quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

MÃE seu diário deviagem a Paris, seguido de texto de memóris (sem fotos)

1969 - A VISITA A PARIS O "Diário" da Mãe 2ª feira Em frente à "Cité", à cidade universitária, fica o belo Parque Montsouris, onde fui com a Manela, atravessando o Boulevard Jourdan, De metro, seguimos para o "Quartier Latin", - jardins do Luxemburgo, Panthéon (onde está sepultado Voltaire, entre outros grandes vultos franceses). Almoçámos rapidamente num self service, Wimpy, mesmo em frente ao Luxemburgo, e descemos Saint Michel, a ver montras, Atravessámos as lindas pontes do Sena, visitámos a catedral de Notre Dame, passámos pela Câmara de Paris, pela Conciègerie, a Tour de Saint Jacques. Tomámos o metro no Chatelet, com os seus longos corredores rolantes. Viemos para a Cité, às 4.00, a Manela fez um chá. Voltámos ao Parque Montsouris. Fiquei junto do lago dos cisnes, enquanto a Manela foi comprar pão, queijos e vinho - um bom jantar (como eu gosto).no quarto dela. Ela foi ao cinema com a Laura, eu preferi ficar no quarto a ler. 3ª feira Levantámo-nos cedo (a Manela dormiu mal, ficou nos 3 grandes cochins do sofá da sala). Fomos a Vincennes no carro da Eduarda. A Manela e ela têm aulas das 9 ao meio dia. Eu estou sentada no bar da Universidade à espera.que voltem. Acaba de se sentar na minha mesa um velhote, sem pedir licença, a tomar uma bebida qualquer, A minha estadia em Vincennes (cont) A Manela está a fazer um exame (especializou-se em Direito do Trabalho) e eu no bar, em conversa com os "colegas" (chamavam-me colega), num francês horroroso, como o Mário Soares, metade francês, metade português, e até com certas palavras em inglês. Enfim, a Manela ficava furiosa, quando me ouvia falar assim. E, quando a Manela estava a fazer o tal exame, eu, já farta de de passear no jardim (a Universidade tem um jardim enorme), depois de ter estado no bar, encaminhei-me para aqueles grandes corredores e vi-a, numa sala, a falar com um homem. E eu, cá de fora, (vamos indo que não entrei)a apontar-lhe o relógio, a fazer-lhe ver que era tarde .vamos embora! Enfim, ela nessa altura não andava tão irritada como agora e, quando me disse que estava a fazer um exame, até nos fartámos de rir Passámos pelo Bosque de Vincennes e almoçámos em casa. Saímos para o centro de Paris com a Eduarda, que foi ao médico, Estou sentada numa esplanada, junto à Opera. A Manela e eu viemos, a pé, pelo Boulevard de la Madeleine. Uma das zonas chiques de Paris. Entrei na Igreja da Madeleine, onde a Manela me tirou fotografias, Mais fotografias, adiante, junto ao Maxim's, na Praça da Concórdia. Na viagem para a Cité, ha partes em que o metro é aéreo, passei à vista da Torre Eifel. Fiquei no quarto da Manela, na Casa de Portugal, e ela foi para a Casa Luso-britânica., onde havia uma vaga. 4ª feira Fomos visitar a Torre Eifel, tomámos umas bebidas num bar agradável, no 1º andar, com uma vista lindíssima, sobre o Champs de Mars, que de cima parece uma passadeira gigante, o Palácio de Chaillot, os telhados da cidade e, ao longe, o Sacré Coeur. Daí fomos até à margem do Sena e demos um maravilhoso passeio de barco, de cerca de uma hora. Passámos pela ilha de São Luís, pelos bairros mais bonitos de Paris, onde mora a Brigitte Bardot, Saímos do barco e subimos os Campos Elísios. Havia grandes manifestações. Acho que que por causa da tomada de posse de Pompidou. Os polícias, aos magotes, todos engalanados, e uma bandeira enormíssima, no Arco do Triunfo. Os Campos Elísios são um encanto! À noite, fomos de carro, com o Padre Micael e o Engº Pires, a Montparnasse, belos restaurantes, "boites" e cafés, onde se reúne a boémia mais selecta. Lindas "boutiques" em Sèvres Babylone e o contraste dos talhos de Halles, que abastecem de carne a região parisiense. Demos a volta à Concorde, à noite tem mais encanto, assim com a Torre Eifel iluminada e o Palácio de Chailot, ou os Campos Elísios. Parámos no carro, mesmo em baixo do Arco, com a sua gigantesca bandeira, o facho a arder, e as enormes coroas de flores, azuis, brancas e vermelhas, em honra dos mortos de Guerra. Cenário solene, na altura da posse do Presidente Pompidou. Continuámos para Montmartre, Sacré Couer, estivemos junto a varias "boites", a de Patachou e outras. Que ambiente, com grupos de músicos, artistas a pintar as suas telas nas ruas, muitos turistas, muita animação!. Atravessámos Pigalle, "boites" mais duvidosas, vimos o Moulin Rouge e o Lido. Chegámos à Cité depois da 1 hora 5ª feira Constipei-me, não pude sair à rua. 6ª feira De manhã, ainda fiquei em casa, almocei no quarto. Disse-me agora uma amiga da Manela, que ela andava no corredor às 9.00 da manhã, para não me acordar. À tarde, fomos às Galerias Lafayette, onde andámos horas, Vimos o Maurice Chevalier, que estava a autografar um livro seu. As Galerias são um mundo gigantesco, com escadas rolantes, que subimos e descemos. Fizemos algumas compras. Fomos, depois, ao mesmo bar onde já tinha estado, perto da Opera, quando a Manela foi a um famoso otorrino A Manela tirou-me várias fotografias, Tomámos um autocarro já em andamento, o revisor, um preto enorme, segurou-me, mas rasguei a saia... sábado Saímos às 10.00 com a Laura e a Isabel, e tirámos muitas fotografias nos jardins da Cité. De metro, para o Luxemburgo, todas a ver as montras e a fazer compras nas boas lojas do Quartier. com uma pausa para almoço rápido num restaurante de Saint Germain, A pé, para a Sainte Chapelle, com os seus vitrais lindíssimos, do teto até ao chão. Andámos num super mercado, como aqueles que se vêem nos filmes. à noite, a Manela foi revelar fotografias para um laboratório com o Padre Mário até à meia noite e eu estive no quarto a conversara com a Laura. Jantámos na Cité Domingo Levantámo-nos cedo. A Manela continua a revelar as fotografias com o Padre Mário, Ás 11.00 a Laura, a Manela e eu fomos ver um filme erótico (na realidade pornográfico - só mulheres nuas e striptease, pretendia ser uma comédia). Horrível, só havia homens. Saímos a meio. Almoço rápido num self perto do cinema e, depois, foi tempo de cultura. Longa visita ao Louvre, Mona Lisa, Vénus de Milo, Vitória de Samotrácia. pirâmides do Egipto, um túmulo autêntico de Faraó... Chegámos à noite à Cité e fomos jantar as três e mais a Eduarda Cruzeiro a Gentilly, num pequeno e bom restaurante. Passámos ao sítio onde existiu a casa da M.me Curie (já demolida) "2ª feira. Dormimos as duas no apartamento. Estivemos em arrumações,. Encontrámos uns escritos do Padre Mário, dentro de uma revista. Fomos, de novo, em Gentilly, em frente à Casa de Portugal, a um café, onde a Manela respondeu a uma carta do Manel, que tinha recebido. Acabámos por almoçar num bar da Cité. A Eduarda levou-me de carro até à estação de Austerlitz. A Manela ficou e vai esperar pela Docas, que chega às 5.00 de comboio Na carruagem em que vou está o actor Jean Pierre Casset, mas no meu compartimento são 4 velhos, que já estão a dormir. Dois parolos portugueses quiseram meter conversa, mas não estou para os aturar. Em Bordéus, entrou uma canadiana, muito simpática, conversámos (mal) em francês. Em Irun, atrelei-me ao 1º grupo de portugueses. Vim numa carruagem, que o carregador espanhol me arranjou. - despediu-se, estendendo-me a mão - com um dinamarquês (muito chique), e com uma filha de 12 anos. Falámos francês, e à noite, fartámo-nos de rir, os três, porque avariámos uma cadeira para fazer cama. Na fronteira, não me abriram mala nenhuma em Vilar Formoso, nem à ida, nem na volta.. Os portugueses que entraram em Paris, tinham sido mandados da 1ª para a 2ª classe. Em Irun, tornaram a entrar na 1ª, com mais 3 de botas grossas e linguagem ordinária . car----, filho da p---. O que vale é o dinamarquèss não entender... RECORDADNDO MINHA MÃE Passaram dois anos sobre a sua partida, e ainda é difícil acreditar... Continuo a encontrar escritos em papéis soltos... é como se, ela própria, nos estivesse a confidenciar lembranças, como gostava de fazer nas tertúlias de sábado. Ou a recitar os seus versos de juventude - estes dedicados à sua terra... um outro Gondomar, que nós já não conhecemos, cantado em três simples quadras: OH, MEU GONDOMAR Oh, meu Gondomar, minha linda terra, Tu que embalaste o meu primeiro amor, Porque não levar-te presa nos meus braços, Oh, meu Gondomar, para onde for? Encantamento que nunca esqueci, Roseiral em flor desse meu jardim, Tanta rosa murcha pelo chão caída. Mas tanto botão a abrir para mim... Gondomar, meu berço, capital do mundo, És a minha casa, és o meu jardim. Foste tu que viste os meus primeiros passos E irás guardar-me, ao chegar ao fim. UM ZEPPELIN EM GONDOMAR (recolhido no início de 2018) Poucos anos depois do fim da "grande guerra", ao fim da manhã, um estranho objeto voador enorme e lento, atravessou os céus de São Cosme, vindo do Monte Crasto, em direção a sul. Jamais se vira coisa igual. Mesmo em tempo de paz, despertava um misto de pasmo e de emoções contraditórias. Uma criada (a quem chamavam "nariz de pau"), aos gritos, alertou a casa toda, A Mariazinha veio a correr do seu quarto para a varanda da cozinha, ao cimo das escadas traseiras. Espetacular visão! Dir-se-ia um gigante melão voador, que avançava, lenta e majestosamente, por sobre a cabeça dos gondomarenses... Era meio dia! Lembro-me de que fui, então, procurar um Zeppelin na Internet. A mãe olhou e confirmou: "Era exatamente assim!" AMÁLIA NO CAFÉ RIALTO, O CHOPIN PORTUGUÊS EM GONDOMAR, VIRGÍLIO TEIXEIRA EM ESPINHO Foi no Café Rialto que viu a sua adorada Amália, de perto, pela primeira vez - lindíssima, vestida de preto. Muitos anos mais tarde, falou com ela, muitas vezes, ao telefone. Acontecia, quando Amália e eu estávamos, em Waterbury, de visita ao seu primo e meu grande amigo, Adriano Seabra da Veiga, médico e Cônsul de Portugal em Connecticut. Amália e Mariazinha eram diretas, frontais, divertidas, heterodoxas, ou seja, feitas para o perfeito entendimento. Adriano, idem! Tinha muitas qualidades semelhantes às do Tio Zé, irreverente, impulsivo e generoso - embora sem a faceta "hippy" de usar camisas coloridas e fatos a condizer, o que para um Cônsul se aconselhava... Fernando Marques Ribeiro, pianista e compositor, que foi chamado de "Chopin português", tinha sido um namorado e admirador, com acesso mais fácil do que qualquer outro à Vila Maria, porque a avó se encantava a ouvi-lo tocar piano. Mas não o suficiente para permitir que a talentosa filha desse concertos no Porto, em dueto com ele, o que poderia ter lhe aberto a carreira com que sonhava... Essa era uma história antiga e conhecida. O que não sabíamos e nos contou foi que o voltou a ver, algumas vezes, em Lisboa, quando eu vivia na Av do Uruguai. Reencontros de "old friends", para os quais nunca me convidou. Que pena! E eu tanto gostava imenso de o ter conhecido! Virgílio Teixeira era, na opinião da minha mãe, "o homem mais belo do mundo", e o seu ator predileto! Um entusiasmo que continuou pela vida fora, sem nunca o ter encontrado num teatro ou num café - até março de 1995, quando a Associação Mulher Migrante organizou, em Espinho um grande congresso sobre temáticas da emigração. Um dos convidados de honra era, naturalmente, Virgílio Teixeira, então, Diretor Regional das Comunidades Madeirenses. Nos salões do Praia golfe, houve ampla oportunidade de conversarem - Virgílio e sua simpática mulher Vanda e os meus pais, presentes em várias sessões, entre os congressistas. (Virgílio, outro inesquecível amigo e aliado de muitos projetos, mantinha todo o seu encanto, tão natural, tão genuíno, tão pouco "hollywoodesco")... Minha mãe, como sempre, era quem fazia todos os outros rirem...a alma da festa! Meus pais eram verdadeiros cinéfilos - as sessões de cinema, várias vezes na semana, faziam parte de um modo de viver. Estivessem em Gondomar ou em Avintes, o Porto era o centro de diversão (isto antes de virem morar para a cidade, perto de todas as salas de espetáculo). Formalmente vestidos, como quem vai a uma gala, , porque havia dois intervalos, ocasião propícia para um desfile de elegâncias, a tomar café. E a mãe de óculos (muito graduados, porque era míope) e escuros, uma extravagância jamais vista, sobretudo, à noite... (nada prático, acho eu, pois via tudo em tons carregados...). Não apreciavam, necessariamente, o mesmo género de filme... Ela adorava filmes românticos, ou comédias: Cantinflas, Charlot, num patamar mais cor de rosa, Doris Day... Ele, filmes de ação, de guerra, "westerns"... O ponto de consenso era os filmes de autor, ou de "ator" - grandes nomes da "sétima arte". Era o tempo das estrelas! O João achava a Mariazinha parecida com a Paulette Goddard - ou, mais tarde, com a Ava Gardner! Viram não sei quantas vezes "Casablanca" (Ingrid Bergman, Humphrey Boggart...). Antes do cinema, entravam nom café, já com os bilhetes comprados, e tomavam ele, simplesmente, um café, ela um "peppermint". Com a irmã Lininha, nas "matinés", contava, viu, cinco vezes consecutivas, Mme Butterfly! Nestes últimos tempos, a televisão substituiu, completamente, o cinema: as telenovelas da "Globo", e, pelo meio, o canal "mezzo", a "RTP Memória" (não perdia os programas de história, segundo José Hermano Saraiva) e a infindável série de policiais de Mrs Fletcher... Lia muito (brasileiros, Érico Veríssimo, Jorge Amado...), fazia palavras cruzadas... Ia a compras -de roupa, de joias, ou até de fruta e de doçaria num supermercado. Sempre uma das suas maiores distrações 2024 – FOTOBIOGRAFIA ASSIM ERA ELA Minha Mãe – Uma vida em imagens Do Brasil a Gondomar Minha mãe nasceu a 28 de agosto de 1920, poucas semanas depois de Amália Rodrigues, a sua artista preferida, cujos fados cantava, com a voz timbrada e poderosa, que conservou quase até aos 100 anos. A música era uma paixão sua, que começava em Chopin. Vinha logo depois do Amor (escrito com letra grande, como os nomes das pessoas). O amor por filhas e por pais, por João, seu marido de mais de meio século, pelo Brasil e pela “terra linda de Gondomar” (assim reza a letra de um hino, da autoria do tio José Barbosa Ramos). O amor pelo João encerrou o capítulo das paixonetas menores. Menores, mas não de todo esquecidas, bem pelo contrário, eram tema frequente de narração oral nas famosas tertúlias que animava, já de avançada idade, na casa da rua 7, cercada pela juventude da família. Deixou também muitos escritos, em pequenos retalhos de papel soltos, às vezes rasgados de cadernos…. Fragmentos dispersos da autobiografia planeada, que nem sequer começou, para além de uma mera enunciação das quatro partes em de se dividiria: a infância na Vila Maria; os estudos no Colégio da Esperança); os namorados e o casamento; e o depois…. Nota-se uma certa desproporção medida em anos e capítulos (que não em nostalgia…), pois três cobriam os primeiros 22 anos, e a último os restantes 77 anos… Em papelinhos registava, igualmente, outras memórias, pensamentos, ditos e expressões da terra, alcunhas populares em que São Cosme era fértil, e muitos outros variados registos. Curioso é o facto de ser tão despreocupada com os seus escritos e tão cuidadosa na recolha de obra alheia, em cadernos bem organizados. A poesia dos irmãos só se conhece graças a esse seu desvelo dos tempos de menina. Quanto ás histórias que queria contar, as que se conhecem não vão ser contadas com as cores da sua subjetividade, mas da nossa… A sua vida começou do outro lado do mar, no Rio de Janeiro, provavelmente numa tranquila mansão do bairro de Santa Teresa. E, por isso, se considerava brasileira. Fez a travessia, num moderno vapor, invisível, no ventre materno. Os pais regressavam, em definitivo, a São Cosme de Gondomar, onde ambos tinham raízes mais do que seculares. Era sexta de oito irmãos de um casamento tão feliz, prematuramente interrompido. Perdeu o pai aos cinco anos, e a sua vida nunca mais foi o que poderia ter sido – por exemplo, brasileira e rica, para usar palavras suas. A “mamã” era veterana de muitas viagens, realizadas ao longo dos seus dez anos de Brasil, em alguns casos em adiantado estado de gravidez, para que os filhos nascessem em Gondomar (só três eram “brasileiros natos”). Boa “navegante”, assim como o marido, foram, por vezes, os únicos convivas à mesa do comandante, quando o mar tempestuoso obrigava a maioria dos passageiros a recolherem aos aposentos, em mau estado de saúde. E estavam sempre entre os mais sociáveis, animando festas e bailes. Com a família a crescer, a um ritmo bienal, traziam consigo uma “babá para vigiar os meninos, que eram terríveis e gostavam de atirar pela borda fora, tudo o que estivesse à mão, como as almofadas dos cadeirões do convés… Do que, obviamente não há imagens. Nos retratos, obedientemente olhando as câmaras, parecem sempre crianças exemplares. As férias de 1919 deviam ter sido um tempo despreocupado de celebração do fim da Guerra Mundial, de reencontro da família e de amigos, após a normalização da navegação marítima, que fora ameaçada por submarinos alemães na derradeira fase de hostilidades. Há uma carta do bisavô Joaquim a sua filha, aconselhando-a a manter-se no Rio, em segurança, e culpando os “celerados alemães” (ainda escrito “scelerados”) pela prolongada ausência da filha. Nesse período, nasceram no Rio seus netos José Augusto e Agostinho. Festa e alegria terminaram, todavia, antes do fim das férias, em tragédia com a perda do bebé Agostinho, de pneumonia, com um ano incompleto. Trinta ou quarenta anos depois, a avó falava do menino, com os olhos marejados de lágrimas, e eu imaginava esse tio pequenino, ao colo da mãe, fixando-a com os seus enormes olhos azuis e balbuciando: “Mamã…” A sua última palavra. A viagem de volta para o Rio terá sido a mais triste de sempre, o adeus aos pais, já idosos, o mais custoso, pesando na decisão de um regresso definitivo a breve prazo. Era tempo de sedear a família em Portugal, ainda que o “pater” continuasse o seu vaivém transoceânico, com permanências cada vez mais curtas no Brasil, para encerrar uns negócios (a Joalharia Aguiar, da Rua do Ouvidor, nº 63) e lançar outros (uma sociedade bancária com o seu melhor amigo, a quem a avó Maria, apesar da convivência constante chamava cerimoniosamente “Sr. Cunha”). Muitas são as imagens que testemunham essa década prodigiosa do casal na “cidade maravilhosa”. É, sobretudo, nos vestidos e penteados da avó Maria que se adivinha o caminho do progresso que as mulheres, devagarinho, iam percorrendo, ao aligeirar o rigor e o incómodo da moda, encurtando vestidos, cortando o cabelo, assim tão fácil de arranjar… Um sinal de outros avanços, em muitos domínios! Em 1917, a avó Maria aderiu à moda revolucionária do cabelo curto, e, do cabeleiro, foi diretamente para o estúdio de fotografia, onde eternizou o seu “new look” Um simples corte de cabelo, em 1917 ou 1918, aos trinta anos, terá sido aos trinta anos dos mais ousados gestos de autonomia feminina. Não lhe participou previamente a intenção… Ao vê-la, o marido ficou visivelmente abalado. Não disse uma palavra. Instado por ela a manifestar opinião, foi diplomaticamente neutro, mas no dia seguinte reagiu, fez-se fotografar no mesmo estúdio, com ar carrancudo, encomendou doze cópias e deixou-as dentro de uma mala de viagem, onde era certo serem descoberta brevemente. E foram. Mensagem recebida pela interlocutora, que se riu imenso, e ainda ria, a relembrar a divertida “estória” com as netas, trinta ou quarenta anos depois. Para mim, habituada às discussões esporádicas, mas bem menos discretas dos meus pais, foi uma revelação - que forma simpática de resolver discórdias conjugais! O casal parece vivido em estado de permanente harmonia. Se assim não fosse, a avó não se teria divertido tanto a contar os incidentes que fugiam à normalidade – outros dos quais foi uma benigna crise de ciúme mal disfarçado, quando dançou a bordo com o famoso ator, Chaby Pinheiro….. António Carlos Pereira de Aguiar partira em 1896, para o Brasil, com 16 anos, chamado por João, irmão mais velho, quase com idade para ser seu pai e já um próspero empresário, (ou “negociante”, na linguagem de época). Quando, uma década depois, se apaixonou (perdidamente) pela futura mulher, uma bonita e elegante jovem, (a avaliar pelos retratos), era o dono da Joalharia Aguiar, no nº 63 da rua do Ouvidor, especialista no mercado financeiro, e um passageiro frequente dos paquetes que cruzavam o Atlântico, entre o Rio de Janeiro e a Europa – com destino a Portugal, Espanha, Itália e Inglaterra, países onde diversas fotografias e postais documentam o seu vaivém. A avó, que considerava pouca atenção dava as atividades empresariais, coisa muito masculina, falava dessas deambulações como puro turismo, mas o teor de postais, mencionando “afazeres”, revela que juntava o útil ao agradável, a tratar de negócios de importação/ exportação, possivelmente em parceria com os irmãos, que enriqueceram no mesmo ramo - João no Rio de Janeiro, Augusto no Porto, com a Joalharia Aguiar" da Rua das Flores. Seguiam os passos do pai (meu bisavô Manuel de Aguiar), que terá sido atraído a uma indústria e arte tão gondomarense pelo sogro João Moreira dos Santos, (em rigor, o 2ª marido da sogra, padrasto de sua mulher, grande amigo, padrinhos de vários dos seus filhos). João Moreira era o maior ourives de São Cosme, nessa segunda metade do século XIX. A fabulosa década brasileira da avó Maria chegava ao fim, quando se aproximava a primavera de 1920. Trocava as vistas e os jardins luxuriantes de uma casa brasileira, as férias do verão austral em Teresópolis, a alegre companhia dos cunhados e dos muitos amigos cosmopolitas, que formavam o seu círculo de relacionamento, mais os cruzeiros atlânticos, pelo “aconchego” da família e da terra. Na foto tirada no jardim da casa, hoje já mal se distinguem os vultos brancos das senhoras, a avó e as suas amigas, mas a memória dessas vivências perdurou… Fechava esse ciclo da sua vida, esperando mais um filho, que apenas terá apressado o momento de passagem do mundo exótico e fascinante dos trópicos à terra natal, mais pequena e bucólica, São Cosme de Gondomar. Para a avó ainda não era tarde demais para o convívio com os pais, que envelheciam a olhos vistos, ao avô já só restava a mãe. A emigração, por mais feliz que seja, tem sempre este custo de tantos anos de afastamento irrecuperável das vivências do quotidiano, mal compensado pelas visitas frequentes, por cartas, postais, fotografias … O irmão Alexandre tinha procuração para despistar e adquirir os terrenos onde queriam edificar casa grande para família numerosa. Posta de parte estava a ideia de comprar a quinta de Bouça Cova, com um antigo solar setecentista, como o avô teria gostado. A avó Maria foi contra, achava o lugar triste e solitário, e preferia construção de raiz, uma vivenda moderna, no centro de São Cosme. E foi feita a sua vontade (suspeitamos que era sempre…), em terrenos cedidos por lavradores ricos, que venderam por favor, e caro. (Ainda há poucos anos era assim, hoje já não, o cimento ganhou a batalha). E, assim, circa 1922 ou 23, se ergueu o único “palacete de brasileiro” de São Cosme, a Villa Maria, face à estrada principal, a dois passos do Largo do Souto, com vistas panorâmicas para o frondoso Monte Crasto. (1925 A Villa Maria, do lado norte - minha mãe é a menina de branco, sentada na balaustrada da varanda) Um “brasileiro de torna viagem” … no caso do avô, no plural: “viagens”. Nos seus cerca de trinta anos de expatriação, nunca se desprendeu da terra, que revisitava num vaivém constante, antes do casamento e depois, acompanhado pela família. É um caso paradigmático do emigrante que, desde a primeira hora, tem no horizonte o retorno. Nunca sequer pensou em investir na compra de uma casa lá e casou com uma portuguesa de cá, da sua vila natal. João é o perfeito exemplo do português que foi para ficar. Casou com uma bonita brasileira de boas famílias e construiu a sua mansão na Rua de Paissandú. A Gondomar trouxe a família, que se saiba, uma só vez, em 1909. A sua vivência portuguesa centrava-se no mundo associativo luso-brasileiro do Rio, era membro e assíduo frequentador do Real Gabinete de Leitura. (A casa dos tios João e Judith no Rio Curiosamente, embora as casas dos dois irmãos estejam separadas por um oceano e apresentem linhas arquitetónicas muito diversas têm em comum a marca do apelido Aguiar: uma águia negra a sobressair em fundo branco na do Rio, os azulejos com a águia segurando o “R” no bico, à volta do torreão, na de Gondomar) Os anos 20, na Villa Maria Minha mãe é a menina que anuncia o tempo certo do regresso, o ano de 1920, em que os pais festejavam uma década de matrimónio. Vinha ocupar o 5ª lugar que fora de Agostinho, e recebeu os nomes dos pais – Maria e António (no feminino) - tal como o terceiro filho, o António Maria. Gostava de usar os dois nomes e de reclamar as duas nacionalidades. Orgulhava-se de ser brasileira, (assim se sentia, logo, era…) e gondomarense. Para ela, Gondomar não tinha igual à face do mundo (ponto final, sem discussão). Desde esses nostálgicos anos 20, e ao longo de quase um século, haveria de agir e reagir assim, moldando a realidade a crenças e desejos, mesmo quando a realidade os contrariava. O seu olhar subjetivo sobre coisas e lugares, acontecimentos e pessoas e, antes de mais, sobre si própria, dava-lhe o ânimo para vencer obstáculos... Às vezes, parecia habitar uma esfera paralela… A sua terra era a melhor de todas, e, dentro da terra, a sua casa, a sua família também. Prezava imenso as suas singularidades, uma das quais era ter olhos de diferente cor. À primeira vista, quase não se notava, a diferença esbatia-se numa gradação de tons, do azulado ao verde claro, mas ao pais não escapou o fenómeno. Mal a tomou a tomou nos braços, voltou-se para a mulher e exclamou, afito: “Maria, a menina tem um olho de cada cor!” Apreciava menos o facto de ser a mais baixinha da família – apenas um metro e meio, que compensava, graças ao seu magnetismo e simpatia, e, na idade adulta, pelo uso de tacões altíssimos. Talvez por ser tão pequenina lhe chamassem, em família, a Mariazinha, (no colégio e no seu círculo social, era Maria Antónia, e nada a irritava mais do que chamarem-na apenas por um dos nomes). Aos quatro ou cinco anos, começou a ter lições de piano, com a prima Nucha (Leonor) filha do tio Augusto Aguiar, um melómano, que insistiu em dar educação musical às cinco filhas. Julgo que a Nucha foi a única que completou o curso do Conservatório. Os avós quiseram, do mesmo modo, iniciar, bem cedo, as filhas na arte de tocar piano (os rapazes, não, nem pensar…). Minha mãe parece ter sido, das quatro manas, a mais talentosa. No colégio era a solista de serviço, em todas as festas, e, mais tarde, quando conheceu o pianista Fernando Marques Ribeiro, recebeu convite para atuar com ele em concertos no Porto. Ao que a avó Maria disse um rotundo e definitivo Não!” Pianista ou atriz eram as carreiras ambicionadas pela Mariazinha. Não pode segui-las, mas, pela vida fora, não parou de exibir as excentricidades que, frequentemente, se ligam, como consequência natural, à vida, ou à alma de artista…. Todavia, não só o talento mas também a hereditariedade podem justificar essa sua faceta… A avó materna Carolina Ferreira Ramos descendia das formidáveis "Alexandras", que, pelas histórias que legaram à posteridade, parecem personagens de romances de Agustina. (Alexandras terá sido alcunha, é nome que não se encontra, na árvore genealógica, no feminino – talvez fossem filhas de um ou outro Alexandre, que figura nesses registos). A mais famosa dessas senhoras opunha-se, tenazmente, ao casamento de uma filha com um noivo indesejada e mantinha-a “sequestrada” em casa. A menina preparou a fuga, com a cumplicidade das criadas e a cerimónia de igreja com apoio do pároco. Uma manhã, levou à matriarca, ela própria, o pequeno almoço à cama, e ato contínuo, correu porta fora. Quando a mãe a procurou e descobriu a ausência, correu por sua vez, a caminho da igreja. Já os noivos saiam para o adro, com o padre e as testemunhas. Restou-lhe, em fúria, apedrejar o cortejo nupcial, mas não consta que tenha havido feridos… Fica a lenda, sem precisão de data. Sabe-se que, nesse ramo materno dos Ferreira Ramos, a tradição de casamentos contrariados se manteve, até tempo da bisavó Carolina. O seu pretendente Joaquim Mendes Barboza (meu bisavô) também não tinha o perfil desejado pelos futuros sogros. Era oriundo de uma aristocracia empobrecida e viera de Paredes, onde fora professor e funcionário da Câmara para São Cosme, desempenhar idênticas tarefas camarárias. Foi, depois, durante décadas, o notário (suponho que o primeiro) do Concelho de Gondomar. Casaram, finalmente, em 1870 e foram felizes… As suas qualidades de carater, de educação e de trato do jovem Joaquim rapidamente o tornaram bem quisto junto dos sogros, do povo e das elites do concelho. O problema nunca estivera nesse cúmulo de qualidades, só muito obviamente na questão material, que rapidamente se esquece. Os Ferreira Ramos, por essa altura os proprietários da Quinta da Bela Vista, seriam de uma burguesia gondomarense mais endinheirada e pouco sensível a brasões de velhas famílias. Mas gostaram do homem! Em tempos mais recentes, a Mariazinha e a Lolita, encontraram novas formas de se mostrarem genuínas herdeiras dessas formidáveis antepassadas, as “Alexandras”. De resto, não só no ramo materno, como no paterno não faltam lampejos de extravagância, mais marcadamente lúdica. Ao clã Aguiar colamos a imagem de cordialidade, “joie de vivre”, anticonformismo, largueza… A começar pelo próprio avó António Carlos, entre os irmãos, tanvez, o mais ostensivo exemplo. Só não sabemos se tudo isso lhe vinha mais da linha materna (Pereira de França, que se fixou em São Cosme há mais de três séculos), ou da paterna (Aguiar, oriunda de Montalegre, e já com várias gerações de Gondomar no historial). Rosa Pereira de França e Manuel Pereira de Aguiar tiveram, pelo menos, dezassete filhos. Possivelmente mais - tantos que nem há certezas. Dois ou três morreram em crianças, quinze chegaram à idade adulta. A avó Maria comentava que nunca vira diversidade comparável à da numerosa família do marido – havia os formosos e os feios, os loiros e os morenos, os timoratos e os aventureiros, os grandes empresários e os modestos profissionais. Para além de serem muito unidos, solidários e divertidos, havia de tudo! A avó não dizia o mesmo da sua própria prole, (talvez porque considerasse os oito filhos, todos, muito bonitos!), mas é certo que eram, todos, entre si, muito diferentes – assim como foram os seus destinos… A Mariazinha, nos seus primeiros retratos, não parece ser a menina Aguiar mais favorecida pela beleza, mas iria melhorando com a idade). Num tempo de azáfama, adaptação à terra pátria, construção de casa, e luto pela perda de familiares, fotografar a Mariazinha foi ficando no esquecimento até aos 18 meses. A partir de então abundam a solo ou em grupo, os retratos da menina de cara redonda e mãozinhas papudas. .O gosto da família pelos trajes folclóricos vem de trás, mas, enquanto na geração anterior predominavam os nacionais, nos anos 20, alguns dos fatinhos terão sido trazidos pelo avô Aguiar dos seus périplos europeus. Fotografias do avô, nesta época, são raras, (talvez andem perdidas…). 1923 -Os avós com os filhos Manuel e Carolina no dia da sua comunhão solene A paixão pelas rosas era já tradicional na família Aguiar. Cultivava-as o bisavô Manuel, na sua casa da Gandra, que foi herdada pelo filho Augusto. Sabe-se que este ganhou vários prémios com as suas rosas! O avô António seguiu-lhe o exemplo e também ele, nos seus breves anos da Villa Maria, concorreu a exposições, com magníficos exemplares. Depois, ao longo de décadas, foi a viúva quem cuidou dos rosas, todas, etiquetadas com nomes latinos, gravados em placas redondas de metal. O criado não estava autorizado a tocar-lhes, tudo o resto era com ele. A proibição era extensiva a filhos e netos. Podíamos, sim, acompanhá-la na lufa-lufa do corte de flores ou da sua poda. Para essa missão, punha sapatos rasos, um vestido velho e cobria a cabeça com um enorme chapéu de palha. A sua geração convivia mal com o sol. Até nós, que tanto gostávamos de um saudável bronzeado, éramos forçadas, a usar, durante a tarefa de “aprendizagem pela observação”, qualquer um dos exemplares da sua coleção de “sombreros”. A Villa Maria fez parte da vida da minha mãe, com estatuto de afetos e pertença, como se fosse um membro da família. Um lugar de omnipresença do pai, a sua herança, um símbolo do seu empreendimento e dedicação aos filhos, um lugar de conforto e diversão e liberdade. Os muros que a cercavam a toda a volta, deixavam-na, lá dentro, completamente à solta… A casa, cuja demorada construção despertara a curiosidade dos vizinhos. Os garotos mais afoitos entravam às escondidas, nas horas mortas, saltando taipais e trazendo novas, sobre coisas insólitas, como o “salão” de banho, que ocupava a parte traseira do último andar, e as suas sete janelas panorâmicas sobre o Monte Crasto, telhados vermelhos e verdes campos de São Cosme). Todavia da relação com o papá, as memórias eram poucas, lembrava os presentes, as bonecas, os vestidos que lhes trazia de Paris (o gosto pela moda virá de então?…), os passeios por recantos da quinta, a apanhar morangos, que ele lavava na torneira do tanque e lhes oferecia…. Nunca ralhou às meninas, deixava isso ao critério da mamã. Nessa divisão de tarefas, só castigava os rapazes, sua dor de cabeça ... Vagas são, também, as imagens do quotidiano do pai, mas pela mãe sabiam que mantinha os seus hábitos brasileiros de levantar cedo, mergulhar no tanque grande de +agua gelada, tomar um duche frio e o “café da manhã”, com fruta variada. Gozava os prazeres da vida em família, com os cunhados, com muitos amigos, que vinham, de tarde, sentar-se com ele, nos bancos e cadeiras do jardim de tabuinhas de madeira verdes e braços de ferro. Discutiam política, divididos a meio - havia republicanos, como os cunhados, e monárquicos como ele. que dizia: “talassa passa, buíça, chiça”. Aos 46 anos, poderia, mas não conseguiu retirar-se, de vez. Fechara o capítulo da joalharia (o desfalque do sobrinho, que traíra a sua confiança, ainda pesava afetivamente), envolvera-se em novos negócios na área financeira. Parecia ter gostado tanto da pressão de novas aventuras empresariais, quanto do remanso caseiro e das tertúlias de amigos. Crescera, em ambiente caloroso, na casa da Gândra, um de quinze irmãos, e parece ter querido reproduzir esse modelo na sua própria família. Em maio de 1926, o casal festejava a chegada de mais uma menina, a Leninha (Maria Madalena), a primeira nascida na Villa Maria.1926 parecia destinado a ser um ano especialmente afortunado. Não foi!Tinha a Leninha dois meses, quando, a 26 de julho, o vitimou um súbito ataque cardíaco (ou “angina de peito”, como se dizia então). Foi António Maria, o filho mais parecido com ele, quem o encontrou, já mal, em estado irreversível…A viúva ficou em estado de choque, entrou, de imediato, numa longa depressão. Uma fase sobre a qual nada dizia. Falava, e muito, do marido vivo, de episódios engraçados do namoro e das viagens, da cumplicidade com a cunhada Judith, (uma linda e moderníssima brasileira), das paisagens de sonho, do verão austral na montanha, em Teresópolis… .Confidenciava histórias intimistas, as (discretas) crises de ciúmes do marido, de que se apercebia por um seu pequeno trejeito, um carregar de sobrancelhas, sem nunca dizer uma palavra. Do velório, a Mariazinha, com os seus cinco anos, guardou a imagem do pai estranhamente imóvel, a dormir numa pequena caixa de madeira. Quis acordá-lo, chamou: “Papá, papá”, tocou-lhe na face gelada, assustou-se, fugiu. Para os mais velhos, a sua partida foi terrível: Para Carolina de 14 anos, tão próxima do pai, para Manuel, dois anos mais novo, que fez os impossíveis para impedir a saída do caixão, aos gritos, estendido em cima do tampo fechado, para António Maria, o menino de nove anos, que desabafava as mágoas em sonetos. Em relatos orais, nunca nada foi contado sobre o funeral. É por recortes de jornal que sabemos quanto o cerimonial foi arrasador - a gente da terra, emocionada, compareceu em massa, a homenagear um homem amável e solidário, o expatriado que aparecia todos os anos, não perdia as festas de Nossa Senhora do Rosário, e a época da caça. A todos impressionava vê-lo partir tão jovem, deixando a viúva e sete filhos pequenos. São Cosme sentiu a tragédia, como sua… No curto trajeto que liga a Villa Maria à Igreja Matriz, atravessando o largo do Souto, organizaram-se oito turnos para o transporte da urna, a fim de que muitos pudessem prestar-lhe esse tributo – a família, amigos, instituições das quais era associado ou benemérito (o Clube Gondomarense, o Clube dos Caçadores, os Bombeiros voluntários…). Pormenor tocante, num dos turnos vem mencionado, no meio de doutores, negociantes e grandes lavradores da terra, o nome do seu criado João Pereira, certamente beneficiário de uma proverbial generosidade - faceta sua que sobrevive na memória dos que o conheceram, humanizando o mito do “Midas brasileiro”,( que, na realidade, era portuguesíssimo!... A descoberta recente, no fundo de uma gaveta, do caderno de versos do tio António é um retrato espontâneo e autêntico da situação vivida nesse tempo de luto- Um dos quais dedicado ao pai, é um verdadeiro apontamento autobiográfico. Quem te levou, meu Pai?!... Quem te levou Para esse mundo, assim, tão azulado? Responde... sim. Teu filho, um desgraçado Para quem a tua ausência já sobrou. Para esse mundo sem fim, quem te arrastou? Partiste!... Fiquei só! Desventurado Pede a Deus, a quem por ti tenho rogado, (embora infeliz... para quem tudo se quebrou) Partiste, morreu tudo neste mundo... E minha Mãe, oh Pai, sempre a chorar E eu choro, desde o dia em que, moribundo, Te segurei... morreste pai... Agora, e então Depois de tudo, me vês, sempre a chorar, Chorará eternamente, Senhor, meu coração! Os sete meninos órfãos, depois da morte do pai, passaram a conviver, no dia a dia, com os tios Alexandre e Hermínia (que moravam em frente à sua casa, do outro lado da rua) e Rozaura e Manuel Marques, que também eram praticamente vizinhos. Casais sem filhos, muito dedicados aos sobrinhos. Com a mãe doente, durante meses, incapaz de reagir, a Leninha foi acolhida pelos tios Hermínia e Alexandre e, mesmo depois de voltar, sempre ficou ligada a eles, repartia o seu dia entre as duas casas. O mesmo aconteceu a minha mãe, com os tios Rozaura e Manuel, seus padrinhos. Depois de casada, viveu anos em casa dessa tia, já viúva, e, mais tarde, levou-a a morar consigo no Porto e em Espinho. Uma verdadeira segunda mãe! Nesse ano de 1926, a tia Rozaura convidou levaram Carolina, a mais visivelmente afetada, a acompanhá-la numa peregrinação a Lourdes. A Lininha era a mais devota dos irmãos, e a única que gostava de acompanhar a mãe na sua missão de visitar presidiários e velhinhos acamados, de ajudar os pobres, de levar criancinhas á pia batismal e de persuadir os pais, que viviam “em pecado” a casar catolicamente. Enfeitava altares e tocava o órgão da igreja… Durante a guerra, faria, já casada e mãe de filhos, o curso de enfermagem, ao serviço da Cruz Vermelha. Éramos felizes e não sabíamos ~Apesar de sentirmos a falta do nosso Pai, eu e os meus irmãos éramos felizes e não Apesar sabíamos. A única falta nas nossas vidas (ainda tão jovens) era aquele lugar na mesa da grande sala de jantar, o do Papá (como a nossa Mãe dizia) ocupado, então, pelo meu irmão António. A Mariazinha e a Lolita não conservam memória muito viva, nem dos dias felizes, nem dos dias de chumbo que se seguiram. Com tão pequena diferença de idades sempre se viram e trataram como gémeas. Numa certa fase, até foram do mesmo tamanho, mas ano em que fizeram, ambas, a comunhão solene, já a Lolita ultrapassava, em vários centímetros, a mais velha…. Eram inseparáveis nas brincadeiras, num espaço que ambas descreviam como o seu paraíso de infância, uma vila dentro da vila, onde tudo fora pensado para uma família grande, o casarão, o jardim, e, para trás, pomares, hortas e vinhas, muitos cantos e recantos, o chalet (que fora projetado para cocheira ou garagem), a casa do forno, a casa da eira, os mirantes, o da frente (face às janelas da casa do tio Alexandre) e o das traseiras, com vista para campos a perder de vista. O muro alto que rodeava toda a propriedade, fechava-a ao exterior, abria- o a todas as crianças. que, no interior, podiam andar à solta. Trepavam as árvores, que dividiam entre si (cada uma dando licença à outra para subir, a provar a fruta do seu domínio…), escalavam os telhados, saltavam dos mirantes… Sem se darem conta, transitavam do mundo protegido e privilegiado do pai (ou dos pais), para o de uma mãe solitária, com as suas angústias, regras e limitações. A mãe, elegante e sociável anfitriã de festas, em que o marido era pródigo, estava convertida num vulto negro e austera. De longo e depressivo isolamento saiu, por fim, para a igreja, a procurar respostas para o absurdo da sua vida, primeiro passivamente, depois crescentemente envolvida no voluntariado, em trabalho de campo quotidiano. Foi a respeitada viúva do estimado empresário, enquanto a sua memória esteve presente, por fim, tornou-se, ela própria, Maria Aguiar, voz influente, líder universalmente admirada na sua terra. A matriarca, a referência da família Aguiar. Éramos, todos, os filhos e os netos da Senhora D. Maria Aguiar. E a sua Villa Maria foi sempre centro de agregação familiar e de grandes convívios, não já de tertúlias políticas, masculinas, mas de reuniões das senhoras da “Obra das Mães”, de padres e seminaristas, de militantes da juventude católica. Ali se acolhiam freirinhas de passagem por Gondomar, e professoras recém-chegadas, até encontrarem alojamento. Como minha mãe dizia, era uma espécie de prolongamento da residência paroquial… A avó Maria escolheu a solidão, com muita gente em seu redor. Nunca pensou num segundo casamento, fidelíssima à memória do marido, sempre de luto vestida, de negro, cinzento ou roxo, a sua cor preferida. Não teria sido essa a opção dos filhos, sabedores da proposta de, pelo menos, uma proposta de casamento do Senhor Cunha, padrinho da Lolita, o banqueiro, que fora parceiro de negócios do marido. Dizia a avó Maria que os dois eram, não só amigos inseparáveis, como também, fisicamente parecidos. O Senhor Cunha gostava, certamente, muito daqueles meninos irrequietos, e, com certeza, sempre admirara, a respeitosa distância, a mulher do amigo…. E as crianças, por seu lado, gostavam dele, e aceitá-lo-iam, sem reservas. Quando se falava do assunto, soltavam exclamações do género: “Oh, mas porque é que a mamã não casou com o banqueiro?” Tinham consciência de que com ele teriam podido continuar no mundo de seu pai, com pontes ao Brasil e a mais largos horizontes… Outros lugares da memória Da Villa Maria, as meninas só saiam com a mãe ou com sua permissão, entregues a tios ou criadas com estatuto de muita confiança… Mas no verão, partiam de férias, um mês na Foz, e outro nas termas – Vizela, Gerês… FOZ os fatos de banho... VIZELA - Ficavam, em regra, numa pensão que pertencia ao Sr João e à Senhora Mariquinhas, pais da Aurora, de quem gostavam. Era bonita, ruiva e divorciada - uma raridade, então. - Lembram-se também do tolinho que, um dia, viu uma mulher nua nas águas da Mourisca - O Hotel Sul Americano era uma atração, sobretudo o salão, profusamente iluminado, onde pares, elegantemente vestidos, davam espetáculo, em infindáveis danças. E as duas pequenas irmãs olhavam e invejavam os adultos. Quem lhes dera ser grandes para deslizarem também, entre eles, ao som da música. Excelente era um outro hotel, o "Cruzeiro do Sul", mas a Avó Maria mantinha-se fiel à simpática pensão da Aurora, onde a esperavam, anp após ano. - Uma diversão que a idade lhes permitia era andarem de burro, em cima de uma cadeirinha... E mirarem o bazar com muitas bonecas na montra - mesmo ao lado da pensão. Ou a bica de água sulfurosa, que ficava no centro de Vizela. De Vizela para o rio Douro. O Tio Eduardo era um excelente nadador e praticante de vários desporto nauticos. Era dono de uma canoa para duas pessoas, que fazia sucesso entre os amigos. Até que o amigo Licínio caiu ao rio e morreu afogado. No funeral, o Tio chorava e dizia. "Foi no men barco!" De seguida, vendeu a canoa... Minha mãe era ótima a colecionar textos dos irmãos, mas descuidava os seus. Era metódica e ordenada, não tolerava desarrumação (nomeadamente a minha), mas escrevia em folhas soltas, quando não em pedaços de papel irregulares. Vão aparecendo, aqui e ali, em pequenos conjuntos presos por clipes, com conteúdos muito variados, notas, reflexões, recortes de revistas, citações de livros, ou esquemas de obras que nunca começou. E tempo não lhe faltaria, tendo vivido, com a memória intacta, por quase um século. NAS RUAS DO PORTO Para a gente de de Gondomar, o Porto era a capital do País, onde se ia, constantemente, às compras, à modista, ao cinema e ao teatro, às confeitarias e cafés, aos médicos especialistas. O elétrico de São Cosme ao Bolhão, o nº 10, com dois traços, tinha paragem em frente ao portão da Vila Maria A viagem era demorada mas muito agradável e a mãe utilisava-o, com muita frequência e, em tempo de férias, gostava da companhia das ffilhas. O Bolhão estava rodeado de lojas de toda a espécie, e de algumas das suas confeitarias preferidas, como a Villares.. O Grande Hotel do Porto, em Santa Catarina, era lugar de boas recordações, o escolhido pelo marido quando, de longe a longe, decidiam passar a noite na cidade,para um jantar especial ou um espetáculo. O colégio não contava uma parte do Porto, que ali dentro não se via nem se sentia, era uma clausura que podia estar em qualquer ponto geográfico... A cidade alegre, que adorava, só começava para além dos seus portões. Mais do que a mãe, era o tio Alexandre que as levava em excursões ao comércio portuense, às sapatarias, às lojas de roupa ou às livrarias. vestidos, de sapatos, sempre liberal, bem-disposto e complacente. A Lolita era sempre rápida e despachada nas escolhas. A Mariazinha era um caso bicudo... Não gostava de nada, punha defeitos em tudo, sobretudo no que respeita a sapatos.. Corriam a "baixa" inteira, miravam as montras, aqui e ali entravam para ela experimentar vários modelos, sem que ela se decidisse. O tio, paciente, sugeria: : "Vai olhando e quando vires uma menina com uns sapatos de que gostes, diz-me e eu pergunto à mãe onde os comprou e levo-te lá". Irremediavelmente exigente e complicativa... Não sabemos, com certeza, como a julgavam os outros, as amigas, os professores, os parentes, mas ela própria se descreveria assim, numa idade avançada:: Não sou bonita, nem feia, sou simpática, Fui sempre muito simpática (isto não é narcisismo). E fui, em tempos, há muitos anos, uma rapariga interessante, pequena, bastante pequena, mas cheia de saúde, extuante de vida, de vida e de alegria, que transbordava por todos os poros do meu corpo. Diziam, até, que tinha muita graça, aquela graça natural de uma rapariga que da vida só queria a vida e nada mais. E o fulcro da vida era o amor. De uma sensibilidade doentia, muito sincera, expansiva e nada egoísta. Na verdade, o auto-retrato, no que respeita à beleza física, pecará por excessiva modéstia. Para a tia Rozaura era a rapariga mais bonita de Gondomar, na sua geração. O tio Alexandre achava-a parecida com uma irmã do futuro cunhado António Aguiar, segundo ele, lindíssima, por quem fora apaixonado na juventude (Florinda?). João, o futuro marido, quando a conheceu, notou as suas semelhanças com a famosa atriz Paulette Goddard. Os rapazes com que namorou, às vezes, simultaneamente, também a consideravam uma beldade.... E, acima de tudo, tinha e teve até aos últimos dias, acima de tudo, carisma. E há ainda muitas horas de conversas gravadas em vídeo. mmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvv O COLÉGIO O Colégio da Esperança, nunca foi para as manas Mariazinha e Lolita, um lugar de boa esperança - tudo o que queriam era fugir de lá. No 1º anos, passaram o tempo a arquitetar planos de fuga, nunca concretizados... De boa memória é, contudo, a sala de piano do colégio! A Profª Margarida Portela, que era uma extraordinária executante, considerava-a uma aluna especial, uma futura grande pianista, e ofereceu-lhe as valsas de Chopin, com uma dedicatória. A Mãe deu-as à única pianista da família na nova geração, a Sameiro, mas esqueceu-se de copiar a dedicatória,e tinha muita pena desse esquecimento. Nas festas, as pianistas eram sempre a Mãe e a Amélia Moreira, de Avintes - chegaram a tocar a quatro mãos, Amélia morreu jovem, vítima da tuberculose, como a Celina. Foi a costureira da terra, que conhecia a mãe da Amélia que quis e conseguiu que se encontrassem, A senhora pediu-lhe que tocasse no piano, que estava fechado desde a morte da Amélia. Parece que a c. Ah, um pormenor: a professora era muito bonita e tal como a Mãe, muito míope... Outras memórias do mesmo lugar: Aí lhe roubaram-lhe uns brincos muito bonitos, dados pela Tia Rozaura. E ela até viu, a rapariga a mexer nas suas gavetas, mas hesitou. Depois, a Miriam, que também era amiga da ladra, pediu-lhe que não a denunciasse. E, assim, nunca mais recuperou os brincos... Há outro relato de um roubo de brincos, com especial valor afetivo, porque tinham pertencido à Tia Glorinha. Não foram achados, mas a ladra foi chamada à diretora e expulsa. Esteve lá apenas no 3º ano do Liceu e, no dormitório ficava ao lado da Mãe, Do outro, estava uma grande amiga a Fernanda Malen (que viria a ser freira). Anos mais tarde, numa reunião de antigas alunas, a Mãe encontrou a ladra. Talvez tenha sido nessa ocasião , tantas décadas depois, que a Miriam lhe pediu que fizesse silêncio sobre o escândalo.antigo . faz mais sentido... Os dormitórios estavam separados pela sala de piano. O das mais pequenas completamente aberto, sem cortinas. O das maiores com a privacidade relativa de cortinas que podiam fechar-se . As irmãs ficavam sempre juntas e era aí que planeavam escapadelas e partidas, falando baixinho.. O COLÉGIO DA ESPERANÇA A Maria Antónia passou dois anos num internato de freiras, esperando que a irmã Lolita terminasse a instrução primária, para juntas entrarem no colégio da Esperança. Para ambas, o colégio, foi contrariando o nome, um lugar de desesperança, onde se sentiam confinadas, presas e frustradas. Sem longos carreiros e veredas para correr, sem mirantes e esconderijos, sem telhados para saltar, sem mirantes e esconderijos, nem árvores para saborear a fruta mal amadurecida, trepando aos ramos mais altos. À solta, como se estivessem num pequeno sertão... Choravam noite fora até caírem de cansaço no sono. Ficavam em camas seguidas, em sussurro planeavam fugas que nunca levaram a cabo, (talvez por saberem que seriam recambiadas de volta, depois de castigadas, sem dó nem piedade (já não tinham o pai para se comover com tormentos e lamentos, como acontecera np caso idêntico da irmã mais velha. Um dos planos consistia na escalada dos muros da quinta. outro, que evitava o risco e o prazer de tais proezas atléticas, era, escapulirem-se pela capela que dava acesso à rua e à liberdade por uma sólida porta com grades, fechada por chave de ferro… bastava roubar a chave. Uma vez, estiveram preste a executar este plano B, e foi a colega Maria Laura Horte que, avisadamente, as convenceu a desistir... Não se sabe como tencionavam chegar a Gondomar, se a pé, fazendo uns dez quilómetros por estrada, se utilizando o elétrico. Dinheiro não lhes faltava para pequenas extravagâncias e esta, pelo preço, valia a pena. Recebiam uma mesada do tio Alexandre, vinte escudos para cada uma, com os quais encomendavam a uma recoveira chocolates e toda a espécie de bolachinhas e doçarias. Um plano de deserção, mais discreto, mas sempre de curto prazo, era engendraram uma doença, uma constipação, gripe, pneumonia, se preciso fosse. Para isso, andavam de meias e soquetes molhados, mas eram demasiadamente resistentes, raramente conseguiam resultados.... Da Esperança, no centro do Porto, a poucos quilómetros de São Cosme, só iam a casa nas férias, Páscoa, verão, Natal E só recebiam vistas à quinta-feira, a mãe, o Tio Alexandre, às vezes, os irmãos. Nos últimos anos, também o namorado da Lolita, o Eduardo Fonseca, que era mais velho e parecia ainda mais velho, e se fazia passar por tio, sendo admitido na sala de vistas, nessa confiável qualidade, com natural permissão para dar um beijo na face à falsa sobrinha. Ela aparecia, muito juvenil, de lacinho vermelhos no cabelo e soquetes ou meias pelo joelho. Vermelho era a sua cor preferida, como o amarelo era a da irmã. Numa dessas quintas-feiras, a mãe não pode visitá-las, e mandou em seu lugar o irmão Manuel, com os presentinhos do costume (queijo, marmelada, compotas caseiras...). A certa altura, de repente, ele subiu a um banco, desatarraxou uma lâmpada e meteu-a no bolso, deixando as manas apavoradas. Não conseguiram recuperar a lâmpada, nem a bem nem a mal, ele era mais forte e muito teimoso. Não se sabe a razão do insólito gesto - talvez uma aposta. No novo habitat, não lhes faltavam amigas, entre colegas e professoras, a suavizar tristezas. Eram, na verdade, muito populares, as suas excentricidades davam colorido às rotinas colegiais. Serem chamadas "os galos doidos" dá uma ideia da fama que granjearam. As colegas mais próximas eram a Miriam Cavalier (uma das poucas dessa geração que, depois, faria carreira profissional, como médica) Renia Finkelstein (que veio muito pequena da Polónia, de onde trouxe muitos "pins", uma grande atração) a Zita Seabra (muito bonita, loira, de olhos azuis, mãe da Zita Seabra, antiga deputada do PCP e dos PSD), Fernanda Málen(que haveria de professar como religiosa), a Olímpia e a Julieta (com quem a Mariazinha continuaria a conviver, já depois de casada, em Espinho, onde elas também tinham casa de praia), a sensata Maria Laura, a que as dissuadiu da fuga destinada a fracasso, a Manuela Abrantes (aluna externa, que as convidava para festas, num esplêndido palacete, ali perto. ocasião para saírem da clausura por umas horas, com uma autorização da mãe, primorosamente falsificada). Coisa curiosa é alta proporção de de nomes estrangeiros, a dar o toque cosmopolita a um colégio bem-conceituado e bem situado, onde as filhas da burguesia se misturavam com meninas órfãs de qualquer classe socioeconómica. Muitas eram do litoral, havia um importante contingente de Ílhavo, outras de vários pontos do norte e nordeste, como Olímpia e Julieta, as veraneantes espinhenses. Não era desse tempo o convívio à beira-mar com as Aguiar, que arrendavam casa na Foz velha, em agosto. As melhores recordações da Mariazinha são da sala de piano, as de Lolita, certamente, da sala de visitas, onde namorava com Eduardo, o suposto tio. A Professora de piano era Margarida Portela, uma extraordinária executante e pedagoga faz, que considerava a Mariazinha uma aluna muito especial, uma pianista com futuro em perspetiva. Ofereceu-lhe as valsas de Chopin, com dedicatória. Muitas décadas depois, deu-as à única música da família da nova geração, a Sameiro (que terminou, em simultâneo, os cursos de Medicina e do Conservatório de Música), mas esqueceu-se de copiar a dedicatória, e sempre lamentava o esquecimento. Em programas de festas, as pianistas eram sempre a Maria Antónia Aguiar e a Amélia, uma colega de Avintes, com quem chegou a tocar a quatro mãos, Amélia morreu jovem (mais uma vítima da tuberculose, como a inesquecível Tia Glorinha). Nas temporadas que passava em Avintes, depois de casada, a Maria Antónia recorria a uma boa costureira da terra, muito engraçada e tagarela, que conhecia meio mundo e logo descobriu, em conversa, como descobria tudo o mais, que tendo a nova cliente andado no Esperança fora contemporânea da famosa menina Amélia, para cuja mãe continuava a fazer os arranjos da roupa e a quem prontamente transmitiu a novidade. Foi a mediadora de um primeiro convite para a Maria Antónia a visitar, que, depois, se tornou visita frequente. seguido de vários outros. Morava, por acaso, muito perto dos seus sogros. Para ela, abria o piano de Amélia, que mais ninguém tinha tocado desde a sua morte. e ficava a ouvi-la, encantada... A professora Margarida era muito bonita e tal como a boa aluna de Gondomar, muito míope. Esta, além de míope, condenada a óculos de lentes grossas, (que, por vaidade, tirava sempre que podia, sem risco de tropeçar e cair) era praticamente cega do olho esquerdo, o mais azul, contrastando o direito, o esverdeado. Uma das mais melancólicas recordações dois a do roubo de jóias de que foi vítima. Mesmo nos bons colégios há sempre uma ou outra ladra, é uma fatalidade estatística… A mamã, porém, nesse aspeto dera muito liberal, eixava-as arriscar. E assim ficou sem uns brincos lindíssimos que tinham sido da Tia Glorinha, dados pela Tia Rozaura. E até viu, a rapariga a mexer nas suas gavetas, mas hesitou - mais expedita a escalar telhados do que a denunciar colegas. A larápia não parou por aí e acabou por ser chamada a capítulo, e expulsa, sem nunca devolver a maioria dos objetos surripiados. Como no dormitório ficava ao lado da Mariazinha, foi-lhe fácil observar os seus movimentos, a vasculhar gavetas sem chave. Expulsa a delinquente, passou a ter a melhor da vizinhas, a Málen, futura freira. Décadas mais tarde, numa reunião de antigas alunas, olhou em volta e reconheceu a ladra (mau caráter e descarada!). A pedido da Miriam guardou silêncio sobre esse escândalo do passado distante... . Os dois dormitórios, o das pequenas e o das veteranas, eram vigiados por uma encarregada, de nome Beatriz, e estavam separados pela sala de piano. O das mais pequenas era aberto, sem divisórias, no outro, as adolescentes gozavam a privacidade relativa de cortinas, que podiam fechar. Na sala de piano, a Mariazinha imaginava-se num salão de concertos, sonhava alto, sem saber que os únicos palcos que a mãe lhe permitiu pisar seriam os do colégio e os do Teatro Nuno Álvares de Gondomar. Pela vida fora anos atraiu com as suas canções, as suas histórias e benignas excentricidades, apenas a família, em gerações sucessivas. Curioso é que até o seu dentista, um dia, sem saber das suas ambições secretas. lhe disse: "Devia ter sido atriz. Vê-se que tem jeito!" Até mesmo na cadeira do dentista representava bem a sua personagem. "Tem a certeza de que isso está limpo? Não usou essa agulha nos dentes do homem que saiu daqui quando eu entrei? NAMORADOS Duas gémeas na proximidade, nas confidências e nas aventuras, na audácia, mas muito diferentes no temperamento, nas escolhas sentimentais e na vida que viveriam pelos casamentos. Lolita foi a primeira a prender-se a um namorado, que seria o único. Não o único marido, mas a única paixão da juventude, pela qual desafiou a mãe, para quem ele, o Eduardo d´Ascensão Fonseca, embora de boas famílias, com quem socialmente convivia, era um perigoso ateu e boémio. Mais ou menos como dois dos seus três filhos, que, porém, não podiam, naturalmente ser enjeitados ou rejeitados como os pretendentes de teimosa adolescente de 15 anos. Eduardo não tinha pressa de acabar o curso, era também um desportista polivalente, muito voltado as modalidades náuticas nadador de poderosa braçada e velejador. No rio Douro tinha uma canoa para dois tripulantes, que fazia sucesso entre os amigos. Até que o amigo Licínio caiu ao rio e morreu afogado. No funeral, Eduardo chorava e só dizia: "Foi no meu barco!". Não quis mais ver a canoa. Vendeu-a. ( morte foi muito sentida na terra e, ainda hoje, a sua fotografia está guardada nos albúns - pela imagem parece um rapaz sereno e amável) .Mariazinha, que seria casada com João por mais de meio século, teve uma longa fila indiana de namorados (nem sempre assim tão indiana, pois alguns o foram simultaneamente. Os mais lembrados eram o Albino (não se esquece o primeiro beijo, furtivo, na varanda grande e recatada da sala de jantar), o Adriano e o João. Tal como Albino, este era de São Cosme Jacinto, ambos de São Cosme, com acesso à Villa Maria, pela camaradagem com os rapares da casa. Emboraa vizinhança desaconselhasse a simultaneidade, a Maria Antónia correu o risco. E, entretanto, surgiu um terceiro e o mais interessante de todos. Fernando Marques Ribeiro, um grande amigo de Eduardo, mas, ao que parece, menos dado a "farras" na noite portuense. Era um pouco mais velho e já um pianistanotável, a quem se adivinhava grande futuro. Compositor e maestro, haveria de ser conhecido como o "Chopin português" (o que introduz a dúvida quanto à questão de saber se a paixão da Mariazinha por Chopin, começou no génio polaco ou no brilhante português, mas qualquer que fosse a origem, não teve fim - foi a música de fundo que se ouviu, o tempo todo, discretamente, baixinho, no seu velório, em 2019, no ano em que ia completar 99 anos) Albino estava na tropa e, quando terminou o serviço militar foi festejar com Jacinto e outros camaradas e contaram um ao outro que namoravam a bonita Aguiar. Seguiu-se uma barulhenta discussão sobre "quer era quem" para ela e, sem mais argumentos, envolveram-se numa cena de pancadaria, digna de um filme do "far-west". Um dos circunstantes, Licínio, por coincidência amigo íntimo do João Moreira, que ainda não entra nesta história, e também do Marques Ribeiro, que nela já tem papel central, resolveu satisfazer a curiosidade e perguntar à jovem, que era o pomo da discórdia. Ela olhou-o. encolheu os ombros e disse-lhe. "Olhe, Licínio, eu gosto dos dois". Contudo, acabou logo com o Albino, e, umas semanas depois, com o o Jacinto. Seguiu-se o Adriano de Rio Carreira, sobre o qual não forneceu muitos detalhes. Foi relação de pouca dura. Entretanto, todos aquelas desventuras e anomalias, tinham chegado aos ouvidos de Marques Ribeiro, que numa última visita à Vila Maria, onde era sempre bem recebido pela Senhora Dona Maria Aguiar, encantada por poder ouvi-lo tocar piano, a repreendeu severamente, mostrando-lhe que era muito acriançada e que voltaria a procurar a sua companhia quando fosse mais ajuizada. Já lhe tinha dirigido um convite para atuar com ele num concerto no Porto - a que a mãe se opôs firmemente - mas pensava, com certeza noutras parcerias mais duradouras. E se tivesse casado com ele, decerto que o caminho para os palcos lhe estaria aberto. Todavia, ele, (que continuava a carreira em Lisboa), voltaria tarde demais, já ela estava há uns meses consorciada com o João, o seu poeta particular. Da música para a literatura... Pensando nesses tempos, deixaria um pequeno texto em que lembra as ilusões de então, que só verdadeiramente se perderam nos anos 60, ao fim de duas décadas de casamento: "Sonhos meus, audaciosos, inquietantes, insatisfeitos - como eu, uma insatisfeita - sonhos belos de um amor quase perfeito. Mais de uma vez desci o Crasto num voo pleno de graça e leveza. Senti mesmo os pés a levantarem-se do solo e voei acima daqueles queridos pinheirais, eucaliptos e mimosas, voava em direção a minha casa. DITOS E ESCRITOS DA MARIA ANTÓNIA AGUIAR A pequena Maria Antónia, excelente aluna a História e a Geografia, sempre muito dada a recolhas de natureza cripto-etnográfica, (no que terá sido influenciada pelo exemplo da Tia Rosaura de quem também se conhecem apontamentos soltos sobre mezinhas e rezas das mulheres do antiquíssimo Gondomar, anotou os lugares, que faziam os seus encantos - o Barroco, a represa de Cascaneira, entre a Gandra e Ramalde, Bouça Cova, Azenha, Ermentão, Rio Carreiro, Fontela, Ponte Real, São Miguel, Pevidal, Santo André... E, também, expressões, nomes e alcunhas, que lhe despertavam a curiosidade, como Pojeiras,Restivos, Cabaças, Jeque-Jeque,Tarré Fome Negra, Caga Troços, Carriças, Pilha Galinhas,Patacas, Pirabeca, Arregalados, Folhetas, Estabões, Bagulho,Parraxila, Chasco, Varetas, Melros, Pisco, Choco, Pimpão, Pinguinhas, Pombalinos, Toca- certo (um músico, evidentemente)...... Menos invulgar o nome de Isidro Izidoro, que, todavia, fez história, quando deixou dito que, nas exéquias, queria levar um cravo vermelho na lapela. Era ela uma criança, mas conseguiu que a levassem a vê-lo. A Maria Póvoas, fez-lhe a vontade, às escondidas da família... VERSOS PARA GONDOMAR 1930 aprox postal de GONDOMAR.jpg OH, MEU GONDOMAR Oh, meu Gondomar, minha linda terra Tu que embalaste o meu 1º amor Porque não levar-te presa nos meus braços Oh, meu Gondomar, para onde eu for? Encantamento que nunca esqueci Roseiral em flor desse meu jardim Tanta rosa murcha pelo chão caída. Mas tanto botão a abrir para mim... Gondomar, meu berço, capital do mundo És a minha casa, és o meu jardim Foste tu que viste os meus primeiros passos E irás guardar-me, ao chegar ao fim. 1933 MÃE.jpg Procuro-me e não me encontro E fico parada assim A chorar, meu Deus, porquê? Por ter saudades de mim! À CONVERSA SOBRE O TIO ALEXANDRE (conversa comigo, a 7 de fev de 2012) "Já atravessaste os Pirinéus?" Disse que sim. Continuou:"E paraste em alguma aldeia?" "Que me lembre, não; talvez, não sei..." Era para saber se eu tinha visto artefactos de lã dos Pirinéus. Depois, falou dos Xailes de lã (dos Pirinéus, certamente), que o Tio Alexandre lhe ofereceu, durante um passeio pelo Porto. Um era cor-de-rosa, comprado numa loja dos Clérigos, na Rua dos Lóios. Outro beije. A Tia Lola não quis nenhum e ela aproveitou o que devia ser para a mana Ambas iam com ele, muitas vezes, à baixa da cidade. No verão lanchavam sempre na Brasileira. Mandava vir enormes pratos de bolos e insistia: "Comei os bolos todos!". Nas outras estações, às vezes, gostava de ir a um pequeno café, na esquina em frente à Brasileira, na rua que vai dar à Av dos Aliados, ou a um outro, junto à Igreja dos Congregados. Ótimo, até tinha música! Descia-se para a rua por um pequeno degrau. O Tio era um homem encantador, nessa altura, já de meia idade. Em novo, dizia a sobrinha, "era muito bonito, parecia o Gregory Peck" UM ZEPPELIN EM GONDOMAR (relato recolhido no início de 2019) Já a guerra tinha terminado, quando, em pacífico voo turístico, um enorme avião, diferente de tudo quanto se conhecia, atravessou os céus de São Cosme, sobre o Monte Crasto. A aparição foi olhada com pasmo e emoção. Segundo a Mãe, testemunha visual, parecia um gigantesco melão voador! Estava no quarto e a criada foi buscá-la, aos gritos - uma a quem chamavam "Maria nariz de pau". Correu para a varanda que ficava à saída da cozinha, ainda a tempo de se extasiar com o espetáculo - aquela "coisa" estranha, que avançava, lenta e majestosamente, como as suas dimensões e peso permitiam, Um prodígio, como gorga baleia que voava feita pássaro. Era meio dia. Para além da providencial Maria nariz de pau, não se recorda se a mãe e alguns dos irmãos partilharam com ela a singular experiência. Talvez não. Mostrei à Mãe as maravilhas da internet, Procurei em Zeppelin e logo apareceu a precisa imagem do que ela vira numa manhã dos anos quarenta. Lá estava, tal qual ela o descrevera... Não tinha uma máquina à mão para fotografar o momento... . COM AMÁLIA NO CAFÉ RIALTO e VIRGÍLIO TEIXEIRA NO PRAIA GOLFE A Mãe e a Tia lola adoravam a Amália, cantavam as suas músicas constantemente - não tão bem, porque isso é impossível, mas muito bem. A primeira vez que a viu, de perto, foi no Café Rialto, lindíssima, vestida de preto... Muitos anos mais tarde, falou com ele, várias vezes ao telefone, quando ela estava em casa do primo e nosso amigo Dr Seabra da Veiga, cônsul de Portugal em Connecticut - um home engraçadíssimo, muito parecido com o tio Zé, em feitio e até fisicamente, com uma diferença: vestia-se sempre muito bem, muito chique... Virgílio Teixeira, o famoso ator, um dos homens mais belos que jamais vieram ao mundo, e um amigo maravilhoso que fiz nas lides da emigração estava em Espinho Espinho, em março de 1995, no Congresso Mundial de Mulheres Migrantes. Em nova, achava-o tão bonito que andava com uma retrato dele (colecionava postais de atores dessa época) na carteira, quando não o deixava debaixo do travesseiro, Depois de casada, apesar de guardar numa gaveta a fotografia, tanto o gabava que marido chegava a sentir ciúmes (antigamente tinham ciúmes por tudo e por nada.. na minha geração já não era assim, sempre considerei normal que o meu "ex" tivesse uma paixão cinéfila por Catherine Deneuve, e ele que eu sentisse o mesmo por Gérard Philippe ou Paul Newman).... Virgílio estava com a sua simpática mulher Vanda, a Mãe também com o marido e conversaram e riram, animadamente... 1995 Espinho Pais V Teixeira e eu.jpg UM CASAL DE CINÉFILOS O cinema, nos anos, 40, 50, 60, fazia parte da vida. Ir ver um filme numa sala bonita, (São João, Batalha, Rivoli...) era um ritual que pontuava a semana, como lanchar na Ateneia ou na Villares, tomar um café no Guarani, no Imperial, Estivessem em Gondomar ou em Avintes, o centro da animação era sempre a cidade do Porto. Era lá que tudo acontecia. De tarde, a sétima arte era só para as senhoras (os homens trabalhavam...). A Tia Lina era uma companheira constante. Quando gostava do espetáculo repetia. No São João viram juntas a Madame Butterfly três vezes! À noite, geralmente ao sábado, o acompanhante era o marido. Ambos muito chiques, como então se usava, visto que havia dois intervalos, ocasião propícia de olhar e comentar "toilettes". A Mãe punha os seus óculos escuros (muito graduados), mais uma extravagância, pois na altura, ninguém mais o fazia e, nem era muito prático, suponho, pois veria, no ecrã, as imagens escurecidas... Mais difícil era a conciliação de gostos. Ele tendia para filmes de ação, de guerra, westerns", policiais. Ela adorava comédias, Cantinflas, Doris Day. Talvez o ponto de consenso um bom drama, com os grandes nomes de Hollywood. Havia tempo e ocasião para alternarem os géneros. Começavam a noite, antes do filme, sempre num café, onde ele bebia mesmo café e ela um "peppermint" e no café, de novo, terminavam o serão, antes do regresso a Gondomar (ou a Avintes, onde também passavam temporadas).. Depois, quando a Lecas e eu tínhamos 6, 7 anos, levava-nos, às vezes, a "matinés". E eu tive de suportar as comédias do Cantinflas, que já dessa tenra idade, considerava excessivamente "infantis" - habituada que estava a ir ao cinema com o Avô Manuel assistir a espetáculos sérios, incluindo westerns e operetas, tão do agrado desse querido avô, o mais cinéfilo de toda a família.... OLD FRIENDS Falava-se do ISCTE, do seu aniversário, e a Mãe relembrou os tempos em que o Pai ali estava a terminar o seu curso de sociologia, em que ela o acompanhava em frequentes idas a Lisboa. Aos voluntários do Porto os professores davam, também como "voluntários" (noutro sentido). aulas especiais nos fins-de-semana e enquanto o pai assistia às aulas, de vez em quando, a mãe combinava um encontro com o velho amigo Maestro Fernando Marques Ribeiro. Para falarem dos tempos da juventude e daquele romance interrompido para sempre. Se o pai ia diretamente do ISCTE para minha casa, o Maestro levava-a de carro à Av do Uruguai. Nunca contou nem a marido nem a filha. Que pena! Eu gostava tanto de o ter conhecido! Impossível no caso de Celina, desaparecida anos antes do casamento do seu viúvo com minha Mãe e tão fácil no caso do Maestro, que, então, vivia em Lisboa, como eu... Assim, tal como Celina, Marques Ribeiro é uma imagem guardada num retrato. Mais uns fragmentos de histórias que fui recolhendo.. 1940 aprox Marques Ribeiro pianista.jpg1950 aprox JFernado Marques Ribeiro.jpg 1935 Celina VIANA carnaval.jpg Celina Viana, a primeira mulher de meu Pai, em época de Carnaval Carnaval QUERIA SER ATRIZ OU PIANISTA O seu sonho de ser pianista ou atriz, não se concretizou...Os únicos palcos que pisou foram os do Teatro Nuno Álvares de São Cosme. .E, pelos anos fora, atraiu com as suas canções, as suas histórias e as suas benignas excentricidades, a família próxima, um grande número de sobrinhos netos e bisnetos. Curioso é que até o seu dentista, o Dr Morris, um dia, sem saber dessa ambição secreta. lhe disse: Devia ter sido atriz. Vê-se mesmo que tem jeito!" Até na cadeira do dentista representava bem a sua personagem. "tem a certeza de que isto está limpo? Não usou essa agulho nos dentes do anterior?" E o Dr Morris, simpático e bonito odontologista respondia: "Claro que sim, serve para todos e nunca é limpa!" A Maria Antónia gostava de médicos bonitos. E foi tendo vários, ao longo da vida, o anterior dentista, do Porto, o Dr Figueiredo, o Dr Guimarães, o cardiologista...Até no hospital de Gaia, um mês antes de morrer, o neurocirurgião era um rapaz alto, loiro, de expressivos olhos azuis. E o motorista do táxi que nos trouxe para casa, também. Ao Doutor tratou-o por tu, começando por perguntar "És meu sobrinho?" Quando ele veio falar comigo, para lhe dar alta, informando que o TAC estava perfeito, disse-me: "Está muito bem. Só achei um bocadinho confusa, porque me julgava um sobrinho! Esclareci que não era assim tanto anormal, pois era senhora de muitos sobrinhos, alguns médicos, (sendo certo que os médicos não me parece que tenham olhos azuis) . Mas confusão não era - talvez, sim, uma maneira de fazer conversa com um jovem interessante, que poderia ser, mas não era, da família. 1950 VILA MARIA O PIANO.jpg O piano da sala de visitas da Vila Maria, onde todas as meninas tiveram aulas de piano (conversa a 1 de agosto de 2012) O Colégio da Esperança, FORMATURA DA MARIA DO SAMEIRO Deu-te Deus essa fé determinada Dos que sabem seus sonhos realizar Que nasce em ti, em cada madrugada, A Estrela que brilha em teu olhar Esse teu ar esbelto e elegante Esse andar airoso de gazela Teu olhar sereno e confiante Sejam eco da tua Boa Estrela Espinho, Março 1988 RESPOSTA A NITA verão 1978 E das arribas do mar agradeço a atenção Bem quis logo responder, mas não tinha a direção 23 - 8 - 79 O postalzinho da "praxe" cá chegou, muito obrigada Agora espero a visita Dessa minha "sobrinhada" (Para a Nita, Sameiro, Rosário, Lisa e Paulo) 1982 A saudade quando veio veio mesmo para ficar aqui no meio do peito, fazendo rir e chorar Saudade fica comigo, porque já me acostumei Não fujas de mim saudade - de uma vida que te dei --Eu tinha umas tranças loiras E tão loiras eram elas passando em campo de espigas eu parecia uma delas. Saltando muros e leiras Na pressa com que corria Voaram as tranças loiras E só por isso me ria Perverso, inconstante mar revolto como o meu ser Vagas em fúria na procela tenebrosa Ao longe o meu olhar perdido na imensidão deste mar revolto Vem-me a lembrança daquele louco amor que agora é minha solidão Pediste ao mar para me falar de ti ou Ao longe, o meu olhar perdido na imensidão deste mar em fúria, revolto como eu. Vem-me à lembrança aquele louco amor que enche agora a minha solidão O 1º ENCONTRO DOS MEUS PAIS, CONTADOS PELA MÃE 13 de outubro. Um dia de chuva e frio para a missa nova do Padre Eduardo Pinheiro na capela do Monte da Virgem. Levava um casaco comprido cor de rosa (feito por uma modista de alta costura do Porto. Foram numa camionete de excursão, guiada pelo Sr Coelho, um homem simpático, cujas filhas estudavam no Porto, e que era sempre o escolhido nas peregrinações organizadas ao túmulo de Frei Bernardo pela Senhora Dona Maria Aguiar - e a quaisquer outras, Com a lotação esgotada, partiu a camionete do Sr Coelho para o Monte da Virgem A mãe suspeita que o seu 1º encontro com o jovem viúvo João Dias Moreira não foi inteiramente casual, Uma tia materna da Nucha e da Lucinda Aguiar, (sua madrinha, casada com Homero Figueiredo, que foi dono de farmácias no Porto e em Avintes e, depois, em países do sul da América, do Brasil ao Peru), Arminda de Sá era, em simultâneo, amiga de Olivia Capela, mãe do João, e de Maria Aguiar, a mãe da Mariazinha, que já trocavam correspondência e livros religiosos. Morava em Avintes, perto da amiga Olívia e da farmácia de Homero, (junto à Escola do Magarão), e visitava, muitas vezes a casa da Gandra do tio Augusto Aguiar e de sua irmã Leonor. Estavam há pouco na capela, quando chegou o grupo de Avintes, com o viúvo e a mãe. A excursão de Gondomar ficou no fundo do templo, enquanto ele, o eventual viúvo e um amigo alto e moreno estavam junto ao altar.. Na verdade, um era loiro, o outro moreno e a Mãe não sabia qual era o João...No fim da missa, enquanto as senhoras mais velhas se dirigiam à sacristia para os cumprimentos, os jovens saíram para o adro. A Mariazinha distanciou-se, foi ver de perto um cruzeiro, subiu os degraus de pedra e para ler as inscrições gravadas na pedra e ouviu uma voz que lhe perguntava: "Boa tarde, dá-me licença? Olhou para trás - era ele, o jovem viúvo, o loiro... (tão atraente como o moreno!...). Pedia licença para lhe oferecer uns sóquinhos- miniatura de couro, ligados por um fio de prata. Sorriu e aceitou. Ele tinha acabado de os comprar numa lojinha que vendia, terços, imagens religiosas e artesanato. E assim começou a conversa. Contou-lhe que no dia seguinte ia para Lisboa com um primo, o António, visitar a Exposição do Mundo Português. A conversa, porém, teve os seus momentos críticos. Quando ele lhe perguntou a idade ele quis saber: "Que idade me dá?". Não se sabe porquê, talvez por a ver tão magra e pequenina, caiu na tentação de brincar, interrogando: "15 anos?". Mariazinha não achou graça nenhuma e quando ele lhe fez a mesma pergunta, sobre a idade que aparentava, disse-lhe: Não sei... Talvez uns 35..."". Ela tinha 20, ele 22... Logo depois, falaram de música, ela tocava piano, ele violino e o tom cordial foi recuperado... As apresentação formais das minhas (futuras) avós Maria e Olívia foram feitas pela amiga Arminda e a conversa até à hora de partir não foi longa, mas animada e teria continuação.... De Lisboa, João enviou um soneto à bonita menina de Gondomar e,.seguidamente, uma carta atrás de outra. A Avó Maria estava sempre atenta à chegada do correio. Era ela quem abria as cartas, Li-as e só depois as entregava às filhas. Nunca teve de censurar as dele, quase sempre acompanhadas por sonetos românticos, que agradavam a mãe e filha. Um rapaz exemplar, bem comportado, muito religioso, de família conhecida (e abastada), filho único.... Perfil perfeito para um genro! A jovem Mariazinha gostava dele, mas não lhe agradava namorar com um viúvo. Em conversa com a Tia Rozaura, desabafou: " Ó Titia, um viúvo...não quero!". E a tia, avisadamente respondeu-lhe:: "Não te importes. De facto, todos os homens são viúvos. Antes de casar connosco, andaram com outras mulheres. quer estejam vivas ou mortas". Passado pouco tempo, ele telefonou. Na altura, só a irmã Carolina tinha telefone privado. Chamou-a lá a casa e puderam falar, combinando um encontro, que aconteceu prontamente.. E ele passou a aparecer, com frequência. Às 3.00 da tarde, a hora do Terço, ia diretamente para a Igreja, e, depois, acompanhava as senhoras à Vila Maria e ficava a conversar com a Mariazinha no terraço. A mãe entrava e ficava lá dentro, não aparecia mais, mas mandava a Lolita atravessar, de vez em quando, a sala de jantar, que tinha portas largas e vitrais para o terraço... Ao fim da tarde, ele regressava como tinha vindo, a pé, pelos caminhos da Gandra e São Gemil, até Gramido, onde atravessava o Douro, de barco, para Avintes. Anos depois, contou à Mulher que se ela lhe tivesse dito "não" junto ao Cruzeiro do Monte da Virgem, tentaria uma de outras duas jovens presentes, a mana Leninha ou a Teresa "da Pinta" - uma de várias irmãs, todas bonitas, que viviam numa das grandes casas de lavoura de São Cosme. No verão de 1941, a agenda habitual de férias levava a família Aguiar para a Foz e as termas de Vizela, e a família Moreira para Espinho, onde tinham casa de praia na rua 7. Nesse ano, porém, a Leninha estava a recuperar de grave primo infeção e os médicos recomendaram uma longa estadia no campo. Passaram o verão em Branzelo. numa quinta de amigos (Novais da Cunha?), um casarão enorme, e convidaram os primos do João, Alda, Manuela e Maria Helena Capela. O João, também, aos fins de semana. Conviva constante era um Rangel, que morava numa quinta próxima, e que, apesar de ser um pouco mais velho, alinhava bem este grupo numeroso. Não faltava pessoal doméstico, os caseiros da quinta, e as filhas, eram muito prestáveis. Em fins de outubro, estiveram todos numa desfolhada de lavradores... O romance entre Mariazinha e João progredia, e ritmo mais intenso - ficaram noivos e casaram pelo civil a 1 de novembro (continuando nas casas paternas) , e a 15, "a valer", pelos critérios familiares muito católicos, pela Igreja. 1941 Pais Branzelo verão .jpg1941 Mãe T Lola amiga Branzelo agosto .jpg 1941 Pais em Branzelo verão.jpg1941 Pais passeio 14 julho (1).jpg 1941 Pai (restaurada).JPG1941 Mae out.jpg 1969 - A VISITA A PARIS - o diário 2ª feira Em frente à "Cité", à cidade universitária, fica o belo Parque Montsouris, onde fui com a Manela, atravessando o Boulevard Jourdan, De metro, seguimos para o "Quartier Latin", - jardins do Luxemburgo, Panthéon (onde está sepultado Voltaire, entre outros grandes vultos franceses). Almoçamos rapidamente num self service, Wimpy, , mesmo em frente ao Luxemburgo, e descemos Saint Michel, a ver montras, Atravessamos as lindas pontes do Sena, visitamos a catedral de Notre Dame, passámos pela Câmara de Paris, pela Conciergerie, a Tour de Saint Jacques. Tomámos o metro no Chatelet, com os seus longos corredores rolantes. Viemos para a Cité, às 4.00 a Manela fez um chá. Voltamos ao Parque Montsouris. Fiquei junto do lago dos cisnes, enquanto a Manela foi comprar pão, queijos e vinho - um bom jantar (como eu gosto).no quarto dela. Ela foi ao cinema com a Laura, eu preferi ficar no quarto a ler. 3ª feira Fui a Vincennes no carro da Eduarda. A Manela e ela têm trabalhos das 9.00 ao meio dia. Eu estou sentada no bar da Universidade à espera.que voltem. Acaba de se sentar na minha mesa um velhote, sem pedir licença, a tomar uma bebida qualquer. A Manela está a fazer um exame (especializou-se em Direito do Trabalho e eu no bar, em conversa com os "colegas" (chamavam-me colega), num francês horroroso, como o Mário Soares, metade francês, metade português, e até com certas palavras em inglês. Enfim, a Manela ficava furiosa, quando me ouvia falar assim. E, quando a Manela estava a fazer o tal exame, eu, já farta de de passear no jardim (a Universidade tem um jardim enorme), depois de ter estado no bar, encaminhei-me para aqueles grandes corredores e vi a Manela, numa sala, a falar com um homem. E eu, cá de fora, (vamos indo que não entrei) a apontar-lhe o relógio, a fazer-lhe ver que era tarde .vamos embora! Enfim , ela nessa altura não andava tão irritada como agora e, quando me disse que estava a fazer um exame, até nos fartamos de rir. Passámos pelo Bosque de Vincennes e almoçamos em casa. Saímos para o centro de Paris com a Eduarda, que foi ao médico, Estou sentada numa esplanada, junto à Ópera. A Manela e eu viemos, a pé, pelo Boulevard de la Madeleine. Uma das zonas chiques de Paris, Entrei na Igreja da Madeleine, onde a Manela me tirou fotografias, Mais fotografias, adiante, junto ao Maxim's, na Praça da Concórdia. Na viagem para a Cité, há partes em que o metro é aéreo, passei à vista da Torre Eiffel. Fiquei no quarto da Manela, na Casa de Portugal, e ela foi para a Casa britânica., onde havia um quarto vago. 4ª feira Fomos visitar a Torre Eifel, tomamos umas bebidas num bar agradável, no 1º andar, com uma vista lindíssima, sobre o Champs de Mars, que de cima parece uma passadeira gigante, o Palácio de Chaillot, os telhados da cidade e,ao longe, o Sacré Coeur. Daí fomos até à margem do Sena e demos um maravilhoso passeio de barco, de cerca de uma hora. Passámos pela ilha de São Luís, pelos bairros mais bonitos de Paris, onde mora a Brigitte Bardot, Saímos do barco e subimos os Campos Elísios. Havia grandes manifestações. Acho que que por causa da tomada de posse de Pompidou. Os polícias, aos magotes, todos engalanados, e uma bandeira enormíssima, no Arco do triunfo. Qs Campos Elíseos são um encanto! À noite, fomos de carro, com o Padre Micael e o Engº Pires a Montparnasse, belos restaurantes, boites" e cafés, onde se reúne a boémia mais selecta. Lindas "boutiques" em Sèvres Babylone e o contraste dos talhos de Halles, que abastecem de carne a região parisiense. Demos a volta à Concorde, à noite tem mais encanto, assim com a Torre Eiffel iluminada e o Palácio de Chaillot, ou os Campos Elísios. Parámos no carro mesmo em baixo do Arco, com a sua gigantesca bandeira o facho a arder, e as enormes coroas de flores, azuis, brancas e vermelhas, em honra dos mortos de Guerra. Cenário especialmente solene, na altura da posse do Presidente Pompidou. Continuamos para Montmartre, Sacré Coeur, estivemos junto a várias "boites", a de Patachou e outras. Que ambiente, com grupos de músicos, artistas a pintar as suas telas nas ruas, muitos turistas, muita animação. Atravessámos Pigalle, "boites" mais duvidosas, o Moulin Rouge e o Lido. Chegámos à Cité depois da 1 hora 5ª feira Constipei-me, não pude sair à rua. 6ª feira De manhã, ainda fiquei em casa, almocei no quarto. Disse-me agora uma amiga da Manela, que ela andava no corredor às 9.00 da manhã, para não me acordar. À tarde, fomos às Galerias Lafayette, onde andámos horas,. Vimos o Maurice Chevalier, que estava a autografar um livro seu. As Galerias são um mundo gigantesco, com escadas rolantes, que subimos e descemos. Fizemos algumas compras. Fomos, depois, ao mesmo bar onde já tinha estado, perto da Ópera, quando a Manela foi ao famoso otorrino Tirou-me várias fotografias, Tomámos um autocarro já em andamento, o revisor, um preto enorme, segurou-me, mas rasguei a saia... sábado Saímos às 10.00 com a Laura e a Isabel, e tiramos muitas fotografias nos jardins da Cité. De metro, para o Luxemburgo, todas a ver as montras e a fazer compras nas boas lojas do Quartier. com uma pausa para almoço rápido num restaurante de Saint Germain, A pé para a Sainte Chapelle, com os seus vitrais lindíssimos, do teto até ao chão. Andámos num supermercado, como aqueles que se vêem nos filmes. à noite, a Manela foi revelar fotografias para um laboratório com o Padre Mário até à meia noite e eu estive no quarto a conversar com a Laura. Domingo Levantamo-nos cedo. A Manela continua a revelar as fotografias com o Padre Mário, Ás 11.00 a Laura, a Manela e eu fomos ver um filme erótico (na realidade pornográfico - só mulheres nuas e striptease, pretendia ser uma comédia). Saímos a meio. Almoço rápido num self perto do cinema e, depois, foi tempo de cultura. Longa visita ao Louvre, Mona Lisa, Vénus de Milo, Vitória de Samotrácia. pirâmides do Egipto, um túmulo autêntico de Faraó... Chegámos à noite à cité e fomos jantar as três e mais a Eduarda a Gentilly num restaurante. Passámos ao sítio onde existiu a casa da M.me Curie (já demolida) 2ª feira. Dormimos as duas no apartamento. Estivemos em arrumações,. Encontrámos uns escritos do Padre Mário, dentro de uma revista. Estivemos, de novo, em Gentilly, em frente à Casa de Portugal. Fomos a um café, onde a Manela respondeu a uma carta do Manel, que tinha recebido. Acabámos por almoçar num bar da Cité. A Eduarda levou-me de carro até à estação de Austerlitz. A Manela ficou e vai esperar pela Docas, que chega às 5.00 de comboio Na carruagem em que vou está o actor Jean Pierre Casset, mas no meu compartimento são 4 velhos, que já estão a dormir. Dois portugueses quiseram meter conversa, mas não estive para os aturar. Em Bordéus, entrou uma canadiana, muito simpática, conversámos (mal) em francês. Em Irun, atrelei-me ao 1º grupo de portugueses. Vim numa carruagem, que o carregador espanhol me arranjou. - despediu-se, estendendo-me a mão - com um dinamarquês (muito chique), com uma filha de 12 anos. Falámos francês, e à noite, fartamo-nos de rir, os três, porque avariamos uma das cadeiras para fazer cama. Na fronteira, não me abriram mala nenhuma e Vilar Formoso, nem à ida, nem na volta.. Os portugueses que entraram em Paris, foram mandados para a 2ª classe. Em Irun, tornaram a entrar na 1ª, com mais très, de botas grossas e linguagem ordinária, filho da p---, etc. O que vale é o dinamarquèss não entender 1969 MÃE Paris 17 junho.jpg 1969 Mãe em Paris.jpg 1969 MÃE em Paris N Dame.jpg LECAS Depois de nos faltar uma filha, nunca mais se esquece. Tenta-se viver como se pode, mas o coração está sangrando constantemente e nunca mais se é a mesma pessoa... Em noites longas de dor e sofrimento/. meus olhos já cansados de chorar/ Eu peço a Deus que me dê alento/E me deixe contigo conversar A minha adorada, minha confidente, /Conversei contigo, solucei meu pranto /De saudade infinda, que no peito trago/A noite inteira falei e tu falaste Compus outrora poemas desmembrados/sem conseguir dizer o que queria/mas agora, passados muitos anos./a sós contigo (já conseguiria?) (Para a Lecas) Minha adorada, luz da minha vida/A noite inteira conversei contigo/Num pranto de saudade infinda/ que me destrói a alma Sonhos meus, audaciosos, inquietantes, insatisfeitos - como eu, uma insatisfeita - sonhos belos de um amor quase perfeito. Mais de uma vez desci o Crasto num voo pleno de graça e leveza. Senti mesmo os pés a levantarem-se do solo e voei acima daqueles queridos pinheirais, eucaliptos e mimosas, voava em direção a minha casa... Mas fiquei diferente, sim, depois que perdi a minha querida filha. Ela era a minha alegria e a minha vida, era minha e roubaram-ma. Fique perdida num deserto, fiquei sozinha, Que me perdoem todos os que ficaram comigo, ficaram muitos, ficámos todos , menos ela. Que me perdoem, mas eu fiquei sozinha. 1962 MADALENA foto para retrato de NORBERTO .jpg1960 LECAS .jpg 2020 Madalena - oleo de Norberto.jpg RETORNO AO PASSADO EM GONDOMAR Agora, recordo a chorar as pedrinhas da calçada que já não volto a pisar... Ainda tocam trindades na Igreja de São Cosme. Ouvi tocar a primeira carreira para a missa das 7, uma hora antes da missa. !/4 de hora antes, 2ª carreira e, depois, o toque para a missa. Fez-me muitas saudades, ouvir tocar para a Missa. Pareceu-me ouvir a voz da minha mãe a dizer: "Meninas, vamos embora, já tocou a segunda carreira". Tenho saudades de pedir a bênção à minha Mãe e minha Tia... FÁTIMA 1990 MÃE Fátima lugar das aparições 29 abril.jpg Agradeço à Nossa Senhora A VIDA Fátima, 26-4-86 Agradecer, agradeço esta paz diferente, que sinto em Fátima, como se fosse, em cada ano, a primeira vez. E, neste constante turbilhão de sentimentos, que me invade, sinto-me, aqui em Fátima, mais benevolente e compassiva, são só três dias de "tratamento", mas já é bom para o meu espírito cansado e atormentado. Parece que renasci, aqui, hoje. Fátima, 27- 4 - 89 (A MANELA) Corria veloz. cheia de energia/ceifando flores do belo jardim./Protestos e ralhos. Como elea se ria.../São minhas as flores, são todas para mim... Manelinha, mas isso é maldade /dizia-lhe alguèm, decerto era eu./Intervinha a Avó, ar de cumplicidade, /São dela, claro, foi Deus que lhas deu É muito inteligente, não precisas ralhar. Um anjo a menina e só eu a entendo. Só a Avó a sábia levar... E aquele anjo, menina vestida de anjo, de asas partidas, cabelo em desalinho, laçarote perdido, ia para a procissão. Eu peço a Deus para te acompanhar O tempo vai passando e a saudade fica connosco pela vida fora 1947 eu na procissao anjo amarelo.jpg1948 Avo Mae e eu.jpg NOS 50 ANOS DA MANELA Tempestade traz bonança o passado traz saudade, a vida é sempre esperança, busca da felicidade Passa um ano, entra a saudade mil beijos para ti, meu bem a maior felicidade te deseja sempre a mãe Espinho, 8-6-92 1992 Meus 50 M Carmo Mãe eu T Lola Sameiro.jpg SAUDADES Saudade, palavra amarga e doce. Saudades da minha linda terra, S Cosme de Gondomar, onde imperam os grandes artistas de filigrana de ouro. Saudades do meu Monte Crasto majestoso, donde em noites de luar (esse luar ímpar das noites de Natal, que eu guardo na minha memória e recordo comovida), se abrangia toda a minha terra, banhada de um manto de prata. Saudades daquela prenda do menino Jesus, que a minha querida Mãe, com tanto carinho, pòs debaixo do meu travesseiro: uma linda pulseira de prata, toda feita de margaridas, que ainda hoje guardo, com todo o meu amor. Saudades da minha mocidade, dos meus amores, das minhas ilusões, dos meus tempos de colégio, de minha casa, do meu jardim cheio de flores, do meu piano, meu confidente, o meu piano, que escutou tantas histórias de amor, Saudades da minha Terra, a minha casa, os meus Natais. 1930 Monte Crasto Avó Maria e filhas.jpg De todos os sentimentos humanos, nenhum mais natural do que o amor pela Terra, pelo vale, ou pelo bairro onde crescemos. A nossa Terra aviva-nos as recordações mais familiares (íntimas), mexe com as nossas emoções mais profundas. Tudo o que faz parte dela, pertence-nos, em alguma medida, e, decerto forma, nós fazemos parte dela também, tal como a folha pertence à árvore. Saudade, palavra amarga e doce. Saudades da minha linda terra, S Cosme de Gondomar, onde imperam os grandes artistas de filigrana de ouro. Saudades do meu Monte Crasto majestoso, donde em noites de luar (esse luar ímpar das noites de Natal, que eu guardo na minha memória e recordo comovida), se abrangia toda a minha terra, banhada de um manto de prata. Saudades daquela prenda do menino Jesus, que a minha querida Mãe, com tanto carinho, pòs debaixo do meu travesseiro: uma linda pulseira de prata, toda feita de margaridas, que ainda hoje guardo, com todo o meu amor. Saudades da minha mocidade, dos meus amores, das minhas ilusões, dos meus tempos de colégio, de minha casa, do meu jardim cheio de flores, do meu piano, meu confidente, o meu piano, que escutou tantas histórias de amor, Saudades da minha Terra, a minha casa, os meus Natais... 1931 MÃE na Vila Maria.jpg 1928 AVÓ MARIA e família Villa Maria (1).jpg Não posso olhar para a nossa casa, a casa da minha Mãe, sufoco de saudades, e as recordações são tantas! Festas de Natal, os risos das crianças, o cheiro das rabanadas, o cheiro da minha adorada casa. Tantas Páscoas = o compasso!), casamentos… E, de repente, pela minha cabeça passava a minha meninice, adolescência, as nossas gargalhadas - éramos sete - as reprimendas da nossa querida Mãe. "meninas (a minha irmã Lolita e eu passávamos a vida a rir):não riam tão alto, não é bonito". Além disso, muito riso, pouco siso" Dentro daquelas paredes guarda-se a história das nossas vidas, meus irmãos, minha Mãe, quantas alegrias, quanto amor, e quantas tristezas também! Parece mentira que tanta história caiba dentro daquela adorada casa. Desci aquelas escadas para me casar na Igreja da minha Terra. Depois, e a história continua, ali nasceram as minhas filhas. Mais risos, mais gargalhadas. tudo se repete. é a nova geração! 1970 VILA MARIA gr natal .jpg COMPASSO NA MINHA TERRA Corações cantando almas em flor, flores em casa e no jardim também. Vem o compasso - é Deus, é amor. Pela aldeia fora campainhas a tocar. Flores desfolhadas e "verde" pelo chão, Aí vem o compasso, aí vem a Cruz a chegar. Pojeiras onde os criados da minha Mãe iam buscar verdes para pôr no chão - fora do portão, do portão até ao terraço e pelas escadas acima, o percurso que, no domingo de Páscoa fazia o cortejo do compasso. Alguns anos antes, íamos com a Nucha buscar fetos e verdes ao Barroco. Tão lindo! Era um vale entre a Gândra e Pevidal. MÊS DE MAIO Mês de maio, minha aldeia tão linda, tão florida. Ao entardecer, subíamos o Monte Crasto, para as novenas do "mês de Maria". Eu tocava o pequenino órgão do coro da capela de Santo Isidoro. no Crasto, a Lolita e outras raparigas, como nós, cantam coisas tão belas... Não sou bonita, nem feia, sou simpática, fui sempre muito simpática (isto não é narcisismo...). É verdade. E fui em tempos, há muitos anos, uma rapariga interessante, pequena, bastante pequena, mas cheia de saúde, estuante de vida, vida e alegria, que transbordava por todos os poros do meu corpo. Diziam até que eu tinha muita graça, aquela graça natural de uma rapariga que da vida só queria a vida e nada mais. E o fulcro da vida era o amor. De uma sensibilidade doentia, muito sincera, expansiva e nada egoísta. 1941 MÃE na Vila Maria.jpg 23-2 - 74 PORTO (um sábado) Primavera nos jardins, primavera nas casas e nas pessoas, sim, porque entrou também a primavera nos corações de cada um. Minha terra tão linda, estás perdida, mas eu encontro-te, minha rainha. Minha terra coroada de mimosas, A tua coroa é o Crasto. Sala de visitas das gentes de Gondomar e de tantas outras. Minha terra, berço de todos os meus... Não é a minha vida que vou passar ao papel, são várias vidas, porque terei de lembrar antepassados e contemporâneos... ESQUEMA de BIOGRAFIA 4 partes 1ª - nascimento e vida em família 2ª - internamento no colégio 3ª - regresso a casa aos 18 anos: namoros 4ª - casamento e peripécias seguintes 22 - 7 - -92 Um sonho Eu vinha de cima, a chegar a casa, e vi a entrar na minha porta a minha Tia, a minha Mãe e várias crianças. Cumprimentei a minha Tia, dei-lhe dois beijos, e ela abraçou-me. A minha Mãe estava mais adiante. Dentro não era a minha casa de Espinho, era aquela sala antiga, muito grande, com um quarto à esquerda, uma porta em frente à porta da rua, que dava para dois quartos interiores, à esquerda do corredor a cozinha e a sala de jantar, ao fundo, com porta e janela para o quintal. Cumprimentei também a minha Mãe, dei-lhe dois beijos, ela também me abraçou. Numa alcofa estava uma criança muito linda e elas disseram-me as duas: "é a Marta, a Martinha, vai ver que é bonita". Aproximei-me, uma dizia: "é parecida com o Avô" (o meu Pai) e eu chamei a Manela, peguei na menina e os olhos eram tão azuis, tão azuis (como eu nunca vi, ou antes, devia ter visto, deviam ter sido assim os olhos do meu irmão Manuel). A criança era lindíssima e era tal e qual este retrato do meu irmão (Manuel), que eu tenho aqui no quarto. Entretanto, a minha Mãe sentou-se numa cadeira e encostou-se a uma mesa, com a mão na cabeça. Eu perguntei: "O que tem a Mamã"? "Estou com azia", e eu virei-me para a Olívia e mandei-a fazer um chazinho" A minha Mãe e a minha Tia diziam: "Quem muito dorme, pouco aprende (ou seja. é estúpido) A CASINHA DA PEDREIRA Queria voltar a ver as camélias a florir, as laranjas a crescer. Queria voltar a ter na minha mão pintaínhos acabados de nascer Queria voltar a ver o jardim, a capoeira, a horta - querida Maria - que te enchia de canseira Limonete ao fim da escada Alecrim pro's ramos bentos toda uma festa, a ramada a casinha, tão modesta, com o nicho e a cantareira... Hoje, recordo a chorar as pedrinhas da calçada que já não volto a pisar. 12-6-93 ESPINHO Ontem fui a Gondomar ao baptizado do António, filho da Ana e do Tozinho. Lindo baptizado, maravilhoso jantar em casa dos pais da Ana em S Cosme. Que saudades da minha linda Terra, que saudades da minha Mãe, da minha querida casa, dos meus irmãos todos (quando éramos jovens), do terço rezado à volta da mesa, depois do jantar - as criadas e o criado, à porta da cozinha, a rezar connosco), que saudades de mim, meu Deus! Tantas saudades de tudo, que nem me cabem no coração. E choro, choro, por tudo o que eu tive e perdi. Oh minha terra, (onde se vê o céu), meus verdes campos, meu lindo Monte Crasto. 18-5-93 ESPINHO Daqui do meu sofá, na minha sala virada para o jardim, a partir da porta larga - de parede a parede - vejo um retalho pequeníssimo do jardim da minha casa (pensando) no jardim da casa da minha Mãe, da nossa querida casa. O meu jardim, o meu roseiral, as minhas adoradas rosas, que parecem as nossas rosas, minha Mãe! A trepadeira vermelha que sobe pela parede, junto ao poço, (e tem ao lado uma japoneira) está coberta de flores e todas as outras mais parecem rir-se para mim. 1998 Mãe no seu jardim.jpg 19-8-93, quinta-feira UM DIA Levantei-me às 9/2. Está um dia de sol e calor. Vou tomar o meu chuveiro e vou ao café. Talvez encontre a Leninha, (que está cá, a passar uns dias no apartamento do pai). 27 Set 94 TITA Hoje tenho-me lembrado todo o dia da Tita, minha querida cadelinha, que morreu há mais de um ano. Mas hoje vejo-a sentadinha no sofá, tão pequenina (era uma yorkshire terrier). Não gostava que ninguém se sentasse perto, queria o sofá todo para ela. Sabia quando eu estreava uns sapatos, farejava-me os pés. 1960 M CARMO RAZZINI E TITÃ .jpg1983 Titã à janela em espinho.jpg 29 - 3- 95 LENA E DAVID Gosto de encontrar a Lena e o David (ao domingo), em casa do Mário. Já vamos tendo tão pouco tempo para nos encontrarmos, minha querida irmã. temos de aproveitar as ocasiões que se proporcionam para nos vermos. Está a aproximar-se a Páscoa. Que saudades das nossas Páscoas, na nossa casa, que saudades do compasso (com a nossa Mãe, claro), nós, todos os irmãos reunidos, as minhas adoradas filhas, os meus sobrinhos, os namorados deles, as criadas na cozinha, o cheiro dos cozinhados, o saudoso cheiro bom da nossa casa, que cheirava sempre a flores, o nosso jardim, aquele paraíso, como a minha mãe dizia 1986 Mãe Tios Lena e David em Chaves agosto.jpg LECAS Minha Lecas, minha filha, a coisa mais linda que eu fiz e criei, na minha vida. Nem as rosas, as flores do meu jardim. Minha querida filha, valeu a pena viver e sofrer, só para te ter, a ti. Tristes prenda que te dou, minha adorada filha, padre nosso e flores. Tu que gostavas tanto de vestidos, de sapatos, de pequenos chocolates. 1963 Mãe e Lecas no Porto.jpg O CARNAVAL DE 1962 Grande festa nos dois andares do R/C da Rua Latino Coelho. A Mãe e a Maria do Carmo Razzini pediram aos vizinhos para fechar a porta da entrada e usar o átrio como pista de dança, a continuar a sala dos meus pais, Na sala dos Razzini era a ceia, com mesa de doces, salgados e bebidas.. Todos fantasiados, O Dr Figueiredo fazia um chinês convincente, embora muito alto (Tb há chineses altos). O Pai com vestido, chapéu e sapatos da Maria do Carmo fez sucesso (ele calçava 42, ela 40, deve ter sofrido de aperto e, talvez, dado cabo dos sapatos - possivelmente velhos. Havia muita gente, o Domingos, muito engraçado, sempre a falar da "minha Berta". Os donos do Café Príncipe, a Ester e o Sr Rosas, ela com farda de magala e ele com um traje de vianesa, Simpático casal - gostaram tanto da festa, que, no ano seguinte, a organizaram na sua casa. Foi igualmente uma festa esplêndida. Moravam perto de nós, numa vivenda grande. A recordação mais viva que guardo é a da Madalena a cantar "Índia" e outras das suas músicas preferidas, com uma voz incomparável - a grande estrela da noite 31-8-94 A Manela foi ontem para Lisboa de carro, (Peugeot), sozinha, e hoje, de manhã cedo partia para a Turquia, a esta hora ainda vai a voar, São 4 horas da tarde. Esteve aqui em Espinho 3 semanas e por acaso com um tempo ótimo de praia. Esteve também cá, no andar da Manela, a Terezinha, Helder e Tozinho - que está um encanto - uns 15 dias. Foram ontem à tarde embora, para Gondomar, ficámos sozinhos, e com muitas saudades. Estou muito triste, também, porque a Lélé foi fazer e tem de ser operada ao útero. Deus a proteja. 23-9-94 A Maria do Carmo esteve cá 4 dias. Vinha para passar 15 e sentiu-se mal da bronquite, de que já sofre há muitos anos e de uma hérnia no estomago, que também já tem há muito tempo. . A Maria do Carmo vinha cá 2 ou 3 vezes por ano, mas a viagem é muito longa, faz um grande sacrifício, coitada. É uma grande amiga Assim, eu vou ficando mais pobre (não de dinheiro, mas de dinheiro também, porque os juros vão descendo e eu vivo dos juros), mas de amizades verdadeiras, que tanta falta me fazem. Sinto-me muito abalada e desanimada. 28-4-93 Viagem para Fátima no nosso carro, eu e o João Matos cheios de verdura, os pinheiros com as suas "crescências" e um mar de juventude. Campo enfeitados de ( .?) irradia, alegria e jardins cobertos de flores variadas, parecem cascatas ali...para receber a primavera. Há ainda as maias a quebrar o verde das matas, essas flores tão lindas, que alegram os olhos e aquecem o coração. As flores amarelas encantam-me. O céu está carregado de nuvens brancas, o sol espreita, de vez em quando e vai adoçando a viagem. Chove, de longe a lomge. Não gosto de viagens com chuva. Com todas as viagens (aliás, como na nossa vida), não há conversa -2 ou 3 palavras de Espinho a Fátima e estamos agora a parar num bar da Mealhada.para tomar um cafézinho. O João enganou-se, passou o bar e teve de levar o carro em marcha atrás, mais adiante.E parou um carro da polícia mesmo ao nosso lado.. Foi manobra perigosa, esteve prestes a pagar multa, mas lá nos deixaram em paz (o João alegou que tinha tomado um diurético...), Ameaçaram-no de ficar sem carta na próxima transgressão. Agora continuamos a nossa viagem, atravessamos a serra (de Lousã?). Continua o céu cinzento, com abertas de azul, de vez em quando. Há uma cordilheira à nossa frente e do lado esquerdo, a bordar o horizonte. A auto-estrada permite-nos ir a 120, o que para o João é uma grande aventura.. Os matos dos dois lados da estrada continuam cobertos de maias. Que lindo! É para alegrar o cinzento do céu .Estamos a 20 km de Leiria, portanto já perto de Fátima. A paisagem é bonita, mas quanto mais lindos eram aos caminhos por onde eu vinha há 30, há 50 anos? A 1ª vez que vim a Fátima com a minha Mãe e a Mª Ernestina, irmã do Eduardo, tinha 17 anos. Uma grande chuvada e estamos a 16 km de Fátima, avista-se ao longe uma povoação, deve ser Vila Nova de Ourém. Já se vêem as características desta região, os muros de pedrinhas, como há em Fátima. Aqui e ali um campito verde, verde tão verde e fresco, parece um tapete de entrada em Fátima Estamos em Fátima. A chuva parou, deu lugar ao sol, lá fora e no meu coração. Espinho, 24 de Abril de 1996 Vai fazer no próximo domingo 3 semanas que o meu querido João foi para o céu. Meu amigo, meu companheiro de 55 anos. Foi no dia de Páscoa, às 8 e meia da noite no dia 7 de Abril de 1996, Está em Gondomar, ao pé da nossa Lecas. Mas como tem sido difícil para mim sofrer sozinha tão grande desgosto, não tenho com quem desabafar e isto é uma tortura enorme. Tento resistir, mas preferia ir para perto dele e da nossa Filha. 12 de Maio João e Lecas quero ir para perto de vós, vinde buscar-me, não tenho nada que fazer aqui. A Manela tem a vida dela e eu vivo sozinha, (esta criada que vive aqui em casa não é ninguém) Não posso sofrer assim , quero ir embora, descansar perto de vós. Pedi a Deus por mim. João, meu companheiro, meu amigo, tu tinhas tantos cuidados comigo, e agora deixaste-me sozinha. Eu desabafava contigo e agora não tenho com quem falar. Sofro atrozmente de saudades e solidão. Que mal nós aproveitamos ou vivemos o nosso tempo juntos, João.. Tudo o que eu fazia era para ti, João. Queria um piano para que tu me ouvisses tocar. Agora já não quero. Fiz o meu jardim para tu veres. Vestia-me bem para tu olhares para mim. Lembras-te como antes de estriar uma roupa te perguntava se me ficava bem? E tu sabias como ninguém aconselhar-me, eu acreditava, piamente, no que dizias. Agora já nada me interessa, acabou tudo para mim.Eu não posso, não sei viver sem ti. Triste primavera, triste sol e até as flores do meus jardim são tristes. 3 de Junho de 1996 Cada pessoa tem a sua casa exatamente para poder sofrer e chorar sozinha.Meu querido João eu ando perdida e perdida por esta casa sem te ver e pergunto. para onde foste sem mim? Tu que não ias a parte nenhuma sem me dizer, para onde foste sem me dizer? E deixaste-me aqui, assim, desesperada, Eu morro de saudades tuas. 5 de Junho de 1998 Meu João, meu amor, grande partida me fizeste, naquele dia de Páscoa, 7 de Abril, ao jantar. Tínhamos chegado de Gondomar às 7, tu foste ao Café Vieira tomar o teu cafezinho e chegaste atrasado para o jantar. Eu e a Manela já estávamos à mesa e tu chegaste, sentaste-te em frente a mim, comeste a sopa e ias continuar, quando eu, conversando contigo, te disse que tinha a cara muito vermelha e inchada do calor dos aquecimentos em casa do Mário (eu costumo ficar assim com o calor). Tu, querido, olhaste para mim e ias dizer qualquer coisa. Já não disseste. A cabeça caiu lentamente para a frente e tu, meu amigo e companheiro de 56 anos, partiste e deixaste-me sozinha. Quem me dera ter ido contigo. As minhas lágrimas são de saudade e desespero, eu não sei viver sem ti! Agora, só agora sei que tudo o que eu fazia era para ti, João. Todos os vestidos que eu comprava, quando eu cantava nas festas da família, as flores do nosso jardim, os móveis para a nossa casa, tudo era para ti, meu querido João. Eu queria que tu gostasses do que eu gostava. Amanhã, dia 6, fazias 78 anos. e, no dia 7, faz dois meses que me deixaste! Oh, João, como é possível eu não falar mais contigo e tinha tantas coisas para te dizer, como disse quando era mais nova (éramos mais novos). Mas que eu queria agora, ainda, dizer-te outra vez. João, leva-me para o pé de ti e da nossa Lecas, meu amor, chama por mim, este mundo não tem interesse nenhum para mim. Nem estes dias esplendorosos de sol, nem o meu jardim cheio de flores, nada, já não há nada que me faça ficar aqui. Sinto-me sozinha e abandonada num mundo desconhecido, João, vem-me buscar! 9 de Junho de 1996 Dia dos anos, 54 anos, da Manela. Está na Venezuela, em Caracas, eu estou aqui, com as minhas recordações. Meu querido João, os dias estão cheios de sol, mas tão tristes para mim! Acabou tudo desde que me deixaste, mas que amargura de vida! 11 de Junho de 1998 Meu João, eu morro cheia de saudades tuas, não posso viver assim, porque me deixaste? Eu não posso nem quero viver sem ti. Preciso de ir para perto de ti e da nossa Lecas. 15 de Junho Pode-se morrer de saudade e eu acho que vou morrer Já há mais de dois meses, meu amor, que te foste embora. E eu sentada no meu maple sinto que tu estás ao meu lado, sentado no teu, e eu viro a cabeça e vou falar contigo. João, como posso viver assim? Durante o dia, de vez em quando,estou a pensar: logo quando o João chegar eu pergunto-lhe isto ou aquilo. Ouço os teus passos a subir a escada, ouço o meter a chave, ouço-te a tossir. e morro, aos poucos, de saudades. Como ficou tudo vazio á minha volta 20 Junho Esta noite sonhei contigo, Em casa da minha Mãe, em Gondomar., no nosso quarto de inverno, (onde nasceu a nossa Lecas), o quarto azul. Tu estavas a chegar a casa (do emprego, cansado), agarraste-me atrás da porta e deste-me muitos beijos e disseste-me que já tinhas muitas saudades minhas. Tínhamos em casa da minha Mãe outro quarto, de verão, no andar de cima (chamávamos-lhe "o quarto de hóspedes", foi onde nasceu a Manela. 21 de Junho Meu querido João, eu dizia até agora "feliz de quem fica cá", mas já não penso assim. Agora sei verdadeiramente que quem é verdadeiramente que feliz é quem parte. Por isso peço-te para me chamares, eu quero partir. 22 de Junho João passo os dias a chorar, nem sei como tenho tantas lágrimas nos meus olhos. Estamos no verão, eu continuo sozinha, a Manela veio, mas já foi outra vez, ficou só uma noite. Está um sol a brilhar e um céu azul, e é tudo tão triste, Como o mundo ficou diferente, meu companheiro, eu até acho, meu companheiro, que estou a viver noutro mundo. João vem buscar-me. 14 de Julho João meu amor, que saudades da tua voz, dos teus passos, de te ouvir subir as escadas, meter a chave à porta e dizer :"Sou eu". Que saudades, joão, de te ouvir chamar por mim. Quem me chama és tu, ou o meu irmão Zé, que está aí no céu contigo, desde o dia de Natal 24 - 12- 95, pobre e querido Zé, tão meu amigo também. Meu querido João, tenho saudades de te ouvir tossir, andar à noite no corredor, até de fumar o cigarro (que tão mal te fazia),, Até tenho saudades das nossa zangas, das nossa "guerras"! 11-12 96 João, meu amor, vem aí o Natal, só quero dizer-te: o meu mundo desabou em cima de mim. Mas que deserto é este? As fotografias, depois de um longo hiato, são já todas da década de 30, quando o ambiente se torna mais distendido, Mariazinha e Lolita posam para as câmaras com a maior compostura, não deixando transparecer aquilo de que eram capazes quando não vigiadas pela objetiva, Erm todo, nota-se que a mãe toma a precaução de as separar, Uma à sua esquerda, a outra à sua direito, não fossem tecer alguma partida... E, como se vê, não abandona os fatos negros, mostra-se de semblante triste e nostálgico, embora tivesse recuperado o antigo hábito de captar em imagens momentos conviviais - nestas fotografias com o primeiro genro, a primeira nora, os primeiros netos, António José e Mário, filhos de Carolina que casara, aos 18 anos, com Serafim Caetano Pereira, um empresário de Quintã, católico de comunhão diária e solista do coro da igreja, e de Manuel Joaquim e Clara de Sousa, os pequeninos Margarida e António. Clara pertencia a uma conhecida família de São Cosme,era lindíssima e muito viva, e por ela Manuel se apaixonou, a ponto de abandonar, aluno brilhante e quase doutor, o curso de Medicina, em Coimbra. A foto em que Maria Aguiar está com as filhas Mariazinha e os netos António José e Mário é uma raridade, a única em que figuram, ao colo das crianças, três dos lendários gatinhos franceses de olhos azuis e pelo branco, a que o marido era muito afeiçoado. E, em fundo avista-se uma casa velha como uma série de janelas de guilhotina, que se tornaram o alvo da pontaria do António Maria. O mais tranquilo dos rapazes, tão bem comportados em todos os demais aspetos, era um perigo de fisga na mão. Nenhum dos numerosos quadradinhos de vidro lhe escapava. O vizinho, contudo, não protestava e era sempre compensado do incómodo, com o pagamento dos estragos a dobrar PAIS na VILA MARIA No verão, ficavam no quarto grande, no 2º andar (e, por isso, ai nasci, no mes de junho de 42), no inverno mudavam para baixo, para o 1º andar ( em 12 de dezembro 43 , aí veio ao mundo a Madalena) Para o Pai, os cunhados agiam perigosamente, quando havia ladrões noturnos na quinta, depois do criado fechar os portóes e ir dormir, tranquilamente, num pequeno anexo, perto da eira. O Tio Zé avançava no escuro, armado de um pau. O tio António, com o seu ar muito sereno usava pistola. (Tinha uma pontaria fantástica, começou por treinar com fisgas, em criança, depois passou a armas de fogo). O ladrão tentava saltar o muro ao lado do portão e o tio disparou para as pernas e acertou-lhe. No dia seguinte, havia vestígios de sangue no local, mas nunca se soube quem era o homem. Noutra altura, foi o Tio Zé, que vislumbrou, entre as sombras do jerdim, um estranho, às duas ou três da manhã. Foi acordar o Pai. "João, depressa, depressa! Vamos apanhar um ladrão". O Pai só dizia à mãe: "O teu irmão é tolo", mas ela respondeu-lhe: "tens de ir, não podes deixar o meu irmão sozinho!" E ele foi, sem convicção. Enquanto o cunhado corria em direção ao suposto vulto, empunhando um pau, e ordenava ao cunhado que guardasse a saída do portão, o pai tropeçou, magoou-se, queixou-se que tinha rachado a cabeça e tratou de facilitar a fuga ao ladrão. Mas o Zé queria mesmo ir à guerra. Com um pacifista por companheiro, foi uma guerra perdida... Tia LINA NA VILA DEOLINDA Vila Deolinda foi a terceira casa dos Tios Lina e Serafim (Depois da residência no Souto e antes da vivenda da Cónega e, finalmente, a Vila Maria) A Vila Deolinda era de uma prima (Beatriz?), que a arrendou quando foi viver para Lisboa. As manas Maria e Lolita passavam lá tardes inteiras. Lanchavam no terraço, em frente ao Largo Manuel Guedes (um tio avô materno), e de lá era fácil darem uma escapadela até aoCrasto HOBBYS da AVÓ MARIA e da Mãe Bordados, ponto de pé de flor, rendas de bilros, flores (não deixava ninguém podar as rosas do Avô Aguiar - só ela, com um grande chapéu de palha na cabeça para se proteger do sol...), compotas maravilhosas, de cereja, de chila... Chila que crescia no lugar de separação do jardim para a quinta agrícola. Dizia a Tia Lola: a mamã era absolutamente perfeita em tudo o que fazia". Tb gostava imenso de música, sobretudo de piano. Todas as meninas aprenderam a tocar piano com a Nucha, que tinha o conservatório e era talentosa. Muito excêntrica - no inverno usava dois sobretudos um a fechar atrás, outro a abrir à frente. As lições sucediam-se na mesma tarde. Tinha dois filhos que sobreviveram. Homero e Álvaro. A irmã Lucinda, madrinha da mãe teve 3 filhos, todos regressaram ao Brasil, onde ela tinha vivido. A Avó era também uma visitante assídua do centro do Porto. Ia muitas vezes de elétrico até ao Bolhão, onde a linha 10 terminava. Muitas vezes me levava com ela, lanchávamos na Villares, fazíamos compras na Lã Maria, no Bazar de Sá da Bandeira, Para fotografias, o escolhido era a Foto Vieira, em Santa Catarina - na montra tinha sempre jogadores do FCP. Um dos amigos do genro, o meu pai era o Danilo, que tinha uma sapataria elegante, salvo erro, em S Catarina. Foi ele que ofereceu à Tia Lola os sapatos do seu casamento. Em matéria de sapatos. lembravam o caso curioso do Tio António, que quando gostava de um modelo de sapatos, comprava não um mas dois ou três pares. A Mãe seguia o exemplo, variando as cores, por ex Chanel branco e beige, branco e preto Não a Avó , mas os meus pais e os primos António e Chico frequentavam muito o Guarani, que, já nesse tempo, oferecia espetáculos de música e canto. Ali perto, nos "Leões" a Xana fazia um tratamento experimental químico para uma doença de pele. O Mário então estudante frequentava o café de estudantes "O Piolho" Ali perto a Tia Lena frequentou o Colégio Liverpool (Rua dos Bragas, perto da Fac de Engª), depois que a mana Lolita foi expulsa do Colégio da Esperança (por delito de liberdade de expressão . uns escrito contra a diretora do colégio, entre outras heterodoxias. Ao que parece admiravam muito a anterior diretora Dona Mª Luísa, uma verdadeira Senhora. A sucessora era, na expressão da Tia Lola uma mulher sem maneiras, que às refeições punha os cotovelos em cima da mesa. O precioso escrito num caderno escolar foi apreendido, As suas companheiras de protesto, Tina Ramalheira e Gracinda Andrade, ao que parece, tiveram a mesma sorte (o mesmo se passaria comigo no Sardão - não cheguei a ser expulsa mas o caderno foi apreendido. Graças à minha esplêndida memória, nas férias reproduzi-o, palavra por palavra...). Lojas de que a mãe gostava - Vogue, Vicent, Armando de Sá, jóia... Tb Clérigos... 10 de Julho de 2011 MARIA ANTÓNIA DISSE - Chapéus e fatos de praia A Mamã gostava de imaginar os modelos dos nossos chapéus de praia - cortava os moldes, com muita habilidade, e mandava-os à Maria Folhelha para cozer e para enformar as abas, que ficavam impecáveis. Abas largas, para proteger do sol. Era também uma artista a tricotar. E havia ainda os chapéus de ráfia, muito bonitos, para condizer com os vestidos e fatos de praia. Os fatos de banho eram de malha, que a Mamã comprava e mandava fazer a uma modista do Porto. Curtinhos, sem exagero, pelo meio da coxa, alça larga e decote pequeno. Por baixo da saia usávamos calções justos à perna. Escolhia sempre cores neutras. - O Tio Alexandre Quando iam para o Colégio, o Tio dava-nos 20 escudos a cada uma para comprarmos doces e chocolates. E levava-nos muitas vezes ao Porto a fazer compras, sobretudo vestidos e sapatos. A Lolita era rápida a escolher o que queria. Eu não gostava de nada, corríamos o Porto inteiro, de loja em loja, sem eu me decidir. O Tio, muito paciente dizia-me: "Quando vires uma menina com uns sapatos de que gostes, eu pergunto à Mãe dela onde os comprou. Depois que o emu Pai morreu, ele ocupou o seu lugar Sobre o seu Pai: Gostava de reunir os amigos no jardim. Sentavam-se nos bancos e cadeiras verdes, de ripas de madeira, à volta de uma mesa redonda. Mandava buscar vinho à adega e discutiam longas horas sobre política da terra, sobre a República, que ele considerava uma desgraça. Costumava dizer " monarca passa, Buíça, chiça" Mas dava-se bem com os cunhados republicanos. Já depois da sua morte o Tio António esteve escondido na Vila Maria. Era o mais radical de todos, chegou a estar exilado em Angola, onde teve negócios que, por acaso, correram bem. Mas no Porto não. os investimentos acabaram mal e voltou a ser funcionário público. Recordo-me da Mamã recomendar às criadas: "Viste aquele senhor lá em cima, mas não podes falar dele a ninguém". Ele era muito simpático com as senhoras e tratava bem as criadas. Nunca foi denunciado. Também era bom para nós. Tinha com ele o seu cão, que apresentava às primas (nós). O Tio António chorou muito, quando morreu o irmão Alexandre. "Lá se foi o meu segundo pai!" Morava, então, numa casa pequena, em Quintã, perto do irmão José. o juiz, que morava na casa que tinha sido dos meus avós Carolina e Joaquim. - O pianista Marques Ribeiro Foi um dos meus pretendentes, mas zangou-se quando soube que eu namorava, ao mesmo tempo, dois rapazes de São Cosme. o Jacinto e o Albino. O Marques Ribeiro soube pelo Eduardo e levou a mal. Disse.me: "Gosto muito de si, e espero encontra-la mais tarde, quando deixar de ser criança". Quando veio eu já estava casada com o João. e já tinha uma filha. Nessa primeira visita a Mamã recebeu-o muito bem, ficou encantada de o ouvir tocar Chopin, Liszt, Beethoven. À saída ele perguntou, "Posso voltar na 5ª feira?" "Claro que sim", respondeu ela. Ele voltou algumas vezes, até se zangar comigo. E até queria que eu desse um concerto com ele, no Porto, achava que eu tocava muito bem, A Mamã não consentiu... O Albino, Jacinto, Adriano e João Estava na tropa e quando terminou o serviço encontrou-se com o Jacinto e tiveram uma grande discussão sobre quem era o meu namorado, Chegaram mesmo a envolver-se numa cena de pancadaria. O Licínio ficou curioso e veio perguntar-me qual era, realmente o meu namorado e eu dei-lhe a resposta: "Oh Licínio, eu gosto dos dois". Mas pouco depois acabei, primeiro com o Albino e, depois, com o Jacinto.. O seguinte foi o Adriano de rio Carreira, mas o namoro não durou muito. Decidi que era cedo, que não queria comprometer-me com nenhum, Tinha 20 anos quando fui na camionete do Coelho ao Monte da virgem à Missa Nova do Padre Eduardo Soares Pinheiro, onde conheci o João. Já tinha havido uma troca de correspondência entre a Mamã e a mâe dele, mediada pela Dona Arminda. Por ela sbiam que a Dona olívia tinha um filho viúvo. Na capela fiquei com a Lolita longe da Mamã e junto de dois rapazes. Um deles era, com certeza, o viúvo. Qual seria? Os dois pareciam interessados nela, um era loiro, outro moreno, ambos bonitos. Afinal foi o loiro que veio ter comigo, cá fora. Era o viúvo, o joão. VILA MARIA MEMÓRIAS DA MÃE (2011) O meu Pai era apologista de comparar caro - para durar Por sinal, pagou caro pela propriedade onde construiu a casa, Foram lavradores ricos, seus amigos, que condescenderam em lha vender, mas não precisavam, não queriam e não facilitaram no preço. O lema de todos eles era "não vendemos, compramos" (o Zé do Paço, um Paciência e o Cosme Ribeiro). Iriam pertencer ao grupo que se reunia com o meu pai no jardim.. O negócio concretizou-se quando o Papá ainda estava no Brasil, foi o avô Joaquim, que era notário, quem tratou de tudo. Na altura o Papá pensou em comprar a quinta que agora pertence aos frades Capuchinhos, uma bela casa antiga, do século XVI ou XVII, mas a mamã não quis. Achava o lugar solitário, muito longe do centro. Não ficava assim tão longe de quintã, mas, na altura era, de facto, isolada. A Mamã não se arrependeu da escolha.. Tinha uma paixão pela sua casa nova, a dois passos do Souto, da Ala Nuno Álvares e da Igreja. A Vila Maria, com o seu próprio nome posto pelo Papá

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