segunda-feira, 9 de setembro de 2024

NA VILLA MARIA A data em que a família se mudou para a nova morada não é conhecida com precisão, aponta-se para 1923. O regresso do Brasil da família acontecera no primeiro semestre de 1920. Maria Aguiar atravessava o Atlântico a meio de uma gravidez, situação que sempre encarava com naturalidade, e que sabia não mais se repetir. O Brasil era já apenas passado, com saudades de parentes e amigos e da beleza incomparável da tão amada cidade do Rio. O futuro era São Cosme, a família mais chegada, a casa dos seus sonhos para construir no centro da terra, pequena, tranquila e formosa, que, nos seus afetos, era a primeira . Trazia os filhos Carolina, Manuel, António Maria e José. Muito presente estava ainda o desgosto da perda de Augustinho, o mais bonito de todos "os meninos de sua mãe". Com ela veio, certamente, o marido, que a reorganização dos negócios obrigaria, ainda, a várias deslocações e estadas no Rio, onde deixava um sobrinho com amplos poderes, à frente da Joalharia. A compra de todas as diversas parcelas da propriedade fora concluída, antes deste retorno, e as obras estavam já em curso. Ao mesmo tempo avançava o planeamento dos espaços exteriores, os jardins, os pomares e vinhas, que precedeu o tempo de instalação definitiva - a azáfama do transporte das malas e caixotes de pertences, a colocação das mobílias modernas, recém encomendadas, com algumas, poucas,antiguidades à mistura. À decoração do interior faltavam detalhes para a definitiva finalização , mas o fundamental fora feito para acolher os seis membros da família e os serviçais, as criadas de dentro, e o criado, que dormia fora, na chamada "casa do forno" (onde, de facto havia um pequeno forno, à esquerda da porta de entrada, que era para utilizar, de vez em quando, para cozer pão caseiro ou para os assados, em dias especiais.) São poucas as imagens conservadas desses primeiros tempos, todas do exterior e tiradas por amador pouco hábil, (talvez um dos meninos mais velhos, então nos seus 10 ou 12 anos). Assim mesmo, são interessantes testemunhos da paisagem envolvente dos edifícios, ainda despida das japoneiras, que haviam de ladear o portão de entrada, das árvores de porte imponente, o diospireiro, cujos ramos, anos depois, caíam sobre o muro e se abeiravam do mirante e do poço, ou a macieira que, no largo frente à fachada principal da casa, dava privacidade e sombreava a varanda estreita da sala de visitas. O dia a dia apenas começava, no espaço onde se iria desenrolar, por meio século, a história da família. o enraízamento das pessoas e da flora, a par e passo. Em 1925, o roseiral já crescia, como se vê num pequeno retrato do pai e das duas meninas, Mariazinha e Lolita, as quase "gémeas", tirado no lado sul, onde ficava o pequeno "chalet", que servia de apoio a jardinagem tão sofisticada. As rosas levavam o seu nome latino em fichas de chumbo redondas, eram todas especiais, as mais formosas destinadas a exibição em exposições, como se viu, uma diversão cara a muitos dos Aguiares. Nenhum jardineiro estava autorizado a tocar-lhes e os meninos muito menos. Eram tratadas pelo seu cultor, que apenas com a mulher partilhava esse privilégio. Depois da sua partida, ela continuaria a cuidá-las sozinha, durante mais de meio século. Ver a Mãe (ou a Avó Maria), de tesoura em punho, a podar as roseiras, protegida do sol por um impressionante chapéu de palha de abas largas, como um "sombrero" mexicano, tornou-se uma das imagens marcantes da Vila Maria. Espetadores de várias gerações, filhos, netos e bisnetos, puderam observar, receberam explicações, mas nunca foram verdadeiramente iniciados no seu manuseamento.... Numa dessas primeiras fotografias,.Mariazinha, a que tinha os olhos de cores diferentes, está ao colo do Padrinho Tio Manuel Marques e Lolita, a moreninha, nos joelhos do Pai, Dois anos mais nova, a diferença de idade que cedo deixou de se notar. Aos 4, era quase do mesmo tamanho, e, já ultrapassara, definitivamente, a altura da irmã,quando, no mesmo dia, fizeram a comunhão solene.. . Curto e memorável foi o tempo do Pai na Vila Maria, As portas sempre abertas ao movimento habitual de amigos e parentes, a alegres convívios nos salões e nos jardins, onde se espalhavam cadeirões de verga da Ilha da Madeira e cadeiras de ferro e ripas em tons de verde escuro, a combinar com o das venezianas, contra o rosa forte das paredes. Frondosa, já, a árvore das laranjas amargas, frutos enormes e vistosos, que, porém, esgotavam a utilidade na beleza estética, pois eram tão azedas que ninguém as aproveitava, Dizia a Maria Antónia que o pai a plantara só para "pregar partidas" aos companheiros de tertúlia. oferecendo-lhes um cesto de magnífico aspeto só com essas laranjas intragáveis, ou com algumas, misturadas com as doces... Mais um traço do seu feitio divertido, que joga bem com a mania de partir loiça, sem causar dano a ninguém. Era useiro em graças ligeiras e suaves, invariavelmente cortez, tão contido na linguagem, que nem nos círculos masculinos de conversa jamais lhe ouviram um palavrão (é uma notícia de jornal que nos dá conta disso, ao traçar-lhe, em tom humorístico, o perfil)..Em casa, foi sempre igual a si próprio. Irritava-se, naturalmente, com as constantes malfeitorias dos filhos, dos rapazes, a quem castigava pelos moldes da época, mas, com alguma benignidade, pois todos o adoravam. Quanto às meninas era prosélito da doutrina de que não se tocava nem com uma flor .cedia facilmente aos pedidos e caprichos da Lininha e deixava qualquer reparo a cargo da mulher, que só depois que se viu sozinha com eles se tornou severa educadora... No que respeita às relações do casal, já muito velhinha, relataria, sempre com humor, algumas pequenas discordâncias, que ele lhe dava a entender, subtilmente, sem expressar recriminações - como aconteceu daquela vez em que ela dançou no feérico salão de festas de um vapor, com o famoso Chaby Pinheiro, que a convidava sempre que a ocasião se oferecia...É de imaginar que nunca o marido pisou tantas vezes com ela a pista do baile...Curioso que nunca a tenhamos visto dançar... Não era por falta de agilidade, que mantinha em avançada idade . (Maria Antonia: Éramos felizes sem saber) A Vila Maria era, na meia década de 20 um pequeno mundo, de fronteiras geometricamente traçadas entre propriedades dos vizinhos, onde cresciam as flores, as árvores, as crianças,cumprindo os sonhos de um casal . Mariazinha, a sexta das crianças, era suficientemente pequena, quando a família se instalou na Vila Maria, para não se lembrar de ter habitado qualquer outro lugar. E do Pai não guardou muitas recordações - algumas, de um dia em que ele colheu morangos numa bonita cesta, e a mandou leva-los para os seus padrinhos, (os tios Marques), na companhia de uma criada, ou de outro em que colherem e comerem fruta no quintal, o pai, ela e a irmã Lolita. E de diálogos jocosos, em que ele chamava à Lolita, tão morena como ele, a sua "molequinha". Ao que ela respondia: "O Papá é o meu molequinho". A mais viva recordação é, porém, a da sua morte trágica, súbita, (enfarte do miocárdio, aos 46 anos...). Estranhou vê-lo, na sala de visitas, naquela caixa estreita, imóvel, de olhos fechados, e, quando o tocou na face, sentiu-o gelado, tentou acordá-lo, sem conseguir. Estava horrorizada. Quando vieram buscar o caixão para iniciar o cortejo fúnebre. o filho Manuel deitou-se por cima da urna, para os impedir de levar o Pai. Foi preciso tratar dele primeiro. Do funeral sabe-se mais pelas notícias de jornais, do que por testemunhos da família, naturalmente mais focada as memórias da sua vida. A "ORDEM" escreve: "faleceu o Snr António d' Aguiar, opulento e estimado capitalista, nosso amigo e assinante de "A Ordem". Contava 46 anos e faleceu repentinamente na manhã do dia 10 do corrente. Teve um funeral muito concorrido , celebrando missa de corpo presente o rev Manuel Coelho.. O extinto gosava de geral estima e porisso o seu falecimento foi muito sentido, (...) A SOMBRA DA CRUZ "Inesperadamente, quando parecia ainda ter longa vida, pois era bastante novo, faleceu na passada semana o nosso querido amigo e assinante Snr António Carlos Barbosa Aguiar. Depois duma viagem recente que fez ultimamente ao Brazil. a sua saúde ficou de tal maneira abalada que d' ahi resultou quase repentinamente a sua morte. Deixou imersa na mais amarga saudade a sua ex-ma esposa e filhinhos. O seu funeral que foi excecionalmente concorrido, realizou-se no passado domingo, ma Igreja desta vila, organisando-se vários turnos durante o percurso. (...) O título do jornal não está anotado no recorte. Erro, de algum modo, significativo é a inclusão do apelido da mulher (Barbosa) no nome de António Carlos Pereira de Aguiar - sinal do seu entrosamento com a família da mulher que era perfeito.... Outra constatação inesperada é pertencer ao jornal " A voz de Gondomar" (republicano). o mais completo obituário, um artigo de quase página inteira sobre um conhecido monárquico, (embora fosse cunhado e íntimo amigo de alguns dos mais interventivos republicanos do concelho). Convicto nos princípios, tolerante também com os dos outros... "Mais um bom que desapareceu do scenario tumultuoso da vida ungido da recordação saudosa de todos os que o conheceram e chorado pela dor angustiosa e percuciente da família que estremeceu e idolatrou, António Aguiar, o saudoso e querido amigo que sacrificou a mocidade ao trabalho para conquistar a independência de que usufruia; o lutador austero e persistente que, quási criança ainda, abandonava a Pátria, e com a Pátria a família, para, em terras distantes e pisando o doloroso trilho do "struggle for life" , onde as ambições se entrechocam, consolidar no trabalho a garantia do seu futuro e a dos seus, acaba de tombar, sacudido pela crueldade brutal de uma "angina pectoris", que desapiedadamente o arrancou de um lar que era todo o seu enlevo (...) Espírito de eleição consagrado ao culto da família, a que lega o inapreciável tesouro dum nome digno como poucos e o exemplo salutar duma vida impoluta, António Aguiar soubera impor-se à admiração e à amizade sincera de quantos com ele privaram, pela intensidade dos sentimentos afetivos em que vibrava a sua alma e pela galharda afabilidade do seu trato em que se espelhava toda a nobreza de um carácter nobre e honrada. Era um justo, de quem pode dizer-se que desceu à vala fria do cemitério sem uma única inimizade a empanar-lhe o brilho suave da sua chorada memória". O funeral do saudoso extinto, que se celebrou na matriz desta vila em 10 do corrente, foi bem uma demonstração imponente da consternação provocada pelo seu desaparecimento e uma grandiosa homenagem de sagração póstuma tributada às suas virtudes e à sua memória pelos muitos amigos de António Aguiar , que os possuía em todas as classes sociais". Na última parte da notícia são mencionados os turnos, em que os amigos se revezaram no transporte da urna entre a Vila Maria e a igreja matriz. Vale a pena transcrever a listagem, porque nela estão os familiares mais próximos, os amigos que eram presença constante de uma casa, sempre cheia de visitas, de festas. ou os companheiros de um associativismo local, a que dava generosa contribuição: 1.º turno - António e Alberto Mendes Barbosa, o irmão Augusto Aguiar, José e Damião de Oliveira Aguiar (sobrinhos?) e Saúl Fonseca e Sousa 2.º. - Mário Ferreira (sobrinho, casado com Isabel Barbosa, "Mimi"), Adelino Garrido, Manuel Martins dos Santos, Camilo de Oliveira (o escritor e autor da monografia do Concelho de Gondomar), Alberto Martins de Moura e Artur Cabral Borges 3.º Manuel Ribeiro de Almeida, Vicente Gaspar Vieira, Doutor Agostinho de Sousa Pinto, José Coelho das Neves Junior, José de Sousa Santos e Manuel Coelho das Neves 4.º - José Marques dos Santos, Avelino Martins da Silva, António Coelho da Silva, Manuel Martins de Castro Neves, Joaquim Martins Rosas e Abílio Ferreira da Costa. 5.º -Membros do Club Gondomarense, de que o finado era sócio 6.º - Sócios do Club de Caçadores, a que o extinto também pertencia. 7.º - Bombeiros Voluntários de Gondomar e João Pereira, criado do extinto. 8. - º (no percurso da Igreja para o cemitério) - Dr António Ribeiro Seixas, Dr Manuel Nunes Pereira, José Ribeiro Borges da Cunha, Eduardo Kock, Serafim Rosas e Francisco Herculano Novais de França. (talvez primo, porque França é um dos apelidos na árvore genealógica de Rosa Pereira). Um outro registo revelador de pertença a um círculo mais íntimo é o das coroas fúnebres, colocadas junto ao ataúde: "Club Gondomarense, última homenagem", "Último adeus de Maria Irmínia Barbosa e Alexandre Mendes Barbosa; "Útimo adeus de Rozaura Barboza Marques e Manuel Marques"; Saudades de José Martins das Neves e família"; "Saudade eterna e último beijo de tua esposa"; "Último adeus de sua irmã Amélia Aguiar e esposo": Sentida saudade de seu tio João Moreira dos Santos e Maria Gomes Bessa";"Último adeus de seus cunhados Maria Celestina de Abreu Mesquita Barbosa e José Barbosa Ramos";"Eterna saudade de seus filhos": "último adeus de seu amigo Dr Agostinho Emílio de Sousa Pinto". Pela notícia, que termina apresentando condolências "à desolada viúva, Ex.ma Srnª D Maria Barbosa Aguiar e a seus filhinhos", sabemos ainda que a chave do caixão foi entregue ao Ex.mo Snr Dr José Barbosa Ramos, distinção que lhe coube certamente como cunhado e juiz ilustre.... Comoção no ambiente familiar e em toda a Vila de Gondomar, onde era, como transparece nos jornais, pessoa muito querida, dos grandes e dos pequenos, dos ricos e dos pobres. A essa sua forma de viver, e conviver devemos a imagem, que perdura, dos Aguiar como exemplos de extrema dedicação à família, de franqueza, de generosidade espontânea, quase a parecer excessiva, e de alegria comunicativa. Alguns laivos de excentricidade, também, terreno em que em que, todavia, seria ultrapassado pelos cunhados Barbosa. (criam-se, assim, "estereótipos dos "Aguiar" e dos "Barbosa", nos quais mal se enquadram muitos dos que levavam ou levam esse nome, de um aristocrata minhoto que nada tinha de excêntrico...). Em 1926, a Mariazinha com seis anos, a Lolita com quatro. (ou a mais nova, Madalena, apenas seis meses), não podiam entender o que acontecera, mas viam mãe, vestida de preto, caída em depressão e prantos, cada vez mais ausente nas devoções da igreja. Um dos rapazes, o terceiro mais velho, António Maria, deixou-nos (aos 10 ou 11 anos), nos seus versos simples, de criança, testemunho único de um sentir comungado por todos dentro das paredes da Vila Maria: Meu Pai? "Quem te levou, meu Pai?!... Quem te levou? Para esse mundo assim tão azulado. Responde...sim. Teu filho, um desgraçado Para quem a tua ausência já chegou Para esse mundo sem fim, quem te arrastou? Partiste!... Fiquei só! Desventurado Pede a Deus a quem por ti tenho rogado, embora infeliz.., para quem tudo se quebrou. Partiste, morreu tudo neste mundo... E minha Mãe, oh Pai, sempre a chorar E eu choro, desde o dia em que, moribundo, Te segurei... morreste Pai... Agora, então, Depois de tudo, me vês, sempre a chorar, Chorará eternamente, Senhor, meu coração!" Terá sido o primeiro a encontrar o pai. agonizante? Talvez, pois não seria normal ser uma criança a segurá-lo, a dar-lhe apoio se os adultos ali estivessem... Tudo mudou, mas continuou. A mãe, senhora elegante e mundana, divertida e compassiva, transformava-se, a pouco e pouco, numa líder severa e enérgica, dentro e fora de casa, entregue às tarefas de educar sete filhos, não muito fáceis, e, cada vez mais, às boas causas na paróquia e na terra (aos pobres, aos doentes, aos presos, não raras vezes, intercedendo por eles, ajudando as famílias ou dando emprego a ex-presidiários - pequenos ladrões, alguns dos quais não perdiam hábitos velhos, nem mesmo em relação à benfeitora...Levava criancinhas ao batismo e promovendo casamentos a partir de persistentes e pagãs "uniões de facto"...). A Vila Maria era quase um prolongamento da residência paroquial, frequentada no dia a dia por padres e seminaristas, hospedaria de luxo para as freiras que passavam por São Cosme, ou para recém-chegadas professoras primárias, até que achassem morada definitiva.Também a organização de festejos religiosos era ali programada, e executadas tarefas variadas, como a fabricação, em massa, de flores de papel para os andores das procissões e os carros alegóricos, ou o ensaio de grupos corais, reunidos à volta do piano. Filhos e netos eram incitados a colaborar, uns mais renitentes do que outros.... Apesar das profundas marcas que a partida do pai provocara no ambiente famíliar, Maria Antónia sempre se sentiu protegida e feliz dentro da Vila Maria e, muito mais tarde deixaria escrito num apontamento (dos muitos que se vão, agora, encontrados, em folhas soltas) "éramos felizes e não sabíamos").. A natureza alegre e despreocupada impôs-se ao luto, de que ficou para sempre um eco, Alexandre, foi para os meninos órfãos, um autêntico pai, muito presente, muito marcante, para a viúva, o mais amigo dos irmãos, o mais próximo, e não só porque vivia em frente, do outro lado da rua. A sua filha única tinha morrido bébé, anos antes. A afilhada Maria Madalena ocupou esse vazio - praticamente vivia com eles os tios, Hermínia e Alexandre, embora a Mãe não a deixasse nunca pernoitar fora Era, para rapazes e raparigas a figura tutelar.masculina, sempre mais compreensivo do que a mãe se tornara - mais dialogante, generoso e divertido (o pai tinha sido com as meninas, invariavelmente gentil, nunca as castigou, isso ficava da responsabilidade da mulher, já com os meninos, tais eram os desmandos, que lhes aplicava os corretivos usuais na época...). Em Alexandre a irmã tinha um conselheiro, um gestor competente de negócios propriedades e títulos da bolsa, que eram parte substancial da herança indivisa. Excetuavam-se da sua influência as coisas da igreja - foi sempre em vão que ele, republicano e laico, tentou moderar impulsos beneméritos e oferendas, que considerava largamente excessivos, para as obras da paróquia....). Presença constante, desde os tempos do regresso do Brasil, era a da irmã Rozaura, casada, sem filhos, com um homem, o "tio Marques" igualmente muito dedicado aos pequenos Aguiar, e, em particular, afilhada, Maria Antónia. Moravam a curta distância, uns minutos a pé, por caminhos rústicos e lindos, no lugar chamado "a Pedreira" .A "casa da Pedreira" de tão boas memórias para a Mariazinha!. Ali, ela era especial e única, não tinha de repartir atenções, com mais seis crianças. E, entre os seus escritos, que vão sendo descobertos,, há um que lhe é dedicado. A CASINHA DA PEDREIRA Queria voltar a ver as camélias a florir, as laranjas a crescer. Queria voltar a ter na minha mão pintaínhos acabados de nascer Queria voltar a ver o jardim, a capoeira, a horta - querida Maria - que se enchia de canseira Limonete ao fim da escada Alecrim pro's ramos bentos toda uma festa, a ramada a casinha, tão modesta, com o nicho e a cantareira... Na comparação com a "Vila Maria", a "Casa da Pedreira" era modesta, embora pequena não fosse.Teria sido uma antiga sede de quinta, com um grande portão e um átrio espaçoso de pedra. O piso de baixo era de terra batida, servia de adega, de casa da lenha, de arrumação. As escadas de acesso ao patamar superior eram de pedra, assim como as outras duas que davam, numa extremidade da casa, para as salas e, e, na outra, para a cozinha. O primeiro andar dividia-se em quartos espaçosos, ao todo oito divisões. Salas e os quartos de dormir e a sala de jantar, com mobílias antigas, muitas de casa dos pais (terá siso a filha mais conservadora). A cozinha, sim, era pequena e escura, um absoluto contraste com a da Vila Maria. A criada era a Maria Póvoas, que cozinhava muito bem e tinha tempo para tudo, até para cultivar a horta e tratar das galinhas e das flores. As janelas de guilhotina, do primeiro andar, eram encimadas por vitrais coloridos, muito bonitos, e davam para o Largo da Pedreira, para um comprido tanque comunitário, constantemente ocupado por grupos ruidosos de lavadeiras e, do outro lado, casinhas térreas, de ourives que trabalhavam filigrana de portas abertas. A casa, com certeza,completamente alterada, ainda existirá... Não assim a Vila Maria, que o município quis conservar, mas sem avançar para a compra (que a família teria feito, por metade do preço de venda a particulares) e que o novo proprietário, homem ganancioso, de vistas curtas, mandou demolir à pressa, antes que lhe fosse atribuída a classificação que António Maria Aguiar andava a tentar conseguir. Erro a todos os títulos, porque a casa com o terreno circundante teria sido de fácil utilização para turismo, a mais evidente, ou para uma clínica ou um Museu, até para um centro comercial, ou condomínio de luxo, se soubessem aproveitar o enorme espaço que ladeia o edifício de época, em construções, com uma moderna compatibilização arquitetonica. O aventureiro faliu, o terreno , anos e anos depois, continua à espera de destino, no entretanto serve de parque de estacionamento (cumpriu-se a profecia de que tocar naquela casa era igual a maldição, traria desgraça e morte)... A casa que já só vive na memória, ficava dentro do jardim, a uma distância de 30 metros da rua principal, formando um largo ladeado de roseirais simétricos, num plano superior cerca de uma metro, bordejado a granito, à volta da casa passeios largos,, que permitiam fazer gincanas com os carros, como as que algumas vezes se organizaram. De cada lado do portão de ferro as japoneiras, de camélias cor-de-rosa. No extremo norte, à face da estrada, o mirante (que chamávamos o mirante da frente para o distinguir do mirante que ficava na outra extremidade, e dava, então, para um caminho de terra batida, onde agora é uma escola, perto do auditório de São Cosme. Nos muros do terraço dessa mirante, caíam os ramos cheios de damascos, enquanto no da frente eram dióspiros que se podiam apanhar à mão., A sul, à face da estrada, o “chalet”, que fora destinado a cavalariça ou garagem, e, depois da morte do Avô, acabou arrendado a vizinhos tranquilos, gente respeitável da terra. A simetria dos canteiros de rosas terminava face à entrada principal da casa e ao seu terraço, e nessa vertente, prolongava-se até a pequena "casa do forno e à área em que o pomar confinava com as vinhas. Do lado do chalet, em frente ao grande vitral da parede sul, começava o pomar, por trás do qual se escondia, num retângulo fechado por muros de granito, a pocilga.. De fora, sem porcos à vista, dir-se.ia uma longa vivenda térrea, discretamente avistada entre muitos troncos e ramos das árvores de frutos. Havia sempre dois porcos e, quando chegava o dia da matança, as meninas eram fechadas na sala, tão longe quanto possível, para não ouvirem os gritos do tenebroso ato sacrificial. Ouviam, mesmo longe ouviam, e recordaram o horror dos sons, sem imagem. Quem vinha executar o ritual era o dono do talho, negociante próspero e homem simpático. pai da Felismina, que era amiga das meninas e, como elas, aluna de piano da prima Nucha. Depois, era dia de comer rojões, esquecendo a sua origem trágica.. A carne de porco sobrante era guardada em arcas, antes cuidadosamente limpas com areia e, depois, cheia de quilos e quilos de sal. A mãe conhecia bem a arte de conservar produtos, frutos, por exemplo: mandava colocar as laranjas em areia, numa grande arca de castanho, ou os dióspiros, embrulhados em papel, em gavetões fechados. Do círculo de amigas e colegas das lições de pianos d pequena Mariazinha faziam parte as "Paciências", (simpáticas filhas de um dos antigos proprietários das terras onde se implantou a Vila Maria,) e as irmãs Maria Amélia e a Madalena da Estrela. Não era apelido, mas alcunha - o pai tinha construído um palacete original, em forma de... estrela.Antecipando o futuro em alguns anos, poderá, desde já dizer-se que há muitas fotografias do casamento de estadão da Maria Amélia, com quem, depois, perderam contacto. porque foi viver para Viana. Madalena uniu o destino a um rapaz de Avintes, contra um coro de opiniões adversas. Gostava dele, e não quis saber de mais nada. Não se conhece o desfecho, pois também lhe perderam o rasto. A Felismina viria a ser uma rapariga bonita, alta e loira e a primeira a casar, com um Ramos, a quem chamavam o "Ramitos". Contou às colegas das, pormenores surpreendentes sobre a noite de núpcias, e deixou um conselho

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