, num passeio de automóvel, em que é acompanhado pelas irmãs, Rosa e Violante. num convívio na casa da Gandra . Rosa e Violante moravam ambas na Gandra. Quando as famílias Aguiar Pereira e Moreira Lopes Maia falam, nostalgicamente, da sua "casa da Gandra"não estão a falar da mesma realidade O casarão de pedra de Rosa e Manuel Aguiar, ficava à face da estrada, com extenso quintal nas traseiras. Manuel era ourives, ou fabricante ou dono de estabelecimento comercial. Os três filhos que viriam a estar ligados a este setor, Augusto, no Porto, João e António Carlos, no Rio de Janeiro, eram todos proprietários de joalharias, mas isso não significa que o pai, aparentemente bem menos próspero, o tivesse sido. Também não é seguro se os canteiros de rosas, que mais tarde, ocupavam uma área grande do jardim, de desenho geométrico, existissem já no seu tempo. Mas, naquele espaço, ali brincou, com certeza, uma numerosa prole, crianças alegres, buliçosas, engraçadas. A extroversão e a vivacidade são as qualidades mais comuns aos Aguiar, ao menos aos que se mantiveram no círculo de convivência na Vila Maria, levando.nos a supor que os demais não fossem, nesse aspeto, tão diferentes como eram em tudo o resto. Solidariedade foi também valor que parece ter predominado em família tão propensa a clivagens de fortuna e infortúnio, levando uns a valerem, fraternalmente, aos outros. Conhecem-se muitos exemplos: o de Augusto que, ao ficar, em partilhas, com a casa da Gândra, manteve a irmã solteira Guiomar e uma outra, casada com um jovem chamado Camilo, no amplo rés do chão da sua casa, ocupando ele o primeiro andar, que, num mesmo plano, dava acesso direto ao jardim. Doroteia, também solteira, foi recebida em casa da Tia Violante, onde tomava conta das crianças e recebia tratamento de membro da famílis De igual modo, João e António, no Rio, tentaram, em vão, dar modo de vida ao aventureiro e estroina Alberto (Alberto, talvez, nem o nome pode ser tido por exato...) e encarregaram-se da educação dos filhos desse irmãos, como se fossem seus. Na geração seguinte, é exemplar a atitude dos sete Aguiar Saraiva, que, tendo ficado órfãos e empobrecidos, quando uns eram muito jovens, uns, e outros ainda crianças, se uniram, os mais velhos ajudando a bem educar os pequenos, recuperando, todos, assim, todos, o estatuto social e o nível de vida que fora o dos pais. Se é certo, que sempre procuraram ajudar-se mutuamente, não pode, porém, negar-se que a história da família se fez e transmitiu com acento tónico nos mais bem sucedidos, e que dos fracos praticamente não reza... Aqueles criaram, entre si, um círculo mais íntimo de convivência: João e Augusto, António Carlos, e uma das raparigas, Amélia. os favorecidos com o "toque de Midas". Gracinda Aguiar (Saraiva), casou com homem rico, ainda que, depois, o casal tenha conhecido oscilações de fortuna. Os filhos continuariam sempre próximos dos Barbosa Aguiar, quase como irmãos. António, o mais velho era afilhado do tio António Carlos Dos outros Pereira de Aguiar ficaram quase só imagens em retratos coletivos.. .JOÃO PEREIRA DE AGUIAR Foi, na última década do século XIX, o primeiro da sua geração a partir para o Brasil, o país para onde, então, quase todos os portugueses emigravam. Ignora-se a data exata em que deixou Gondomar, se foi ao encontro de parentes ou conterrâneos e como decorreu a adaptação ao novo país. Pode, sim, dizer-se que rapidamente se integrou e alcançou um elevado patamar social e económico, como joalheiro, pois em 1896 chamou para junto de si, António, o irmão mais novo e ajudou-o no início de uma ascensão meteórica, Era um homem muito elegante e bem relacionado, introduzi-o nos círculos que frequentava na sociedade, incentivou-o a valorizar-se pela cultura, pois ele mesmo prezava esse lado do seu percurso brasileiro, não a limitando aos aspetos materiais, com que muitos dos emigrantes dessa época se contentava. Era assíduo conviva nos meios portugueses, o seu nome consta, pelo menos, entre os associados do Real Gabinete de Leitura do Rio de Janeiro, uma instituição já florescente e prestigiada, que acolhera, até a Academia Brasileira de Letras na sua sede, e possui, ainda hoje, uma extraordinária biblioteca, atualmente a segunda maior do país, e uma das mais belas do mundo.. Em 1902, casou com Judith Andrade da Cruz Ferreira, uma jovem encantadora, da burguesia carioca, que viria a ser, a partir de 1910, a melhor amiga da cunhada Maria. Se algum dia João alimentara um projeto de retorno às origens, o amor por uma brasileira radicou-o lá, definitivamente lá. Foi no Rio que construiu a sua imponente mansão na Rua de Payssandú. À família de São Cosme, enviou a fotografia da casa, onde se destaca o detalhe simbólico de uma águia grande escura na frontaria branca. Também António Carlos, mais tarde, colocou na Vila Maria, bem alto, na cercadura de painéis de azulejos a toda a volta do torreão, o desenho de águias castanhas, de asas abertas, segurando um "R" no bico. No Rio, viveu sempre em casas arrendadas, como quem estava de passagem, no centro da cidade ou em Santa Teresa, onde os filhos de Judith e João aparecem em muitas fotografias com os tios e primos portugueses. Depois que estes regressaram a Gondomar, em 1920 e que António Carlos realizou a sua última viagem ao Rio em 1926, o ano em que veio a falecer, os contactos foram mantidos, durante várias décadas através da correspondência das cunhadas Judith e Maria. Todas essas cartas se perderam e só pelas memórias, não muito precisas, de Maria Antónia se sabe que entre os seus descendentes houve aqueles que continuaram os negócios da família, outros enveredaram pela diplomacia ou por carreiras políticas. Com Portugal não conservaram ligações, perdidas que foram os contactos entre os promos, apenas retomadas por José Augusto, na década de cinquenta, quando viveu, por poucos anos, no seu Rio de Janeiro natal. Há algumas fotos dele com as primas, todas muito bonitas, com aqueles traços que, por generalização (excessiva), se atribuem à maioria dos Aguiar, a tez morena e os grandes olhos claros. Não se conhecem, sequer os seus nomes, apenas se sabendo que o mais velho, João, como o pai, nasceu em 1903 e veio a casar com Mariette Veronese, dando origem ao ramo Veronese de Aguiar .. AUGUSTO PEREIRA DE AGUIAR Augusto Pereira de Aguiar teria quase a mesma idade de João. Era alto e, talvez, o mais parecido com o pai, um belo homem loiro, com olhos azuis. sorriso fácil, invariavelmente bem disposto. Como João e António, era dono de uma joalharia - a dele na emblemática Rua das Flores, as dos dois expatriados na não menos emblemática Rua do Ouvidor no Rio de Janeiro. O negócio prosperou e ele podia e gostava de viver bem. Sempre impecavelmente vestido, (usava, frequentemente, rosas frescas na lapela), frequentava tertúlias e teatros portuenses. Melómano, quis que as filhas, Lucinda e Leonor estudassem nos melhores colégios e no Conservatório de Música. Uma quarta menina morreu tuberculosa. Maria Antónia não se lembrava dela, e nem sequer do nome, só de ouvir dizer que era linda. A Tia Leonor Sá era de Avintes e aí, na casa de família, que ainda existe na Rua 5 de Outubro, nasceu a filha Lucinda, que seria a madrinha da Maria António, mais uma prova da sua proximidade com os Barbosa Aguiar. Leonor (Nucha) terminou brilhantemente o curso do Conservatório, mas não fez carreira artística. Casou cedo, passou a dar aulas particulares de piano e foi professora das primas, Maria Antónia, Glória (Lolita) e Madalena, todas bastantes mais novas. Maria Antónia guardava do Tio Augusto as melhores recordações. Visitavam-no amiúde na casa da Gandra, que ele tinha remodelado e mobilado. Do jardim há uma única fotografia em que vê a mãe Rosa Pereira com três pequenos netos não identificados e, em primeiro plano, o filho António à conversa com um irmão, (não Augusto, que era muito alto) ou um amigo. O jardim teria sido, tal como a edificação antiga, modificado ou o roseiral já existiria? A sua paixão por rosas, partilhada pelo irmão António Carlos, pode ter sido, ou não, inspirada pelos pais. Sabe-se que ganhou, pelo menos, um prémio importante, em 1903. Seu bisneto, Homero Aguiar Figueiredo, é hoje, em São Paulo, o guardião desse troféu. Por esse primo se soube que Lucinda casou com Homero Figueiredo, quando ele era proprietário de uma farmácia no centro do Porto (perto do antigo Governo Civil e da Praça da Batalha), e, muitos anos depois, acompanhou o marido, nas suas andanças pelo mundo. Ele montou uma farmácia em São Paulo, e, de seguida, mais duas no Perú. A aventura peruana levou, por fim, à sua separação de Lucinda, para se casar, pela segunda vez. A vida, porém, não lhe correu favoravelmente - ao que consta, não foi um gestor. prudente... Tarde demais chamou o filho, que, em vão, tentou salvar esses negócios. Lucinda, que passara alguns anos no Porto, à frente da Joalharia da Rua das Flores, uma mulher corajosa, decidida, sempre lembrada pela afilhada pela cordialidade e alegria de viver, não hesitou em partir para São Paulo, e ajudar a família, quando Homero os deixou, para se lançar em negócio no Perú, e, depois, na América. Por lá ficou, e, a partir dos anos cinquenta, cessou as vindas a Portugal, perdendo-se, desde então, o contacto com ela - até que, em 2019, as novas tecnologias nos trouxeram notícias, através de um bisneto. Até então era, sobretudo, uma boa recordação de infância da afilhada das tardes passadas na farmácia de Homero "naquela rua que vai da Sé para a Batalha, passando pelo antigo Governo Civil", a comer enormes quantidades de doçarias,por vezes na companhia de um sobrinho de Homero, Fernando Figueiredo, que viria a ser seu médico e grande amigo. Ainda segundo Maria Antónia, em idade avançada, o Tio Augusto engordou, tornou-se verdadeiramente figura larga e imponente, acentuando pareceças com o Rei Dom Carlos. Os seus olhos claros eram espantosos, sombreados por pestanas muito longas, que impressionavam as sobrinhas no meio das quais era imensamente popular.. Ao que se julga, manteve negócios com o Brasil, para onde exportaria jóias, por intermédio dos irmãos emigrados, sem nunca se deixar atrair pelo sonho da fortuna brasileira - ganhou a sua sem sair do Porto. Das filhas só Lucinda emigrou, e não para o Rio, mas para São Paulo, levada pelas aventuras e desventuras do marido, Depois de se ver só, já o Pai tinha falecido, conseguiu reerguer-se com os filhos e viver as alegrias da chegada de netos e bisnetos. Uma história com fim feliz Maria Antónia nunca mais conviveu de perto com ela, as visitas foram poucas e breves, e nem sequer sabia exatamente de onde vinham os seus laços de amizade com a muito falada Tia Arminda, de Avintes - falada porque por seu intermédio conheceu o futuro marido, João Dias Moreira, no Monte da Virgem, O encontro, que terá sido engendrado para os aproximar, no cenário convenientemente místico de uma "missa nova" de um padre ordenado no Porto. Encontro bem sucedido, numa sequência de tentativa imediata de corte masculina, em prosa e verso, com poucas reticências femininas, namoro sério e casamento. Arminda Sá era, afinal, irmã de Leonor Sá. Ou seja, a tia avintense de Lucinda, visitante habitual da mana, na casa da Gandra, e amiga tanto da cunhada de sua irmã, Maria Aguiar, como da mãe de João, Olívia Capela. Homero Aguiar Figueiredo, um dos bisnetos do Tio Augusto veio preencher uma lacuna de informação lacuna e, também, dar a esta crónica familiar os únicos retratos que passamos ter da Tia Leonor e do Tio Augusto, assim com uma mostra da sua bonita caligrafia, (por sinal semelhante à do Irmão António), num postal escrito, em 1930, a um sobrinho Armando Pereira d' Aguiar. Resta desvendar quem seria Armando (hipótese mais provável: um dos filhos de Judith e João Aguiar). Na verdade, só se conhece um outro irmão que viveu e morreu no Brasil, Alberto, que terá emigrado com ou logo depois de João, pois era, como ele, dos mais velhos. Personagem enigmática!.Não se ficou pela cidade, sumia no interior, com paradeiro incerto. Ele próprio, e tudo em seu redor, é um mistério. Casado ou não, teve vários filhos, um dos quais foi recolhido e educado pelos irmãos, frequentando bons colégios. tal como os primos ricos. Ele, o pai, nunca se fixou em lado nenhum. Aparecia, de longe a longe, com aspeto que desgostava a família e ficava por pouco tempo. Perdida a paciência, João e António desistiram da missão de salvamento.... A mais persistente protetora foi a cunhada Maria. Por sua intercessão, António mandava-o comprar fatos apresentáveis e alojava-o em casa. Um dia, disse adeus e não voltou mais. Um dos filhos educados no Rio, foi empregado de confiança do Tio António que, quando começou a preparar o regresso a Portugal, com ausências prolongadas, o deixou a gerir todos os empreendimentos, com as mais inesperadas e dramáticas consequências. Seria, então, um homem de vinte e muitos anos, quando a primogénita dos Barbosa Aguiar, Carolina, andava pelos sete ou oito anos. Esse sobrinho ingrato não pode ser o Armando a quem o postal é dirigido 1930, pois fala da saúde de seu pai - que será João, pois Alberto desaparecera no início dos anos 20. AMÉLIA PEREIRA DE AGUIAR A única mulher empresária que se conhece nas gerações passadas, em qualquer dos ramos da família. Talvez em parceria com o marido, que terá sido, em qualquer caso, de muito mais baixo perfil.. A harmonia no casal parece ter imperado sempre, pois deixou à posteridade uma mensagem de felicidade, de pleno contentamento com a vida que Deus lhe deu, numa frase célebre:"Deus castigou-me com muita saúde, muitos filhos e dinheiro" Amélia permanece como figura lendária, pela força de caráter e por riqueza ganha em domínios onde nenhum antepassado se terá aventurado antes: estaleiros de barcos, frota pesqueira... E uma frase, a única que ficou para a posteridade, revela, em sínteses perfeita, um percurso feminino extraordinário "Deus castigou-me com saúde, filhos e dinheiro" Tudo teve em abundância!.Supõe-se que nos favores divinos incluiria um marido discreto, cujo nome se conseguiu desvendar numa pequena notícia da imprensa - o Sr Oliveira Aguiar. Seria um primo ou parente ou uma coincidência num apelido não muito comum, mas nem por isso propriamente raro? Mais provável é o parentesco, mas não está provado. Uma fotografia do espólio de Maria Aguiar, amarelada e riscada (estrago atribuído a um dos seus imparáveis meninos, que espalhavam terror infantil e destruição à sua volta...), tem no centro uma senhora alta e forte, de escuro vestida e de rosto determinado, rodeada de adolescentes e crianças, que se supõe ser ela...). É a matriarca dos Aguiar de Matosinhos, com os quais se perderam laços de relacionamento familiar. A migração de Amélia para Matosinhos, embora interna e próxima, produziu, neste aspeto, efeitos não muito diferentes dos da à emigração brasileira de João e Alberto. GRACINDA AGUIAR SARAIVA (Saraiva, apelido do marido), teve sete filhos, como a cunhada Maria. Amigas, comadres, Maria e António eram os padrinhos de batismo de António Aguiar Saraiva. A madrinha tinha-o em grande estima, dizia que ele era mais parecido com o padrinho do que qualquer dos seus filhos! O cunhado Saraiva, foi grande empresário, mas atravessou altos e baixos, num percurso muito acidentado e morreu, novo ainda, num dos pontos mais baixos, deixando a viúva e os órfãos em péssima situação. Só o celebrado "espírito solidário dos Aguiar permitiu, não só a alguns, mas a todos, subirem, a pulso, até ao nível mais alto dos tempos do pai, onde souberam permanecer o resto das suas vidas..No princípio foram as irmãs mais velhas, raparigas de uns 20 antes, se tanto, a procurar empregos (dando explicações, ou como precetoras, num círculo social onde tinham relações de amizade, lembrando novelas inglesas oitocentistas) para dar educação aos irmãos, alguns andavam ainda na escola primária. Uma história que terminou coletivamente bem. Eram inteligentes, trabalhadores e bafejados por um instinto empresarial certeiro, que os levou em frente e para cima, invariavelmente. Sem complexos, sem marcas de passadas dificuldades, num regresso ao mundo de onde vinham, como paradigmas de sociabilidade, sentido de humor, extroversão. Morenos e atraentes, com os olhos luminosos, em geral claros, sempre expressivos, que traziam no ADN, capazes de uma boa gargalhada e de um humor cortante, mas temperado de um pendor diplomático, que era em alguns muito acentuado. Facilmente faziam amigos em todas as categorias sociais OS AGUIAR SARAIVA . De uma multidão de parentes Aguiar, da sua geração, foi sobretudo com estes primos que Maria Antónia conviveu intimamente em Gondomar e no Porto. pela vida fora um relacionamento constante - com todos, e mais ainda, com a Cristina e a Belita, mesmo depois de Cristina ter ido para a Alemanha e Belita para Lisboa, ambas casadas com alemães. ANTÓNIO, o mais velho, foi importador de máquinas e material de escrita e de fotografia - canetas Monblanc, rolos de filme Adox, uma marca germânica, há muito desaparecida dos mercados. Contratava sempre vendedores alemães, (tinham melhor aceitação junto dos clientes do que os naturais do burgo.aumentando o volume de venda dos produtos, num tempo em que rareavam os trabalhadores estrangeiros e a sua presença era notada e desejada, sobretudo se fossem visivelmente diferentes, na aparência e na pronúncia). Era afilhado de António Carlos e Maria Aguiar, que gostava muito dele, achava-o fisicamente e até na sua convivialidade espontânea e extraordinária intuição empresarial , mais parecido com o marido do que os próprios filhos. Moreno e desenvolto, formava com a mulher, Bárbara, um perfeito contraste, pois ela era muito loira e branca, discretamente introvertida. O filho Luís era loiro como a mãe, as filhas, Manicha e Luísa, bonitas morenas, como o pai CRISTINA FERNANDA AGUIAR SARAIVA LAMB, foi, durante anos, a competentíssima gerente deste irmão - ótima "public relations", fluente em várias línguas. Acabaria por casar com Ernst Lamb, um desses profissionais promissores estrangeiros, que vinham para o Porto estagiar. Um jovem que cumpriria as promessas, e seria uma década depois, logo no início dos anos 70, a diretor da Zeiss e, seguidamente, da Rodenstock, levando a encantadora Cristina para Wiesbaden, e, depois, para a pequena, bem traçada, arrumadinha cidade de Aalen (perfeita para postais turísticos e monótona para morar), não longe de Estugarda. Cristina não nascera para "Hausfrau". numa geografia humana de que que nunca verdadeiramente se sentiu parte. Morreu, em Munique, com um enfarte de miocárdio", como o Tio António Carlos e com a mesma idade. Ernst era um homem brilhante, e apaixonadíssimo pela bela portuense. Ela tinha orgulho no marido e na sua carreira, ajudou-o com absoluta lealdade. Er hatte eine hausfrau heiraten wollen... Esforçou-se, por o ser, à exigente moda germânica, e conseguiu, com diplomacia e imensa elegância, mas não era o seu ideal de mulher dinâmica e extrovertida, com uma energia e vivacidade contagiantes, que ressurgiam em cada visita de férias ao Porto.. Apesar de viver longe, nunca perdeu contacto com uma infinidade de amigos, que visitava, nas férias, correndo Minho e Douro, num roteiro de quintas e casas de férias, levando muitas vezes as primas com ela, em carros emprestados pelo António. A única coisa que fazia menos bem era precisamente conduzir qualquer automóvel, mas, graças a prudência extrema e baixa velocidade, nunca teve um acidente. A última dos sete Aguiar Saraiva, mas a primeira a partir, era dez anos mais nova do que a Maria Antónia e cerca de dez anos mais velha do que as suas filhas, e lidava tão bem com uma como com a outra geração. Toda a gente gostava dela. Uma perfeita e cosmopolita Aguiar... . BELITA AGUIAR SARAIVA SCHMIDT teve com Walter Heinz Karl Schmidt, história que a coloca quase nas antípodas da irmã.. Walter vinha de famílias da alta burguesia, era muito atraente nos seus traços nórdicos, impressionantemente alto (quase dois metros), como um vicking gentil e tolerante. Um homem sem ódios, apesar de seu pai, um diretor na função pública, ter morrido num campo de concentração russo,na Alemanha de leste. Grande empresário no ramo das importações (da Alemanha, obviamente), desde máquinas pesadas a lápis Staedler, vivia com Belita num privilegiado recanto da Lapa lisboeta, e nos tempos do PREC passeavam, (perigosamente!), de Jaguar pelas ruas da capital em fúria. Belita nunca se converteu em simples "Hausfrau", era, na empresa familiar, uma parceira igual, tinha a seu cargo a parte financeira, a contabilidade .Em casa, empregadas, no plural, encarregavam-se das tarefas domésticas, Não tiveram filhos. Viajavam muito, em trabalho e em férias, sempre na Europa, porque a Belita não se aventurava em voos transoceânicos... Depois do choque da morte do Walter, doze anos mais novo, celebrou os 101 anos, bonita e lúcida, impecavelmente penteada e vestida. Tal como a prima Maria Antónia, (que, porém, não chegaria a festejar os 99), sempre interessada em questões da política, adepta de uma direita mais centrista ( Influência do Walter?) Maria Antónia nunca acompanhou a moderação social-democrata do marido... Foi a primeira mulher da família a inscrever-se num partido (o PPM, porque era monárquica), a subscrever uma candidatura à presidência (a do General Kaúlza de Arriaga) e votou sempre à direita. Contudo, dada, como sempre foi, a contradições, admirava,, acima de qualquer outro, o estilo régio do Dr Soares e as suas "presidências abertas" e o mundanismo de Santana Lopes. Os outros Aguiar Saraiva, Rosa, Madalena, José Armando e Manuel eram, também bons amigos, mas sem o mesmo grau de convívio frequente . ANTÓNIO CARLOS PEREIRA DE AGUIAR Nascido a 11 de fevereiro de 1980, terá sido o mais novo dos irmãos. Muito bonito, baixinho, esperto, bom aluno. sempre cuidadoso com os seus livros, cadernos, roupa, a apresentação, era determinado, competitivo, mas solidário, ou não fosse um de 15 irmão, numa família unida, e capaz de enfrentar desafios, como provou ao emigrar com 16 anos, respondendo ao chamamento de João, então já lançado em altos voos no Rio de Janeiro. Desses primeiros anos, tão longe de Gondomar, não há peripécias que tenham chegado aos ouvidos dos seus descendentes. É de crer que tenha sido recebido em casa do irmão, ainda solteiro, em 1996, e que se tenha sentido confortável e muito animado com a perspetiva de vencer no novo mundo. Muito provavelmente, trabalhou para joão, próspero proprietário de uma joalharia, Pela ligação que cultivou, muito para além do círculo familiar, com amigos de infância e com a terra, de onde viera, é a perfeita imagem daquele género de emigrante, que, como dizia Jaime Cortesão, "levava a Pátria consigo". Cruzava, com regularidade, o Atlântico, e passava férias em São Cosme. Certamente, não só férias, mas negócios também, inicialmente os do irmão, os seus, à medida que se autonomizava. O mesmo duplo propósito seria o motivo de visitas a outros países, como a França, pois num dos postais que de lá enviou, em 1909, justifica dar tão sintéticas notícias pelos muitos "afazeres" que o ocupavam. Provavelmente, projetos de exportação/importação, de internacionalização de negócios. Na família, a ligação à arte e indústria de ourivesaria, da filigrana, que é o "ex-libris" de Gondomar, vinha de trás - vários antepassados eram dono de estabelecimentos, mas outros teriam sido simples artífices, como foi o caso do pai de sua avó Anna Pereira de França, que , por sua vez, casou em segundas núpcias com um ourives muito rico, O marido de Rosa, a filha primogénita, Manuel Aguiar, era igualmente ourives e com os proventos da profissão (fabricante ou comerciante) comprou a sua casa da Gandra e criou os 15 filhos, Deles, pelo menos três foram, não industriais mas proprietários de elegantes joalharias e fizeram fortuna, num tempo propício aos negócios do ouro, que abundava no Brasil e tinha em São Cosme uma repercussão dourada... . Sem dados concretos em que nos possamos basear, é de pôr a hipótese. muito plausível. de João, que casara em 1902, com uma jovem da alta burguesia do dinheiro, se ter concentrado, crescentemente, em outros negócios, António Carlos, passou, se não passara já, a morar em sua própria casa. Tinha 22 anos e seis de experiência de trabalho comum com o irmão, que nele, e bem, depositava inteira confiança. Ter-lhe-á, então, oferecido sociedade, e, poucos anos depois, trespassado a sua parte na Joalharia Aguiar da Rua do Ouvidor? Não há notícia de visitas de João a Gondomar. Ou não apreciava as longas viagens marítimas, ou preferia dar ao irmão a oportunidade de matar saudades da Gandra, fazendo-o intermediário dos seus negócios, que envolveriam, também Augusto, o dono da Joalharia Aguiar da Rua das Flores,.Sinais seguros da especial ligação desse trio de irmãos há-os, no convívio que se sabe ter sempre existido, e na correspondência trocada entre Augusto e os sobrinhos do Rio, ainda em 1930, e entre Judith e Maria até aos anos 50 ou 60) É por recortes da imprensa de Gondomar, não por relatos orais, que tomámos conhecimento de que António Aguiar não faltava na época da caça - desporto que, pelo visto,, o entusiasmava mais em São Cosme do que no Rio, porque ali tinha, evidentemente, os melhores companheiros para passeatas e convívios. Como alegre e sociável jovem que era, juntava trabalho e diversão, também em Portugal, relações familiares como de trabalho com Augusto, o joalheiro, no Porto (aparentemente, nenhum deles começou como artífice, eram todos empresários, nascidos nesa meca da ourivesaria portuguesa, que era a sua terra...). Terá começado tão rápida ascensão empresarial, provavelmente na joalharia de João, com quem aprendeu os segredos de a bem gerir. A diferença de idades era substancial, a relação foi, decerto, mais do que fraterna, quase paternal/filial. Não se sabe se terá sido sócio do irmão. Certo é que, com pouco mais de 20 anos, já tinha o seu próprio estabelecimento, e aos 28, na altura em que se terá enamorado da futura mulher, era um homem muito abastado. Milionário antes de atingir os 30, com que casou, Onde e quando se iniciou o romance? Por uma pequena nota na coluna social de um periódico gondomarense apercebemo-nos da sua presença no jantar de formatura em Direito do futuro cunhado José Barboza Ramos. A notícia comprova que nesse ano (1908?) já era figura grada na vila, pois é um dos poucos nomes em destaque, na festa que reuniu a família e numerosos amigos do homenageado. Aí se menciona ainda que ele e José tinham sido colegas de estudos. Este dado tanto nos permite aventar um anterior convivido com a pequena Maria, dez anos mais nova, (contas feitas, menina de 6 anos quando ele emigrou...), como, pelo contrário, imaginar que a tivesse encontrado nesse jantar convivial, onde decerto brilhou pelo seu invariável bom humor e cordialidade, assim chamando a atenção da formosa irmã do novel doutor, E terá sido, ele próprio, atraído pela sua graça e desenvoltura de rapariga moderna e chique. , Suposições, apenas. Maria Aguiar teria respondido, mas a pergunta não lhe foi feita. Gostava de falar do passado, conversas longas de que se perdeu a riqueza de infinitos pormenores, deixando, em seu lugar, impressões vagas de ambientes, situações, pessoas... Outra hipótese plausível de um primeiro encontro entre ambos, a que muitos se seguiriam, é ter acontecido em casa de parentes, os Lopes, os Mais, os Lobão, convivas habituais dos Ferreira Ramos, primos afastados, mas que aparecem em todas as fotografias de festas e piqueniques no Monte Crasto. Ora os Maia eram, também primos da dos Pereira de Aguiar, pelo ramo Pereira, indo buscar ascendência comum dos Pereira de França e da avoenga Ana Pereira. Para além de muitas outras, já no puro domínio da imaginação, mas que podem bem ter ocorrido: no cenário de uma récita no teatro, das festas da Senhora do Rosário, de uma simples missa na Igreja, mas sempre na presença de alguém que pudesse fazer as apresentações, pois com estranhos as meninas não falavam. Do período inicial de namoro, uma pequena confidência indicia que ele era, então, o mais apaixonado. Na primeira despedida, depois de ficarem noivos, ficou e vê-la afastar-se, desolado pela separação de tantos meses em perspetiva, e ela foi em frente, rindo ao lado de Rozaura. Por um gesto de ombros, António Carlos julgou que ela chorava e apressou-se a segui-la, para a consolar, prolongando ou reiniciando a despedida (gesto em que os portugueses de todos os tempos são useiros). Não a viu em lágrimas, que não havia para ver, e a surpreendida Maria terá discretamente atenuado os sinais de boa disposição. Contava o episódio com aquele riso brando e ligeiramente irónico dos Barboza, rindo de si própria, menina e moça...Não tinha, compreensivelmente, aos 20 anos, muita pressa de subir ao altar, sabendo que teria de separar-se da família inteira, para viver do outro lado do mar, ainda que junto a um homem dedicado e generoso, que lhe oferecia um futuro de amor, conforto e abastança na mais maravilhosa cidade do mundo ,e, coisa de vital importância, as viagens que quisesse para reencontros de férias em Gondomar. Não emigrava sem certezas de voltar...E achava-o insinuante e divertido, para além de bonito, com as suas feições perfeitas e sorriso fácil, olhos muito claros, muito grandes, verdes, os mais fascinantes que jamais vira. Alguns filhos e netos herda-los-iam, contudo, segundo ela, sempre um pouco àquem dos dele.." Os olhos são o espelha da alma", dizia muitas vezes. Também a impressionava o seu caráter, que a levava, e bem, como viu ao longo de anos, a acreditar no que lhe prometia. E a sua cultura, ou "ilustração", palavra que usava preferencialmente, Todavia, da sua parte, o grande amor terá ido em crescendo, num convívio, em que até os momentos piores, como a morte de Augustinho, (o quinto filho, falecido de uma pneumonia aos oito meses) serviu sempre para unir, Discordâncias pequenas também as houve, certamente, mas em conversas em que não se alterava o tom de voz. Era um homem calmo e cordato, dentro e fora de casa. Com a mulher, o desagrado manifestava-se, geralmente, em silêncio, numa expressão mais fechada, ou indiretamente, em mensagens subtis, a avaliar por um dos casos mais curiosos, confidenciada pela (já então) Avó Maria à neta favorita, (que era eu...), no meio de sorrisos, entre trocistas e melancólicos, a revelar, passado tanto tempo, uma notória falta de arrependimento... Acabava de chegar ao Rio a moda dos penteados curtos, a acompanhar a altura dos vestidos, que ia encurtando. igualmente, e Maria, já senhora de quase trinta anos, sentiu-se tentada a cumprir a moda, cortou a sua longa e esplendorosa cabeleira castanha. substituída por um corte que mal cobria as orelhas, com uma franjinha a cobrir a testa alta. Passou, de seguida, por um atelier de fotografia, a tirar um retrato, muito bem vestida, de fato escuro, flor ao peito, raposas cruzadas no regaço, anéis de brilhantes nos dedos, sem mais jóias ostensivas, apenas um broche a fechar o vestido rente ao pescoço. Encomendou uma dúzia de exemplares e partiu, satisfeita, para mansão de Santa Teresa. O marido não se mostrou deslumbrado pela modernidade do visual, não avançou grandes comentários. Algum tempo depois, já Maria recolhera as fotos encomendadas, já as enviara por cartas para a família de Gondomar, foi preparar malas para mais uma viagem e encontrou, numa delas, um insólito pacote com doze, precisamente doze, fotografias dele, alardeando um ar bastante crispado. Era a resposta aos seus doze retratos, de penteado drasticamente cortado por tesoura de mestre. E a expressão que António exibia naquelas imagens, era, evidentemente, a que não tinha querido revelar face a face, no dia em que terá sofrido desgosto grande...Como as fotos não eram assim tão más, não se deitaram fora e ainda existem, até em álbuns de família. No Rio, correu célere uma década feliz, depois do casamento, celebrado na Igreja de São Cosme, em 10 de setembro de 1910.. O casamento fora festa íntima, ao que informa uma pequena notícia da imprensa local, que volta a evidenciar a proximidade mantida por António com a gente e a terra, (como se nem residisse num longínquo país das Américas, a sua condição de expatriado não é mencionada...), assim como o estatuto da família da noiva, medido pelos cargos dos parentes masculinos A notícia, de 12 de setembro, tem por t título "Consórcio" : "Realizou-se no sábado passado na egreja paroquial d' esta villa o enlace matrimonial do nosso presado amigo e conterraneo Sr António Aguiar com a Srª D Maria da Conceição Barbosa Ramos, gentil filha do estimado notário local Sr Joaquim Mendes Barbosa e irmã dos nossos amigos Srs António, Alberto e Américo, abbade de Gondalães e dos Srs Alexandre Mendes Barbosa, digno secretário da Administração, e Dr José Barbosa Ramos, novel advogado e diretor de "O Progresso de Gondomar". Lançou a benção o irmão da noiva, rev abade de Gondalães, Américo Barbosa. A cerimónia revestiu caráter íntimo, assistindo pessoas de família dos dois simpáticos nubentes, .Aos cônjuges, dotados dos mais preclaros dotes de espírito e primorosa educação, desejamos um futuro ridentíssimo". O recorte não permite identificar o periódico - certo é que não se trata de "O Progresso", que referiria a noiva como irmã do diretor.."O Progresso" , decerto, terá noticiado, talvez mais destacadamente, mas não se achou vestígio dele Porquê um festa íntima? E porque não há fotografias da cerimónia? Estaria uma das famílias em luto recente? l.. O retrato oficial foi tirado no Porto, dias mais tarde, em estúdio, e até se conhecem vicissitudes do transporte dos trajes nupciais, ao cuidado de uma criada bastante descuidada... O fraque do noivo chegou ligeiramente amachucado e ele, exigentíssimo, um perfeccionista, ficou, coisa rara, zangado (ignora-se se a criada terá conseguido justificar-se, arrepiar caminho e continuar ao serviço, duradouramente). Enfim, foi preciso alguém trazer um ferro de engomar e dar o toque necessário à perfeição. Logo depois...novo motivo de irritação. Maria Aguiar era alta, mais do que o marido e o artista fotógrafo sugeriu que ele subisse a um banquinho disfarçado nas dobras do vestido nupcial. Sugestão recebida pelo noivo, com indignação. Tanta, que nem ele, nem ela, conseguiriam recuperar o sorriso, como, a rir-se, ela confidenciaria, meio século mais tarde.. E, assim, a imagem não espelha a autêntica festa daquele sábado,10 de setembro, data em que, décadas decorridas, haveriam de nascer, o neto António José, no chamado "quarto grande" da Vila Maria e a bisneta Ana, no Algarve (prematuramente, durante férias dos pais) Em lua de mel, percorreram o país, desde o norte até Lisboa, onde os esperava o imprevisto de uma revolução. Alojados no Hotel Franqueforte, no Rossio, (há muito desaparecido do lugar onde também já não existe a pastelaria Suiça), estavam em pleno teatro de operações, nos históricos últimos dias da Monarquia e os primeiros da República... Ambos monárquicos declarados (uma das recordações de António Carlos, conservada para a posteridade, era o gozo com que repetia o "slogan de época "Talassa, passa, Buíça chiça!") sofreram, angustiados, a agitação das ruas e do país e partiriam incertos do futuro de uma revolução indesejada, temendo a sorte de todos os que ficavam da segurança de familiares, sem lhes poder valer. Que drama para os dois jovens, terem de partir, temendo pela sorte de todos os que ficavam, divididos dos dois lados da contenda, que de Lisboa chagaria ao Porto e a São Cosme. Os postais e as cartas sucediam-se , mas eram sempre notícias ultrapassadas, fraco sossego. De facto, ninguém correria mais perigos do que eles mesmos, ali, no Rossio, convertido em centro de toroteios, naqueles dias a 5 e 6 de outubro. Uma bala atravessou a janela do quarto do Franqueforte, sem lhes causar dano, para além do susto (bala guardada como macabro troféu, que muitos dos netos ainda tiveram na mão...). O cozinheiro do hotel foi atingido e morreu. Alguma agitação sacudiu também o paquete de luxo em que estavam em rota para o Rio de Janeiro. A jovem noiva estreou-se em travessias do oceano, com o espetáculo de ondas alterosas no percurso até à primeira paragem no porto do Funchal. Revelou-se uma excelente "marinheira", à semelhança do marido, Com a maioria dos passageiros remetidos ao recolhimento nas cabines por fortes enjouos, Maria e António fora a assídua e agradável companhia do Comandante, com quem fizeram amizade. E, sem mais percalços desembarcaram no Rio e foram habitar a casa que António cuidadosamente preparara para receber a noiva, na Rua 7 de Setembro, não muito longe da Rua do Ouvidor, no 63, onde se situava a Joalharia Aguiar . Era a rua elegante da cidade do Rio, onde se situavamas melhores lojas, confeitarias, restaurantes, vida diurna, vida noturna...À tarde, Maria e Judith aí se encontravam com amigas, para fazerem compras ou para lancharem, à noite aí reuniam, muitas vezes, na companhia dos maridos. António Carlos relacionava-se, com a mesma facilidade, com conterrâneos, com brasileiros, com italianos - seguramente com italianos, pois era o sócio perpétuo nº 3579 da "Crosse Rossa" ("avendo elargito a beneficio dell' Associazione la somma de Lire cento" , desde 4 de maio de 1917. É o que consta de uma certidão que Maria Antónia salvou de extravio e mandou emoldurar No Rio de Janeiro viveriam durante uma década feliz, com muitas travessias do oceano, só interrompidas em alguns períodos da grande guerra, quando o risco de ataque inimigo se agravou, entre 1914/1918. Há uma carta do Joaquim Mendes Barboza para a filha Maria de 15 de outubro de 1918, que alude ao fim desse período em que ficaram privados de visitas, ao dizer, em PS: "Lembro-te que deve estar afugentado o perigo dos submarinos dos scelerados alemães". Um óbvio convite a que voltem depressa. Sobre o marido, Maria traçava o retrato de um homem bom, muito sociável, bem disposto fora e dentro de sua casa, e que a adorava e se revia na sua numerosa família, 8 filhos em 16 anos de casamento... e mais teriam sido se não tivesse morrido, quando ela ia nos 36 anos e a última filha nos 2 meses. Quem sabe, não muito longe dos 15 do casal Aguiar Pereira, que lhe serviria de paradigma? ... Impensável, hoje, mas, então, as facilidades eram grandes. Não faltavam criadas para o serviço e as "babás" dos meninos, Pelo menos uma viajava com eles, na 1ª classe dos navios. E trabalho não lhe faltava. Os meninos eram terríveis, corriam pelo convés e conseguiam atirar à água tudo o que estivesse à mão, como as almofadas das cadeiras, talheres, guadanapos... Mais livres ficavam os pais para as distrações a bordo. Maria Aguiar fazia sucesso. António Carlos só não gostou de a ver dançar vezes demais com Chaby Pinheiro, ator, e o mais famoso dos passageiros nessa travessia... Maria estranhou o acesso de ciúmes, sem cena de ciúmes, mas, para ela evidente. Estranhou, sem ponta de sentimento de culpa sempre ausente do relato. Achou-o deslocado e divertido. Tirando esse "senão", tudo o mais era festa!. Os Aguiar ricos são assim - não hesitam em gastar largamente o dinheiro bem ganho. Gostam de casas grandes (como a casa do Tio João, da Rua de Payssandú, a da Gandra, herdada dos pais e remodelada e remobilada pelo Tio Augusto, a Villa Maria dos Barbosa Aguiar, ou, na geração seguinte, as de alguns dos Aguiar Saraiva, no Porto, na Boavista, na Foz, ou na Lapa, em Lisboa). Investiam não só em negócios, mas também em receções, em viagens, em roupas (António Aguiar, mesmo quando viajava sozinho para Paris sabia comprar vestidos lindíssimos , última moda, para as meninas). Todos eram generosos com os empregados e solidários com os parentes menos afortunados, e, alguns, dados a causas e a beneficência, sempre gratos por favores e prontos a retribuir em dobro. António à cunhada Rozaura, agradecia a infinita paciência com que, tantas vezes, se encarregava de entreter e controlar os seus inquietantes filhos, com jóias, anéis, brincos, que ela haveria de deixar, em testamento, à Mariazinha. Contudo, daquelas descrições da mãe e avó para a filhos e netos (sobretudo a netas), se construiu mais um estereótipo do que um homem real - o emigrante de "torna viagem", com fortuna rápida e honesta, refinado e cosmopolita. Era sabido que, nas vindas a Portugal, aproveitava para andar pela Europa e, talvez, também, pelo médio Oriente, onde terá comprado a carpete persa do pavão azul, que se conservou no centro da sala de visitas, sob os passos de várias gerações de descendentes. Viagens, que contudo, pelo menos algumas, eram também de trabalho - assim indicia uma mensagem, enviado num postal de França, em que se desculpa de não escrever mais, por força dos "muitos afazeres" - quais não diz, mas deduz-se). É, sobretudo, em pequenos pormenores que se vai vislumbrando uma pessoa especial, com gostos e hábitos adquiridos em outras latitudes, sob céu de outras estrelas. Começava o dia a nadar num tanque com dimensão de piscina, em água gelada. tomava duches frios numa casa de banho com sete janelas panorâmicas, e, depois, o pequeno almoço composto essencialmente de frutas variadas. Entre as suas excentricidades, uma das mais curiosas, era o prazer helénico de quebrar a loiça, nomeadamente nas romarias de Gondomar. Mania, que se tornou conhecida e muito popular entre feirantes. Logo que o avistavam, as vendedoras de cântaros e vasos, desatavam numa gritaria: "Senhor Aguiar, venha aqui partir a minha louça!". E ele lá ia, varrer com vigorosas bengaladas, uma das tendas, pagando principescamente os estragos. Restam ainda muitas das bengalas de castão de prata ou ouro, com que executava o ato. A sua relação carinhosa e invariavelmente amável com a mulher adivinha-se num simples episódio, que ela descrevia apenas porque o achara raro e engraçado, sem tirar dele o significado que lhe damos. Com ela, como por esse caso se vê, não levantava a voz, mesmo quando ela, por exceção à regra, lhe deu um grande desgosto. O desgosto provocado por um inesperado corte da sua farta cabeleira, em favor de um muito moderno "look"de repas sobre a testa e altura de cabelo que mal cobria as orelhas. Sem pressentir o que ele iria sentir, muito contente consigo própria e a sua nova aparência, passou do salão de beleza para o estúdio de um fotógrafo onde tirou um retrato, encomendando 12 cópias que queria enviar para São Cosme. O marido olhou-a, com certeza estupefacto, e não disse uma palavra de censura, mas foi, depois, tirar, também ele, uma fotografia no mesmo estúdio, com um ar muito carrancudo! Mandou fazer 12 cópias e colocou-as dentro de uma mala de viagem, onde, mais cedo ou mais tarde, a mulher as iria encontrar. Encontrou e compreendeu a mensagem, sem, por seu lado a comentar. Terá sido a coisa mais próxima de uma crise conjugal na sua vida de 16 anos em comum....) , (O marido não se mostrou deslumbrado pela modernidade do visual, não fez grandes comentários. Algum tempo depois, já Maria recolhera as fotos encomendadas, já as enviara por cartas para a família de Gondomar, quando foi preparar malas para mais uma viagem e encontrou, na mala do marido, um pacote com doze, precisamente doze, fotografias dele, alardeando um ar bastante crispado. Era a resposta aos seus doze retratos, de cabeleira drasticamente reduzida por tesoura de mestre. E a expressão que António exibia naquelas imagens, era, evidentemente, a que não tinha querido revelar face a face, no dia em que terá sofrido desgosto grande...Como as fotos não eram assim tão más, não as deitou fora e ainda existem, até em álbuns de família). No Brasil, Maria Aguiar viveu, como reconhecia no nostálgico balanço final dos 80 ou 90 anos, a sua década dourada, Logo depois do casamento, celebrado na Igreja de São Cosme, em 10 de setembro de 1910.. O casamento fora festa íntima, ao que informa uma pequena notícia da imprensa local, que volta a evidenciar a proximidade mantida por António com a gente e a terra, (como se nem residisse num longínquo país das Américas, a sua condição de expatriado não é mencionada...), assim como o estatuto da família da noiva, medido pelos cargos dos parentes masculinos A notícia, de 12 de setembro, tem por título "Consórcio" : "Realizou-se no sábado passado na egreja paroquial d' esta villa o enlace matrimonial do nosso presado amigo e conterraneo Sr António Aguiar com a Srª D Maria da Conceição Barbosa Ramos, gentil filha do estimado notário local Sr Joaquim Mendes Barbosa e irmã dos nossos amigos Srs António, Alberto e Américo, abbade de Gondalães e dos Srs Alexandre Mendes Barbosa, digno secretário da Administração, e Dr José Barbosa Ramos, novel advogado e diretor de "O Progresso de Gondomar". Lançou a benção o irmão da noiva, rev abade de Gondalães, Américo Barbosa. A cerimónia revestiu caráter íntimo, assistindo pessoas de família dos dois simpáticos nubentes, .Aos cônjuges, dotados dos mais preclaros dotes de espírito e primorosa educação, desejamos um futuro ridentíssimo". O recorte não permite identificar o periódico - certo é que não se trata de "O Progresso", que referiria a noiva como irmã do diretor.."O Progresso" obviamente também noticiou,talvez mais destacadamente, mas não se achou vestígio dele Porquê um festa íntima? E porque não existem fotografias da cerimónia? Haveria luto ainda recente numa das famílias? É uma hipótese... ... INÍCIO BLOGHISTÓRIA 2º volume Maria Manuela Aguiar terça, 22/12/2020, 17:13 para mariamanuelabarbara133 NOTA FINAL No "Círculo Aguiar" a ordem dos apontamento biográfico é, em princípio, a do calendário dos aniversários de cada um, sem olhar à data de nascimento. Nesta primeira edição de parte da "Bloghistória" o critério de seleção foi antes o geracional. Começa com a Avó Maria e o Avô António Aguiar e seus irmãos, seus descendentes nascidos no último quartel do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Dos que são da minha idade, da década de quarenta apenas se incluíram os que já não estão connosco, exceto na memória. Os viventes ficámos, assim, todos à espera de próxima edição. Comecámos com Maria Aguiar, a mítica Avó Maria, que marcou o nosso século XX e terminamos com a Maria Antónia, minha Mãe, que uma sobrinha.neta, a Nonó (Maria Teresa Barros Aguiar Pereira) chamou "a Maria Aguiar do século XX/XXI". Aqui deixamos, por fim, uma nota sobre os antepassados, com a data de 1 de novembro de 2009 - curiosamente, um domingo, tal como o 1 de novembros deste ano de 2020. Os antepassados e os seus apelidos - os Aguiares e os outros A Avó Maria era Maria da Conceição Barbosa Ramos Aguiar - Barbosa pelo lado do pai, Ramos pela linha materna, Aguiar por casamento. Aqui temos já outros apelidos de família ; Barbosa de uma linhagem antiga, a do bisavô Joaquim Mendes Barboza, vindo de Paredes, Bitarães, para Gondomar, onde seria notário, por largos anos. Ferreira Ramos dos burgueses abastados de São Cosme, um dos quais ainda hoje dá o nome à praça do município - Manuel Guedes Ferreira Ramos, benemérito da terra, promovendo a abertura das ligações ao Porto. É o que nos conta a monografia de Gondomar, onde são vários os Ferreira Ramos, Barbosa Ramos ou Mendes Barbosa, cujo envolvimento na política ou na sociedade local é destacado. Entre eles, uma mulher (minha tia avó) Glória Barbosa Ramos, a primeira ou uma das primeiras gondomarenses a tirar o curso do Magistério primário. Os Pereira de França da lado materno do Avô António Carlos estão radicados em Gondomar há mais de três séculos, como sabemos por estudos do primo Hernâni Maia. Os Aguiares são também desta terra, até onde traçamos as suas raízes, mas deles sabemos muito menos. Aqueles de que há memória, meu bisavô Manuel Pereira de Aguiar e seu pai Miguel Pereira de Aguiar, estavam ligados à arte e indústria, que é "ex-libris" da nossa cidade, a ourivesaria. Na geração do Avô Aguiar, também ele e, pelos menos, dois dos seus 15 (ou mais...) irmãos fizeram fortuna como joalheiros. O Avô com a sua Joalharia Aguiar, na Rua do Ouvidor, nº 63 do Rio de Janeiro, o irmão Augusto na Joalharia Aguiar da Rua das Flores, no Porto, e ainda o irmão mais velho, João, com esse e outros negócios no Brasil. Não constando o ramo "Aguiar" da monografia "Concelho de Gondomar", poderemos pensar que terão sido menos dada à intervenção cívica ou à luta política (ao ramo Pereira de França, sim haverá referência, mas em tempos distantes - a primeira e infeliz mulher de Camilo Castelo Branco, o mítico bispo missionário...). Contudo,uma característica comum a muitos "Aguiares", é a generosidade e a filantropia dos mais ricos (sabe-se que o Avô tinha, nessa qualidade, o seu retrato na sede dos Bombeiros de Gondomar - , retrato, entretanto, desaparecido...). Mais do que a esse Avô, tão cedo falecido que nem as filhas mais novas verdadeiramente se lembram dele, é à sua viúva e guardiã da sua memória e do seu nome - à notável matriarca, de que nos orgulhamos, e a quem devemos a escolha do título deste Círculo. Muitas e muitos de nós, até nas novas e novíssimas gerações, recuperam o apelido, contra as regras e práticas que, dantes nas leis, agora ainda nos costumes, secundarizam a linha materna... Nos da minha geração, é o caso da prima Eduarda (Docas), de minha irmã Madalena (Lecas) e o meu também. Na geração seguinte, destacam-se os filhos do Tónio (António José Barbosa Aguiar Caetano Pereira): a Teresa (Nó), a Madalena, a Isabel, a Manuela (Kika), o João Miguel, o Carlos Manuel, que usam Aguiar como nome profissional; o António José (Tó), que não prescindindo do Aguiar lhe junta o Pereira Tanto o Carlos como o João Miguel colocaram no último lugar (que é o dominante...) "o Aguiar" aos seus filhos: Maria Luís Gonçalves Araújo Pereira de Aguiar (a Maria Aguiar do Século XXI?) e o Carlos Manuel Gonçalves Araújo Pereira de Aguiar (Caká) e a Madalena Cabeço Barros Pereira de Aguiar, que vai fazer três anos brevemente. Outro exemplo, os filhos da Teresa (Nó) e os do António (Tó) que são conhecidos no colégio ou na escola como "Aguiares" .(tout court)... António José Aguiar Pereira Botelho Martins (Tózinho), Maria Teresa Aguiar Pereira Botelho Martins (Teté), Inês Barbosa Santos Aguiar Pereira, António Barbosa Santos Aguiar Pereira e Carolina Barbosa Santos Aguiar Pereira, Trinetos de Maria Aguiar!. A 6 de agosto, o dia de anos da Avó Maria,, o Círculo inicia a sua longa série de breves "histórias de vida" do passado e do presente. COMENTÁRIOS : Lé disse... Parabéns Manuela Aguiar por esta compilação de boas memórias. Como é bom e como fico orgulhosa de ouvir falar de minha querida Bisavó Maria, uma Senhora que não vou esquecer NUNCA e de quem tenho muitas saudades. É ainda de referir que no colégio (Externato de Camões) eu e os meus irmãos éramos conhecidos pelos Aguiares e o meu pai António José Barbosa Aguiar Caetano Pereira pelo Sr. Aguiar. Lé e Manos quarta-feira, 23 julho, 2008 Maria da Conceição Aguiar disse... O meu nome é igual ao da minha avó, Maria da Conceição, mais conhecida por avó Maria. Sou a sua neta mais nova. Recordo que a minha ilustre e mítica avó sempre se preocupou muito comigo, e sempre me acarinhou de uma forma especial. Sempre recordei a minha avó como uma pessoa sossegada, justa, trabalhadora e bondosa, que passava muitos dias sentada a escrever cartas ao seu círculo de amigos e familiares, incluindo a minha avó materna, Maria Inês, que a visitava muitas vezes. Ainda hoje releio, com saudade, algumas cartas que ela me enviou para Fafe e que me remetem aos meus belos tempos de infância. No próximo dia 6 de Agosto, dia do aniversário da avó Maria, faz exatamente 31 anos que eu a convidei para ser madrinha do meu segundo filho, Jorge Alvarinho, como prova da minha grande admiração por ela. Dado toda esta troca de afectos e dado a influência que a minha avó teve na minha infância, deixo aqui o testemunho de uma neta que a recorda com saudade.~ quinta-feira, 24 julho, 2008 Unknown disse... Venho parabenizar todas as pessoas que contribuíram e contribuem para a criação e manutenção do presente blog e agradecer todas as histórias e testemunhos de vida aqui descritos. Na realidade, este blog permite uma elevada troca de vivências, algumas já esquecidas com o decorrer do tempo, outras bem presentes nas memórias de cada um. O que constitui uma vantagem para as gerações futuras conhecerem um pouco mais sobre as suas origens. Assim, dada tal relevância, apelo a todos vós que contribuam para o crescimento deste blog. P.S- Encontramo-nos na próxima quarta-feira, dia 6 de Agosto. quinta-feira, 24 julho, 2008 Carlos Manuel Aguiar disse... Família -até aos Pentavós Círculo Aguiar – de 1888 à atualidade 4 Pentavô Pentavô Francisco Ferreira Ramos /José Pereira Pentavó Pentavó Catharina Alves /Thereza d´ Almeida | Tretavô Tetravô Tretavô Tretavô Miguel Pereira D´Aguiar /José Pinto Guerrido /Antonio Mendes /Joaquim Ferreira Ramos Tetravó Tetravó Tetravó Tetravó Maria de Sousa /Anna Pereira de França/ Joaquina (Rosa) Coelho Barbosa | | Trisavô Trisavô Manuel Pereira D´Aguiar /Joaquim Mendes Barbosa Nascimento: 1839 ou 1840 Trisavó Trisavó Rosa Pereira de França/ Carolina Ferreira Ramos Nascimento: 20-2-1844 | | Bisavô Bisavó António Carlos Pereira D´Aguiar /Maria da Conceição Barbosa Ramos Nascimento: 20-2-1880 Nascimento: 6-8-1888 | Avó Paterna Avô Paterno Carolina Rosa Barbosa Aguiar /Serafim Caetano Martins Pereira Nascimento: 25-2-1912 | Nascimento: 18-1-1908 Pai Mãe António José Barbosa Aguiar Caetano Pereira /Maria Luciana Pereira Barros Lopes Nascimento:10-9-1931-03-11-1977 Nascimento:15-5-1936 | António José Barros Aguiar Pereira (Padrinhos Avô Serafim e Avó Carolina). Nascimento:16-03- 60, casado com Ana Maria Barbosa dos Santos de Aguiar Pereira Nascimento: 8-09-62. Filhos: 19-08-90 Inês Barbosa Santos de Aguiar Pereira (Padrinhos. Irmão da Mãe, Raul Alberto, e mulher Mª Luísa). 1-10-92 António Barbosa Santos de Aguiar Pereira (Padrinhos; Irmãos do pai João Miguel e Maria Manuela). Círculo Aguiar – de 1888 à atualidade 5 20-09-97 Carolina Barbosa Santos de Aguiar Pereira (Padrinhos: Irmãos da Mãe José Miguel e Luísa Maria). Maria Teresa Barros Aguiar Pereira (Padrinhos Tio Avó materno Luciano e Avó Materna Teresa). Nascimento:29-07-61 casada com Hélder Manuel Botelho Carvalho Martins. Filhos: 9—07-92 António José Aguiar Pereira Botelho Martins (Padrinhos; Irmã da Mãe, Maria Madalena e Marido Alberto Bento). 18-04-96 Maria Teresa Aguiar Pereira Botelho Martins (Padrinhos: Irmão da Mãe Carlos a Prima Materna Manuela Aguiar). Maria Madalena Barros Aguiar Pereira (Padrinhos Tios Avós Paternos David e Madalena Ribeiro de Almeida). Nascimento:4-09-62 casada com Alberto Lino Afonso Teodósio Bento Nascimento 16.09.50 22,-8-86 Filha: Maria Joana Barros Pereira Afonso Bento (Padrinhos Tios Bisavós Maternos David e Madalena) Carlos Manuel Barros Aguiar Pereira (Padrinhos Tios Mário e Maria do Sameiro) Nascimento:25-09-63 casado com Maria Isabel Gonçalves Araújo Nascimento 22-01-67 Filhos: Maria Luís Araújo Pereira de Aguiar 13-12-95 (Padrinhos: Irmã da Mãe Manuela e Marido José Manuel) Carlos Manuel Araújo Pereira de Aguiar 21-04-98 (Padrinhos: Irmã do Pai Maria Isabel e Pedro Jorge Lopes Moreira) João Miguel Barros Aguiar Pereira Padrinhos: Tios Avós Paternos João Dias Moreira e Maria Antónia Aguiar) Nascimento:31-05-65 casado com Teresa Cabeço 4-01-1973 Filha: Maria Madalena Cabeço de Aguiar 2-10-2005 Maria Isabel Barros Aguiar Pereira (Padrinhos Tia Avó Mimi e tio Materno José Maria) Nascimento:13-02-68 Maria Manuela Barros Aguiar Pereira Padrinhos Prima Paterna Manuela Aguiar e Irmão António José) Nascimento:12-11-70 casada com António Saiote 5-12-1971 domingo, 10 agosto, 2008 António Aguiar disse... A tetravó Maria Aguiar era uma mulher muito elegante! Devo dizer que é uma constante na família o facto de termos mulheres belíssimas. Volto a dizer aqui estou fascinado por VILLA MARIA e espero ver fotos do interior, principalmente das escadas de que a Tia Giginha tanto fala. Círculo Aguiar – de 1888 à atualidade 6 terça-feira, 06 outubro, 2009 Maria Manuela Aguiar disse... Infelizmente quase não há fotografias do interior da casa! Há algumas da sala de jantar, com mais pessoas do que ambiente circundante... Junto ao grande vitral há uma, com pouca definição. Resta o quadro que a Docas pintou. Ver em Blogdocas.blogspot.com Mais alguns dados para a investigação do Carlos sobre os nossos antepassados de Gondomar: Descendência de Carolina Ferreira Ramos e Joaquim Mendes Barboza (Avó Maria e seus irmãos) - António Mendes Barbosa, São Cosme, 5 de set 1971/20 nov 1945, casado com Maria das Dores Dina (funcionário público, exilado em São Tomé, em 1918) - Padre Américo Mendes Barbosa, São Cosme, 16 março 1974/22 out 1921 (pároco em Covelo, Santo Tirso, S. Lorenço de Asmes, Valongo, Gondalães -Paredes, Baguim do Monte, Rio Tinto). -Alberto Mendes Barbosa, São Cosme, 19 set 1976/4 nov 1943 (secretário da Câmara de Gaia), casou com Maria do Rosário Barbosa, tia Zarita. Filhos: Maria Isabel Barbosa da Costa Ferreira, casada com o pintor Mário Ferreira, Mário Mendes Barbosa (médico) e Américo Mendes Barbosa, funcionário público -Alexandre Mendes Barbosa, São Cosme, 18 out 1977/27 junho 1945, casado com Hermínia Ferreira Barbosa, 1890/1955, (secretário da Câmara de Gondomar, Administrador do Concelho, fundador do Clube Gondomarense) - Rozaura Barbosa Ramos, São Cosme, 19 out, 1979/2 jan 1979, casada com Manuel Marques, Chefe dos Serviços da Contrastaria de Gondomar, e, depois de enviuvar, com Manuel da Silva Lima - José Amâncio Mendes Barbosa, São Cosme, 30 de out 1981/20 jan 1983. Morte aos 16 meses de tuberculose - José Barbosa Ramos, São Cosme, 5 nov 1983/16 junho 1959, casado Maria Celestina Mesquita d' Abreu, 14 nov 1991/11 fev 1978 (advogado, deputado pelo Porto. fundador de "O Progresso de Gondomar" juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. Família Pereira (de França) / Aguiar Bisavó (trisavó do Carlos) Rosa Pereira (de França), São Cosme, nascida em 1840 (12 dez), filha de Anna Pereira de França e José Pinto Garrido, neta materna de Pedro Pereira de França e de Maria Fernandes de Jesus, de Pevidal, neta paterna de Custódio José e Maria da Silva. Casou, aos 21 anos, com Manuel Pereira de Aguiar, filho de Miguel Pereira de Aguiar e Maria de Sousa (Alagoa, Valbom), neto paterno de João Pereira de Aguiar e de Maria Pinto (de Cumieira, Valbom), neto materno de António Moreira e de Teresa de Sousa (Valbom). Foram testemunhas do casamento João Moreira dos Santos, padrasto de Rosa, segundo marido de Anna Pereira de França, e João de Sousa Neves. Uma união com muitos filhos. São conhecidos quinze, mas admite-se que tenham sido dezasseis ou dezassete - Florinda Pereira de Aguiar, São Cosme, 14 julho 1858, (padrinhos os avós Anna e João Moreira). Casou, aos 20 anos, com Manuel Moreira Rodrigues de Sousa, de São Cosme, um próspero ourives Círculo Aguiar – de 1888 à atualidade 7 - Carlos Pereira de Aguiar (falecido em criança). - Maria Pereira de Aguiar, São Cosme, casou aos 20 anos, com Serafim de Castro Nogueira, natural da Foz do Sousa, - Camila Pereira de Aguiar, São Cosme, 8 de Fev 1863, casou aos 23 anos com José Martins de Castro Júnior - João Pereira de Aguiar, São Cosme, 9 de Junho 1864, emigrou para o Rio de Janeiro, casou com uma brasileira, a tia Judith, cunhada e grande amiga da Avó Maria. Filhos, João, Alberto e Judith e Florinda. O mais velho. João, casou com uma brasileira de origem italiana, de apelido Veronese. Há várias gerações de Veronese de Aguiar no Rio - primos que não conhecemos - Lucinda Pereira de Aguiar, São Cosme, 15 Março 1866, Casou com Joaquim Pereira das Neves, (alcunha, muito à moda de São Cosme, o "toca certo", por ser músico amador) - Delfim Pereira de Aguiar, São Cosme, 9 Out 1867/7 Fev 1869. (padrinhos o avô João Moreira dos Santos e a tia materna Violante Moreira dos Santos, irmã da bisavó Rosa) - Violante Pereira de Aguiar, São Cosme, 15 de Agosto 1969/11 Out 1939. (padrinhos, os mesmos de Delfim. Casou com um tio Castro, que terá morrido em França. Filhos: Cândido e Guiomar - Amélia Pereira de Aguiar, S Cosme 28 Out 1971/10 Dez 1945, Matosinhos. Casou com um Aguiar (seria primo?). Tiveram muitos filhos, entre eles, Gracinda, Damião, Conceição, Rosa. A única mulher empresária da sua geração - fez fortuna em estaleiros, em Matozinhos e, também, em barcos de pesca e conservas. Dizia que "Deus a castigava com saúde, filhos e dinheiro"... - Augusto Pereira de Aguiar, S Cosme, 3 Março 1873/10 Maio 1950, Porto. Casou com Leonor Sá, de Avintes, onde nasceriam as filhas, Mº Leonor, Mª Lucinda, Mª Aurora, Mª Luísa, Mª Judith, (numa casa que ainda existe, na Rua 5 de Outubro). Dono da Joalharia Aguiar, no Porto, Rua das Flores. Segundo a sobrinha Maria Antónia, era um homem bonito, de grandes olhos azuis, gostava de flores (ganhou prémios em exposições, com as suas rosas) e de música. As filhas frequentaram o Conservatório de Música e, pelo menos, a Leonor (Nucha), terminou o curso, brilhantemente, e foi uma excelente professora (chegou a ensinar as primas Barbosa Aguiar, muito mais novas). O Tio Augusto, no fim da vida, diz a sobrinha, tornou-se parecido com o Rei Dom Carlos, corpulento e imponente como ele. Foi sempre muito próximo do irmão (nosso avô) António Carlos, também joalheiro. - Alfredo Pereira de Aguiar, São Cosme, 1 Julho 1874/ 25 Nov 1875 -Doroteia Pereira de Aguiar, São Cosme, (?) Morreu na meia-idade, de uma crise cardíaca, porque se enervou a tirar um vestido, preso em volta da cabeça. Solteira, vivia com a tia materna Violante Moreira dos Santos, muito sua amiga. T. Viajava sempre com ela, assistiu-a na última doença. Muito alegre, era queridíssima, na família Lopes/Maia, sobretudo entre as crianças, que lhe chamavam "Teia". - António Carlos Pereira de Aguiar, São Cosme, 20 Fev 1880/10 de Julho 1926. (padrinhos, António de Castro Nogueira (Gandra) e mulher Mª Martins das Neves). Casou, aos trinta anos, com a Avó Maria, de 22, no dia 10 de Setembro de 1910. Era o dono da Joalheria Aguiar no Rio de janeiro, Rua do Ouvidor, nº 63. Nos anos 29, cultivava, na Vila Maria, as suas rosas para concorrer, como amador, a exposições, e ao mesmo "hobby" se entregava o irmão Augusto, na casa da Gandra, que fora dos pais. Terão sido associados, ambos com o irmão João Aguiar, em negócio de importação/exportação, que traziam o Avô todos os anos de visita a Portugal e a vários países da Europa. - Beatriz Pereira de Aguiar (?) Círculo Aguiar – de 1888 à atualidade 8 - Alfredo Pereira de Aguiar, São Cosme, 16 Set 1883. Não se sabe nem quando, nem onde morreu. Era o boémio e aventureiro da família. Rapaz atraente, a avaliar pela única fotografia que dele se encontrou, com enormes olhos claros. Tal como António Carlos, terá ido para junto de João, que, com mais 19 anos, tinha idade para ser seu pai... Mas era turbulento e incontrolável... aparecia e desaparecia no interior do sertão, sem deixar rasto. Um dia, foi e não voltou. Devia ser simpático, a cunhada Maria Aguiar gostava dele, sempre o defendia perante os irmãos, já com pouca paciência para desculpar a sua inconsistência. Gracinda Pereira de Aguiar - a lindíssima tia Gracinda casou com Manuel Pereira Saraiva e foi mãe das primas com quem os Barbosa Aguiar mais contacto tiveram sempre. Porém, sobre ela, sabe-se quase nada se sabe. Pelas fotografias de grupo em que aparece, vemos que era bonita, elegante, chique. O marido era empresário, morreu muito cedo. Ela não terá sobrevivido por muito tempo, deixando órfãos os sete filhos, os primos Aguiar Saraiva - António Maria, Rosa Maria, José Guilherme, Mª Madalena, Gracinda Amélia (Belita), Manuel e Cristina domingo, 01 novembro, 2009 Maria Antónia disse... Vila Maria: A sala de visitas era decorada em tons de verde (a mobília está, agora, em casa da Manela), reposteiros de veludo verde sobre cortinas de renda lindíssimas, ainda comprados pelo meu Pai. A um canto ficava o piano, que veio da Alemanha numa gigantesca casa de madeira. Estou a ver a cena da chegada! A caixa foi aberta no jardim, ao fundo das escadas do terraço. Lembro-me de muitos homens de martelo na mão, a tirar os pregos, a abrir a tampa, depois, a transportar o grande piano Riese para dentro da sala. É o piano que está agora na casa do Mário, impecavelmente conservado. E já vi os meninos a tocar como nós, quando começamos a aprender com a prima Nucha (Leonor Aguiar, filha do Tio Augusto). domingo, 01 novembro, 2009 O Encontro com o Pai contado pela Mãe 13 de outubro. Um dia de chuva e frio para a missa nova do Padre Eduardo Pinheiro na capela do Monte da Virgem. Levava um casaco comprido cor de rosa (feito por uma modista de alta costura do Porto. Sua Mãe de preto, como de costume. Foram numa camionete de excursão, guiada pelo Sr Coelho..A mãe julga que o encontro não foi inteiramente casual, Uma tia da Nucha e da Lucinda. madrinha da Mariazinha, casada com um farmacêutico, Homero Figueiredo (teve farmácia no Porto e, depois, em Avintes). a Tia Arminda era, em simultâneo, amiga de Olívia Capela, Mãe do João, e de Maria Aguiar, a mãe da Mariazinha e já levara livros religiosos emprestados por uma à outra. No caso da Avó Maria brochuras sobre o Frei Bernardo, por exemplo, que deviam ser raridade. Morava em Avintes, perto da Avó Olívia e da farmácia, por trás da qual ficava a Escola do Magarão, onde eu fiz a 2ª classe. e já tinha vivido na casa do Tio João Aguiar. Mais tarde, emigraram para o Brasil, com os filhos, um deles também chamado Homero, como o filho mais velho da Nucha. O Tio João era o pai de Lucinda e Nucha. A Avó Maria era muito empreendedora, em tudo o que dizia respeito à sua paróquia e à pratica e devoção religiosas, Com facilidade organizava excursões ou peregrinações à sepultura de Frei Bernardo ou a Fátima, ou a uma missa nova... Chamava o Sr Coelho,(um homem muito simpático e delicado, cujas filhas estudavam no Porto), dizia-lhe o número de participantes e o destino da peregrinação, e ele tratava de tudo e era sempre o motorista de serviço. Foi assim na camionete do Sr Coelho, com a lotação esgotada, entre jovens e seniores, que rumaram nesse domingo ao Monte da Virgem . Estavam a entrar na capela, quando chegaram o viúvo e a mãe. A Mariazinha, não tinha a certeza que fossem, mas achava provável, pois naquele par havia uma diferença de idades, pertenciam obviamente a diferentes gerações. A excursão de Gondomar ficou no fundo do templo, enquanto ele, o eventual viúvo e um amigo alto e moreno estavam junto ao altar.. No final da missa, enquanto as "velhas" se dirigiam à sacristia para os cumprimentos, os jovens saíram para o adro. A Mariazinha distanciou-se, quis ver um cruzeiro, subiu os degraus de pedra e foi ler os dizeres gravados na cruz e ouviu uma voz que lhe perguntava: "Boa tarde, dá-me licença? Olhou para trás - era ele, o jovem viúvo loiro e bonito! Pedia licença para lhe oferecer uns soquinhos- miniatura de couro, ligados por um fio de prata. Aceitou. Ele tinha acabado de os comprar num lojinha que vendia, terços, imagens religiosas e artesanato. E assim começou a conversa, Contou que no dia seguinte ia para Lisboa com um primo, o António, visitar a Exposição do Mundo Português. As apresentação formais das minhas (futuras) Avós Maria e Olívia foram feitas pela Tia Arminda e a conversa decorreu animadamente até à hora de partir. De Lisboa, João enviaria um soneto à bonita menina de Gondomar e.seguidamente muitas outras cartas. A Avó Maria estava sempre atenta à chegada do correio. Era ela que abria as cartas, Li-as e so depois as entregava às filhas. Nunca teve nada a opôr às dele. Um católico de missa e comunhão quase diária era tudo o que queria para genro. Tudo, não , mas era " condição "sine qua non" A Mariazinha gostava dele, mas não queria um viúvo. Em conversa com a Tia Rozaura, desabafava: " Ó Titia, um viúvo...não quero!" E a sábia Tia disse-lhe: "Não te importes. De facto todos os homens são viúvos. Antes de casar connosco, andaram com outras mulheres. quer estejam vivas ou mortas. Passados poucos dias ele telefonou. Na altura, só a irmã Carolina tinha telefone privado. Chamou-a a casa e falaram, combinando um encontro, que aconteceu logo. Passou a ir lá com frequência. Às 3.00 da tarde. Ia diretamente para a igreja, era a hora do Terço.. Acompanhava-as a casa e ficava a conversar com a Mariazinha no terraço. A Avó não aparecia, ficava no quarto ou na sala, mas mandava a Lolita atravessar a sala de jantar, que dava para o terraço - como se fosse à cozinha... Ao fim da tarde ele regressava como tinha vindo, a pé pela Gândara e São Gemil, até Gramido, onde atravessava o Douro, de barco, para Avintes. Anos depois, contou à Mulher que se ela lhe tivesse dito "não" junto ao Cruzeiro do Monte da Virgem, tentaria uma de outras duas de quem gostava - a irmã Lena e a Teresa "da Pinta" - uma de várias irmãs, todas bonitas, que viviam numa daquelas grandes e famosas casas de lavoura de São Cosme). No verão, se seguissem a agenda habitual de férias familiares, estariam mais longe um do outro, ela nas termas de Vizela e na Foz, ele em Espinho, na casa da rua 7. Nesse ano, porém, a Lena estava a recuperar de uma primo.infeção e os médicos receitaram uma longa estadia no campo. Passaram o verão em Branzelo. numa quinta de amigos (Novais da Cunha?). A casa era enorme, os convidados foram muitos, incluindo os primos do João, a Alda, a Maria Helena e o Manuel. O joão, também , aos fins de semana. E um Rangel, que morava numa quinta próxima, e era mais velho do que o grupo das meninas Aguiar. Não faltava pessoal doméstico - os caseiros da quinta, e as filhas, muito prestáveis. Em fins de outubro, estiveram todos numa desfolhada de lavraMARIA ANTÓNIA BREVE HISTÓRIA DA FAMÍLIA A PARTIR DAS SUAS MEMÓRIAS 17 DE JANEIRO DE 2020 VINDA DO RIO DE JANEIRO NASCER EM GONDOMAR Maria Antónia nasceu a 28 de agosto de 1920, poucas semanas depois de Amália Rodrigues, artista que tanto admirava e cujos fados cantava com a voz timbrada e poderosa, que conservou, intacta, quase até aos 100 anos. A música foi a sua grande paixão, que vinha, na sua escala de valores, logo depois do Amor (escrito com letra grande, como os nomes das pessoas). A história de vida, que planeava deixar-nos, dividida em capítulos - infância na Vila Maria, Colégio da Esperança, namorados e casamento, e depois - não passou da enunciação destas quatro partes num papelinho solto.Tinha por hábito anotar assim, em folhas avulsas, às vezes apenas pequenos pedaços rasgados, memórias, pensamentos, versos e variados dados. Poucas vezes, para si própria usou um caderninho, como fazia, cuidadosamente, para os irmãos, cuja poesia se conhece graças a esse desvelo antigo, dos tempos de menina. E, por isso, tendo perdido muitas anotações, nunca mais as histórias todas que iria detalhar, serão contadas com as cores da subjetividade. Restam aquelas que ficaram na memórias dos outros, e os videos em que, nas alegres tardes de sábado em Espinho, à volta da mesa redonda, com a irmã Lolita e os sobrinhos, recordava e encantava a plateia (ela que gostaria de ter sido atriz). A sua vida começa, verdadeiramente, do outro lado do mar, no Brasil. Daí, nos primeiros meses desse ano, os pais regressavam, em definitivo, a São Cosme, no centro da vila de Gondomar, onde ambos tinham raízes mais do que seculares. António Carlos Aguiar após mais de 25 anos no estrangeiro, a mulher Maria mal completando uma década, pontuada por muitas visitas a Portugal. Nessa última travessia transoceânica, em 1920, estava ela grávida, nada de novo para ela. Assim veio do Rio a Gondomar por três vezes, para que os filhos aí nascessem, na sua casa paterna de Quintã, à vista do Monte Crasto. Era uma viajante nata, quaisquer que fossem as distâncias, os lugares ou meios de transporte, e nada lhe agradava mais do que a vida social a bordo de um vapor moderno e luxuoso, ao lado do marido, o homem mais afetuoso e gentil do mundo. Com eles, a lindíssima, alta e elegante Maria Aguiar, um português de assombrosos olhos verdes e bigode bem tratado, mais baixo, mas igualmente elegante viajavam cinco bonitas e irrequietas crianças (entre os oito anos e os 12 meses) e uma babá brasileira. O bebé de colo, Augusto de todos os bonitos irmãos o mais bonito, já não existia quando Maria Antónia chegou a este mundo, vítima de uma pneumonia fatal, que deixou os pais inconsoláveis e que as gerações seguintes não esqueceriam mais – para o que a beleza do menino morto, bem evidenciada nos retratos, terá contribuído. A menina que ia ocupar o lugar na linha familiar, e que, invisível, a mãe trazia consigo, nunca teria oportunidade de fazer o percurso de retorno, mas considerar-se tão brasileira como os três irmãos, Carolina José e Augusto dados à luz na radiosa cidade do Rio de Janeiro. O pai manteria, nos anos seguintes, o vaivém solitário, a fechar os negócios no Brasil, que o tinham tornado um homem rico, com joalharia na Rua do Ouvidor. e projetos de integrar uma sociedade bancária, que a morte súbita aos 46 anos inviabilizou. A sua derradeira passagem do Rio para Lisboa foi realizada a bordo do Lipari, dos “Chargeurs Réunis”, em fevereiro de 1926 - exactamente trinta anos, após a sua saída de Gondomar, aos 16 anos. Era um dos mais novos de uma enorme prole de quinze (ou, a acreditar na narrativa oral, de dezassete) irmãos e, sendo um jovem promissor e aventureiro, aceitou o desafio de um dos mais velhos, João, para ir trabalhar junto dele. Manuel Pereira de Aguiar, o pai e patriarca, estava ligado à ourivesaria, arte e indústria dominante em Gondomar, e na sua empresa, cuja dimensão se ignora, se terão iniciado alguns dos filhos, caso de João, que no passaporte com que emigrou, indicava como profissão, “caixeiro”. Como proprietários de joalharias (não como artífices), fariam fortuna João e António Carlos no Rio de Janeiro, e Augusto no Porto, Rua das Flores Porto. Do patriarca a memória da neta Maria Antónia era vaga – falava de um homem alto, bonito, de olhos azuis, feitio alegre e paixão pelo cultivo de rosas, que foi herdada pelos filhos Augusto e António e, provavelmente, por outros também. Esse avô teria de ser, pelo menos, mediamente abastado, para viver na grande casa da Gandra, que, na geração seguinte, seria de Augusto, um tio encantador, também ele possuidor de uns belos olhos azuis (a sobrinha achava essa a cor ideal para olhos enormes e expressivos e nunca deixava de mencionar essa caraterística). A avó Rosa Pereira de França, sobreviveu, por muitos anos, ao marido, mas faleceu em 1921, cedo demais para dela guardar memória (na verdade, nem dos avós maternos se recordava, por terem falecido o avô Joaquim, quando andava pelos 3 anos e a avó Carolina pouco tempo depois. A Avó Rosa, nas sua fotos de viúva é um largo vulto, de aspeto severo, em vestidos pretos e pouco cuidados (bem arranjada só aparece, num retrato do casal...). Mas dela foi encontrada uma carta para o filho António, em que se revela mãe saudosíssima e muito veemente nos seu protestos de amor materno. Talvez ele fosse um dos seus filhos preferidos, e a sua ausência lhe pesasse, apesar de a visitar com uma regularidade quase anual, sempre em estadas de alguns meses. Não se conhece o início do percurso brasileiro de João, só se sabe que, numa época áurea da economia brasileira prosperou rapidamente, É mais do que plausível a estimativa de que rapidamente se estabeleceu por conta própria, pois ninguém enriquece a trabalhar por conta de outrem. E, assim, lhe foi possível, poucos anos decorridos, mandar “carta de chamada” a dois dos irmãos, António Carlos, em 1896, e Alfredo, no início do século XX (se, como é muito provável, saiu do país com a mesma idade de António, de quem era quatro anos mais novo). João, António (e também de Alfredo), rapazes bem-educados e de boa aparência (como o pai), e facilmente fizeram amigos na sociedade carioca e luso brasileira. João casou, em 1901 com a lindíssima Judith de Andrade da Cruz Ferreira, menina de boa sociedade carioca, que, a partir de 1910, seria a melhor amiga da cunhada Maria. Quem se une a mulher brasileira, como João, não volta mais.Tendo procurado noiva portuguesa, António para Gondomar voltou, já na casa dos quarenta, preparado para recomeçar, tranquilamente, um percurso de sucesso empresarial, em S Cosme e no Porto. Embora descrevesse o Rio como um paraíso terreal e os anos aí passados como os mais felizes da sua vida, Maria Aguiar sentia a falta dos pais, velhinhos e saudosos, e do convívio no círculo largo de parentes e amigos de uma verdadeira comunidade de afetos, como era, então, a pequena vila de Gondomar. O exotismo tropical fora exaltante e desejado, tal como o tranquilo o dia a dia numa das mais belas cidades do mundo, em grandes andares no centro do Rio (no plural, pois pelos endereços da correspondência se constata que mudaram de morada com regularidades) e, nos últimos anos, numa esplêndida mansão, rodeada de jardins no privilegiado bairro de Santa Teresa. Mas chegara, no começo da década de 20, a hora do regresso.. Maria da Conceição Barbosa Ramos (Aguiar por casamento, apelido que sempre havia de privilegiar) era a mais nova dos nove filhos de Carolina Ferreira Ramos, que tinha então 45 anos, o pai, Joaquim Mendes Barbosa, quase 50. Carolina era descendente de muitas gerações de bons burgueses de Gondomar, Joaquim, o notário que viera de Paredes, oriundo de uma antiga família, os Barboza de Bitarães. Aquela filha, "quase neta", recebeu a mesma educação das duas irmãs, Rosaura e Glória, as primeiras lições em Valbom, ficando alojadas em casa da professora, que era amiga da mãe, depois, em casa, Rosaura e Maria completaram os estudos, com aulas particulares, algumas, certamente, do próprio pai, que tinha começado a sua vida profissional como professor, antes de encetar a longa carreira jurídica. Glória foi a única que quis fazer, no Porto, o curso de magistério, convertendo-se em pioneira na vila, com direito a inscrever o nome na biografia do concelho de Gondomar, ao lado de Contudo, por outra via, a mais jovem havia de tornar-se, também, um nome feminino que se impôs a consideração universa das gentes de São Cosme. Mas isso, só muito mais tarde, na sua segunda vida, uma sofrida viuvez, solitária, mas passada no meio da multidão, em tarefas solidárias. l Neste ano de 1920, ela é ainda a senhora casada sociável e cosmopolita, que se acomodara perfeitamente ao ritmo citadino da capital, deslumbrada com a beleza incomparável das paisagens, as baías com cercaduras de montanhas do Rio de Janeiro, os picos montanhosos ainda mais altos de Teresópolis. Bem integrada na família luso-brasileira, feliz com o extrovertido e carinhoso marido e com ele criando os filhos que chegavam, a um ritmo praticamente bienal. Das nostálgicas narrações que deixou à descendência, à sua aventura brasileira só apontava um “senão”: o incómodo causado pelo calor excessivo e húmido, que, no verão austral a levava a mudar-se para Teresópolis, com os meninos, em busca da frescura da serra. O marido por ela estava disposto a tudo, não hesitando em deambular incansavelmente pelas estradas sinuosas de montanha, em idas e voltas para o Rio, para estar com eles todo o tempo que lhe sobrava da direção dos negócios. Era, como indiciam todas as cartas, retratos, pequenos episódios e detalhes, recordações soltas guardados pela mulher e pelos filhos, um homem afectivo e devotado à família. Organizava, de facto e muito eficientemente a gestão dos seus negócios, por forma a poder ausentar-se por largos períodos, acompanhando a família nas férias em Portugal. Não obstante essa capacidade, algumas vezes teve de suportar longas semanas de separação, como aconteceu após o complicado parto do filho António Maria, em Fevereiro de 1915, que obrigou a jovem mãe a prolongar a estada em São Cosme. As cartas que existem desses períodos dão bem conta do seu estado de espírito, misto de saudade, solidão e preocupações... No Brasil, na montanha, como na cidade, preferiu a solução de arrendamento, e, como se vê por uma das cartas escritas do Rio, ele próprio se encarregava de procurar espaços cada vez maiores e melhores para a família que crescia, Dessa vez, encontrara um andar esplêndido, superior a que todos os que anteriormente haviam ocupado, e, por renda surpreendentemente mais baixa, acrescentava. Deduz-se que a mulher, no regresso ao Brasil, se via, assim, instalada num novo ambiente, pronto a habitar, sem ter passado pelas agruras de qualquer mudança. Através dos endereços de postais e cartas, se constata que, nos primeiros anos de casamento, foi muito frequente a deslocação de casa para casa. Depois, a partir de 1916, sentiram-se visivelmente satisfeitos em Santa Teresa, com vistas esplendorosas sobre a cidade e os montes e montanhas que a cercam, numa moldura de incomparável beleza. Daí só saíram para Portugal, no ano de 1920. O Avò Aguiar investia na bolsa, não no imobiliário. Comprar propriedades era, então, para um português emigrado, regra geral, sinal que apontava à integração. Dos dois irmãos, só João mandou construir um belo palacete no Flamengo, na Rua de Payssandú. A fotografia da mansão foi por ele enviada à família, com dedicatória, exatamente como lhes oferecia os seus próprios retratos. Os filhos brasileiros continuaram no mundo dos negócios, alguns, segundo dizia Maria Antónia, enveredaram pela política e pela diplomacia. Depois do desaparecimento do pai, sem ligação visível às suas origens lusas. Na década de cinquenta, José Augusto, o quarto filho de António e Maria, voltou ao Rio, de onde era natural, e aí viveu, antes de reemigrar, com passaporte brasileiro, para Nova Iorque. Retomou, então, por poucos anos, relações de amizade com simpáticas e bonitas primas, hoje, já todas, provavelmente, desaparecidas O casarão de António seria em Gondomar. Primeiro, entusiasmou-o a perspectiva de comprar um solar do século XVI, na quinta da Bouça Cova, quando esteve providencialmente à venda, mas a mulher manifestou reservas. Achava a quinta isolada e sombria. O seu sonho, talvez inspirado nas imponentes residências de Santa Teresa, apontava para conforto e modernidade Queria construir de raiz, pedra a pedra, uma edificação rodeada de jardins e arvoredo, no centro de São Cosme, perto de todos e de tudo. E foi feita a sua vontade, não obstante ser de difícil concretização. Lendo correspondência do pai, constata-se que já em 1918 ele procurava, juntamente com o filho Alexandre, terrenos disponíveis, mais ou menos na área em que veio a implantar-se, nos anos 20, a Vila Maria - no coração da vila de Gondomar, atravessado pela estrada principal, do Largo de Santo António (hoje Largo do Souto) para o de Quintã, de onde seguia para o Porto. Ao longo desse troço entre os dois Largos se situavam fileiras de moradias citadinas, e para elel convergiam caminhos estreitos, cruzando pinhais e campos arados, férteis e verdes a perder de vista, à volta do airoso e frondífero Monte Crasto. Aqui e ali, dispersas, as casas de lavoura de pedra e cal, com amplos pátios, modelos de uma arquitectura tradicional, sólida e harmoniosa. Os campos não estavam, porém, no mercado. Pertenciam a lavradores abastados, com orgulho em proclamar que "não vendiam terras, compravam". O notário Mendes Barboza e o filho Alexandre, secretário da Câmara eram homens muito respeitados e bem relacionados e bem informados e até para eles a tarefa de pesquisa de oportunidades se revelou árdua. Muito referenciadas foram umas propriedades da “regedora”, que se comprometeu, caso vendesse, a dar-lhes preferência, a troco da qual eles cobririam, naturalmente, qualquer proposta. A hipótese não se concretizou, ela conseguiu, contra ventos e marés, resolver de outro modo os seus problemas financeiros (sendo que uma das vias faladas para tal era um casamento rico de um dos filhos, que, esse sim, talvez se tenha materializado). Acabaram por ser proprietários relutantes e não necessitados, que cederam ao amigo António, a alto preço e por especial favor, o espaço onde se implantou a única grandiosa mansão de "brasileiro" que houve em São Cosme, situada face da estrada principal, a dois passos do Souto. A propriedade estendia-se, discreta, invisível da frente de rua, por centenas de metros quadrados, num desenho de longas linhas retas, como as recentes fronteiras de África, configurando uma quinta agrícola, que nunca recebeu esse nome. Ao gosto da época, chamou-se ao conjunto, simplesmente, "Vila Maria". Perfeita, para criar uma família grande e em aumento cadenciado – em seis anos nasceram três meninas, Maria Antónia em 1920, Glória Doroteia, em 1922 e Maria Madalena em 1926, apenas 2 meses antes da morte do pai. 2 – GONDOMAR TERRA BENDITA Maria Antónia, a Mariazinha, como era chamada, veio ao mundo e passou os primeiros tempos de vida na casa dos Avós, Joaquim, o forasteiro de Paredes, e Carolina, uma gondomarense de várias gerações, como ela própria teria sempre orgulho em se declarar. (uma brasileira de Gondomar). As suas raízes profundas eram dali, daquele lugar, cuja beleza os seus antepassados tinham celebrado, em prosa e verso. O tio materno, José Barbosa Ramos, era o autor da letra do hino de Gondomar, com música composta por José Moura (por sinal, o primeiro professor de piano das meninas Aguiares). "Gondomar, terra bendita Rincão formoso e fecundo O nosso Crasto frondoso Não tem, não, rival no mundo. Filigranas delicadas, Verdes prados cinge a serra. Cantam fontes e avezinhas Eis os dons Da nossa terra. Gondomar é o nosso berço Beija-o a brisa fagueira Cantemos por Gondomar, É divisa da bandeira Cantar, cantar, A linda terra de Gondomar". Na geração seguinte, seu irmão Manuel glosou o tema, num mais longo poema destinado à célebre revista musical “O Nabo”, que estreou em 24 de Setembro de 1933. e ficou nos anais de Gondomar, e cujo refrão voltaria a recitar para amigos, em pleno Monte Crasto. Um repórter registou-o nas páginas do "Correio de Gondomar" de 17-3-34, e minha mãe guardou o recorte nas suas gavetas, onde foi encontrado já depois de ter partido. "E o Castro Belo e frondoso Erguendo-se majestoso Na terra que nos foi mãe, No sino da igreja além, Trindades oiço tocar Como é linda a minha terra Como é linda a verde serra Como é lindo Gondomar!" O texto completo foi mais tarde encontrado num caderno, recolha de poesias dos três irmãos mais dados à Letras, Carolina, Manuel e António, copiadas pela letra juvenil da Mariazinha GONDOMAR!... Gondomar!... o nosso berço de criança Nossa terra querida, idolatrada… Tu és o meu cantinho, a minha esp'rança O meu torrão natal, a minha amada Tu és o Monte Crasto - o verde altar Cheio de poesia... de frescura Tu és o imenso sol a iluminar O Mundo de prazer... de desventura... E, ornando o teu Altar, campos fecundos Ferem a nossa vista... e o lavrador Vê, nessa curta faixa, os novos Mundos Do seu divertimento... seu labor. O Crasto belo e frondoso Erguendo-se majestoso Da terra que nos foi Mãe... No sino da Igreja, além, Trindades oiço tocar... Como é linda a minha terra Como é linda a verde serra! Como é lindo Gondomar!... Tu és, meu Gondomar a primavera Da nossa mocidade, nossos dias Tu és a minha Igreja: a voz que impera .Numa canção dolente... Avé- Marias! Tu és a criancinha caminhando P'ra os bancos da escola, p'ra o futuro Tu és a pobre Mãe... rica, embalando O filho, o seu amor altivo e puro... Tu és a poesia... hino de amor Que enches de prazer os meus sentidos Tu és o bom velhinho - com fervor - Recordando o passado, os tempos idos (repete refrão O Crasto belo e frondoso, etc etc )! Meu Gondomar!... ó fonte cristalina Onde as pombinhas mansas vão beber... Tu és o sol cadente, que ilumina Com maternal carinho o meu viver Tu és o horizonte azul, infindo Da nossa Pátria grande e imortal... Tu és as andorinhas ressurgindo Depois de longa ausência em Portugal Tu és essa guitarra triunfante, Trinando em noites belas de luar... Tu és a negra capa de estudante Cobrindo a minha alma: Gondomar!... Repete o refrão O Castro belo e frondoso. Etc) Os poemas têm assinatura, mas retratam o estado de alma de uma família inteira, a olhar quotidianamente, com orgulho, as formosuras paisagistas de São Cosme. O arrasador e malfadado progresso do cimento e do betão” vedou aos vindouros essa comunhão com a gracilidade de um meio ambiente, hoje irreversivelmente perdido. Nem mesmo o Monte Crasto, seu último bastião de resistência, é tão frondoso quanto era nessa idade de ouro. Dissolveu-se, também, na populosa "cidade-dormitório do Porto", a dimensão de uma comunidade autêntica, convivial e afável, quando os dias corriam devagar e todos fruíam de recantos onde a vila e o campo se misturavam numa interlocução de pessoas e espaços, em que todos se conheciam, e se falavam nas ruas, nos clubes e tertúlias, na botica, no adro da greja e nas festas populares, partilhando hábitos e costumes, a sonoridade do sotaque, a fala com as peculiaridades, em que o "povo-povo" resistia mais à uniformização do que as elites letradas. Mariazinha, excelente aluna a História e a Geografia, foi, desde sempre, dada a recolhas de natureza cripto-etnográfica, (no que terá sido influenciada pelo exemplo da Tia Rosaura de quem se conhecem apontamentos soltos, por exemplo, sobre ditados ou sobre mezinhas e rezas das mulheres do antiquíssimo Gondomar), anotou os lugares, que faziam os seus encantos - o Barroco, a represa de Cascaneira, entre a Gandra e Ramalde, Bouça Cova, Azenha, Ermentão, Rio Carreiro, Fontela, Ponte Real, São Miguel, Pevidal, Santo André... - , e, também, expressões, nomes e alcunhas aldeãs, que lhe despertavam a curiosidade, como Pojeiras, Restivos, Cabaças, Jeque-Jeque,Tarré Fome Negra, Caga Troços, Carriças, Pilha Galinhas, Patacas, Pirabeca, Arregalados, Folhetas, Estabões, Bagulho, Parraxila, Chasco, Varetas, Melros, Pisco, Choco, Pimpão, Pinguinhas, Pombalinos, Toca- certo... Menos invulgar o nome de Isidro Izidoro, que, todavia, fez sensação, quando deixou dito que, nas exéquias, queria levar um cravo vermelho na lapela. Era ela uma criança, mas conseguiu que a levassem a vê-lo. Talvez uma benigna criada, lhe tenha permitido a secreta escapadela. A família materna, tal como a paterna, encontravam-se praticamente livres de alcunhas, fossem elam trocistas ou amáveis, com uma única exceção conhecida, a de uma tia Pereira de Aguiar, a quem, por ser baixa e gordinha, chamavam Maria Parrachila. Algumas das antepassadas de sua avó Carolina, as que se assemelhavam a muitas das formidáveis figuras femininas do universo ficcional de Agustina, ficaram conhecidas como "as Alexandras", não entrando, contudo, naquele “dicionário”. O nome popularizou-se e foi adotado, também, no masculino, e ainda hoje o é, em sextas ou sétimas gerações dos seus descendentes. Curiosamente, não o vemos nas pesquisas genealógicas que abrangem o século XIX. Há, sim, entre tias e primas, alguns outros nomes de ressonância greco-latina, como Lavínia, Leocádia, Violante, Blandina ou germânica, como Guiomar. No apanhado de vocábulos esquisitos, então em voga nos meios populares, apontou, dando sempre o sinónimo, palavras ou expressões como: vasculho malandro), paspalhão (desajeitado), dar uma topada (tropeçar), encatrapiada (aleijada), pimpineira (aldrabice), pixote (pequenino), "embaçado" (envergonhado) … Ou ditos antigos, por exemplo: "estás a olhar para ontem, que já lá vai", ou "estás a ver navios" (distração): Deus nos dê muito e nos abone com pouco":"estreminguei um pé" (torci) "vim da outra banda" (do outro lado) "estou triste como a noite"... Tudo o que era, ou, pelo menos, considerava ser, particularidade da terra e das gentes de Gondomar lhe dava a certeza de estar onde e com quem mais queria. Ligava-a à longa linha de ancestrais, que certezas semelhantes tinham arreigado ali, mesmo quando, como aconteceu com seu pai, se aventuravam, por muitos anos para além das fronteiras do concelho, do país, ou do mar, sem perder nunca a vontade de revir à melhor das terras à face da Terra - a vila de Gondomar, de onde tantos avoengos eram originários I - OS MENDES BARBOZA E OS FERREIRA RAMOS JOAQUIM MENDES BARBOZA Joaquim, o avô de porte aristocrático e olhar sereno, que veio do norte, de um norte não muito longínquo, era natural de Santa Maria Madalena de Paredes, filho de António Mendes e de Joaquina Roza Coelho Barboza. Fez os seus estudos de Teologia no Bispado do Porto, que concluiu no ano de 1858/59, tendo tido no exame a classificação de “Muito Bom”. Em 1960, foi “admitido à receção de todas as ordens sacras”, mas, em vez da ordenação sacerdotal, vemo-lo, em 1863, aceitar o posto de professor na recém-criada Escola de Vilela, Paredes, com um contrato de três anos. A decisão de mudar de rumo, qualquer que tenha sido a motivação, não afetou a sua fé e religiosidade profundas, bem expressas em alguns trechos de correspondência enviada à filha Maria, meio século depois, enquanto esta morou no Rio de Janeiro, entre 1910 e 1920. Em Vilela, exerceu o cargo, (que era bem remunerado e com mordomia), incluindo casa oferecida pelas autoridades locais, de forma a merecer os maiores encómios, ou seja, “com tanto aproveitamento para os alunos que provou até à evidência a sua muita inteligência, aptidão e inexcedível zelo”, como atestava o público agradecimento da Junta de Freguesia. Seguidamente, vemo-lo enveredar por carreiras jurídicas do funcionalismo público, nos serviços de Registo Hipotecário da Conservatória de Paços de Ferreira e na Administração dos concelhos de Paredes e de Gondomar, como escrivão. No Julgado de Paços de Ferreira, pertencente à comarca de Lousada, seria nomeado solicitador encartado, funções que deixou em 1870, com mais louvares num curriculum imaculado. 1970 é o ano do seu casamento com Carolina Ferreira Ramos, na vila de Gondomar, onde estivera colocado em 1865 e 66. A sua sintética biografia in “O Conselho de Gondomar” não refere os cargos exercidos durante a década de 70. É sabido que se manteve como funcionário público, profissão que lhe é atribuída, por exemplo, em 1879, na certidão de nascimento da filha Rosaura, emitida em Gondomar, onde nasceram todos os seus oito filhos Em maio de 1983, é colocado como secretário da Junta de Freguesia e, em 1 de Outubro de 1885, nomeado tabelião no Julgado de Gondomar da Iª vara da Comarca do Porto. E como notário se manteve até à aposentação em 1916, já com avançada idade. Em 1890, foi nomeado Administrador do Concelho, funções que acumulava com as do notariado. Na monografia “Concelho de Gondomar, descreve-o assim o Autor “ Era um espírito muito culto, tendo colaborado em algumas revistas da sua classe, como “O Direito Notarial” de Lisboa. Numa nota mais pessoal, não muito comum no conjunto dos seus biografados, apresenta-o, numa data em que já falecera, como um “chefe exemplar de família”, que “legou a seus filhos uma esmerada educação que lhes assegurou uma situação respeitável no meio da sociedade” Testemunho direto de Camilo de Oliveira sobre qualidades humanas, que impressionavam, pelo menos, tanto quantos as profissionais, e que seriamcorroboradas pelos seus próximos, no rastro imperecível de memórias íntimas Não sendo, como vimos, oriundo de Gondomar, converteu-se em verdadeiro filho da terra, onde criou família e fez incontáveis amigos, e nenhum inimigo, seguindo a vocação de louvar a Deus, de um outro modo, servindo, cristãmente, os seus semelhantes. Monárquico, do partido Regenerador, não parece ter sido penalizado pelas suas convicções políticas, a partir de 1910 e até 1918, data da sua retirada por razões de idade e saúde, que, todavia, não o impediram de dar a sua colaboração graciosa, e a tempo inteiro, por largos meses, ajudando a formação do seu sucessor, um jovem licenciado em Direito por Coimbra, muito sabedor de leis, mas sem qualquer experiência prática. (como ele própria relata com um fio de humor, na sua correspondência para o Rio de Janeiro) CAROLINA FERREIRA RAMOS O historial de Carolina, menina da sociedade gondomarense, não consta, naturalmente, dos anais da terra. Como quase todas as mulheres desse tempo, fez “curriculum” pelo casamento e uma numerosa prole esta bonita e voluntariosa filha de ANNA PEREIRA, (cujos pais, JOSÉ PEREIRA e THEREZA d' ALMEIDA, eram ambos naturais de São Cosme), e de JOAQUIM FERREIRA RAMOS, filho de FRANCISCO FERREIRA RAMOS e de CATHARINA ALVES, de Valbom. Anna e Joaquim eram casados já há alguns anos e tinham vários filhos, quando se mudaram de Valbom para São Cosme, para morar na quinta da Bela Vista, que ou compraram, ou herdaram dos pais de Anna Pereira Carolina, uma das filhas mais novas, nasceu, certamente, na quinta da Bela Vista, e terá conhecido o futuro marido por volta de 1866, no período em que este exerceu o cargo de escrivão do Concelho de Gondomar. Frequentavam o mesmo meio pequeno de comunidade burguesa. Talvez Joaquim Mendes Barboza fosse amigo dos seus irmãos, apesar das divergências políticas, ele monárquico e conservador, os Ramos maioritariamente republicanos e progressistas. Por essa altura, a Carolina não faltaram pretendentes. Houve um que conseguiu ficar no anedotário da família, graças uma equívoca e infeliz quadra que lhe dedicou: Minha doce Carolina Estas, porventura lembrada, Tu ao mirante da esquina Eu a cavalo na estrada. Um poeta “cavalgando a estrada” ou “A cava-lo na estrada” (subentenda-se a cavar o ouro da herança) não era literato capaz de granjear o entusiasmo de uma rapariga perspicaz e exigente. (se é que a história é verídica, o que não seguro). Certo é que ela era um “bom partido” e os pais, de início, terão contrariado a pretensão do jovem escrivão do Concelho… Mulher de forte personalidade, não desistiu de um casamento por amor. Poderá a oposição paterna ter retardado a cerimónia nupcial, que só se efetuou quatro anos depois, em 2 de maio de 1970, quando ela já ia nos 26 anos, para a época idade madura, e ele nos 30. Foi madrinha da noiva a irmã Joanna, a cuja beleza e graciosidade os retratos fazem justiça. Esse dado leva-nos a considerar que houve, enfim, aprovação parental e que os pais, Anna e Joaquim, terão estado, também, presentes na boda Joaquim Ferreira Ramos seria um abastado comerciante, ou não teria podido adquirir, por partilhas ou por compra, a quinta da Bela Vista, com a sua casa apalaçada. No retrato do álbum de família, aparentando já mais de 60 anos, é um senhor distinto, pensativo, de olhos claros, com uma extraordinária semelhança com o que terá sido o mais atraente e brilhante dos seus bisnetos, Manuel Joaquim, legatário dos cristalinos olhos azuis e do nome, (que coincidia com o do avô minhoto, o suave enamorado de Carolina). De Anna há, também uma fotografia de estúdio, em traje de lavradeira rica, de chapéu preto e lenço de seda, ignorando- se o foi, de verdade - ou se estava fantasiada para o entrudo, como então era comum. O pormenor de estar de livro aberto na mão, livro que pode ser, simbolicamente, uma Bíblia, apontará para a primeira hipótese, assim como a lenda das "Alexandras", ligada a heranças e ambição de terras. Essa ambição, frustrada no caso da irredutível Carolina, atingira o seu ponto alto com uma antepassada que queria impor consorte rico a sua filha, e, não logrando os intentos, porque a donzela se mostrava indomável, praticamente a sequestrou dentro de portas, até ao dia em que, ajudada por criados de coração solidário, e pelo pároco, não menos compassivo, a noiva secreta escapou, de manhã cedo, para a Igreja. Aí a esperava o padre para a unir ao bem-amado pretendente pobre, em apressada cerimónia, com a bênção de Deus, mas não com a da mãe (do pai, fosse vivo ou morto, não reza a a narrativa). Nessa manhã, a “emparedada” levara a sua mãe, à cama, ela própria, prestável e aparentemente resignada, a bandeja do pequeno-almoço, mas não fora ouvida nem vista, depois de não ter vindo recolhe-la. Chamou-a a mãe e, não obtendo resposta, cheia de suspeitas, tratou de se vestir à pressa e correu, também ela, para o templo. Tarde demais chegou… já os noivos estavam ligados para sempre pelo sacramento. Restou-lhe, assim, em incontrolada fúria, apedrejar o cortejo nupcial, à saída da igreja. E com esse insólito comportamento rompeu as barreiras do completo anonimato futuro, convertendo-se em lendária figura familiar... Joaquim Mendes Barboza pode não terá recebido. Inicialmente, acolhimento muito amistoso, mas, no polido e mais flexível meio de uma burguesia comercial, escapou a gritos de guerra e tentativas de lapidação. Ficou, em todo o caso, ciente de que educação, ascendência, bom carácter e boas maneiras, não contavam tanto, para a família da noiva, como haveres materiais, em que ele era mais parco. Para Carolina, aquelas qualidades sobejavam, tanto mais que ele era um belo e gentil rapaz. Bem andou em não desistir do seu amor, na melhor tradição das "Alexandras”. Meio século de vida em comum com Joaquim dar-lhe-ia razão. E não foi preciso muito tempo para que os sogros se convertessem às virtudes do tão bondoso quanto sensato genro, ao mesmo ritmo de toda a sociedade gondomarense. As memórias das filhas coincidem rigorosamente com o teor da monografia do Concelho de Gondomar, apresentando-o, da mesma forma, que se pode sintetizar numa palavra: exemplar! Como homem, cidadão e profissional. Foi, assim, longo e feliz o casamento de Carolina, elegante jovem, transformada em imponente matriarca, depois de oito vezes grávida (a última das quais já quase na casa dos cinquenta, para dar à luz Maria da Conceição, que viria a ser a conhecida e reconhecida Maria Aguiar). Mulher forte e determinada, embora mais comedida do que as terríveis antepassadas, parece ter reinado, sem oposição, dentro dos muros de sua casa, como manda a tradição matriarcal nortenha, mantendo sobre o marido e sobre os filhos, mesmo já depois de adultos e independentes, um ascendente natural, compatível com imenso afeto e condescendência da parte de todos eles. Por regra, era feita a sua vontade! Um pequeno diálogo conjugal (dos poucos e fragmentados que o raconto oral traz até nós...), é revelador da permanente busca e facilidade de concórdia na intimidade do casal. Passa-se na última década do século XIX, num tempo em que os apelidos dados aos recém- nascidos eram de arbitrária escolha de quem os registava. Os quatro primeiros rapazes receberam apenas os apelidos do pai. E só quando estava à espera do seguinte, Carolina se deu conta disso e comentou, causticamente: "Os meus filhos não têm o meu nome!". Não ocorrera ao marido, que a tratava carinhosamente por "mamã", ter isso especial relevância para ela. Daí em diante, não só reparou a omissão, como tratou de colocar o apelido da mulher no último lugar, no nosso sistema, é o dominante. Os quatro filhos mais velhos são Mendes Barboza, os quatro mais novos Barbosa Ramos, (independentemente do sexo, pormenor que não é despiciendo). A partir do 15º ano do casamento, em 1985, Joaquim Mendes Barboza tornou-se, com foi dito, tabelião do concelho de Gondomar, e ocupou o cargo, com universal aceitação e agrado, até se reformar, em 1916. Na vila que o acolheu, foi personalidade ímpar e prestigiada, sempre discreto e confiável, dando de si, nas muitas fotografias em que figura, a imagem da pessoa serena e gentil, que, de facto, era para com todos, ricos e pobres. Um santo", nas palavras da filha Rosaura Barbosa Ramos, a primeira das meninas, depois de quatros rapazes. O seu nome, que se distingue pela raridade, foi escolhido por ele, inspirado num livro, que andava a ler, por essa altura, um romance de cavalaria com o longo título de "Retiro de Cuidados e Vida de Carlos, e Rozaura". Mais uma nota a acrescentar ao seu perfil humano: o gosto pela leitura, romântica e sentimental. È fácil imaginá-lo ao serão, enquanto a mulher bordava peças de enxoval (e muitos bordados seus, primorosos, chegaram, em perfeito estado de conservação, ao século XXI), sentado em cadeirões de pau canto e palhinha, igualmente bem preservados, a deleitar-se com a aventuras e desventuras de Rosaura, à luz do candeeiro de "abat jour" de vidro branco e translúcido, e de pé de bronze elaboradamente trabalhado, que, intacto, resistiu ao passar do tempo. A saga, que lhe ocupava as horas livres, começa auspiciosamente numa madrugada ( "Rompia a aurora..."), continua em extensas narrativas de guerras, conflitos e mil e um obstáculos que vão adiando a união dos jovens, só alcançada no final feliz, com a etnográfica descrição do cortejo nupcial em direção à Igreja: "levando a Marqueza Rozaura da mão e Dom Manrique a Carlos ao lado direitto e assistiao ao seu recebimento e quando voltaram por quantas ruas passarao choviam infinitas flores das janelas, com repetidos “vivas. Cedo com sua espoza Rozaura para Rezzo virao. Laus Deo". (Rosaura Barbosa Ramos não teria tão vistoso casamento, nem iria para Rezzo, permaneceria em Gondomar, feliz, com um viúvo muito afável, chamado simplesmente Manuel Marques).O pesado livro de capas de couro ser-lhe -ia, mais tarde, dado como presente, que legaria à sobrinha preferida, Mariazinha, por sinal, fiel e diligente guardiã de quaisquer antiguidades. Joaquim Mendes Barboza, ogrande amador de romances, era um monárquico firme, mas tolerante, muito sociável, participava na vida cultural da vila e suas instituições, em tertúlias, em teatros e concertos e celebrações reliiosas. Com as origens (Bitarães. Penafiel, Paredes), parece ele ter mantido escassos contactos. Talvez os pais, quando casou, em 1970, tivessem já falecido, porque deles não há rasto personalizado nas relatos orais. A exceção é um sobrinho, que era Visconde de Paredes (ou um dos filhos do Visconde) e namorou a filha mais nova, Maria da Conceição. Visitava-a, segundo várias vozes, entre elas a da Tia Rosaura, chegava esbelto e sedutor, montado no seu cavalo, e à despedida ela vinha ao mirante dizer-lhe adeus. (Mais um mirante na geografia dos romances gondomarense!). Porém, aí por volta de 1906 ou 1907, Maria pôs fim ao namoro, preferiu o "brasileiro" António Carlos, que, nas suas próprias palavras, a fitava, apaixonado, com uns grandes e expressivos olhos verdes, como jamais vira outros. È facto assente que ela não tardaria a corresponder aos sentimentos e aos olhares. Maria, a menina mais nova, tal como, mais tarde, Rosaura contaram sempre com o apoio dos pais nas suas decisões. E dos homens também não há qualquer eco de afetos contrariados. O único desgosto que pesou sempre na vida deste casal exemplar foi a morte, aos 21 anos, da encantadora e sempre lembrada filha Glorinha, a professora. OS IRMÃOS DE CAROLINA Carolina e as suas irmãs foram educadas para o casamento, e todas elas terão casadobem, ou medianamente bem, não deixando marcas na cronografia da família, onde só destinos ou acontecimentos excepcionais, para o melhor ou o pior, trouxeram à ribalta mulheres das gerações passadas – daquelas gerações sobre as quais não há testemunho de quem com elas privou. De entre os filhos houve os que continuarm, no modo masculino, as tradições da família, em vários ramos de negócio. Com grande sucesso, o conseguiram, por exemplo, MANUEL GUEDES FERREIRA RAMOS, que dá o nome à praça do Município em Gondomar (antigo Largo de Quintã), e ANTÓNIO FERREIRA RAMOS, emigrado para o Brasil, onde lançou com um Salgado Zenha, (decerto antepassado do que ficou na história da nossa democracia), uma sociedade próspera, a "Ramos e Zenha". Desse tio gostava muito a pequena Maria (mais tarde, Aguiar), e com ele manteve correspondência assídua e trocou retratos, que ocupam várias páginas num precioso álbum de capa de veludo arroxeado e folhas douradas. Este tio António casou com Carolina Silveira Martins, irmã do Silveira Martins,que foi Governador do Rio Grande do Sul, e se notabilizou nos primeiros anos da República brasileira. A sua incontável descendência, está hoje espalhada pelo sul do Brasil, desde Bagé, onde se radicou, a São Paulo, e aos confins do Uruguai. Dos inúmeros primos que, separados por mais de 15.000 milhas de mar e terra, totalmente se desconhecem, só dois se encontrariam, uma tarde, em fins do século XX, no hemiciclo de Brasília: Maria Manuela Aguiar, então Vice-Presidente da Assembleia da República Portuguesa, e Sá Azambuja, Senador da República Federativa do Brasil, ambos descendentes diretos, e no mesmo grau, de Anna e Joaquim Ferreira Ramos, dos quais nenhum deles guardava os apelidos Um outro ANTÓNIO FERREIRA RAMOS, sobrinho do que emigrou para O Rio Grande, era filho de Manuel Guedes, e também muito próximo da prima direita Maria. A vida levou-o para longe, embora um longe menos longínquo, (Lisboa), depois do casamento com uma filha de Ramalho Ortigão, Berta, de quem descendem todos os Ortigão Ramos. Entre vários outros negócios e investimentos, foi proprietário do teatro que é hoje o São Luís e, tal como o pai, um benfeitor da sua terra. Camilo de Oliveira, na monografia de Gondomar, salienta que instituiu bolsas de estudos, em igual quantidade e montante para rapazes e raparigas. A instrução feminina foi uma das causas republicanas, defendida pelo movimento feminista, e, também por muitos homens, companheiros de crenças revolucionárias, como este gondomarense, genro de Ramalho. Manuel Guedes, conhecido pelo republicanismo militante, não viveu para ver o fim do regime monárquico, mas o seu ativismo não fora esquecido e, nos alvores do novo regime, foi dado o seu nome ao Largo de Quintã, onde tivera, antes de se fixar no Porto, uma loja comercial, no casarão de azulejos, que ainda hoje existe, em frente à Câmara Municipal. É o que, infelizmente, se não pode dizer da Vila Maria, que foi demolida, (e da qual apenas se conservam apenas, graças ao cuidado ao bisneto de Maria e António, Carlos Manuel Aguiar, os azulejos com a grande águia castanha segurando um “R” no bico) ou da Quinta da Boavista, (da qual resta um pequeno lago de pedra, transplantado para junto da capela do Monte Crasto - a crer numa história contada por um frequentador do café do Crasto, simpático velhinho anónimo, que se gabava de ter visitado, muitas vezes, a propriedade). JOAQUIM e CAROLNA NA PRIMEIRA PESSOA DO SINGULAR Só pelas cartas que escreveram às filhas, os podemos conhecer mais de perto. Infelizmente, são poucas as que chegaram até hoje, e todas da última fase das suas vidas, enviadas a Maria para o Brasil, entre os anos de 1914 e 1918, e a Rosaura, durante ausências curtas nas termas ou na praia. Se as da bisavó Carolina quase se limitam ao relato de problemas de saúde, mostrando-a certamente muito diferente do que fora em jovem, cheia de preocupações com a saúde, que a idade ia avolumando, as do marido, pelo contrário, revelam um espírito atento ao mundo, a acontecimentos que marcavam os destinos de milhões, como o progresso da 1ª Grande Guerra, ou a gripe espanhola, tanto quanto ao pequeno mundo de São Cosme, onde se sucediam casamentos, mortes, temporais, festas religiosas, espectáculos culturais, e onde frutos amadureciam e flores desabrochavam no seu jardim. Retrata-se a si mesmo nestes relatos de época, escritos ao correr da pena, em linguagem muito sóbria, mas, aqui e ali, colorida por uma expressão engraçada, um populismo, a dizer que o sentido de humor que se atribui ao ADN dos Ferreira Ramos, também não está ausente no legado genético dos Barboza…Pequenas achegas, em que o podemos imaginar a sorrir brandamente, por exemplo, quando descreve a mãe a ralhar com o filho padre, por passar tempo demais no confessionário, sujeito ao frio sepulcral das alas laterais da igreja matriz, ele que, mal curado de uma tuberculose, era sempre um doente de risco. No ano de 1914 Na primeira dessas cartas, de 11 de Julho de 1914, enviada para o paquete Araguaya, nas vésperas da chegada de filha, genro e neta Carolina a Portugal, começa, como era previsível, assim: “Que, com a Lininha, tenhais tido boa viagem são os nossos votos a Deus e a Nossa Senhora”, para logo os prevenir que não poderá estar presente no cais de chegada: “Não deveis contar connosco em Lisboa, nem mesmo em Leixões, porque os 75 tiram todas as vontades de fazer as viagens, ainda que curtas – além do risco de um trambolhão que atire a gente para a outra banda, pois o caruncho é bastante. Com o que podeis contar ao certo é encontrar-nos na nossa choupana de braços abertos para vos receber e à pequenina” A “choupana” era, de facto, uma casa grande, de dois andares e traça tradicional, e jardim com frente de mais de cinquenta metros para a rua principal (onde não faltava o mirante rasgado no muro, e um terreno extenso para sul e nascente, que terá sido, possivelmente, comprada com dinheiros de herança de um dos cônjuges, ou dos dois, porque, mesmo a preços do último quartel do século XIX, parece propriedade demasiado dispendiosa para os réditos de um funcionário público com numerosa prole. Seguem-se as notícias: ”É hoje a festividade de São Bento, que este ano reveste uma pompa superior à de anos anteriores. (…). “O Américo está esta semana em Tuy, onde foi assistir a exercícios religiosos, visto não os haver no Porto”. Mas, acrescenta, o tio padre viria, dentro de dias, visitá-los e ver a menina. No Clube, havia espectáculo em benefício dos Bombeiros, que já não chegariam a tempo de ver, e em que ele, apesar dos seus 75 anos, pelo visto, marcaria presença Em casa, não perdia, também, qualquer oportunidade para organizar uma festa, Num recorte de jornal, não identificado nem datado, tomámos conhecimento da “celebração do aniversário natalício da Senhora D. Carolina Ramos Barboza, esposa do estimado e benquisto notário local, Sr. Joaquim Mendes Barboza, Por esse motivo, vieram a esta vila seu filho, Dr. José Barbosa Ramos, novel advogado e proprietário do semanário “O Progresso de Gondomar, e o Sr. Deolindo Oliveira, colaborador do mesmo periódico” No ano de1916 22 de Janeiro Os primeiros parágrafos abordam, como era habitual, questões de saúde. Nesse mês de inverno, do seu lado do oceano, problemas tinha “a Rosaurinha, que conquanto de pé, anda afetada com alguma tosse, que lhe desapareceria com pontas de fogo” e, do outro, queria saber como passavam, no verão austral, “a Lininha, o Antoninho com o apartamento que há muito devias ter feito” (pertinente observação, porque o menino estava prestes a fazer um ano, idade avançada para mamar ainda no seio materno) e o Manelzinho com o trambolhão, que não será o último. Eles consomem-te a paciência, é verdade, mas também ajudam a passar os dias”. No capítulo da vida social de S Cosme, não faltavam novidades: “Casaram-se o Coruja com a irmã da Margarida telegrafista, No próximo domingo, representa-se no teatro do Club o drama Amor de Perdição, tirado do romance com o mesmo nome do grande Camilo Castelo Branco (sem surpresa descobrimos o seu pendor Camilianos, depois de conhecer o gosto por novelas de cavalaria). Da malta de gatunos, que infestavam estes sítios, vários já estão presos. Os pequenos do Alfredo estão com bexigas. Se o Antoninho ainda não está vacinado, deve sê-lo. Morreu aí a Maria (apelido ilegível) e, no Rio Grande do Sul, tua tia D, Carolina Silveira, mãe do Eduardo Ramos, a quem escrevi dando os pêsames (trata-se da mulher do tio António Ferreira Ramos, certamente já falecido, de contrário, a ele, não ao filho Eduardo, teria escrito – notícia que aponta para o facto da filha Maria não manter já estreito contacto com esse ramo da família) “Hoje foi dita missa pela nossa chorada Glorinha Especialmente interessante é a que se referente à sua aposentação, aos 77 anos de idade “Estou substituído, mas sempre no trabalho, porque o substituto, conquanto hábil com conhecimentos de direito, não tem prática, e sem ela não pode confiar em si, nem quanto aos; serviços mais rudimentares” Significativa é, ainda, a exortação feita à jovem filha: “Faz por te distrair e levar a vida sem inquietação, recebendo bem qualquer contrariedade”.” No ano de 1918 São Cosme, 22 de Fevereiro No Rio e em Gondomar todos estavam bem e, por essa benção, dava Graças a Deus o catolicíssimo bisavô. Esperava, em breve, tê-los perto de si, depois de deixarem, de vez, o Brasil. O enfoque da carta é a procura de terrenos onde pudessem construir casa: “Como já te informei, a Regedora não vende a propriedade (…). E, como há dias o Alexandre informou o vosso mano Augusto, há o terreno do Paciência, que conheceis, e o do Fonte, que está entre o club o José Semana, e o da Rosa, filha do Manuel Marques e, ainda, a propriedade de Serafim Pacheco, contígua à quinta de D. Carolina Novais(…). São Cosme, 23 de agosto Nestas primeiras décadas do século XX, a crença nas qualidades terapêuticas das termas estava no seu auge, e os bisavós rumavam anualmente a Vizela, acompanhados por alguns dos familiares, ritual que a filha Maria haveria de cumprir toda a , a Vizela ajuntando as caldas de Aregos ou do Gerês. “Regressámos ontem de Vizela, onde estivemos 5 dias com a Rosaura, o marido, Alexandre e mulher e também a tua prima Amélia de Quintã, com a criada, e todos chegámos bem e assim continuamos (…). “ O José ia este mês para o Funchal, mas ainda não está lá, por não haver conseguido lugar no vapor que para ali seguiu no mês passado. Ele foi, há dias, a Viana, donde ainda não chegou. O Américo está tentado a ir passar 15 dias ao Bom Jesus em Braga. Ele no próximo S Miguel muda de casa para o Souto do Rosário, para poder estar mais perto da igreja. Depois de várias referências à seca e aos seus efeitos na lavoura gondomarense, vem a única menção escrita, que se conhece, ao exílio para São Tomé, por razões políticas, do seu filho primogénito, António durante o mandato de Sidónio. Ficam, assim, confirmados relatos orais, mais vagos “O António está em África onde, quando chegou lhe ofereceram três lugares, dos quais, todos bons, se colocará no que mais lhe agradar. Ele está bem, e não lhe falta a saúde, também o disse em carta para a esposa o Dr. Marcelino. Foi a maldita política, que para ali o atirou, da qual os desgostos são sempre a pagar para os que têm a fragilidade de nela se meterem manifestamente. Passaram no 1º ano do liceu os dois pequenos do Alberto, o Mário com boa classificação, o Américo, que é doente e cábula, com baixa classificação. O Alberto pede para eles virem com a Maria Izabel passar cá uns dias. (nas fotos de família em S Cosme, a neta Izabel, Mimi, é presença frequente, ao contrário do que acontece com os rapazes, o bom aluno, Mário, que viria a formar-se em medicina e o mau aluno, Américo, que, por certo, se chamava assim em homenagem ao tio Padre. Termina com a notícia da morte do marido da prima Maria, filha da Tia Joaquina da Travagem São Cosme, 15 de outubro Tinham, nessa data, acabado de chegar duas cartas escritas pela filha Maria em agosto, um enorme atraso, que lhe causara grandes apreensões, receando que estivessem doentes. (…) “Eu e a mãe, atrouxados, sim, mas vamos indo de pé. O José adoeceu com gripe na Póvoa do Varzim, em casa de um amigo, de onde veio para casa, achando-se actualmente, em franca convalescença. A Rosaurinha também recolheu à cama, com a sua doença de que ainda está convalescente. Oferece sempre gravidade, porque sofre da pleura e dos pulmões. Acrescenta que a criada foi para o hospital, parecendo que é broncopneumonia gripal, de que tem morrido quase todos os atacados. O Alexandre também teve gripe simples, que felizmente foi muito benigna. Sem lhe chamar assim, porque não era certamente a designação corrente, está a falar da epidemia mortífera da “gripe espanhola”, a que escapou a família, mesmo os Barbozas mais vulneráveis, por terem, anos antes, sobrevivido a tuberculose, Rosaura e Américo. Nem por isso traça uma situação geral menos dramática: “Poucas pessoas têm sido poupadas por estas doenças, e os casos fatais, principalmente de bronco pneumonia (se não se trata de alguma peste) tem sido tantos, que poucos dias tem decorrido sem seis ou oito óbitos na freguesia. E o que se dá por aqui, está-se dando por todo o nosso continente, tendo estas doenças sido importadas da Espanha, onde ainda grassam. A Mimi, receosa das doenças raspou-se para o Porto. Está com os pais e os irmãos, que passam regularmente.” (Mais um indício de que a neta Mimi lhes era particularmente querida e com eles passava com grandes temporadas em São Cosme, como faria, depois de desaparecidos esses avós, em frequentes e prolongadas visitas à tia Maria Aguiar, que era poucos anos mais velha do que ela - mais pareciam irmãs) O tema dos terrenos para a casa que viria a ser a “Vila Maria” é retomado: “O Alexandre havia de procurar o vosso mano Augusto para o informar de que se vende um campo próprio para casa, tem frente para a estrada que conduz à igreja e está da parte de baixo da propriedade do Monteiro da música entre esta propriedade e o campo do Zé do Paço, que tem um engenho de água” A descrição dos terrenos para potencial aquisição, nesta e na missiva anterior, parece coincidir com a situação de boa parte das propriedades que vieram a ser efectivamente compradas pelo avô António Aguiar. Os mais ativos aliados, na procura de alternativas, foram o sogro e o cunhado Alexandre, e o irmão Augusto é referido como uma espécie de seu procurador, reforçando a ideia de que eram, além de muito amigos, parceiros de negócios. Os netinhos, naturalmente, não são esquecidos e sobre eles recaem, por vezes opiniões muito categóricas: “Não metas a menina em barafundas, acho que só aos 9 ou 10 anos deve ocupar-se do piano. Quem tudo quer, tudo perde. Adiante recomenda à filha que não se esqueça de dar o remédio contra as lombrigas aos meninos, “de quando em quando, para evitar os ataques, que oferecem tanto perigo, como já tens tido ocasião de ver” Já se sabe em São Cosme que a Lininha há-de ter uma cruzinha com pedras e o Manelzinho uma bengala muito linda” (…) (…) Há dias, colhemos na nossa figueira, uma cesta de deliciosos figos. Bem nos lembramos de vós, mas… As festas do Rosário, que, por causa das doenças, chegaram a ser proibidas, e, depois, foram consentidas, estão pouco animadas, ainda assim mais do que seria de esperar Sobre o filho mais novo, que, desde agosto, esperava rumar ao Funchal, a fim de tomar posse do seu lugar de magistrado dá conta do impasse: “ O José ainda não foi para o Funchal, porque precisava de licença do Ministro para embarcar e este não lha concedeu, com a fundamentação de que estava próximo de receber a instrução preparatória de oficiais milicianos, mas é quase certo que a guerra está no fim, ou pelo pedido de paz, por parte dos alemães, ou pela derrota destes já começada, e, por isso, é de supor que fique sem efeito a lei que a tal obriga, Deus o queira, O Américo está na sua nova casa, defronte do Vicente, e do largo do souto do rosário, e, conquanto doentinho, celebra sempre a sua missa, menos num dia ou outro em que o tempo está muito mau, ou em que se sente constipado” No final de uma das suas mais longas cartas, pergunta se já foi recebido “o grupo de retratos que te enviei, tirado no nosso quintal. Deve ter chegado há muito tempo”, (chegar, chegaram, porque algumas ainda se herdaram do espólio da avó Maria, mas entre o dever e o acontecer por vezes mediavam semanas, como anterior correspondência evidenciava...).. O “post.scripum” e uma discreta forma de dizer à filha que pode retomar as travessias oceânicas e as visitas a São Cosme, interrompidas pela guerra: “Lembro-te que deve estar afugentado o perigo dos submarinos dos scelerados alemães” Muito menos numerosa e muito mais sintética é a produção epistolar da Mãe, que devia repousar, largamente, no gosto do marido em escrever Querida filha Recebemos a tua carta pela qual vejo que ainda continuas constipada e fraca, tens, pois, filha de ter cuidado, porque dos enfraquecimentos vem todas as doenças, e quando se não tem o cuidado preciso a tempo, quando se quer reagir, já não se pode. Não te aflijas por causa nenhuma e deves sahir de vez em quando, pois teu marido não te podendo acompanhar vae com a tua filhinha e criada. Ansiosa espero a vossa vinda, um dia melhor, outro pior, e assim hei-de passar o resto da vida. O Pae agora passa melhor e a Rosaura tem andado um pouco constipada. Recorda-me muito ao Aguiar e dá muitos beijos na nossa querida menina (…) Adeus filha, envia-te mil beijos cheios das mais vivas saudades, a tua mãe Carolina Embora a carta não esteja datada, podemos situa-la entre 1913 e 1914, porque apenas refere a neta primogénita, sinal de que ainda não existiam os outros, e fala de uma próxima chegada da filha a Gondomar. Os avós viajaram na segunda metade deste último ano, para que filho, esperado para breve, que seria o Manuel Joaquim, nascesse em São Cosme OS MENDES BARBOZA RAMOS Nenhum dos filhos de Carolina e Joaquim se aventurou no mundo empresarial, onde tinham feito fortuna avós e parentes maternos. Os três mais velhos, António, Alberto e Alexandre enveredaram, como seu pai, por carreiras do funcionalismo público, e o mais novo, José Barbosa Ramos, após ter sido advogado e deputado pelo Porto, acabaria por ingressar na magistratura judicial. Américo, em vez de servir o Estado, Américo dedicou-se ao serviço de Deus, e foi um padre muito querido dos paroquianos, pela sua extrema bondade e abnegação. Temperamentalmente, o mais próximo do pai, que teria, com certeza sido tão devotado e generoso à frente de uma paróquia, como foi no seu cartório e dentro de sua casa. A mesma vocação, exercida num outro domínio... ALEXANDRE MENDES BARBOSA A monografia do Concelho de Gondomar, dá nota de que foi Secretário da Administração local e, mais tarde, tal como fora seu pai, Administrador do Concelho. Sempre envolvido na vida cultural de São Cosme, esteve entre os fundadores do Clube Gondomarense e pertenceu aos seus executivos, assim como aos de várias outras irmandades locais. Era um jovem alto, bonito e elegante, apreciador de teatro, assíduo frequentador do Sá da Bandeira e das tertúlias da "Brasileira". E, ocasionalmente, poeta. Dos seus versos, resta uma quadra, preservada pela sobrinha Maria Antónia: "Morre um afeto, outro nasce Passa um desejo, outro vem Depois de um sonho, outro sonho De tantos que a vida tem" Afetos femininos não lhe terão faltado na juventude. Era, como as fotos de juventude evidenciam, muito bem-parecido. Casou-se com HERMÍNIA, jovem de boas famílias nortenhas, educada num colégio de freiras, onde o pai, tendo enviuvado quando ela era ainda pequena, entendeu que seria bem cuidada e bem formada. Aí parece ter sido feliz , tornando-se uma jovem serena e autoconfiante, e, ao longo do casamento com Alexandre, uma sensata e competente dona de casa, que não mostrava, sob a capa da placidez e da conformidade aos padrões de comportamento de uma pequena vila, o seu potencial de cultura e inteligência. Não interveio nunca ativamente na sociedade, mas soube aceitar, talvez mesmo encorajar, a constante intervenção cívica e cultural.do marido. Um só grande desgosto na vida a dois, a morte da sua única filha, recém-nascida. Ambos gostavam de crianças e dedicaram-se aos sobrinhos, os de Hermínia e os dele, filhos da irmã/cunhada Maria, que tão cedo enviuvara. A mais nova, Maria Madalena, foi criada mais com eles do que com a própria mãe. Moravam em frente à Vila Maria, bastava-lhes atravessar a rua, para irem, diariamente, buscar a menina, que a mãe nunca deixava pernoitar fora da Vila Maria. O ambiente de concórdia e tranquilidade do seu lar, de tal modo moldou o espírito e o comportamento dessa menina, que nem se diria ser parte do grupo dos buliçosos manos Barbosa Aguiar. Era doce e sossegada, embora soubesse mostrar-se, em criança como pela vida fora, inesperadamente firme e determinada, em qualquer questão realmente importante. Adorava animais, em geral, e gatinhos, em particular, tal como os tios de quem era inseparável. Assim se fez muito mais uma “segunda Hermínia”, do que uma segunda Maria Aguiar, com o seu perfil de liderança e filantropia, que, aliás, não teve também seguidoras nas filhas de génio mais temperamental ou turbulento. Nem verdadeiramente nos filhos. O Tio Alexandre era o padrinho de Manuel Joaquim, o primogénito dos rapazes, dado que, só por si, claramente indicia a estima de que gozava por parte da irmã e do cunhado António. O bonito, espirituoso miúdo era um aluno brilhante e o padrinho fez questão de assumir o encargo com os estudos, que o levaram dos colégios e liceus do Porto à Faculdade de Medicina de Coimbra. Mas, em boa verdade, apoiava, com a mesma atenção e afeto os sete sobrinhos órfãos. Visitava-os todas as semanas nos colégios do Porto, levava-os a passeios e a compras na cidade, dava-lhes mesadas generosas. Todos o consideravam um segundo pai, generoso e compreensivo, quebrando a severidade das exigências maternas Uma prova da facilidade com que se entendia com os jovens, os da família e os outros, foi o terem-lhe pedido, e ele ter acedido, a ser o encenador de uma peça de teatro, escrita e representada por jovens estudantes gondomarenses em Setembro de 1933 que ficou nos anais da Vila. Uma revista à portuguesa, alegre e mordaz, de crítica hilariante de costumes e acontecimentos locais, com o sugestivo título “O Nabo”. Nunca se tinha visto, nem voltou a ver-se nada de semelhante. Gondomar, terra de ourivesaria artística e de fértil agricultura tem, como “ex-libris” naturais, quer o coração ou a caravela de filigrana, quer o nabo, de incomparável qualidade. O nabo era mais apelativo à paródia do que a gloriosa caravela e nele recaiu a escolha da comunidades académica, designadamente dos quatro autores principais, entre os quais se destacava o Manuel Aguiar O papel do tio Alexandre nesse retumbante êxito teatral era desconhecido, até ao momento em que foi encontrado numa mala, no meio de cartas e postais antigos, um exemplar do jornal comemorativo do 25º aniversário dessa récita sensacional. O verão de 33 foi inteiramente dedicado aquele projecto colectivo, coisa de rapazes no seu fim de curso liceal ou começo de faculdade, com a exceção de três colaboradores da geração mais velha, o Maestro Moura, que musicou os poemas e dirigiu a orquestra, Alexandre Mendes Barbosa, que foi o paciente e bem-disposto ensaiador, e o Abade Crispim, que , com a sua autoridade, deu o aval ao ousado cometimento da juventude académica. Curioso o convívio entre o laicíssimo Alexandre e o Padre Crispim, aliás, grande amigo de sua mana Maria. Em vão, diga-se, tentava ele moderar os ímpetos de excessiva generosidade com que ela enchia as caixas de peditórios da igreja. Não fora acostumada, durante o casamento, a preocupações de economizar em coisa alguma, e muito menos nas dádivas para iniciativas da paróquia. Há um curioso bilhete escrito por Alexandre a essa irmã, em que se revela, como é sabido que era, o seu conselheiro para a gestão de património. Nesse dia ele procurara a irmã ao longo do sia, fora três vezes à Vila Maria sem a encontrar, até que desistiu e lhe deixou aquela nota. Ela precisava demais dinheiro, não é dito para o quê, e queria desfazer-se de algumas acções (sua principal fonte de rendimentos), o que ele achava contra indicado, recomendando preferentemente a venda de jóias, que não davam dividendos. O que tais diligências indirectamente revelam é como era ocupada a agenda quotidiana de voluntariado, a que a irmã se votava… (CARTA) Educado como católico, pelos pais, o Tio Alexandre foi ateu, ou agnóstico, na maturidade, mas sentiu o apelo da fé na hora da morte, (provocada por cancro nos pulmões). Quis que lhe chamassem um padre para se confessar e receber a extrema-unção. Ao abade Crispim sucedera, o Abade Andrade, irmão do Bispo do Porto, Dom Florentino, igualmente amigo da benemerente D. Maria Aguiar. Chamado por ela, chegou, de imediato. Ouviu, longamente, o moribundo e escutou as suas últimas palavras. Voltou do quarto muito comovido e disse à família, reunida na sala de visitas: "Acaba de morrer um santo". Os amigos republicanos e laicos, (laicos como ele fora até aos momentos derradeiros), e anticlericais, diriam o mesmo, de outra forma. Talvez: "morreu um justo". Os sobrinhos Barbosa Aguiar choravam a partida de um insubstituível amigo e protector. A tia Hermínia sobreviveu por alguns anos, mantendo a convivência preferencial com a Leninha. Foi de sua casa que esta sobrinha dileta, logo que atingiu a maioridade legal (então 21 anos), saiu para casar, contra a vontade da mãe, com o namorado David D’ Almeida Ribeiro. Um muito longo e feliz casamento provou que quem estava certa era a perspicaz tia Hermínia. CARTAS DE HERMÍNIA PARA A CUNHADA MARIA Do tio Alexandre não se encontraram as cartas, que terão sido frequentemente enviadas à irmã Maria no Rio de Janeiro. Já da tia Hermínia sobrevivem duas longas e interessantes missivas enviadas à cunhada, em 1912 e em 1914. ANTÓNIO MENDES BARBOSA O primogénito dos oito filhos de Carolina Ferreira Ramos foi de todos o que mais se envolveu na política, e o que pagou o preço mais alto pelo seu radicalismo, Terá sido, desde a mocidade o mais rebelde? Não há informação alguma sobre esse período. As irmãs contavam histórias só da fase das prisões e do degredo por razões políticas. Era republicano, como o eram a maioria dos irmãos e dos tios Ferreira Ramos. Mas António era mais do que isso: anarquista, revolucionário, talvez, embora isso nunca tenha sido dito, membro da Carbonária. Preso no Aljube esteve várias vezes e o pior aconteceu-lhe, durante o consulado de Sidónio, em 1918, com a condenação e exílio para São Tomé São Tomé foi não só uma pausa forçada nas escaramuças partidárias, como a oportunidade de conhecer paisagens, gente e costumes, e de ter rapidamente acedido a empregos bem remunerado. Desse tempo só há uma notícia e bem reveladora do seu impagável sentido de humor. Já então tinha perdido os dentes e usava uma dentadura postiça, que era coisa completamente desconhecida entre os nativos da colónia. Pois bem, descobriu que os podia espantar “arrancando” a prótese e exibindo-a na mão. Assim se tornou um personagem deveras temido e reverenciado… Desaparecido Sidónio, pode regressar, e trouxe consigo com um bom pecúlio. Tê-lo-á investido num "café -concerto", onde, não surpreendentemente, não o ajudaram a sorte e a boa gestão. Voltou a um emprego, já não na administração pública, para o qual o activismo político o tornava indesejável, durante a ditadura do Estado Novo, a que não sobreviveria. Por esta altura já estava viúvo. Da mulher, que seria mais ou menos da sua idade e terá falecida muito cedo, ninguém nunca falou, ao contrário das muitas referências feitas a consecutivas companheiras espanholas, manifestamente mal aceites pelas irmãs. Viúvo e frequentador do meio boémio, ele sentia-se livre para procurar, no corpo de bailado dos teatros e casinos, as suas espanholas, a última das quais foi a Teresita, Uma ligação duradoura, e, por isso, tolerada, a custo, pela cunhada Maria, menos flexível do que Jesus Cristo na indulgência para com as pecadoras. Ou das “sobrinhas” por afinidade, não pelas mesmas razões, porque a Teresita era metediça e sempre pronta a denunciar qualquer “pecadilho” por elas cometido. Coisas do género de: “Vi a Lolita – ou a Mariazinha – à conversa com um rapaz”… Delações que desencadeavam, de imediato, reprimendas e castigos. Era usual, António refugiar-se em casa da irmã, senhora insuspeita, para escapar a perseguição política e a mais uma estada no “Aljube”, levando consigo, para a Vila Maria, a Teresita e um cãozinho (tinha sempre um cãozinho e punha-lhes nomes ambíguas, que permitiam segundos sentidos – incorrigível em velho, como fora em novo. As sobrinhas, dele gostavam imensamente, assim como do cão, mas tinham de suportar a vigilância e as denúncias da intrometida Teresita. Consequente até ao fim, António deixou a exigência de enterro civil, para desgosto das irmãs, que se fecharam em casa. O velório decorreu à sombra não do crucifixo mas de um busto da República e ninguém quis, ou conseguiu, afastar do caixão o seu último e fidelíssimo cão. Um enterro laico era, para os católicos daquela geração, uma morte eterna pior do que a morte terrena. Ainda não viam Deus como suficientemente justo para receber nos céus um bom ateu, como hoje crescentemente se acredita, tanto ou mais do que num Deus mesquinho e sectário. Teresita viu-se abandonada e teve um triste fim – velha e demente. ALBERTO MENDES BARBOSA De Alberto não há histórias que nos permita traçar-lhe um perfil humano. Só há fotografias e factos que não ajudam à sua individualização. Tal como o irmão Alexandre, foi secretário da Administração da Câmara, no seu caso, Gaia ou o Porto, cidade onde passou a morar. Era certamente próximo de António e Alexandre, e é de supor que se encontrariam frequentemente nas tertúlias da “Brasileira" e nos teatros da cidade. Como os irmãos, exceptuado o Padre Américo, escolheu uma carreira no funcionalismo público e era um republicano militante, e terá, ele também, estado enclausurado no Aljube, ainda rapaz solteiro. O casamento com a jovem Maria do Rosário, Zarita, não o desviou das convicções ideológicas, mas abrandou os rasgos revolucionários. Tornou-se um sereno pai de família – pai de três filhos, Américo, descrito numa carta do avô Joaquim com doente e muito cábula, Mário Barbosa, o bom aluno, que se formaria em Medicina e uma filha, invulgarmente bonita e inteligente, Maria Isabel (Mimi), que viria a dar-lhe por genro o pintor Mário Ferreira. Mais do que os pais e os irmãos, Mimi era uma assídua visita da Vila Maria, íntima amiga das Tias Rosaura e Maria Era apenas poucos anos mais nova do que a tia Maria. Como ela ficou viúva, ainda jovem. A sua única filha, Maria Laura, aparece em muitas fotografias com a Mariazinha e a Lolita, que eram, quase da mesma idade. Veio a casar, alguns anos mais tarde do que elas, com Luís Aragão, um homem cheio de “charme”. Tinha, ao que se dizia, de ascendência francesa, loiro e de olhos azuis, elegante e distinto. A seu lado, Maria Laura marcava o contraste, morena, viva, de aspeto e temperamento bem latinos. Sempre tão chique quanto extravagante, não hesitava em passear pelas ruas do Porto o seu casaco de leopardo, (ao tempo ainda não assumido como espécie protegida…). Luís Aragão era despachante da Alfândega do Porto, quando esse cargo estava no seu mais alto patamar. Ficaram famosas as receções na sua casa no Porto, onde as primas Aguiares nunca faltavam. O casal tinha dois filhos, Anabela (Bebinha e Luís). Também nesta terceira geração, havia uma diferença de idade, as primas de Gondomar eram mais velhas, mas não o suficiente para prejudicar o convívio de igual para igual. Todas as meninas gostavam da dança que fazia furor, o rock and rol, que animava as tais memoráveis festas. JOSÉ BARBOSA RAMOS O último dos rapazes, nascido quando a mãe estava já na casa dos quarenta. Depois dele só uma menina, Maria da Conceição, veio aumentar a família. Aluno excecional, José seria o único a estudar em Coimbra, onde se formou em Direito. Foi contemporâneo, se não mesmo colega de curso de António de Oliveira Salazar, com quem não partilhava ideologias, mas com quem parece ter convivido de perto. Os bons alunos tendem a constituir um círculo pequeno e essa pertença terá constituído a maior das sintonias. José não enveredou pela carreira académica, voltou ao norte, exerceu a advocacia, envolveu.se na política, como deputado eleito pelo círculo do Porto. Ativista incansável, foi proprietário e diretor de um jornal de combate, “O Progresso de Gondomar", antes de ingressar na magistratura. Um outro colega de Coimbra, Dá Mesquita acabaria por marcar mais duradouramente o seu destino, não na profissão, embora ambos viessem a ser juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, ou na política, pois se supõe ter sido este amigo mais conservador, mas na vida pessoal. Através dele conheceu uma irmã por quem, em Coimbra se apaixonou e com quem casou, Maria Celestina Mesquita de Abreu, a muito estimável tia Celestina, de perfil não muito diverso do da Tia Hermínia, a cunhada minhota. As perfeitas donas de casa. Hermínia menina de colégio elitista, Celestina criada numa casa senhorial em Avô. T José e Celestina tiveram dois filhos, José Joaquim (Zé Quim) e Maria Celestina (Tininha) Mesquita d' Abreu Barbosa. O juiz José Barbosa Ramos cumpriu uma trajectória fulgurante, tornou-se o mais jovem juiz de sempre a ascender ao Supremo Tribunal de Justiça. Acabaria aposentado compulsivamente, quando ainda tinha muitos anos pela frente, por uma questão política, devido ao seu envolvimento em tentativas de derrube do regime. Durante o seu percurso, a família acompanhou-o na deambulação por várias comarcas do país (Santo Tirso foi uma das primeiras), mas mantinham em São Cosme, a casa que fora dos pais Carolina e Joaquim, perto da Praça Manuel Guedes.. O Zé Quim e a Tininha foram bons companheiros de brincadeira dos primos Barbosa Aguiar, como comprovam muitas fotografias na Vila Maria, na Foz, em Vizela Tininha foi uma pioneira, a primeira mulher da família a completar um curso universitário (Farmácia), que exerceu, por várias décadas, como proprietária e diretora de uma farmácia em Valongo. José Joaquim licenciou-se em Histórico-Filosóficas e foi Bibliotecário da Universidade de Coimbra. Na geração anterior, o pai distinguira-se, como político, republicano progressista. José Joaquim transportaria o progressismo paterno para dentro das fronteiras do PCP, afastando-se, depois da revolução de 74 para a área adjacente do MDP/CDE, mais compatível, supõe-se com a sua irreverência de espírito. Grande cultor de Letras e Artes, e coleccionador de estatuária religiosa, quem o visitasse, sem o conhecer bem, e olhasse trípticos e quadros dependurados nas paredes do seu andar da Rua dos Combatente, em Coimbra, julgá-lo-ia um muito devoto cristão e não, como realmente era, um ateu convicto. Herdara o sentido de humor mordaz, que costuma conotar-se com os Barbozas, (embora venha, de facto, mais no ADN dos Ferreira Ramos. Jovem bonito, muito moreno, fisicamente mais Mesquita do que Barbosa, teve mil e uma namoradas, até casar com Maria da Luz Biscaia (Luzinha). Após divórcio de Luzinha, nos anos setenta, a sua companheira foi uma americana leitora de inglês na Faculdade de Letras, Janice, Teve cinco filhos, dois de Luzinha (José Severo e Madalena) três de Janice, que gostava de ser chamada Nina (Daniel, Paulo e André). O terceiro e o mais feliz dos casamentos foi o último, com uma colega bibliotecária, Maria Teresa. Celestina foi casada com José Martins – um casamento sem descendência. Contudo José tinha filhos de uma outra ligação, que a Tininha, com uma pouco usual (e, por grande parte da família, não muito apreciada) complacência, acolheu como se fossem seus). J AMÉRICO MENDES BARBOZA Dos cinco homens da família, Américo foi o único que sentiu, desde menino, tal como o pai da sua idade, o chamamento religioso. Foi, também, o único monárquico, que acompanhava, ideologicamente, os pais e as três irmãs, Rosaura, Glória e Maria. De Carolina, a mãe, se ignoram, em rigor, as convicções políticas, embora não custe admitir que fosse monárquica, como tendia a ser, nesse tempo, o género feminino. Divididos nas escolhas políticas, mas afetivamente unidos, nunca deixaram que divergências de opinião interferissem na sempre boa relação entre todos. Prova disso é o facto de António, ter sempre encontrado refúgio na Vila Maria, onde a polícia do regime não se lembraria de o procurar, junto da irmã, dirigente local da "Obra das Mães" e de outras obras patrocinadas pelo regime. Às criadas, a avó Maria Aguiar dizia: "Daquele Senhor, que está lá em cima, não se fala a ninguém". E elas não falaram nunca. Ao irmão padre talvez não tenha ele querido recorrer, por razões várias, entre as quais, a vontade de não o comprometer e o desconforto que lhe causaria um ambiente de intensa religiosidade. Na verdade, o Padre Américo Barbosa não era aquele tipo de pároco sociável e folgazão, sempre pronto a aceitar a hospitalidade à volta de uma mesa farta, era exactamente o contrário, muito piedoso e austero, mais pronto à meditação e à oração do que a grandes festanças, mas adorado pelos paroquianos, porque era também, um guia espiritual, amigo e compreensivo, sempre pronto a prestar ajuda e a dar uma palavra solidária. Muito afectuoso, muito ligado à família, visitava os pais, com frequência, esperava, com ansiedade e alegria, as visitas da família, não faltava ao reencontro dos sobrinhos Maria e de António e dos meninos, quando chegavam do Brasil. Era esse o retrato psicológico que dele esquiçavam as irmãs, confirmado em breves menções nas cartas de seu pai. Numa delas, refere a ausência do filho padre, para frequentar um curto retiro na Galiza, porque não havia igual no Porto ou no norte do país. Noutra, com alguma graça, conta que a mãe fora repreende-lo, porque passava tempo demais no desconfortável e gélido confessionário da Igreja. Compreende-se porquê, atendendo ao estado de saúde desse filho, que era muito débil. Sofrera de tuberculose, no princípio do século, resistira a um primeiro contágio, que vitimou a irmã Glória, ambos cuidados, dedicadamente, por Rosaura, Depois, na década de 20, o reaparecimento da doença ser-lhe-ia fatal. Na correspondência do pai muitas das referência visando Américo são a vulgares gripes, constipações, ataques de tosse, que nele faziam recear o pior. Foi pároco em terras do Minho e nos arredores do Porto, Gondalães e Rio Tinto Morreu com aura de santidade, entre os paroquianos, que o invocavam nas suas preces e lhe faziam promessas. Santo, na voz do povo. “Vox populi, vox Dei”! A referência a esse tributo popular passou de geração em geração, no círculo familiar. Uma sobrinha neta que se atreveu a conta-la num colégio de freiras foi chamada a capítulo e proibida de a repetir. A menina não podia obrigar as madres a irem a Gondalães ou Rio Tinto ouvir a voz de paroquianos, pelo que se calou, vencida pelo veto, mas não convencida, no seu íntimo, mais crente no sentir popular do que no preconceito das religiosas… GLÓRIA BARBOSA RAMOS Glória, das filhas de Carolina e Joaquim, a única que quis continuar estudos, no Porto. Os rapazes seguiram, um para o seminário, todos os outros para os colégios da cidade. Não era caminho aberto às raparigas, embora também não lhes fosse interdito. Depois do ciclo primário, podiam limitar-se a ter, em casa, aulas de piano de língua e cultura geral, sem grande rigor ou obrigação e a aprender as artes domésticas de cozinhar e bordar. Glória escolheu continuar o ensino oficial e terminou, com facilidade, o curso do Magistério na Escola Normal, tornando-se a exceção. Contudo, não chegou a exercer o cargo de professora - a tuberculose levou-a aos 21 anos. Do Porto, terá trazido, além do diploma, doença incurável, a tuberculose. Preferiu ficar em casa, não ir para um sanatório de montanha, como quem vai para o exílio. Rosaura, a irmã mais velha, ofereceu-se para a tratar, dia e noite, como trataria, seguidamente, o irmão, o bem-amado Padre Américo Barbosa Ao contrário de Rosaura, a mais recatada e tradicionalista das irmãs, Glória era uma rapariga moderna, de uma formosura exuberante. Não hesitava em passear, na modesta vila de São Cosme, os seus vestidos citadinos, levando com ela, lado a lado, igualmente alta e chique, Maria, e, atrás, consumida e vigilante, a mana mais baixinha e modesta, com nome de heroína de romance. Paravam os moços de Gondomar, espantados para as ver pisar caminhos de terra batida como quem desliza em passadeira vermelha e atiravam às meninas os costumeiros galanteio e gracejos, a, que, às vezes, elas ripostavam (ou melhor, no singular, ripostava Glória, ria Maria, discretamente, e quase chorava a conservadora Rosaurinha, com o despropósito). Seria a jovem professora uma adepta do movimento "feminista"? Não é hipótese que se possa provar, porque morreu antes desse movimento ter ganho visibilidade pública, o que só aconteceu depois de proclamada a República. O mais que se pode dizer é que tinha o perfil e a audácia exigíveis, e convivia, dentro de casa, com as ideias revolucionárias dos irmãos mais velhos. Vai permanecer dúvida. As manas não se lhe assemelhavam e, voluntária ou involuntariamente omitiram a questão que não as interessava especialmente. Apenas contaram que era determinada, inconformista e excelente amazona. E inspirava paixões. Um primo Lobão dedicava-lhe bonitos poemas, supõe-se que fosse correspondido. Um namoro em fase incipiente. São muitas fotografias que dela nos dão uma imagem de autoconfiança e determinação, de alguém que sabe o que quer, e é capaz de aceitar desafios. Se não foi ideologicamente feminista, foi-a na sua prática quotidiana. Apesar de tão cedo ter partido, aos vinte anos, é única mulher da família a figurar na monografia do concelho de Gondomar., Um quadro seu, de grandes dimensões, dominava a galeria dos retratos da Vila Maria. Entre os muitos gestos de voluntária cooperação da avó Maria na vida social da vila, conta-se, curiosamente, o repetido empréstimo desse retrato, para récitas e peças de teatro da Ala Nuno Álvares, como ornamentação de parede das salas de estar de palco. O mesmo acontecia com o piano (incrível a cedência do pesadíssimo piano alemão, "Riese", que fazia o curto trajeto para o Souto em carro de bois, segundo os relatos de Maria Antónia, ela própria executante musical e atriz de várias das comédias, que divertiram a boa sociedade gondomarense. O empréstimo do retrato era, possivelmente, visto por Maria Aguiar, como uma forma de a a fazer presente, de a lembrar, em toda a sua beleza e juventude. ROSAURA BARBOSA RAMOS Rosaura frequentou a escola primária oficial em São Cosme, como as irmãs, depois teve lições particulares. Desses tempos, guardou cadernos de exercício de caligrafia e, também letras e assinaturas bordados em lã e muito graciosas. Ao longo da vida, teve sempre essa virtuosa tendência para conservar coisas - tudo, objectos, cartas, fotografias, loiças e móveis. Talvez por sua influência a sobrinha Maria Antónia, desde cedo, revelou semelhante inclinação A uma e outra se deve a preservação da boa parte do que resta de espólio de documentação sobre a família, assim como mobiliário e louças antigas. Ambas eram, também, grandes contadoras de histórias, mais precisa e minuciosa a tia do que a sobrinha, que muitas vezes se deixava confundir com nomes e graus de parentesco e até misturava mais do que na realidade estavam entrelaçados, os ramos da família. A tia Rozaura, pelo contrário, comprazia-se no detalhe, nunca falhava um pormenor, dando colorido a todas as descrições, fosse dos disparates do Zezinho da Travagem (um primo com deficiências mentais e comportamentais divertidas), quer da sua peregrinação a Lourdes – onde não faltava a tragédia de uma peregrina que se debruçou da janela do comboio e ficou com a cara esfacelada (nunca mais nós, as crianças que escutamos esse episódio de estarrecer, ousámos pôr a nossa cabeça de fora dos limites fosse em que veículo fosse …). Extraordinariamente dotada para delicados trabalhos manuais, rendas e bordados, era perspicaz e inteligente, mas muito discreta, despretensiosa no vestir, e poupada nos gastos consigo e com a casa, o que lhe permitiu resistir, depois de enviuvar, a uma vida de dificuldades económicas, mantendo sempre uma casa confortável, aberta e hospitaleira e uma criada fiel, porque era exímia em ganhar a sua estima (das que conheci, primeiro a Maria Póvoas, durante cerca de trinta anos, e depois a Olívia Pessegueiro, por mais de trinta). Na senda do pai e do irmão Américo, viveu para os outros, como pessoa bondosíssima, sempre pronta a ajudar e a partilhar o que tinha de seu, a casa, os serviços da criada, bons conselhos e até dinheiro. Foi a incansável enfermeira dos dois irmãos, não pode, por fim, evitar o contágio...Ela porém, não ficaria a ser tratada em casa - decisão sua certamente para poupar mais riscos no círculo próximo, no que foi apoiada pelos pais, talvez cada vez mais crentes na solução hospitalar Partiu para o sanatório do Caramulo, onde ficou por muitos e muitos meses. Aí viveria uma grande paixão, com um médico que lhe retribuía os sentimentos, o Dr Manso, ou Amâncio, também ele já afectado pela tuberculose. A doença os reuniu e os acabaria por os separar, porque ela se curou e ele não, pelo menos, nessa fase. A tia Rosaura guardou numa caixinha, atadas com uma fita de seda, as cartas por ele escritas, deixando pedido de que fossem enterradas com ela. E assim seguiram com ela, para o seu jazigo em São Cosme, sem que ninguém ousasse abri-las e lê-las, muito embora fosse grande a tentação de as preservar, e a todas as histórias que continham A Gondomar regressou, pois, saudável, tendo resistido a dietas espantosas, (que incluíam uma dúzia de ovos por dia) e fazendo muitas amigas, sobretudo do sul do país, meninas da alta burguesia, igualmente arrancadas à morte certa pela competência do Dr Manso (ou Amâncio). Com elas se correspondia e, por várias vezes, visitou as melhores amigas nas suas quintas dos arredores de Lisboa. Estava num solar de Benfica, em 1908, aquando do regicídio, e pode assistir, com a anfitriã, às exéquias do Rei D Carlos e do Príncipe Real Luís Filipe, muito loiro no caixão, com os vestígios impossíveis de disfarçar da bala que lhe atravessou a têmpora. Se monárquica já era, mais intransigente se sentiu. Foi reduto em que não conseguiu influencia-la o médico beirão republicano, e amigo de Afonso Costa, que, um dia, lhe apresentara durante um passeio na serra, O político não teve receio de fazer companhia a um seleto grupo de doentes já no bom caminho da cura. Desses passeios frequentes há imagens muito bonitas, junto a quedas de águas, algumas encaixilhadas que, com a exposição à luz chegaram bastante sumidas ao presente. Em nenhuma delas se vê o famoso Afonso. Certo é que a jovem de Gondomar teve no sanatório, numa verdadeira Suíça portuguesa, entre tempos de repouso forçado, uma intensa vida social, de que falava com entusiasmo. Sobreviveu, rija e saudável, até ao ano em que completaria o seu centenário (1979). Casou, anos mais tarde, já com mais de 30 anos, com o simpático viúvo, funcionário da Contrastaria, MANUEL MARQUES. O facto de ter sido o padrinho da Mariazinha é a melhor prova da estima em que tinham os cunhados Do primeiro casamento tinha ele um filho já adulto, Armando, de quem todos gostavam, mas com quem conviviam pouco. Morava, talvez em Braga, de onde, tal como o pai, era natural. De Braga, ficou famosa nos Natais de Gondomar uma receita regional de "formigos" ou “mexidos", doce delicioso, à base de pão, mel, pinhões e passas, que ninguém fazia tão bem como a Tia Rozaura - artista incomparável, tanto na cozinha, como nas rendas e bordados, que saiam das sua mãos. Aos 95 anos, terminou uma enorme colcha em crochet, da mais alta complexidade técnica! - e mais teria empreendido, se as sobrinhas não a dissuadissem, receando pela sua saúde, porque exagerava no andamento do trabalho, com receio de morrer e deixar a obra inacabada... Foi uma velhinha encantadora, com uns olhos vivos e perspicazes, gostava de falar por aforismos e provérbios, e até de usar um "calão" ligeiro, (que escandalizava a irmã e afilhada Maria, incapaz de dizer uma palavra imprópria). Eram radicalmente diferentes, Maria sempre pronta a sair, a passear, a conviver, a liderar iniciativas e a influenciar o seu círculo social, enquanto Rosaura de bom grado se quedava em casa, tricotando, conversando e lendo (sobretudo jornais, analisados de ponta a ponta), vendo televisão, sempre recatada e serena, embora pudesse fazer comentários certeiros e ácidos, a quem, perante ela, caía no ridículo ou a quem conseguia desmascarar jogadas de intriga ou oportunismo. Numa pessoa tão prudente, hábil e sábia se estranha a decisão mais errada que tomou na vida e de que haveria de se arrepender: - um segundo casamento, já quase sexagenária, com um "brasileiro" de torna-viagem. MANUEL LIMA. Revelou-se homem de mau feitio, que a sua serenidade foi suportando, até que se viu viúva, de novo, e em pior situação financeira, depois da dispendiosa doença que levou o falecido. Com muito sentido prático, hábitos antigos de poupança e o apoio de uma criada dedicadíssima, Maria da Conceição Póvoas, atravessou aqueles tempos em que não existia segurança social, vendendo apenas uma pequena quinta, "a Passagem. A quinta, com a sua pequena casa rústica estava arrendada a um caseiro, mas havia uma parte de árvores de fruta que a Tia Rosaura mantinha para si, entre elas nespereiras que davam frutos ainda hoje lembrados como magníficos espécimes. Conservou tudo o resto, as "relíquias de família" - móveis, loiças, relógios, jóias, bordados, linhos e "bibelots" - contando à Maria Antónia, que sendo afilhada do marido era como se fosse sua, e as suas filhas, minha irmã Madalena (Lecas) e eu, o historial de cada objecto. Os meus pais passaram mais de sete anos na Vila Maria, numa parte do primeiro andar da casa (o segundo andar passou a ser ocupado, no fim dos anos quarenta, pela tia Lina e família, que pagavam à mãe uma pequena renda e fizeram obras, retirando à casa de banho um espaço onde construíram a cozinha, ficando, ainda assim, as duas divisões suficientemente amplas), mas uma querela entre a mãe e filha Mariazinha, levou esta a ser, juntamente com toda a família, hóspede da Tia Rosaura, que já estava viúva do segundo marido, e ficou encantada por ter consigo as sobrinhas preferidas. Foram anos, sete ou oito, muito felizes. A Tia Rosaura e a criada Maria adoravam as meninas. A casa da Pedreira tinha um mirante, coberto de Glicínias, com vista para o imponente tanque de pedra retangular, lavandaria coletiva, onde, todos os dias, dezenas de mulheres esfregavam energicamente cestos e cestos de roupa, no meio de grande vozearia. Um espectáculo... O terreno era bastante grande e plano, plantado de flores, videiras e árvores de fruta, pessegueiros, pereiras, laranjeiras e junto ao galinheiro e ao tanque um quadrado relvado, muito próprio para jogos de bola, que muitas vezes ia parar abaixo, ao quintal da Adriana, que a inclinação natural da colina, situava num plano cerca de dois metros abaixo. Recuperá-la implicava negociações difíceis, quando a bola causava estragos. A casa de pedra de pedra com oito divisões amplas, tinha sido originariamente destinada a lavoura. O andar de baixo era de terra batida, e, para a Tia Rosaura, servia só de adega e arrecadação, onde guardava grandes quantidades de carvão e de lenha. O gato da casa era preto e branco, chamava-se Lulu e não apreciava as brincadeiras das crianças, aliás muito amigas de animais. Levámos para lá a nossa cadela Chinita, (pequinois, de raça pura) que teve também um relacionamento distante, mas pacífico com o insondável Lulu. A tia adorava o gatarrão, a nossa cadelinha mansa e as suas galinhas poedeiras. Esses foram, para a Lecas e para mim, os anos de internato no colégio do Sardão e, como, nas férias, passávamos temporadas em Avintes, o verão em Espinho e dividíamos as estadas em Gondomar entre a Pedreira e a Vila Maria (eu, sobretudo, ficava frequentemente com a Avó Maria), a permanência na Pedreira não era constante, mas foi sempre agradável. A tia estava, afectivamente, no mesmo plano da avó Maria e dos avós de Avintes. Em 1958, muito influenciados pelos insistentes pedidos das filhas os meus pais arrendaram, um andar no Porto, na rua Latino Coelho, a dois passos do Colégio da Paz, um externato, onde as meninas deviam continuar como alunas das irmãs Doroteias (só a minha irmã para lá foi, eu escolhi, contra vontade da família, um Liceu, o Rainha Santa, a considerável distância, mas mais a meu gosto). E a situação inverteu-se – foi a Tia Rosaura que passou a vir passar dias de visita ao Porto, e, por fim, porque a idade já era avançada, ficou a morar connosco, ela e a sua criada Olívia. E, quando nos mudámos para Espinho, para um andar bem maior e mais confortável, com varandas para a rua 16 e vista para o mar, ela acompanhou-nos. Consigo trouxe recordações, pertences do maior valor afectivo, e o seu dom de criar bom ambiente e de nos falar de outros tempos. Era difícil arranca-la de dentro de casa. Andou sempre pelo seu pé, mas com crescente dificuldade. Lá dentro, porém, estava a par de tudo, lia os jornais, via televisão até ao fecho da emissão, telefonava à família, interessava-se pelo que acontecia à sua volta, mantinha os olhos muito vivos e a sua memória prodigiosa Custou-lhe, com certeza, muito desfazer a casa da Pedreira, onde tudo tinha o seu lugar, tantas mobílias antigas, de seus pais, que exigiam espaço e pé direito, paredes altas, embora a maior parte tenha transitado para Espinho, para um andar então arrendado para férias. Manteve-a ainda por alguns anos, depois de residir no Porto, fazendo à Pedreira, de vez em quando, romagens de saudade. Em vão o senhorio, desejoso de dar destino mais rentável à propriedade, lhe moveu um processo de despejo. Perdeu a acção. A tia, como associada de uma união de inquilinos, teve direito a advogado e alegou, sem faltar à verdade, que estava ausente no Porto, junto de uma sobrinha, por razões de saúde. Já antes, na década de cinquenta, tinha corrido o risco de perder a casa e, dessa época, há correspondência sua, que revela a sua aflição e o seu completo desânimo. A Câmara ameaçava obrigar à demolição de parte do edifício, para alargamento das vias de acesso, o que podia deixa-la sem teto, se as paredes antigas ruíssem como castelos de cartas. Em qualquer caso, já então o senhorio se mostrava indisponível para custear a reconstrução Os móveis e mais bens poderiam ser facilmente recolhidos nas enormes caves da Vila Maria, mas não era solução que lhe conviesse. A dar bem a medida das diferenças entre a tia Rosaura e a avó Maria, na forma como se organizavam e cuidavam dos seus haveres, desabafa que tudo o que para lá fosse se desperdiçaria, pois a irmã nem as coisas dela conservava, deixava que tudo ao Deus dará - o que não era propriamente um exagero, pois a Avó até pequenos larápios recrutava par o seu serviço, na bela e cristã intenção de os regenerar, é claro, e, uma vez, até encarregou um deles de procurar um valioso brilhante, que se tinha desprendido de um anel, quando manuseara roupas, num dos quartos. Como era previsível, o brilhante nunca mais foi achado… Num dos muitos pequenos bilhetes escrito nesse período agitado à sobrinha Mariazinha, também dá conta de muitos outros desaguisados com a mana (e afilhada), habituada a impor-lhe afazeres, a ela e à sua criada, que tratava como se fosse sua, sem nunca ter a noção dos sacrifícios que Rosaura suportava. E sempre fora assim. Prestável e disponível, em excesso, chegou ao ponto de lhe exigirem o impossível… Mas teve a compensação de um fim de vida confortável e despreocupado junto da sobrinha que a tratou como sua mãe, e com isso se limitou a retribuir o que dela tinha recebido GLÓRIA BARBOSA RAMOS FALTA O INÍCIO Glória foi a única das filhas de Carolina e Joaquim, que se aventurou a viver fora de casa para, no Porto, onde concluiu, com facilidade, o curso do Magistério Primário. Dos rapazes se esperava que terminassem o liceu, frequentados bons colégios, (ou, no caso de um deles, Américo, o seu equivalente no seminário), seguindo, eventualmente, para a universidade, onde só o mais novo, José, se formaria, em Direito. Para as meninas, o ensino oficial era facultativo. Depois de terminada a primária, podiam ficar em casa, com aulas particulares de piano, de línguas, de cultura geral, sem grande rigor ou obrigação, e aprendiam, sim, o que se considerava primordial, as artes domésticas de cozinhar e bordar. Mas a impressão que se insinuava no tom das narrativas tanto da avó Maria como da sua irmã Rosaura, era a de um ambiente familiar bastante conservador nos valores, mas muito aberto no relacionamento entre as gerações, os pais confiantes nas escolhas individuais dos filhos. Não há o mais leve indício de que tenham contrariado noivados ou casamentos, influenciados opções profissionais, criado conflitos ou feito oposição à diversidade de posicionamentos políticos. Glória pretendeu fazer estudos no Porto e foi encorajada e admirada por isso, mas não sentia grande queda para o ensino, segundo o testemunho de Rosaura, nunca quis procurar colocação, terá buscado, sobretudo, uma forma de aprendizagem de conhecimentos e de vivência em horizontes mais largos. Distinguia-se pelo seu espírito forte, independente, interventivo, era uma hábil cavaleira, gostava de cavalgar a égua do pai (que ele mantinha não tanto por desporto, mas para se deslocar em serviço, num concelho vasto, como é o de Gondomar). A tragédia da sua morte abalou a família profundamente e foi muito sentida na vila. Para além de ser a bonita filha do prestigiado tabelião e de gente com tradições na terra, brilhava com luz própria. Chegou às páginas da imprensa gondomarense, guardadas cuidadosamente, embora sem datas precisas, nem indicação do título do jornal. "Gondomar, 25 - Falleceu hontem, na primavera da vida, quando tudo lhe sorria, com a idade de 21 anos, a Srª D. Glória Mendes Barbosa, gentil e adorada filha do digno tabelião deste concelho Sr Joaquim Mendes Barbosa. Era uma menina simpática, prendada e de finas qualidades de educação. Aos seus pais, que a adoravam, e aos irmãos Alexandre Mendes Barbosa, secretário da administração deste Concelho e Américo Barbosa, abbade de Gondalães e à restante família enlutada os nosso profundos sentimentos. O seu enterro realiza-se amanhã, à 9.00, na Paroquial igreja de Gondomar". A mais destemida e a mais culta das raparigas, terá sido, realmente, especial - "adorada", como diz e repete o periodista. Mulher pensante e atuante, querida de todos. Fora o centro de um grupo alegre de jovens, de que os irmãos faziam parte. Um seleto círculo, ou, como diriam então, "a fina flor” da terra. Ao primo Lobão, que era o seu namorado, inspirou poemas lindos, que se perderam. O seu retrato estava num lugar destacado, nas paredes das casas de todos os irmãos. E, como pioneira que foi, tem o seu nome inscrito e destacado na monografia do concelho de Gondomar. De nenhuma outra mulher da família, no seu tempo ou no que a antecedeu, se pode dizer o mesmo. MARIA DA CONCEIÇÃO Maria, em criança, parecia a mais frágil das meninas, mas estava destinada a ter uma vida longa, um marido apaixonado e oito filhos num casamento muito feliz, durante os 16 anos que durou, e, depois, um notável percurso de intervenção cívica. Também ela fez jus a figurar nos anais da Vila. A Senhora Dona Maria Aguiar era conhecida e reconhecida em todo o Gondomar, por si própria, pela sua incansável acção na paróquia e na comunidade – ainda que com o apelido do marido fielmente adotado e mantido. Coisa rara, pois as senhoras, eram identificadas, quase sempre, apenas, como "mulheres dos seus maridos". ou "mães dos seus filhos", até nas notícias de jornal, nas colunas sociais. Assim vemos referida, por exemplo a bisavó Carolina, a propósito de uma simples festa: "Passou no último domingo o aniversário natalício da Srº D. Carolina Ramos Barbosa, esposa do estimado e bemquisto notário local, Sr Joaquim Mendes Barbosa. Por esse motivo vieram a esta vila seu filho, Sr Dr José Barbosa Ramos, novel advogado e ilustre director e proprietário do semanário local "O Progresso de Gondomar" e o Sr Deolindo Oliveira, collaborador do mesmo periódico". A formatura desse filho José merecera, aliás, pouco antes, destaque semelhante. "Estiveram domingo último nesta vila os nossos conterrâneos Camilo Martins de Oliveira, António Barbosa, Thomaz Pessoa e César de Moura, do Porto, que vieram assistir a um lauto jantar "offerecido, pelo novo bacharel dr José Barbosa Ramos, festejando a conclusão recente da sua formatura em direito. Escusado será dizermos que o jantar decorreu no meio da mais franca e eloquente cordialidade e com immenso enthusiasmo. Ao jantar, além dos cavalheiros citados assistiu a família do novo bacharel, que partilhou a alegria da festa. Assistiu mais ao jantar o nosso patrício António Pereira de Aguiar, antigo companheiro da vida escolar do sr dr José ramos Barbosa". A pequena notícia oferece-nos o colorido da celebração de um feito, então, relativamente raro, como era uma formatura coimbrã... De menor interesse etnográfico, mas muito mais interessante para a reconstituição do mosaico de relacionamentos familiares é o facto de salientar a presença de um ilustre "patrício" (forma, porventura, de designar, um expatriado no Brasil...) António Aguiar, que tinha sido companheiro de escola do novo jurista. Um dado novo, que nos mostra como, já então, o jovem emigrante no Rio e futuro marido de Maria, era considerado figura grada da vila e nela mantinha, em visitas frequentes, uma rede de contactos com pessoas e instituições. Maria casaria com ele, já homem de posses e cultura acima da média, nas vésperas da revolução republicana e, antes e durante o período do casamento, também ela seria referenciada apenas como a sua mulher. O mais curioso é que também ela falava de si quase só a partir da data em que conheceu o marido. Dos 20 anos anteriores dava, “em passant”, uma imagem de pintura impressionista, traçada a cores suaves, sem um enfoque em episódios particulares. Infância feliz, pais que se entenderam bem e se completavam, com a grande diferença de temperamentos, mas não de caráter, a imperial matriarca Carolina e o complacente Joaquim, tão sensato e afectivo e tão culto, ambos bons educadores, sem precisarem de se impor intransigentemente, sobretudo com a mais pequenina, Maria. Talvez a preferida fosse a estrela mais brilhante, Glória, a que não obstante ser Rosaura a sua madrinha, mais a influenciava, mas o ambiente em que cresceram não criou entre eles conflitos nem pequenas rivalidades. Teria havido, sim, sintonias especiais, entre a avó Maria e sua mãe, entre Rosaura e seu pai. Feitios mais consonantes, apenas isso. Desde cedo, a pequena Maria revelou tendência para a música e para a poesia, gosto certamente muito estimulado pelo pai, que era com certeza a orientava, como a todos os outros, nas leituras e os levava ao teatro e a concertos em Gondomar e, talvez, de longe a longe, ao Porto. Pela correspondência que, mais tarde, manteria com a filha, ausente no Brasil, se vê que não faltava a nada do que animava a vida social da terra e, se assim era em idade já avançada, assim teria sido evidentemente quando mais novo. A mãe, que escrevia razoavelmente, mesmo com a sua letra de velhinha (num tom tendencialmente mais pessimista do que o do marido, mais voltada para mágoas e doenças) terá complementado o pendor intectual da educação paterna, no reino feminino das faculdades domésticas, fazendo de Rosaura e Maria, verdadeiras mestras de rendas, bordados e de segredos culinários, Por muito que ensinassem às criadas, ninguém sabia fazer compotas de chila ou de cerejas, ou o recheio do perú de Natal, como a avó Maria. No verão passavam algum tempo na Foz, nas caldas de Vizela, nas terras onde paroquava o filho Américo, Dos alegres convívios com parentes e amigos, falam, exuberantemente, pela força da imagem, algumas fotografias do início do século XX, e de pretendentes (para além do primo visconde), a carta de uma prima, em tom cúmplice e juvenil, referindo um apaixonado que queria muito revê-la, mas tarde demais, num tempo em que ela já estava voltada para mais distantes horizontes. E é só a partir de 1908 que os seus postais para o bem-amado António Carlos no-la dão a conhecer, na sua faceta de jovem romântica, citando ou elaborando doutas sentenças sobre as virtudes do amor. I A TERRA E A FAMÍLIA MATERNA Maria Manuela Aguiar 13/12/2019, 23:44 para Maria 1 - 1920 - NA MARGEM NORTE DO DOURO, EM GONDOMAR Maria Antónia, que viria a ser a Musa do Poeta João Moreira e a sua Mulher por mais de meio século, nasceu em Gondomar, a 28 de agosto de 1920, pouco depois de ele ter festejado os seus dois anos no lugar do Paço, em Avintes, do outro lado do rio. A Vila Maria. a casa grande que fez parte da sua vida, com estatuto de afetos e pertença, como se fosse um membro da família, estava ainda em construção. Era coisa imponente, cuja evolução a vila acompanhava de perto. Os mais afoitos entravam e vinham contar o que viam, causando especial espanto a enorme sala de banho do último andar, que ocupava a parte de trás da casa a norte, sul e poente, com sete altas janelas panorâmicas em todas as direções. Os pais, Maria e António Aguiar, preparavam o regresso do Brasil. António, com quase 30 anos de estrangeiro, Maria com uma década, pontuada por constantes viagens a Portugal. Na última travessia transoceânica, estava grávida. Nesse estado tinha vindo três vezes a São Cosme, para que os filhos fossem gondomarenses de naturalidade. A menina que, invisível, trazia consigo na primeira classe de um paquete de luxo, (o marido era extremamente seletivo, não arriscava cruza o Atlântico em qualquer navio, escolhia sempre os melhores, mesmo que, para isso, tivesse de adiar a partida), Maria Antónia, nunca teria oportunidade de fazer o percurso de retorno, mas considerava-se tão brasileira, como os três irmãos dados à luz na radiosa cidade do Rio de Janeiro, no centro, na Rua 7 de Setembro, onde nasceu Carolina, a primeira filha, depois em Santa Teresa. O pai manteria o vai-vem solitário, por mais algum tempo, a fechar os negócios, onde se tinha feito um homem rico, com joalharia na Rua do Ouvidor. e com o projeto de integrar uma sociedade bancária, que a morte prematura iria inviabilizar. Fez a derradeira travessia no paquete Lipari, da companhia "Chargeurs Réunis",.em 17 de fevereiro de 1926. De Gondomar partira aos 16 anos, Era dos mais novos de 15 irmãos e aceitou o conselho do mais velho João Pereira de Aguiar, já solidamente estabelecido no Rio. Anos depois, casaria com Judith, uma formosa brasileira de "boas famílias", que, a partir de 1910, seria a melhor amiga da cunhada Maria. Quem se une a brasileira, como João, não volta mais.Tendo procurado noiva portuguesa, António para Gondomar voltou, já na casa dos quarenta, preparado para recomeçar, tranquilamente, um percurso de sucesso empresarial, em S Cosme ou no Porto. Embora descrevesse o Rio como um paraíso e os anos aí passados como os mais felizes da sua vida, Maria Aguiar sentia saudades dos pais, da extensa parente la e das amigas. O exotismo tropical era bom para experimentar intensa, mas brevemente. Incomodava -o calor excessivo, durante dois a três meses no verão austral mudava-se para Teresópolis, com os meninos, a gozar a frescura serrana, e o marido deambulava, para lá e para cá, sempre que os compromissos de negócios o chamavam. Arrendava casa, na montanha, como na cidade, não investia em imóveis. Comprar propriedades é, para um português emigrado, regra geral, sinal que aponta à integração. Dos dois irmãos, só João mandou construir um belo palacete na Rua de Payssandú. A fotografia da elegante mansão foi por ele enviada à família, exatamente como muitas outras vezes lhes oferecia as suas próprias fotos. Os filhos continuaram no mundo dos negócios, ou enveredaram pela política e pela diplomacia. Eles, e toda a descendência direta, são brasileiros, depois da morte da geração mais velha, sem ligação com as origens lusas - excetuando na década de cinquenta, o curto período em que José Augusto, o quarto filho de António e Maria, e um dos naturais do Rio, aí viveu, antes de reemigrar, com passaporte brasileiro, para Nova York. Retomou, então, por poucos anos. uma relação familiar com elegantes e simpáticas primas, hoje provavelmente já desaparecidas. O casarão de António seria em Gondomar. A sua intenção era comprar um solar do século XVI e a quinta, onde há umas décadas se instalou o colégio dos Franciscanos.Capuchinhos A mulher não quis, para ela, a quinta era isolada e sombria. O seu sonho era uma vivenda ampla e moderna, no coração da vila, perto de todos e de tudo. E foi feita a sua vontade, não obstante ser de mais difícil concretização. O centro de São Cosme, atravessado por uma estrada principal, do Souto a Quintã, era ainda uma vila de caminhos estreitos, pinhais e campos a perder de vista, desde o Monte Crasto. com grandes casas de lavoura de pedra e cal e amplos pátios, exemplos de uma arquitetura tradicional, sólida e harmoniosa. Os campos não estavam à venda. Pertenciam a lavradores abastados, com orgulho em proclamar que "não vendiam terras, compravam". Acabaram por vender ao amigo António, a preço alto e por especial favor, o espaço onde se implantou a única enorme mansão de "brasileiro" de São Cosme, com os seus jardins circundantes e, atrás, uma quinta agrícola, que, embora o fosse, nunca recebeu por esse nome. Ao gosto da época, chamou-se ao conjunto, simplesmente, "Villa Maria". Situada na rua principal, a dois passos do Souto, preenchia os requisitos de uma jovem mãe de família já grande E em creScimento. A última filha, Maria Madalena, já nasceria aí, em 1926, apenas 3 meses antes da morte do pai. No ano de 1920, era ainda o sogro, o tabelião Joaquim Mendes Barboza, quem, por procuração, ultimava os contratos de compra e venda da propriedade, que incorporava várias parcelas, de diferentes donos, desenhadas em longas linhas retas, como as recentes fronteiras de África. 2 - GONDOMAR, TERRA BENDITA Maria Antónia viveu os primeiros dias de vida na casa dos Avós, Joaquim, que o roteiro profissional trouxera de Paredes, e da Avó Carolina, gondomarense de várias gerações - como ela teria sempre orgulho em se afirmar Do lado materno, como do paterno, as suas raízes profundas eram dali, daquele lugar, cuja beleza os seus antepassado tinham celebrado, em prosa e verso. O tio materno José Barbosa Ramos, era o Autor da letra do hino de Gondomar, com música composta por José Moura ( que viria a ser o seu primeiro professor de piano). "Gondomar, terra bendita Rincão formoso e fecundo O nosso Crasto frondoso Não tem, não, rival no mundo. Filigranas delicadas, Verdes prados cinge a serra. Cantam fontes e avezinhas Eis os dons Da nossa terra. Gondomar é o nosso berço Beija-o a brisa fagueira Cantemos por Gondomar, É divisa da bandeira Cantar, cantar, A linda terra de Gondomar". Na geração seguinte, seu irmão Manuel glosou o tema, num convívio dejovens amigos, em pleno Monte Crasto. Um jornalista registou-o nas páginas do "Correio de Gondomar" de 17-3-34, e a Maria Antónia guardou o recorte nas suas gavetas, onde foi encontrado já depois de ter partido. "E o Castro Belo e frondoso Erguendo-se majestoso Na terra que nos foi mãe, No sino da igreja além, Trindades oiço tocar Como é linda a minha terra Como é linda a verde serra Como é lindo Gondomar!" Os poemas têm assinatura, mas retratam o estado de alma de uma família inteira, a olhar quotidianamente, com orgulho, as belezas naturais de São Cosme. O chamado progresso do cimento e do betão vedou aos vindouros essa comunhão com a gentileza de um meio ambiente, hoje definitivamente perdida (nem mesmo o Monte Crasto, último bastião, que resiste, é tão frondoso quanto era nessa idade de ouro... ). Perdeu-se também, na populosa "cidade-dormitório do Porto", a dimensão de uma comunidade autêntica e convivial, quando os dias corriam devagar e todos fruíam de recantos onde a vila e o campo se misturavam num diálogo de espaços, todos se conheciam, nos clubes e tertúlias, na partilha de tradições, de um pesado sotaque nortenho e uma fala com as singularidades, em que o "povo-povo" facilmente superava as elites letradas. Nos apontamentos de Maria Antónia, excelente aluna a Geografia e História, desde sempre muito dada a recolhas cripto etnográficas, vocação em que não parece ter tido precedentes no círculo próximo, nem mestres no colégio (coisa inteiramente sua), anota lugares, que faziam os seus encantos (o Barroco, a represa de Cascaneira, entre a Gândra e Ramalde, Bouça Cova, Azenha, Ermentão, Rio Carreiro, Fontela, Ponte Real, São Miguel, Pevidal, Santo André...), e, também, expressões populares, nomes e alcunhas, que lhe despertavam a curiosidade, como Pojeiras, Restivos, Cabaças, Jeque-Jeque, Tarré, Fome Negra, Caga Troços, Carriças, Pilha Galinhas, Patacas, Pirabeca, Arregalados, Folhetas, Estabões, Bagulho, Parraxila, Chasco, Varetas, Melros, Pisco, Choco, Pimpão, Pinguinhas, Pombalinos, Toca- certo... Menos invulgar o nome de Isidro Izidoro, que, todavia, fez sensação, quando deixou dito que, nas exéquias, queria levar um cravo vermelho na lapela. Maria Antónia, criança pequena, conseguiu que a levassem a vê-lo, talvez uma benigna criada, deixando a mãe da menina na ignorância da escapadela. A família materno, tal como a paterno se encontravam afortunadamente livres de qualquer alcunha, fosse ela trocista ou amável, embora as antepassadas da bisavó Carolina, que pareciam algumas das formidáveis figuras femininas do universo ficcional de Agustina, ficassem conhecidas como "as Alexandras". Nome bonito, adotado, aliás, também no masculino, ainda hoje. em sextas ou sétimas gerações dos seus descendentes, que, contudo, não aparece nas pesquisas genealógicas do século XIX. Há, sim, entre tias e primas, alguns outros de ressonância greco-latina, como Lavínia, Leocádia, Violante, Blandina ou germânica, como Guiomar... No dicionário de palavras esquisitas, em voga nas camadas populares, apontou, dando sempre o sinónimo, palavras ou expressões como: vasculho (malandro), paspalhão (desajeitado), dar uma topada (tropeçar), encatrapiada (aleijada), pimpineira (aldrabice), pixote (pequenino). "embaçado" (envergonhado). ou ditos antigos, por exemplo: "estás a olhar para ontem, que já lá vai", ou "estás a ver navios" (distração): "Deus nos dê muito e nos abone com pouco": "estreminguei um pé" (torci) "vim da outra banda" (do outro lado) "estou triste como a noite"... Tudo o que era, ou. pelo menos, considerava ser, particularidade da terra e das gentes de Gondomar lhe parecia dar a certeza de estar onde e com quem mais queria. Ligavam-na à longa herança de ancestrais, que certezas semelhantes tinham enraízado ali, mesmo quando, como aconteceu com seu pai, se aventuravam, por muitos anos para além das fronteiras do concelho, do país, ou do mar... Sempre sem perder a vontade de voltar à melhor de todas as vilas e cidades erguidas no planeta - a vila de Gondomar, dos Mendes Barboza, dos Ferreira Ramos e dos Pereira de Aguiar... 3 - OS MENDES BARBOZA E OS FERREIRA RAMOS O único forasteiro foi esse avô de porte aristocrático, JOAQUIM MENDES BARBOZA, vindo de um norte não muito longínquo, natural de Santa Maria Madalena de Paredes, filho de António Mendes e de Joaquina Roza Coelho Barboza, Estudara no seminário, que depressa trocaria pelo ensino das Leis. Veio a ser o primeiro tabelião de Gondomar. A secretária onde trabalhava ainda ali existe, na casa de uma bisneta chamada Maria Madalena. Em 2 de maio de 1870, aos 30 anos, casou na capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em São Cosme, com CAROLINA FERREIRA RAMOS. A noiva, quatro anos mais nova, teve por madrinha a irmã Joanna, outra das voluntariosas e lindas e bonitas filhas de Anna Pereira (cujos pais, José Pereira e Thereza d' Almeida, eram ambos oriundos de São Cosme) e de Joaquim Ferreira Ramos, (filho de Francisco Ferreira Ramos e de Catharina Alves, de Valbom). De Francisco e de Catharina, mais nada se sabe. O filho, JOAQUIM FERREIRA RAMOS era um abastado comerciante, ou não teria podido comprar, aquando da mudança de Valbom para São Cosme, a quinta da Bela Vista e a sua casa apalaçada. De ANNA PEREIRA há uma única fotografia, em traje de lavradeira rica, de chapéu preto e lenço de seda, ignorando- se o foi, de verdade - ou se estava fantasiada para o entrudo, como então era comum (há vários retratos das netas. com trajes minhotos, de Viana e dos bisnetos, também, um deles, rapazinho, também vestido de vianesa...). Contudo, o pormenor de estar de livro aberto na mão, apontará para a primeira hipótese, assim como a lenda das "Alexandras", ligada a heranças e ambição de terras, "maxime" a uma antepassada que queria impor marido rico à filha, e, não o conseguindo, pois a menina tinha outra opção em vista, praticamente, quase sequestrada dentro de portas, até ao dia em que, ajudada por criados de coração romântico e solidário, e pelo pároco, escapou de, manhã cedo, para a Igreja, e casou, apressadamente, com a benção de Deus, mas não com a da mãe. Esta, suspeitando do que se passava ( a filha levara-lhe à cama, ela própria, bandeja do pequeno almoço, mas não fora ouvida nem vista depois de não ter vindo recolher a bandeja), também correu para o templo. Chegou tarde demais e, em incontrolada fúria, restou-lhe apedrejar o cortejo nupcial, já de saída, a atravessar o adro... De Joaquim, marido de Anna, também há um só retrato, em idade mais avançada. Um senhor distinto, de olhos claros, e uma extraordinária parecença com o que terá sido o mais atraente e brilhante dos seus bisnetos, Manuel Joaquim, legatário dos cristalinos olhos azuis e do nome, que coincidia com o do avô minhoto, o eterno enamorado de Carolina. Este não teria, segundo o registo chegado até nós, sido, de início, muito bem recebido na Quinta da Bela Vista - nada de apedrejamentos, é certo, no mais brando meio de uma burguesia comercial. Educação, boas maneiras e ascendência ainda não contavam tanto, todavia, como haveres materiais, em que o recém-chegado tabelião, era parco... Belo rapaz, letrado e amável, encantou Carolina, que não desistiu do seu amor, na melhor tradição das "Alexandras". Rapidamente, porém, se converteriam às suas virtudes, como toda a sociedade gondomarense. Tanto as memórias das filhas, como a monografia do Concelho de Gondomar, escrita Camilo de Oliveira, de quem era próximo, o apresentam do mesmo modo, que se pode sintetizar numa palavra: um senhor exemplar! O cidadão, o profissional, o homem de família. Foi longo e feliz o casamento com Carolina, a elegante jovem, depois de oito vezes grávida (a última das quais já quase na casa dos 50 para dar à luz Maria da Conceição) a imponente matriarca, em caráter e temperamento, forte e determinada, mas mais comedida do que as temíveis avós. Um pequeno episódio (e sãotão poucos e fragmentados os diálogos concretos que a narrativa oral trouxe até nós...), será revelador da permanente vontade e facilidade de concórdia na vida do casal: num tempo em que os apelidos dados aos recém nascidos eram de livre escolha de quem os registava, os quatro primeiros rapazes receberam apenas os do pai (Mendes Barboza). Só quando estava à espera do quinto, Carolina se deu conta disso e comentou: "Os meus filhos não têm o meu nome!". Não ocorrera ao marido, que a tratava carinhosamente por "mamã", ter isso especial relevância para ela.. Daí em diante, não só reparou a omissão, como tratou de colocar o apelido da mulher no último lugar, no nosso sistema, o comummente dominante. Os quatro filhos mais novos são, portanto, Barboza Ramos... Foi na vila que o acolheu, personalidade central, sempre discreto e confiável, dando de si, nas muitas fotografias em que perdura, a imagem da pessoa serena e gentil, que, de facto, era para com ricos e pobres. "Um santo!", nas palavras da filha Rozaura (Barboza Ramos). Rozaura: nome, que se distingue pela raridade, escolhido por ele - porque andava a ler, por altura altura do seu nascimento, um romance de cavalaria com o longo título de "Retiro de Cuidados e Vida de Carlos, e Rozaura". Essa simples alusão, dá-nos a conhecer gosto pela leitura, e uma faceta romântica. Podemos imaginá-lo ao serão, enquanto Carolina bordava peças de enxoval (e muitos bordados primorosos chegaram, em perfeito estado de conservação, ao século XXI) sentado em cadeirões de pau canto e palhinha, ainda agora bem conservado, à luz de um candeeiro de "abat jour" de vidro branco e translúcido (igualmente resistente ao tempo), a saborear as 352 densas páginas daquela escrita antiga e de não fácil decifração para as novas gerações). A saga que lhe ocupava as horas livres começa auspiciosamente numa madrugada ( "Rompia a aurora..." , continua em longas narrativas de guerras, conflitos e mil e um obstáculos que vão adiando a união dos jovens, só alcançada no final feliz, com a etnográfica descrição do cortejo nupcial em direção à Igreja: "levando a Marqueza Rozaura da mão e Dom Manrique a Carlos ao lado direitto e assistiao ao seu recebimento e quando voltaram por quantas ruas passarao choviam infinitas flores das janelas, com repetidos vivas. Cedo com sua espoza Rozaura para Rezzo virao. Laus Deo". Rozaura Barboza Ramos não teria tão vistoso casamento, nem iria para Rezzo, quedar-se- ia por Gondomar, também feliz, com um viúvo muito amável, chamado Manuel Marques. O pesado livro de capas de couro ser-lhe -ia, mais tarde, dado como presente, que legaria a sua afilhada Maria Antónia, diligente guardadora de quaisquer preciosidades de valor afetivo.. Joaquim Mendes Barboza, o grande leitor de romances,era monárquico regenerador e dedicado homem de família, contudo, com as origens (Bitarães. Penafiel, Paredes), parece ele ter mantido escassos contactos. Talvez os pais, em 1970, tivessem já falecido. Certo é que deles não há memória nas crónicas familiares, nem de outros parentes, com a exceção de um sobrinho, que era Visconde de Paredes (ou um dos filhos do Visconde) e namorou a filha mais nova, Maria da Conceição. Vinha, garboso e galante, a cavalo, namoravam no mirante, mas ela, após alguma hesitação, preferiu o "brasileiro" António Carlos, que, segundo disse muitas vezes, a olhava, apaixonado, com uns grandes e expressivos olhos verdes, como jamais vira outros. Os demais antepassados de Maria Antónia têm, invariavelmente, raízes fundas em Gondomar, a (então) pacata vila que recebera, antes da fundação do reino de Portugal, o nome de um rei godo. Do lado paterno, os Pereira e Aguiar da Gandra, do materno, os bisavós Anna e Joaquim, da Quinta da Bela Vista, (quinta na geração seguinte, vendida a estranhos, não se sabe ao certo quando, mas largas décadas antes da sua demolição, durante os mandatos autárquicos do Major Valentim, que terá manobrado no sentido de a "desclassificar" pela retirada do selo protetor de património de interesse público) Alguns dos numerosos irmãos de Carolina, seguiram as pisadas do pai, e, com a sua vocação empresarial, enriqueceram, caso de MANUEL GUEDES (Ferreira Ramos), que dá o nome à praça do Município em Gondomar, e ANTÓNIO FERREIRA RAMOS, emigrado para o Brasil, onde lançou com um Salgado Zenha, (decerto antepassado do que ficou na história da nossa democracia), uma sociedade próspera, a "Ramos e Zenha". Desse Tio gostava muito a Maria da Conceição (que viria a ser Maria Aguiar). Com ele manteve correspondência assídua e trocou retratos, seguindo o seu percurso e o dos filhos, que ocupam várias páginas num gracioso álbum de capa de veludo arroxeado. Este António casou com Carolina Silveira Martins, (irmã do Governador do Rio Grande do Sul, que se notabilizou nos primeiros anos da República brasileira). e tornou-se um verdadeiro patriarca de incontável descendência, hoje espalhada pelo sul do Brasil, de Bagé, onde morou, a São Paulo, e aos confins do Uruguai. Desses inúmeros primos que, separados pelo oceano, se desconhecem, só dois se encontrariam, um dia, em fins do século XX, em Brasília, os primos Maria Manuela Aguiar, Vice-Presidente da Assembleia da República Portuguesa, e Sá Azambuja, Senador da República Federativa do Brasil, ambos descendentes diretos, e no mesmo grau, de Anna e Joaquim.. Um outro ANTÓNIO FERREIRA RAMOS era filho de Manuel Guedes, e também muito próximo da prima direita Maria da Conceição. A vida levou-o para longe, embora um longe menos longínquo, (Lisboa), depois do casamento com uma filha de Ramalho Ortigão, de quem descendem todos os Ortigão Ramos, Foi, entre outros empreendimentos, proprietário do teatro que é hoje o São Luís e, tal como o pai, um benfeitor da terra mátria. Camilo de Oliveira, nas memórias de Gondomar, lembra que instituiu bolsas de estudos, em igual quantidade e montante para rapazes e raparigas. A instrução feminina foi uma das causas republicanas, defendida pelo movimento feminista, e, também por muitos homens, companheiros de crenças revolucionárias, como este gondomarense, genro de Ramalho. Manuel Guedes, conhecido pelo republicanismo militante, não cheou a ver o fim do regime monárquico, mas o seu nome continuava presente, e foi dado, nos alvores do novo regime, à Praça onde tivera, antes de se fixar no Porto, uma loja comercial, no casarão, de azulejos, que ainda lá está, em frente à Câmara - o que, infelizmente, se não pode dizer da Vila Maria, ou da Quinta da Boavista, da qual resta um pequeno lago de pedra, transplantado para junto da capela do Monte Crasto, a crer numa história contada, no café do Castro, num dia da comunhão solene de uma Joana do século XXI, por um simpático velhinho anónimo, que se gabava de ter frequentado a propriedade. Os filhos de Carolina e Joaquim afastaram-se do mundo de atividades empresariais, que tinha feito a fortuna de avós e parentes.Tal como o paI enveredaram, quase todos, por carreiras do funcionalismo público, os três mais velhos, Alberto, António e Alexandre e o mais novo, José Barbosa Ramos, advogado e deputado pelo Porto, que acabaria por ingressar na magistratura judicial. Em vez de servir o Estado, AMÉRICO dedicou-se ao serviço de Deus, e foi um padre bondoso e querido dos paroquianos. Temperamentalmente, o mais próximo do pai.... ALEXANDRE MENDES BARBOZA começou como Secretário da Administração e, mais tarde, foi Administrador do Concelho. Sempre envolvido na vida cultural de São Cosme, esteve entre os fundadores do Clube Gondomarense e pertenceu aos seus executivos, Era alto, bonito e elegante, apreciador de teatro, assíduo frequentador do Sá da Bandeira e das tertúlias da "Brasileira". E, ocasionalmente, poeta, também, embora dos seus versos só uma quadra tenha sido conservada pela sobrinha Maria Antónia: "Morre um afeto, outro nasce Passa um desejo, outro vem Depois de um sonho, outro sonho De tantos que a vida tem" Afetos femininos não lhe terão faltado na juventude, era, entre os seus elegantes irmãos, o mais bem parecido... Casou com HERMÍNIA, senhora alegre e recatada, que aceitava, como boa, a sua constante intervenção cívica e cultural. Um só grande desgosto na vida a dois, a morte da única filha, ainda pequenina. Ambos gostavam de crianças e dedicaram-se aos sobrinhos, filhos da irmã/cunhada Maria, que tão cedo enviuvou - sobretudo, à mais nova, Maria Madalena,orfã de pai com apenas 3 meses. Foi criada mais com eles do que com a própria mãe. O convívio era facilitado por morarem em frente à Vila Maria. O ambiente de concórdia e serenidade do seu lar, de tal modo moldou o espírito da pequena Madalena e o seu modo de estar na vida, que nem se diria parte do grupo dos buliçosos irmãos e irmãs Barbosa Aguiar. Parecia filha da Tia Hermínia, na sua postura sereníssima, na dedicação a todos os animais, em geral, e a gatinhos, em especial. Deste tio, falecido pouco depois de acabar a 2ª Grande Guerra, mal se lembram os sobrinhos netos. Republicano e laico, embora tolerante, pois os opositores começavam na família mais íntima, sempre procurou moderar os ímpetos de excessiva generosidade com que a irmã Maria enchia as caixas de peditórios da igreja, não com muito sucesso. Maria Aguiar não fora acostumada, durante o casamento, a preocupações de economizar em coisa alguma, e muito menos nas dádivas à paróquia....Para surpresa geral, reconciliou-se com a fé da sua infância à beira da morte e pediu que lhe chamassem um padre para uma última confissão. Chamado pela amiga, Senhora Dona Maria Aguiar, acorreu, de imediato o Abade Andrade, irmão do Bispo do Poro Dom Florentino. Com ele ficou longamente, em confissão e em conversa, e foi ele que ouviu as suas últimas palavras. Saiu do quarto, comovido, e disse à família ali reunida . "Acaba de morrer um santo". Os amigos republicanos e laicos, (laicos como ele fora até aos momentos derradeiros), e anti-clericais, diriam o mesmo, de outra forma. Talvez: "morreu um justo". Os sobrinhos Aguiar choravam a partida do segundo pai Igualmente republicano, mas mais revolucionário no campo da luta, era ANTÓNIO, o anarquista, que foi, várias vezes, preso no Aljube, e, durante o consulado de Sidónio, degredado em Angola. O degredo foi, porém, não só uma pausa nas escaramuças políticas, como oportunidade de conhecer paisagens, gente e costumes, com os quais se deu bem, e de se lançar em negócios razoavelmente rentáveis. Que ramo de negócios? Lá não se sabe, cá, após o retorno, parece ter investido num "café - concerto", onde terá falhado a aventura empresarial. Voltou a um emprego de funcionário... e continuou frequentador do meio, onde recrutava as companheiras espanholas, a última das quais, Teresita, lhe sobreviveu. . ALBERTO MENDES BARBOZA cedo trocou Gondomar pelo Porto e, estando, embora, pouca a distância parece ter-se afastado do círculo familiar no seu dia a dia. É possível que mantivesse contacto mais regular com António e Alexandre, grandes frequentadores de "A Brasileira" e dos teatros da cidade Como a maioria dos irmãos, escolheu uma carreira no funcionalismo e era um republicano militante, e, tal como António, esteve preso no Aljube, ainda rapaz solteiro. O casamento com a jovem ZARITA, não o desviou das convicções ideológicas, mas abrandou os ímpetos revolucionários - tornou-se um pacato pai de família - pai do Mário Barbosa, que se formaria em Medicina e de uma filha, invulgarmente bonita e inteligente, a Maria Isabel (Mimi), que viria a dar-lhe por genro um pintor, Mário Ferreira Muito mais do que os pais, Mimi era um assídua convidada na Vila Maria, sempre, durante toda a vida, uma íntima amiga da prima Maria da Conceição de quem era apenas alguns anos mais nova. Mimi, que, como a prima, ficou viúva ainda jovem, teve uma única filha, Maria Laura. Esta prima aparece em muitas fotografias com a Mariazinha e Lolita, que eram de idades próximas. Veio a casar, alguns anos mais tarde do que elas, com Luís Aragão, um homem, cheio de "charme" (em francês, porque ou tinha ascendência parisiense ou parecia ter, era um loiro cosmopolita e distinto, à maneira da Europa central). A seu lado, Maria Laura fazia contraste, muito morena, definitivamente latina no temperamento, e com tendência a vestir-s muito bem, mas extravagantemente - não hesitava em passear pelas ruas do Porto o seu casaco de leopardo, em tempos idos, quando ainda faltava sensibilidade ambientalista e proteção a espécies protegidas... Luis era despachante da Alfândega do Porto, quando esse cargo estava no seu mais alto patamar, lucrativo e prestigiado. Dois filhos, a lindíssima Anabela (Bebinha) e o Luís. Ficaram famosas as festas que davam em sua casa no Porto, onde as primas Aguiar nunca faltavam. JOSÉ BARBOSA RAMOS era o mais novo dos rapazes, nascido já quando a mãe estava na casa dos quarenta. Depois dele só uma menina, Maria da Conceição, veio aumentar a família. Aluno excecional, José foi o único a rumar a Coimbra para se formar em Direito. Foi colega de curso, ou, pelo menos, contemporâneo de António de Oliveira Salazar, com quem não partilhava ideologias, mas com quem parece ter convivido de perto, Os bons alunos tendem a considerar-se num pequeno círculo de superdotados e terá sido essa a maior das sintonias. Salazar faria carreira académica, enquanto José voltou ao norte, exerceu a advocacia e até foi, dos dois, o primeiro a envolver-se na política, como deputado eleito pelo círculo do Porto. Um ativista foi proprietário e diretor de um jornal de combate, "O Progresso de Gondomar", antes de ingressar na magistratura. Um outro colega de Coimbra, Dá Mesquita marcaria mais profundamente o seu destino, não na profissão, embora ambos viessem a ser juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, ou na política, pois se supõe ter sido este amigo um conservador, mas na vida privada. Através dele conheceu uma sua irmã por quem, em Coimbra, logo se apaixonou e com quem casaria, Celestina Mesquita de Abreu, a muito estimada tia Celestina, de perfil aparentemente não muito diverso do da tia Hermínia, a cunhada minhota, ambas meninas de boas famílias e excelentes donas de casa (Hermínia antiga aluna interna de colégios de freiras, porque o pai enviuvara, quando ela era criança, Celestina criada numa casa senhorial em Avô). T José e Celestina tiveram dois filhos, José Joaquim (Zé Quim) e Celestina (Tininha) Mesquita d' Abreu Barbosa. O juiz José Barbosa Ramos fez uma carreira fulgurante, o mais jovem juiz de sempre a atingir o topo, o Supremo Tribunal, Acabaria aposentado compulsivamente, ainda muito novo, devido ao seu envolvimento em tentativas de derrube do regime... Acompanharam os pais na deambulação por várias comarcas do país (Santo Tirso foi uma das primeiras), mas tinham casa em São Cosme, a casa que fora dos antepassado Carolina e Joaquim, perto da Praça Manuel Guedes. Foram sempre companheiros de brincadeira dos primos Barbosa Aguiar, A Tininha seria uma pioneira na família, a primeira mulher com um curso universitário (Farmácia), que exerceu toda a vida, ultimamente como diretora e proprietária de uma Farmácia em Valongo. O Zé Quim, licenciou-se em Histórico - Filosóficas e foi Bibliotecário da Universidade de Coimbra. Na geração anterior, o pai distinguira-se, como político, jornalista e deputado, advogado. José Joaquim era um homem inteligente e culto, com o sentido de humor mordaz, que se atribui aos Barbozas, (embora venha , de facto, no ADN dos Ferreira Ramos:::), Bonito rapaz, muito moreno, fisicamente mais Mesquita do que Barbosa, teve mil e uma namoradas até casar com Maria da Luz Biscaia (Luzinha), e politicamente levou o progressismo paterno para dentro das fronteiras do PCP (afastando-se, depois da revolução de 74 para o MDP/CDE e áreas mais compatíveis com a sua irreverência de espírito , não longe do mesmo quadrante ideológico) J AMÉRICO MENDES BARBOZA Monárquicos conservadores, também os houve na família,como já foi dito. Caso do Padre Américo regenerador, como o pai e as irmãs. Rozaura, Glória e Maria da Conceição (de Carolina, a mãe, se ignoram, de facto, as convicções políticas, embora não custe admitir que fosse monárquica, como tendiam a ser as mulheres, mais do que os homens.... Ideologicamente divididos , mas afetivamente unidos, nunca deixaram que isso interferisse na boa relação quotidiana.. Nos anos 30, várias vezes António se refugiou, onde a polícia do regime nunca se lembraria de o procurar, na "Vila Maria" junto da irmã que dava o nome à Vila e era uma cidadã acima de toda a suspeita, catolicíssima e dirigente local da "Obra das Mães". Às criadas dizia: "Daquele Senhor, que está lá em cima, não se fala a ninguém". E elas não falaram. Nas últimas vezes, esteve ele acompanhado da sua companheira espanhola, a Teresita, e de um cãozinho. Era viúvo já, mas da falecida mulher nada consta - à sua memória mais se associa a ex-bailarina espanhola e o cão que, no seu funeral (civil, exatamente como quis) ficou sentado no chão, durante o velório, ao lado de um busto da República. Nenhuma das irmãs acompanhou o cortejo fúnebre até ao cemitério. Ficaram a chorar a sua morte, dentro de casa, de portas e janelas fechadas. Um enterro laico era, para aquela geração, uma morte eterna pior do que a morte terrena. Ainda não viam Deus como suficientemente justo para receber nos céus um bom ateu, como hoje crescentemente se acredita, tanto ou mais do que num Deus concreto.. GLÓRIA BARBOSA RAMOS Das filhas de Carolina, Glória foi a única que quis continuar estudos, no Porto. Os rapazes seguiram, um para o seminário, todos os outros para os colégios da cidade, embora só um, por sinal, o mais novo. se formasse na Universidade de Coimbra. Para as meninas, o ensino oficial era facultativo - depois do primário, podiam ter, em casa, aulas de piano de língua e "cultura geral", sem grande rigor ou obrigação e aprendiam as artes domésticas de cozinhar e bordar... Glória terminou, com facilidade, o curso do Magistério na Escola Normal, tornando-se uma pioneira na família. Contudo, não chegou a exercer o cargo de professora - a tuberculose levou-a aos 21 anos. Do Porto, terá trazido, além do diploma, uma doença incurável, a tuberculose. Escolheu ficar em casa, não ir para um sanatório de montanha, como quem vai para o exílio. Rozaura, a irmã mais velha, aceitou trata-la dedicadamente, como faria, anos depois, com o irmão, o bondosíssimo Padre Américo, que morreu com aura de santo entre os paroquianos. . Glória, ao contrário de Rozaura, era uma rapariga moderna, de uma formosura mais exuberante. Não hesitava em passear, na modesta vila de São Cosme, os seus vestidos citadinos, levando com ela, lado a lado, igualmente alta e chique, Maria, e, atrás, consumida e vigilante, a mana mais baixinha e modesta, com nome de heroína de romance. Paravam os moços de Gondomar, espantados para as ver pisar terra batida como quem caminha em passadeira vermelha e atiravam às meninas piropos e galanteios, a, que, às vezes, horror dos horrores, elas ripostavam (ou melhor, no singular, ripostava Glória, ria Maria, discretamente, e quase chorava a mais conservadora, com o despropósito). Seria a jovem professora "feminista"? Dir-se.ia que sim, fica a dúvida - as manas não desvendariam o mistério. apenas contaram que era excelente amazona e namorava um primo Lobão. São muitas fotografias que dela nos dão uma imagem de beleza e de auto-confiança, a coincidir com a opinião transmitida pelas irmãs. Um seu retrato de grandes dimensões, que dominava a galeria dos retratos de casa da irmã Maria, foi muitas vezes emprestado, tal como o piano, para as récitas e peças de teatro da Ala Nuno Álvares, como decoração em palco de salas de visitas, dominadas por imponentes quadros de parede...(incrível a cedência do pesadíssimo piano alemão, "Riese", que fazia o curto trajeto para o Souto em carro de bois, segundo os relatos de Maria Antónia, ela própria executante musical e atriz de várias comédias, que divertiam a boa sociedade Sãocosmense,...). ROZAURA BARBOZA RAMOS, a incansável enfermeira dos dois irmãos, não pode, por fim, evitar o contágio... Mas não ficaria a ser tratada em casa - decisão sua (para poupar mais riscos no círculo próximo) ou dos próprios pais, talvez cada vez mais crentes na solução hospitalar? Resta a dúvida. Partiu para o sanatório do Caramulo, onde ficou por muitos meses. Aí viveria a grande paixão da sua vida, com um médico que lhe retribuia o sentimento, o Dr Manso, ou Amâncio, também ele já atingido pela tuberculose. A doença os reuniu e os acabaria por separar, porque ela curou-se e ele não, pelo menos, nessa fase. Guardou numa caixinha, atadas com uma fita de seda, as cartas que ele lhe escreveu, deixando dito que queria que fossem enterradas com ela. E assim seguiram com ela, para o seu jazigo em São Cosme, sem que ninguém ousasse abri-las e lê-las. A Gondomar regressou, pois, saudável, tendo resistido a dietas espantosas, (que incluíam uma dúzia de ovos por dia) e fazendo muitas amigas, sobretudo do sul do país, meninas da alta burguesia, igualmente arrancadas à morte certa pela competência do Dr Manso (ou Amâncio). Com elas se correspondia e, por várias vezes, visitou as melhores amigas nas suas quintas dos arredores de Lisboa. Estava num solar de Benfica, em 1908, aquando do regicídio, e pode assistir, com a anfitriã, às exéquias do Rei D Carlos e do Principe Real Luís Filipe, muito formoso e loiro no caixão, com os vestígios mal disfarçados da bala que lhe atravessou a têmpora. Se monárquica já era, mais intransigente se sentiu. Contudo, o médico beirão era republicano, amigo de Afonso Costa, que, um dia, lhe apresentara durante um passeio na serra, em que aquele político acompanhou um seleto grupo de convidados, doentes já no bom caminho da cura. Desses passeios frequentes há imagens muito bonitas, junto a quedas de águas. Algumas até foram encaixilhadas e chegaram bastante sumidas ao presente. Em nenhuma delas, porém, se vê o famoso Afonso. Certo é que a jovem de Gondomar terá tido uma intensa vida social, entre tempos de repouso forçado, naquela verdadeira "Suiça portuguesa", de que falava com entusiasmo. . Sobreviveu, rija e saudável, até ao ano em que completaria o seu centenário (1979), Casou, anos mais tarde, já com mais de 30 anos, com o simpático viúvo, funcionário da Contrastaria, MANUEL MARQUES, muito estimado por Maria e António Aguiar, como se comprova pelo convite para ser padrinho da Maria Antónia Do primeiro casamento tinha ele um filho já adulto, Armando, de quem todos gostava, mas com quem conviviam pouco. Morava, talvez em Braga, de onde, tal como o pai, era natural. De Braga, ficou famosa nos Natais de Gondomar uma receita regional de "formigos" ou "mexidos", doce delicioso, à base de pão, mel, pinhões e passas, que ninguém fazia tão bem como a Tia Rozaura - artista incomparável, tanto na cozinha, como nas rendas e bordados, que saiam das sua mãos. Aos 95 anos, terminou uma enorme colcha em crochet, da mais alta complexidade técnica! - e mais teria empreendido, se as sobrinhas não a dissuadissem, receando pela sua saúde, porque exagerava no andamento do trabalho, com receio de morrer e deixar a obra inacabada... Foi uma velhinha encantadora, com uns olhos vivos e perspicazes, gostava de falar por aforismos e provérbios, e até de usar um "calão" ligeiro, (que escandalizava a irmã e afilhada Maria, incapaz de dizer uma palavra imprópria) . Eram radicalmente diferentes, Maria sempre pronta a sair, a passear, a conviver, a liderar iniciativas e a influenciar o seu círculo social, enquanto Rozaura de bom grado se quedava em casa, tricotando, conversando e lendo (sobretudo jornais, analisados de ponta a ponta), vendo televisão, sempre recatada e serena, embora pudesse fazer comentários certeiros e ácidos, a quem, perante ela, caía no ridículo ou a quem conseguia desmascarar jogadas de intriga ou oportunismo, Numa pessoa tão prudente, hábil e sábia se estranha a decisão mais errada que tomou na vida e de que haveria de se arrepender: - um segundo casamento, já quase sexagenária, com um "brasileiro" de torna-viagem. MANUEL LIMA. Revelou-se homem de mau feitio, que a sua serenidade foi suportando, até que se viu viúva, de novo, e em pior situação financeira, depois da dispendiosa doença que levou o falecido. Com muito sentido prático, hábitos antigos de poupança e o apoio de uma criada dedicadíssima, Maria da Conceição Póvoas, atravessou aqueles tempos em que não existia segurança social, vendendo apenas uma pequena quinta muito bonita, "a Passagem". Conservou tudo o resto, as "relíquias de família", de que era legatária - móveis, loiças, jóias, bordados, linhos e "bibelots" - contando à afilhada Maria Antónia, a história longa de cada peça. E com a afilhada, no Porto e, depois, em Espinho, passaria, os últimos trinta anos, sempre uma companhia agradável para várias gerações de sobrinhos, que escutavam as suas histórias. Consigo trouxe recordações, pertences do maior valor afetivo e uma criada fiel, já não a Maria, mas uma sucessora, chamada Olívia Pessegueiro (mais outro traço distintivo entre irmãs, saber ou não manter o pessoal doméstico, que na Casa da Pedreira ficava décadas e na Villa Maria mudava constantemente) Três irmãs com sorte tão diferente...A que mais parecia querer fazer com o seu futuro, e ousou partira para a grande cidade (ir para o Porto seria, então, quase como ir para o estrangeiro), havia de partir tão cedo de uma vida que parecia ter tudo para lhe dar - vêmo-la, com os pais, como a menina dileta nos retratos, elegante nas festas e piqueniques no Castro, com alegres grupos de amigos e parentes, sempre com predominância da componente feminina... Sabemos que cavalgava a égua que o pai comprara não só por desporto e prazer, mas para se deslocar em serviço, fora de São Cosme (também o pai gostava de animais, ficou conhecida a sua ligação a um cão grande, chamado Diu, que o acompanhou na velhice e surge, tranquilo, em muitas fotos de família). E até que não queria dar aulas na escola. A tragédia da sua morte foi muito sentida, Glória era a filha do prestigiado tabelião e de gente com tradições na terra, mas brilhava com luz própria, pela cultura e pela beleza. Chegou às páginas dos jornais de então, guardadas cuidadosamente, embora sem datas precisas, nem indicação do título do jornal. "Gondomar, 25 -Falleceu hontem, na primavera da vida, quando tudo lhe sorria, com a idade de 21 anos, a Srª D. Glória Mendes Barbosa, gentil e adorada filha do digno tabelião deste concelho Sr Joaquim Mendes Barbosa.Era uma menina simpática, prendada e de finas qualidades de educação. Aos seus pais, que a adoravam, e aos irmãos Alexandre Mendes Barbosa, secretário da administração deste concelho e Américo Barbosa, abbade de Gondalães e a restante família enlutada os nosso profundos sentimentos. O seu enterro realiza-se amanhã, à 9.00, na Paroquial igreja de Gondomar". A mais ousada das raparigas, e parece, ter sido, realmente, especial - "adorada", como diz e repete o periodista.. Mais determinada, mais intelectual, mais bonita do que as suas bonitas irmãs. Mulher pensante e atuante, admirada e querida. O namorado dedicava-lhe inspirados poemas. Era o centro de um grupo alegre de jovens, de que os irmãos faziam parte. Um seleto círculo, ou, como diriam então, "a fina flor" da vila. Para a irmã Rozaura, a mesma doença que a vitimou por pouco não lhe abriria as portas de um destino bem mais glamoroso do que o que lhe veio a caber em sorte -, ao lado do sempre lembrado médico a quem devia a cura. Poderia ter tido fortuna e prestígio social, a par dos afetos - tudo o que a afilhada MARIA DA CONCEIÇÃO iria encontrar no casamento com António Carlos Não surpreende, assim, o facto de ser Rozaura, nos recortes de jornais, que se conservaram nos baús de recordações, ser a menos citada, não obstante o peso que manteve, no círculo familiar e a popularidade de que gozava entre irmãos, cunhados e sobrinhos, à medida que avançava nos anos, até ao do seu centenário. Na verdade, as senhoras, são mencionadas, quase sempre, apenas, como "mulheres dos seus maridos". ou "mães dos seus filhos", até nas colunas sociais. Assim surge a matriarca Carolina, a propósito de uma simples festa: "Passou no último domingo o aniversário natalício da Srº D. Carolina Ramos Barbosa, esposa do estimado e bemquisto notário local, Sr Joaquim Mendes Barbosa. Por esse motivo vieram a esta vila seu filho, Sr Dr José Barbosa Ramos, novel advogado e ilustre director e proprietário do semanário local "O Progresso de Gondomar" e o Sr Deolindo Oliveira, collaborador do mesmo periódico". A formatura desse filho José merecera, aliás, pouco antes, destaque semelhante. "Estiveram domingo último nesta vila os nossos conterrâneos Camilo Martins de Oliveira, António Barbosa , Thomaz Pessoa e César de Moura, do Porto, que vieram assistir a um lauto jantar "offerecido, pelo novo bacharel dr José Barbosa Ramos, festejando a conclusão recente da sua formatura em direito. Escusado será dizermos que o jantar decorreu no meio da mais franca e eloquente cordialidade e com immenso enthusiasmo. Ao jantar, além dos cavalheiros citados assistiu a família do novo bacharel, que partilhou a alegria da festa. Assistiu mais ao jantar o nosso patrício António Pereira de Aguiar, antigo companheiro da vida escolar do sr dr José ramos Barbosa". A pequena notícia oferece-nos o colorido da celebração de um feito, então, relativamente raro, como era uma formatura coimbrã... De menor interesse etnográfico. mas muito mais interessante para a reconstituição do mosaico de relacionamentos familiares é o facto de salientar a presença de um ilustre "patrício" (forma, porventura, de designar, um expatriado no Brasil...) António Aguiar, que tinha sido companheiro de escola do novo jurista. Um dado novo, que, por um lado, nos mostra como, já então, o jovem emigrante no Rio era considerado figura grada da vila e nela mantinha, em férias certamente frequentes, uma rede de contactos com pessoas e instituições. E deixa-nos a dúvida seria nesse jantar que primeiramente conversou com Maria, ou foi convidado, não como colega de José, dos bancos da escola, mas já como namorado da futura mulher? As famílias Barbosa Ramos e Aguiar não teriam sido íntimas, anteriormente, mas já houvera, pelo menos, um outro romance (que, porém, não terminou no altar), entre Alexandre e uma irmã de António Carlos, (Florinda?), muito engraçada e, segundo esse tio disse à Maria Antónia, quando jovem parecidíssima com ela. Difícil na única fotografia coletiva existente da família Pereira de Aguiar, um retrato de dezenas de figurantes, entre pais, filhos, noras e genros e criadas, reconhecê-la e avaliar a semelhança de traços. Nesse ano, ainda António Carlos não tinha partido para o Brasil, mas já estaria a fazer as malas, o que situa a fotografia em 1895 ou 1896.. Maria casaria com ele, já homem de posses e cultura acima da média, nas vésperas da revolução republicana,