quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

RECORDADNDO MINHA MÃE Passaram dois anos sobre a sua partida, e ainda é difícil acreditar... Continuo a encontrar escritos em papéis soltos... é como se, ela própria, nos estivesse a confidenciar lembranças, como gostava de fazer nas tertúlias de sábado. Ou a recitar os seus versos de juventude - estes dedicados à sua terra... um outro Gondomar, que nós já não conhecemos, cantado em três simples quadras: OH, MEU GONDOMAR Oh, meu Gondomar, minha linda terra, Tu que embalaste o meu primeiro amor, Porque não levar-te presa nos meus braços, Oh, meu Gondomar, para onde for? Encantamento que nunca esqueci, Roseiral em flor desse meu jardim, Tanta rosa murcha pelo chão caída. Mas tanto botão a abrir para mim... Gondomar, meu berço, capital do mundo, És a minha casa, és o meu jardim. Foste tu que viste os meus primeiros passos E irás guardar-me, ao chegar ao fim. UM ZEPPELIN EM GONDOMAR (recolhido no início de 2018) Poucos anos depois do fim da "grande guerra", ao fim da manhã, um estranho objeto voador enorme e lento, atravessou os céus de São Cosme, vindo do Monte Crasto, em direção a sul. Jamais se vira coisa igual. Mesmo em tempo de paz, despertava um misto de pasmo e de emoções contraditórias. Uma criada (a quem chamavam "nariz de pau"), aos gritos, alertou a casa toda, A Mariazinha veio a correr do seu quarto para a varanda da cozinha, ao cimo das escadas traseiras. Espetacular visão! Dir-se-ia um gigante melão voador, que avançava, lenta e majestosamente, por sobre a cabeça dos gondomarenses... Era meio dia! Lembro-me de que fui, então, procurar um Zeppelin na Internet. A mãe olhou e confirmou: "Era exatamente assim!" AMÁLIA NO CAFÉ RIALTO, O CHOPIN PORTUGUÊS EM GONDOMAR, VIRGÍLIO TEIXEIRA EM ESPINHO Foi no Café Rialto que viu a sua adorada Amália, de perto, pela primeira vez - lindíssima, vestida de preto. Muitos anos mais tarde, falou com ela, muitas vezes, ao telefone. Acontecia, quando Amália e eu estávamos, em Waterbury, de visita ao seu primo e meu grande amigo, Adriano Seabra da Veiga, médico e Cônsul de Portugal em Connecticut. Amália e Mariazinha eram diretas, frontais, divertidas, heterodoxas, ou seja, feitas para o perfeito entendimento. Adriano, idem! Tinha muitas qualidades semelhantes às do Tio Zé, irreverente, impulsivo e generoso - embora sem a faceta "hippy" de usar camisas coloridas e fatos a condizer, o que para um Cônsul se aconselhava... Fernando Marques Ribeiro, pianista e compositor, que foi chamado de "Chopin português", tinha sido um namorado e admirador, com acesso mais fácil do que qualquer outro à Vila Maria, porque a avó se encantava a ouvi-lo tocar piano. Mas não o suficiente para permitir que a talentosa filha desse concertos no Porto, em dueto com ele, o que poderia ter lhe aberto a carreira com que sonhava... Essa era uma história antiga e conhecida. O que não sabíamos e nos contou foi que o voltou a ver, algumas vezes, em Lisboa, quando eu vivia na Av do Uruguai. Reencontros de "old friends", para os quais nunca me convidou. Que pena! E eu tanto gostava imenso de o ter conhecido! Virgílio Teixeira era, na opinião da minha mãe, "o homem mais belo do mundo", e o seu ator predileto! Um entusiasmo que continuou pela vida fora, sem nunca o ter encontrado num teatro ou num café - até março de 1995, quando a Associação Mulher Migrante organizou, em Espinho um grande congresso sobre temáticas da emigração. Um dos convidados de honra era, naturalmente, Virgílio Teixeira, então, Diretor Regional das Comunidades Madeirenses. Nos salões do Praia golfe, houve ampla oportunidade de conversarem - Virgílio e sua simpática mulher Vanda e os meus pais, presentes em várias sessões, entre os congressistas. (Virgílio, outro inesquecível amigo e aliado de muitos projetos, mantinha todo o seu encanto, tão natural, tão genuíno, tão pouco "hollywoodesco")... Minha mãe, como sempre, era quem fazia todos os outros rirem...a alma da festa! Meus pais eram verdadeiros cinéfilos - as sessões de cinema, várias vezes na semana, faziam parte de um modo de viver. Estivessem em Gondomar ou em Avintes, o Porto era o centro de diversão (isto antes de virem morar para a cidade, perto de todas as salas de espetáculo). Formalmente vestidos, como quem vai a uma gala, , porque havia dois intervalos, ocasião propícia para um desfile de elegâncias, a tomar café. E a mãe de óculos (muito graduados, porque era míope) e escuros, uma extravagância jamais vista, sobretudo, à noite... (nada prático, acho eu, pois via tudo em tons carregados...). Não apreciavam, necessariamente, o mesmo género de filme... Ela adorava filmes românticos, ou comédias: Cantinflas, Charlot, num patamar mais cor de rosa, Doris Day... Ele, filmes de ação, de guerra, "westerns"... O ponto de consenso era os filmes de autor, ou de "ator" - grandes nomes da "sétima arte". Era o tempo das estrelas! O João achava a Mariazinha parecida com a Paulette Goddard - ou, mais tarde, com a Ava Gardner! Viram não sei quantas vezes "Casablanca" (Ingrid Bergman, Humphrey Boggart...). Antes do cinema, entravam nom café, já com os bilhetes comprados, e tomavam ele, simplesmente, um café, ela um "peppermint". Com a irmã Lininha, nas "matinés", contava, viu, cinco vezes consecutivas, Mme Butterfly! Nestes últimos tempos, a televisão substituiu, completamente, o cinema: as telenovelas da "Globo", e, pelo meio, o canal "mezzo", a "RTP Memória" (não perdia os programas de história, segundo José Hermano Saraiva) e a infindável série de policiais de Mrs Fletcher... Lia muito (brasileiros, Érico Veríssimo, Jorge Amado...), fazia palavras cruzadas... Ia a compras -de roupa, de joias, ou até de fruta e de doçaria num supermercado. Sempre uma das suas maiores distrações

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