VILA
MARIA
ÉRAMOS
FELIZES E NÃO SABÍAMOS
Os
últimos anos da década de 20 foram tristes e sofridos na Vila Maria. Diz-se
que, depois de uma morte, para os que ficam, "a vida continua", mas a
vida,
depois
daquele dia 26 de julho de 1926, não continuaria igual para a família Aguiar,
nem então, nem no futuro. Só o Pai os poderia levar consigo numa caminhada
segura, avançando com rasgo e bom senso, pensando sempre em grande qualquer
curso de ação e conseguindo sempre resultados. Ao partir tão cedo, deixou-os
com uma fortuna considerável, que se foi gastando e desgastando, sem se
reconverter com o toque do génio empresarial . Deixou-os a todos, a
viúva e os órfãos, com os seus hábitos e despreocupação de milionários,
estatuto, vivência e aparência cada vez menos assente na realidade. Contudo,
suficientemente sustentada para resistirem na casa grande, com criadas e o
jardineiro, mesa farta, fatos elegantes, férias na praia e nas termas,
bons colégios, sem esquecer os dispendiosos atos de continuada
beneficência materna. Se não era o estadão dos tempos do pai, era um sucedâneo,
que foi mais prejudicado pela crise de 1929 no Brasil e no mundo do que por
gastos desmesurados. Bem pior do que a falta de largos rendimentos foi a falta
da companhia, do exemplo de um homem, que sabia conjugar,
superlativamente, o gosto pelo trabalho e o gosto pelo convívio e pelo
divertimento. Exemplo , também, de fidelidade à sua paixão pela mulher. Para
si, a mais bonita e virtuosa do mundo... Não é comum um "amor à primeira
vista", um primeiro amor, como foi o dele, resistir, assim, ao tempo, ao
casamento, ao nascimento de oito filhos. O testemunho consensual dos
filhos é claro. "O Papá não sabia o que mais havia de fazer pela
Mamã", disse, uma vez, dos rapazes. E as manas pequenas, que não
tinham memória nítida desse perfeito relacionamento, haveriam de repetir a
frase sempre que queriam traçar um perfil do Pai. Foi também por ouvir dizer,
que a Mariazinha, repetiria às filhas. "O meu pai só comprava coisas boas
e caras, achava que "o que é barato sai caro". Ou: "O meu Pai
adorava a luz, muita luz. Quando anoitecia, mandava acender todas
os candieiros e lustres da casa".
A
Mariazinha e quase todos os seus irmãos, pelos anos fora, procuraram seguir
essas máximas, quaisquer que fossem os meios com que as bancassem... Só
um, e tardiamente, o António, mostrou queda para negócios, mas eram, quase
todos, uns "mãos largas", pouco dados a fazer cálculos ou rigorosos
orçamentos e denodadas poupanças. E mais ou menos excêntricos, de formas e feitios
vários de excentricidade. Sete arrebatadas e atraentes personalidades, na idade
adulta, talvez tão difíceis de aturar quanto em crianças,
"enfants terribles", na escola e em casa. Quatro foram rebeldes
genuínos, incontroláveis, reincidentes, o Manuel, o Zé, a Mariazinha, e,
a alguma distância, a Lolita. E os outros, com a exceção da tranquila Leninha,
eram apenas aparentemente menos insubmissos...
Consumiam
a Mãe, que a perda de um marido, tão querido e protetor, deixou prostrada pelo
choque por muitos meses, muitos anos... O seu mundo dasabara., não sabia como
reagir Entre lágrimas e desmaios, caía doente na cama, chamavam o
médico, mas não havia remédios que lhe restaurassem o ânimo..
Dois irmãos eram seus vizinhos, e muito disponíveis, o Alexandre e
Rosaura, ambos casados, sem filhos. Passaram a ser presenças constantes. A
Leninha, com apenas dois meses, ficou, praticamente, ao cuidado de
Hermínia e Alexandre. Foi preencher o vazio deixado pela perda da sua única
filha, que morrera à nascença, muitos anos antes. Moravam na mesma rua, em
frente ao mirante da Vila Maria, era fácil à Leninha transitar da casa deles,
onde preferia de passar os dias, para a casa da mãe, onde, ao longo dos anos,
até casar, quase só apenas pernoitava. Coincidência ou não, tornou-se a menina
exemplar da família, mais parecida com a discreta Tia Hermínia do que com a
própria mãe que, na viuvez, se revelaria personalidade de relevo e influência
na Vila de Gondomar
Não
logo, depois, quando começou a dar acordo de si, apegando-se à fé e às obras
pias, descobrindo como viúva, vestida de preto. qualidades que não parecia ter
a tão elegante e sociável dona de casa..
O
pesadelo persistia, a imagem daquele funeral, que fora cerimónia arrasadora.
Uma multidão juntara-se-se para dizer adeus a um amigo admirado, amável,
extrovertido, convivial. Um homem sem inimigos. No curto trajeto que liga
a Vila Maria à Igreja Matriz, atravessando o Largo do Souto,
organizaram-se, segundo relato dos jornais de Gondomar, oito turnos
para transporte da urna, a fim de que muitos pudessem prestar-lhe essa
homenagem, a família mais chegada, as elites da comunidade, as
direções do Clube Gondomarense, do Clube dos Caçadores, dos Bombeiros
Voluntários, dos quais era associado ou benemérito. Pormenor que não é de
somenos, num dos turnos, vem mencionado, no meio de doutores. empresários
e grandes lavradores da terra, o nome do seu criado, João Pereira,
possivelmente um dos mais diretos beneficiários da sua proverbial
generosidade e bom trato.
Depois,
foi o luto e o silêncio longo apenas rompido pelo pranto incontido e
coletivo. O testemunho mais direto chega sob forma de um
ingénuo soneto, escrito por menino de 11 anos, o filho António
Maria:
Meu
Pai
Quem
te levou, meu Pai?!...Quem te levou
Para
esse mundo, assim tão azulado?
Responde...
sim. Teu filho, um desgraçado
Para
quem a tua ausência já chegou
Para
esse mundo sem fim, quem te arrastou?
Partiste!...
Fiquei só! Desventurado
Pede
a Deus, a quem por ti tenho rogado,
Embora
infeliz... para quem tudo se quebrou
Partiste,
morreu tudo neste mundo...
E
minha Mãe, oh Pai, sempre a chorar
E eu
choro, desde o dia em que, moribundo,
Te
segurei... morreste pai... Agora então
Depois
de tudo, me vês, sempre a chorar,
Chorará
eternamente, Senhor, meu coração!
O
mundo azulado... o céu, o Deus a quem se queixa... sentimentos fundos,
persistentes, para sempre,.. Só as meninas pequenas atravessaram o verão
de 26, negro como o luto, num estado de imperfeita compreensão das coisas que
estavam a acontecer, e de que não guardaram memórias.
Mariazinha
recordava, com nitidez, apenas o velório, a estranheza de ver o pai a
dormir numa caixa comprida e estreita, de se ter aproximado e
e
tocado nas suas mãos e na face, e de as sentir geladas, de ter tentado
acordá-lo e de ele não lhe responder. Contava, também, como lhe tinham
contado, contar, a cena lancinante da saída da urna - o irmão Manuel
deitou-se sobre o caixão fechado, e quis impedir que o levassem da sala. Foi
preciso retirá-lo,
afastá-lo,
tratar fele, antes de poderem prosseguir a cerimónia.
Mais
nada se sabe, por relatos de família. Da morte pouco se falava
não se falava, e do funeral menos ainda. A viúva punha,
definitivamente, o acento na pessoa que ele fora, tão generoso, tão
afetuoso com ela e com os filhos e tão comunicativo, fazendo amigos,
facilmente, com naturalidade . A Vila Maria, no seu tempo, era uma festa, uma
girândola de convívios, com preferência pelo ar livre. Por muito tempo depois
continuaram a acolher a tradição de convívios os bancos de jardim,
as mesas redondas, as cadeiras de ripinhas de madeira verde escuro, a
mesma cor das venezianas, a contrastar com o rosa forte das paredes da
casa.
Sobrevivem,
igualmente, descrições dos hábitos tropicais, que ele conservou no dia a dia
- tomar um duche frio pela manhã, seguido de um almoço só de
frutas,
nadar nas águas gélidas do tanque maior, que ficava na zona de transição entre
os jardins e a quinta agrícola, junto à chamada "casa da eira".
E o prazer da caça. E a mania de pregar partidas inofensivas, como a de
oferecer aos amigos laranjas de aspeto magnífico, misturando umas muito
doces, outras muito azedas (de uma laranjeira exótica, que mandara plantar
só para esse fim). Ou a de escacar pratos e canecas de barro à bengalada,
nas feiras e romarias de São Cosme, extravagância extremamente
popular entre as louceiras, que, mal o viam, gritavam : "Sr. Aguiar, venha
partir a minha louça!".
Convinha
a todas, porque ele pagava sempre a dobrar...
É
pelos jornais que ficamos a saber outros peculiaridades, como a do uso uma
linguagem impecavelmente correta, pois mesmo em ambientes de
camaradagem masculina, não soltava um palavrão. "Com os
diabos!" era a exclamação mais heterodoxa que lhe arrancavam,... E, como
monárquico convicto, ouviam-lhe, algumas vezes, a sentença: "Talassa,
passa, Buíça chiça"....
Após
vinte e cinco anos de Brasil, com tanto sucesso, dezasseis de casamento, com
tantas alegrias, tantos filhos,e apenas dois anos feéricos na Vila
Maria...
A
viúva era uma jovem de trinta e seis anos, bonita, chique e moderna, perfeita
esposa e mãe e não menos competente anfitriã de infindáveis tertúlias, do
agrado do marido, que logo ficou transfigurada num vulto escuro e severo. Do
longo período de depressão, saiu para se refugiar na religião, primeiro
passivamente, para consolo da alma, de seguida, como se disse, à medida que
recuperava forças, dava entrada num outro mundo.
Fora
a mulher do prestigiado empresário, converteu-se, enquanto dele a memória
estava bem viva entre os da sua geração, a sua
respeitadíssima
viúva, e, por fim, ela própria, Maria Aguiar, personalidade rara, líder
no feminino, universalmente admirada.
Nenhuma
das filhas ascenderia a semelhante estatuto. Só a mais velha mostrou
vocação para o voluntariado. Na igreja matriz, enfeitava o altar de Nossa
Senhora das Dores,, visitava os pobres nos bairros miseráveis do Porto e
de Gondomar (consta que chegou a vendes as suas jóias para ajudar
necessitados), foi enfermeira auxiliar, em tempo de guerra, depois de tirar um
curso rápida e muito seleto na Cruz Vermelha do Porto... Por demais generosa,
mas não uma líder carismático como a mãe...
Todas
as raparigas estavam destinadas ao casamento, com noivos escolhidos pela sua
catolicidade, acompanhada de outras virtudes secundárias, dinheiro,
posição social.... A mamã preferia, para elas, um homem bom,
necessariamnte muito religioso, a um homem rico. Carolina viu-se
consorciada muito nova, aos 18 anos, com um cristão da terra, de missa e
comunhão diária. Era o solista do coro da Igreja, jovem alto e bonito,
como um ator de cinema. A Lininha, que sonhava ser freira de convento, foi,
assim, demovida de se tornar uma noiva de Cristo, pela própria mãe... Quiçá,
uma pequena contradição. Também a Mariazinha foi, na década seguinte, encorajada
a namorar rapaz de perfil semelhante, muito praticante e de família abastada.
Porém, as escolhas das mais novas, Lolita e Leninha, prevaleceram,
contrariavam, frontalmente, a vontade materna
Fosse
o pai vivo, talvez não fossem esses os casamentos delas. Mais seguro é ainda
dizer que, com ele, as carreiras dos três rapazes não seriam o que foram.
Outros seriam os horizontes, alargados até ao outro lado do oceano, diferentes
as carreiras dos rapazes, os casamentos das raparigas. Mesmo a viver em São
Cosme, António Carlos continuaria presente em negócios
internacionais, provavelmente também na banca, no Brasil, em sociedade com o
inseparável amigo Cunha. Este manteve o contacto com a família
do velho companheiro. Era o padrinho da Lolita, a quem oferecia bonecas
sumptuosas, não se esquecendo de presentear, igualmente a irmã quase gémea.
Todos os pequenos Aguiares, gostavam dele, conheciam-no desde sempre.
Alguns anos depois, chegou a pedir a mão da formosíssima viúva, sem o
intimidar a perspetiva de se tornar o segundo pai de sete filhos. Não
conseguiu da mãe o "sim", que os filhos dariam, em uníssono, com
clara noção da solidão da mâe e da sua própria perda, sentiam-se a
viver abaixo das antigas possibilidades, como se tivessem, sem culpa nem
razão, sido biblicamente expulsos do paráiso. Quando contavam a história,
deixavam no ar a pergunta: "Mas porque é que a Mamã não casou com o
banqueiro?"
A
evidente resposta é que se via, na morte dele, como fora ao longo da vida em
comum, a mulher do marido. Nem a morte os separava. Mas a uma neta, acrescentou
uma circunstância de peso - o simpático pretendente era e continuaria a ser um
solteirão, mas nem por isso um homem só, conhecia-lhe a ligação duradoura a uma
amante brasileira. E não acreditava na sorte de encontrar um segundo marido tão
gentil e fiel como o primeiro. Baixar os padrões morais não era para ela.
Ficou
com as boas memórias desses dezasseis anos felizes. Ficou na sua casa ideal
sonhada pelos dois para criar a família e os meios com que pode fazê-lo,
e com que pode sobreviver, como cidadã independente, ativa, exemplar, por mais
de meio século, até ao último dia. Mais vitoriana do que a Rainha Vitória, na
sua vida não houve um qualquer Mr Brown.
Muitas
décadas mais tarde, Maria Antónia anotaria num dos seus pequenos bilhetes
avulsos: "Éramos felizes e não sabíamos!" .
O
pai deixara-lhes, por herança o pequeno paraíso talhado à medida para eles,
a Vila Maria, uma vila dentro da vila, com tantos e tão
polivalentes espaços, o casarão, onde tudo era grande, à dimensão de uma
família em crescimento, o jardim, o pomar, as vinhas, a casa do forno, onde
dormia o criado, a chamada casa da eira, ao lado da qual, ficava o
tanque maior, quase uma piscina, o galinheiro, (para as crianças, uma espécie
de pequeno zoo), e, do lado oposto, semi escondidas atrás do pomar, as
pocilgas,
albergadas num comprido conjunto granítico, o chalet, com entrada independente
para a rua, destinado a garagem e arrumos, os mirantes, o da frente, do qual
se
poderia acenar, e até, verdadeiramente conversar, com apenas uma rua de
permeio, para quem assomasse às janelas da residência do tio Alexandre, e um
outro,
semelhante
nos fundos da quinta, num idílico meio campestre. Cenário há muito
desaparecido, depois da abertura, no início da década de setenta, de uma nova
via,
que
cortou boa parte da propriedade. No preciso lugar onde existira, se construiu
uma escola profissional, agora vizinha do auditório de Gondomar.
Não
é de admirar que Mariazinha, como todos os manos, ali se sentisse tão absolutamente
livre, mesmo estando, como as outras meninas, proibida de passar a linha
vermelha
dos portões. Ela, a mais contestatária e desobediente, não precisava de
desafiar essa ordenação materna, porque gostava mais de estar na Vila Maria
do que em qualquer outro lugar. Rapariga desportiva, pequena e ágil, ávida
de ar livre e exercício físico, bastante criativa nas formas, mais ou menos
radicais, de o praticar,
em
companhia de Lolita, trepando às árvores mais altas, saltando a partir delas
para telhados, o mais procurado dos quais era o da casa da eira, de cima do
qual se
podia
colher os araçás brancos. Tinha, porém, uma vulnerabilidade – era
visível das janelas da sala dos tios, e a tia Hermínia, sempre vigilante,
quando as avistava,
obrigava-as
a descer imediatamente, com brados e gestos frenéticos. Nem por isso as
denunciava à mãe, por recear a sua tendência para uma excessiva
severidade,
que
era, talvez, a sua maneira de assumir o duplo papel de mãe e pai de crianças
rebeldes. Por sorte delas, mostrava-se mais preocupada em as manter dentro
dos
limites
protetores da quinta e muito menos em as vigiar no seu interior. Ao longo do
dia, o seu vai vém era constante, envolvidíssima na prática de boas obras.
Por causa desse incansável voluntariado as deixava, assim, muito à vontade, e
elas aproveitavam em pleno as virtualidade da situação. Podiam,
sem oposição, bem pelo contrário, convidar primos e amigas, escolhidas, é
claro, dentro de um seleto círculo de convivência, sob o olhar de autoridades
mais benignas do que a materna, não as
criadas,
pois não as havia com o perfil de uma velha governanta (raramente
satisfaziam, por muitos anos seguidos, o grau de exigência da empregadora),
mas o benquisto tio Alexandre, convertido em figura tutelar masculina, em
segundo pai e as tias Rosaura e Hermínia.
As
fotografias, depois de um longo hiato, são já todas da década de 30, quando o
ambiente se torna mais distendido, Mariazinha e Lolita posam para as câmaras
com a
maior compostura,
não deixando transparecer aquilo de que eram capazes quando não vigiadas pela
objetiva, Erm todo, nota-se que a mãe toma a precaução de as
separar,
Uma à sua esquerda, a outra à sua direito, não fossem tecer alguma partida...
E, como se vê, não abandona os fatos negros, mostra-se de semblante triste
e
nostálgico,
embora tivesse recuperado o antigo hábito de captar em imagens momentos
conviviais - nestas fotografias com o primeiro genro, a primeira nora, os
primeiros
netos,
António José e Mário, filhos de Carolina que casara, aos 18 anos, com Serafim
Caetano Pereira, um empresário de Quintã, católico de comunhão diária e solista
do
coro da igreja, e de Manuel Joaquim e Clara de Sousa, os pequeninos
Margarida e António. Clara pertencia a uma conhecida família de São Cosme,era
lindíssima e
muito
viva, e por ela Manuel se apaixonou, a ponto de abandonar, aluno brilhante e
quase doutor, o curso de Medicina, em Coimbra.
A
foto em que Maria Aguiar está com as filhas Mariazinha e os netos António José
e Mário é uma raridade, a única em que figuram, ao colo das crianças, três dos
lendários
gatinhos
franceses de olhos azuis e pelo branco, a que o marido era muito afeiçoado. E,
em fundo, avista-se uma casa velha como uma série de janelas de
guilhotina,
que
se tornaram o alvo da pontaria do António Maria. O mais tranquilo dos rapazes,
tão bem comportado em todos os demais aspetos, era um perigo de fisga na
mão.
Nenhum
dos incontáveis quadradinhos de vidro lhe escapava. O vizinho,
contudo, não protestava e era sempre compensado do incómodo, com o pagamento
dos
estragos
sempre por medida alta. .
A
Mariazinha, em retrato oficial para as fichas de inscrição escolar, parece
exatamente o que não era, uma menina melancólica e tristonha.
Da
escola primária tem boas recordações, o que implica tê-las, também, da
professora, Dona Aurora Montenegro, senhora muito distinta, pertencente
ao
círculo
de amizades da mãe. Já velhinha do ponto de vista da criança, o que
possivelmente significa que era mulher de meia idade, vivia numa mansão
próxima
da Vila Maria, uma pequena quinta, no caminho do Largo da Pedreira, onde morava
a tia Rosaura e o seu padrinho tio Manuel.
O
início do ano letivo coincidia com as festividade em honra de Nossa Senhora do
Rosário, que eram, e ainda são, as mais importantes no calendário
anual da vila (agora
cidade)
de Gondomar, um composto de celebração religiosa, romaria, feira popular.. As
meninas gozavam-nas, imparavelmente, Em nenhuma outra época do anos se
viam
tanto por fora dos muros da Vila Maria, acompanhadas, sim, mas não lhes
faltando nunca voluntários para esse papel,, entre tios, outros parentes e os
confiáveis
pais
das suas amigas. A mãe participava, de boa vontade, na sucessão de
eventos, mais ligada à organização da vertente religiosa, mas olhando com a
mesma simpatia
as
diversões, talvez por se lembrar de igual condescendência da parte dos seus
pais. O Largo do Souto, a dois passos da Vila Maria, e a rua espaçosa que
o liga à Igeja,
transformavam-se em esplanadas cheias de gente, em constante vai vem
entre tendas, onde se vendia de tudo, da doçaria tradicional a louças
regionais, bordados, ou
brinquedos.
A banda tocava no coreto. A restauração centrava-se em dois grandes pavilhões,
o da Cruz Vermelha e o da Cruz Branca, ambos com fins beneficentes..
Recordação
singular dos convívio e tertúlias em que todo o Gondomar se reunião nos dois
pavilhões é um pequeno guardanapo de papel rendilhado e florido, com uma
quadra
popular, que mais do que pelo valor poético, inexistente, vale pela graça e por
ser testemunho de outros modos de estar e de agradar ao seu público. A
dizer-nos,
por exemplo, que as batatas fritas. como aperitivo, estavam na moda. Ali dentro
, o ambiente era sempre mais tranquilo, mais familiar, com bolos caseiros, a
acompanhar o chá. Tudo servido por meninas das "boas famílias" da
vila. Os Aguiares estavam sempre presentes na Cruz Branca. O Manuel
Aguiar, o Serafim Caetano Pereira e alguns do primos Lobão pertenciam à direção.
Um deles levava o cargo tão a sério, que até inventou um farda vistosa.
Os
dois pavilhões ficavam abertos para além do fim de semana de avalanche
popular, cada qual com a sua programação. A Cruz Branca, em São Cosme, tinha
apenas uma ambulância, a mesma, ao longo de anos, na década de quarenta, quando
aqueles membros da família estavam mais envolvidos ao seu serviço, já uma
"Dona Elvira" .A fonte principal de suporte das suas atividades de
solidariedade era a festa do Rosário, e, muito em particular um grande baile na
noite de 5ª feira, em que, embora acessível ao público em geral, participava.
sobretudo, a sociedade gondomarense. Foi num desses bailes que a Leninha, em
outubro de1946, conheceu o futuro marido, David de Almeida Ribeiro. Portuense,
estava ali por acaso, convidado por um amigo, Ivo Araújo, cuja namorada era uma
menina de São Cosme. Foi amor à primeira vista. Apresentados, formalmente, pela
namorada do Ivo, dançaram toda a noite. Depois de sete meses, em que só
conseguiram ver-se cinco ou seis vezes, por breves momentos, porque o
romance era rigorosamente proibido pela mamã, e a menina estava sob
constante vigilância, ela fez 21 anos, a dia 16 de maio. Na manhá desse dia,
calma e decidida, fez a mala, e saiu pelo portão da frente para o Porto. Casou
na Igreja de Santo Ildefonso e foi feliz até que a morte os separou, quase meio
século depois.
A
festa do Rosário de melhor memória, tornou-se, assim, aquela em que Madalena e
David dançaram a noite inteira no baile da Cruz Branca.. Pena não haver do
encontro qualquer imagem. O único retrato que se conhece das festas foi
tirado por um fotógrafo ambulante na década anterior a um grupo de
crianças grupo, a Mariazinha, a Lolita e a Leninha,com os primos José Joaquim e
Tininha, filhos dos tios Celestina e José, que eram os mais próximos
na idade. Todos engalanados para a festa, como mandava o protocolo.
.
Havia
na família uma longa tradição de participação comunitária, fosse ela mais
orientada para atividades culturais e de solidariedade, ou mais motivada
pela política pura e dura, que levou alguns ao Aljube. Muitos estão entre os
fundadores de clubes e jornais, membros de irmandades, animadores de tertúlias.
Homens naturalmente. A mais proeminente, se não a única protagonista de
primeiro plano, entre as mulheres, era Maria Aguiar, catapultada pelo e ao seu
estatuto de viúva catolicíssima. Organizava peregrinações, visitas a pobres, a
doentes e a presos, velava por converter uniões de facto em
matrimónios canónicos, e por trazer criancinhas ao batismo, era a anfitriã
sempre disponível de padres e freiras de visita à paróquia, assim aliviando a
residência do abade, dava trabalho a ex-presidiários, pequenos ladrões
impenitentes, que a roubavam sem ela notar (ou sem se importar). Mas o seu
gosto, felizmente, nunca perdido por aspetos mais profanos da vida local, em
particular, o que envolvesse música e teatro, permitiu às filhas (todas, exceto
a Lininha, visivelmente relutantes em mergulhar no mundo dos pobrezinhos e dos
doentinhos) participar em récitas, peças de teatro, e concertos. Todas
aprenderam piano, antes mesmo de irem para a escola primária e tocavam,
cantavam e declamavam, em serões ou pequenos espetáculos.. A estouvada
Mariazinha, era (quem diria?), a mais talentosa, embora fosse a irmã
Madalena, mais aplicada, a única a completar o curso do
Conservatório. Na igreja, a Lininha, para além de enfeitar o altar de Nossa
Senhora das Dores, era a organista oficial. A Mariazinha, que preferia o piano
a qualquer outro instrumento, foi, algumas vezes, na sua falta, chamada a tocar
o pequeno órgão da capela de santo Isidoro no Monte Crasto. E foi-lhe
permitido, assim como à Lolita, pisar os palcos do Cine Teatro Nun'
Álvares, em récitas beneficentes. Ambas muito aplaudidas pelos seus dotes
de comediantes. A Mariazinha que sonhava ser atriz, fez aí a sua
estreia de sucesso e aí acabou um brevíssimo e intermitente trajeto... No guião
de uma das peças que interpretaram, há correções, por elas feitas, à mão, o que
parece indício de que a sua colaboração não se limitava à representação.
Seriam, também, com o beneplácito materno, argumentistas e organizadoras, no
círculo de amigas que eram visitas autorizadas da casa - as
"Paciências", encantadoras filhas de um grandes lavradores de São
Cosme (e um dos vendedores das terras onde se implantou a Vila Maria),
as primas Maias, as irmãs Maria Amélia e a Madalena da Estrela.
"Da Estrela" não era apelido, mas alcunha - viviam num palacete
de arquitetura original, em forma de... estrela, (antecipando o
futuro em alguns anos, poderá, desde já dizer-se que há muitas fotografias
do casamento de estadão da Maria Amélia,
com
quem perderam contacto. desde que foi viver para Viana. Madalena uniu o destino
a um rapaz de Avintes, contra um coro de opiniões adversas.
Gostava
dele, e não quis saber de mais nada. Não se conhece o desfecho, pois também lhe
perderam o rasto. A Felismina viria a ser uma rapariga bonita,
alta
e loira foi a primeira a casar, com um Ramos, a quem chamavam o
"Ramitos". Contou às colegas das, pormenores picantes sobre a noite
de núpcias,
e
deixou um conselho: "Não vale a pena gastarem dinheiro na camisa de noite
de núpcias. Não vale mesmo a pena..."
Outra
visitante assídua, que entrou na iconografia da Vila Maria, embora não nos
èxitos do Teatro Nun' Álvares, foi a prima, Maria Laura, única filha da
Maria Isabel (Mimi) Barboza, sobrinha e a melhor amiga de Maria
Aguiar. Faziam pouca diferença de idade. A Mimi casou com um
artista, um pintor, que morreu novo, deixando-a viúva para sempre, tal como a
Tia Maria, apesar de ser, como ela, uma mulher lindíssima. A Maria Laura não
herdou a beleza materna, saiu ao lado paterno, magra e muito morena . A
seu lado, a Mariazinha, e até a Lolita, empalidecem visivelmente..
Nas
fotografias, as meninas não brilham tanto como os manos mais velhos,
sobretudo a Mariazinha, criança aparentemente enfezada e tristonha, que não
prometia desabrochar em beleza. Foi melhorando, com o tempo Há já uma
fotografia, em que, as duas manas, adolescentes de 13 ou 14 anos, começam a
desafiar a câmara, com mais naturalidade, e como se estivessem a magicar uma
próxima aventura. Estão atrás do poço, com uma da paredes do mirante em
fundo. Magicar e executar programas audaciosos era o seu quotidianos na Vila
Mariia. Ágeis como eram, não lhes seria especialmente difícil escalar os
muros da propriedade para uma escapadela pelos arredores. Nunca precisaram de
se prevaricar, porque ali dentro tinham infinitos entretimentos. E de lá
saiam, às vezes, mais do que desejavam, levadas pela mãe, a
missas, a novenas e outras devoções na igreja matriz, onde nem sempre
se comportavam exemplarmente. Quando conseguiam colocar-se fora do alcance da
mamã, entre as mulheres do povo, todas de lenço na cabeça
e chaile aos ombros, com mãos muito hábeis, conseguiam atar
as franjas dos chailes das devotas, duas a duas.
Depois distanciavam-se, como mandava a prudência e, de longe, divertiam-se
a ve-las a puxarem, cada uma o chaile das outra... Coisa de
execução simples e garantidamente divertida, a provocar variadas reações. Ao
Monte Crasto iam, igualmente, com frequência, sobretudo a partir de maio. Nos
seus apontamentos de septuagenáris, escreveria:
"Mês de maio,
minha aldeia tão linda,tão florida. Ao entardecer, subíamos o Monte Crasto,
para as novenas do "mês de Maria". Eu tocava o pequenino órgão do
coro da capela de Santo Izidoro. no Crasto, a Lolita e outras raparigas, como
nós, cantavam coisas tão belas!"
A mãe, desde os
seus verdes anos, como boa gondomarense, adorava passear, vagarosamente, entre
as árvores e, chegada ao cimo, ficar a ver as vistas familiares, sempre
deslumbrantes, em dias de sol. E, quando a agenda de compromissos lhe permitia,
gostava, também, muito de visitar o Porto e de as levar consigo, a ver montras,
a fazer compras e, por fim, a lanchar.
O Porto era, para
as gentes de Gondomar, a sua capital, com abundante oferta de lojas, cafés e
pastelarias, cinema, teatros, médicos especialistas, hospitais, alfaiates,
modistas, cabeleireiros. E liceus e colégios, para uma minoria de alunos que
continuavam estudos, para além da escola primária.
O transporte
coletivo era acessível e confortável, por camionete ou pelo eletrico, com
paragem terminal no Bolhão. Poucas pessoas tinham, nessa época, o seu próprio
automável, mas era esse o caso do tio Alexandre. As excursões à cidade com esse
tio eram sempre mais divertidas. Tratava-as como filhas, como um pai muito
complacente, bem-disposto e liberal. Levava-as às sapatarias, às
lojas de roupa, às livrarias. A Lolita nunca complicava as compras, rápida
e despachada nas escolhas. A Mariazinha, pelo contrário, não gostava de nada,
punha defeitos em tudo, sobretudo no que respeita a sapatos. Corriam a
"baixa" inteira, miravam as montras, aqui e ali entravam para ela
experimentar vários modelos. Nenhum encaixava no seus pequenos e delicados
pés..
O tio,
paciente, sugeria: : "Vai olhando e quando vires uma menina com uns
sapatos de que gostes, diz-me, e eu pergunto à mãe onde os comprou e
levo-te lá".
Era , em todo o
caso, menos esquisita noutros capítulos. Houve um presente, em especial, que a
deixou felicíssima, um simples xaile cor de rosa,
de lâ dos Pirinéus, comprado na Rua dos Lóios. A
irmã não quis nenhum, e, como ela também se encantou com outro, de
cor beige, ofereceu-lho. Depois, foram os três lanchar à Brasileira. Como de
costume, ele mandou vir um enorme prato de bolos e insistiu: "Comei
os bolos todos!", coisa que, para elas não era problema. Às vezes,
levava-as a um pequeno café, em frente à Brasileira, na rua que segue
para a atual Avenida dos Aliados, ou a um outro, junto à
Igreja dos Congregados. Era o preferido delas, porque até tinha música!
Com o Tio
Alexandre, a Mariazinha sentia-se inteiramente compreendida e não há dúvida de
que ele retribuía e lhe achava muita graça. Não sabemos, ao certo, como a
julgavam os outros parentes, as amigas, os professores. Ela própria se
descreveria assim, muitos anos passados:
"Não sou
bonita, nem feia, sou simpática, Fui sempre muito simpática (isto não é
narcisismo). E fui, em tempos, há muitos anos, uma rapariga interessante,
pequena, bastante pequena, mas cheia de saúde, extuante de vida, de vida e
de alegria, que transbordava por todos os poros do meu corpo. Diziam, até, que
tinha muita graça, aquela graça natural de uma rapariga que da vida só queria a
vida e nada mais. E o fulcro da vida era o amor. De uma sensibilidade doentia,
muito sincera, expansiva e nada egoísta".
O auto-retrato,
no que respeita à beleza física, pelo menos a partir da última fase da
adolescência, pecará por excessiva modéstia. Para a tia Rozaura era a
rapariga mais bonita de Gondomar, na sua geração. O tio Alexandre
dizia-lhe que era parecida com uma tia Aguiarr, segundo
ele, lindíssima, por quem tivera uma paixoneta de juventude (sempre
um pouco aérea, a Mariazinha não sabia o nome dessa irmã do pai, uma de
muitas..., ). João, o futuro marido, quando a conheceu, notou as suas
semelhanças com a atriz Paulette Goddard. Os rapazes com que namorou, às
vezes, simultaneamente, também a consideravam uma beldade...
As outras terras
que marcaram a sua infãncia e mocidade fora a Foz e Vizela..
As férias,
sobretudo as longas férias de verão levavam-nas ao triângulo São
Cosme, Foz e Vizela.
A partida
para a Foz era antecedida pelas excitantes tarefas da compra de vestidos novos,
chapéus e fatos de banho. Não no "pronto a vestir", a que a mãe
seria avessa toda a vida, mas começando pela compra dos tecidos no Porto,
depois pelas provas na modista, também do Porto, evidentemente. Em São Cosme
não havia alta costura, só costureiras para tarefas mais modestas. A decisão da
mãe preponderava invariavelmente, ao contrário do que acontecia quando das
expedições de compras nos Clérigos a convite do complacente Tio Alexandre,
Nas palavras da
própria Maria Antónia " a Mamã gostava de imaginar os modelos dos nossos
chapéus de praia, cortava os moldes, com muita habilidade e
mandava-os à Maria Folhelha para cozer e enformar as abas, que ficavam
impecáveis. Abas largas, para proteger do sol. Era igualmente uma artista
a tricotar (perfeccionista e perfeita em tudo, reconheciam as filhas - dos
bordados, em ponto de pé de flores, rendas de bilros, às maravilhosas compotas
de cereja e de chila, que abundava nos seus terrenos ou até, também, na
poda das rosas, herdadas do marido, nas quais nenhum jardineiro era autorizado
a tocar....). Pelo visto, perdeu-se, igualmente, uma talentosa
estilista, que se limitava a trabalhar para as filhas, que ainda recordam os
seus chapéus de ráfia, muito engraçados, a condizer com as cores dos
trajes de praia. Os fatos de banho eram de malha, comprada a metro e feitos
numa competente modista portuense. Curtos, mas sem exageros, pelo meia da
coxa, alças largas e decote pequeno, sempre de cores neutras. Por baixo,
usávamos calções justos à perna".
Agosto era o
mês do mar, de passeios, de lanches nas confeitarias qua a mãe não dispensava,
aí mais à vontade do que sobre a areia, com os seus vestidos invariavelmente
escuros - impensável a austera viúva em fato de banho. Arrendavam sempre a
mesma casa grande, onde tudo já era familiar
Há bastantes
fotografias da Foz, mas nenhuma com esses preciosos fatos de banho de época -
possivelmente porque a mãe tolerava o seu uso para o fim exclusivo de mergulhar
nas ondas, mas considerava impróprio exibi-los, nomeadamente na película. Toda
a família, velhos e novos se vê na praia em traje de passeio
Depois da
temporada na Foz, só as três filhas mais novas rumavam a Vizela, a acompanhar a
Mãe, em Setembro. Os rapazes, talvez porque não apreciassem a pacatez
das termas, ficavam em casa, sob a proteção do tio Alexandre.
Ficam , quase
sempre, alojadas na mesma pensão, pertença de um casal muito acolhedor, o Sr
João e a Senhora Mariquinhas, pais da Aurora, uma bonita ruiva, a quem
achava muita graça, relevando o facto de ser divorciada, não se sabe se de
algum modo justificado pelo perfil ateu ou violento do
ex-marido. Memorável, num dos anos, o relato de um rapaz tolinho
( quase nunca falta, um tolinho, nas pequenas terras) sobre uma mulher nua
nadando nas águas da Mourisca. Mulher não identificada, e que não foi
vista por mais ninguém
O
COLÉGIO DA ESPERANÇA
A
Mariazinha começou por ser uma boa aluna, suficientemente estudiosa, na escola
do Souto, com mestra competente e simpática, Aurora Montenegro. Uma das
senhoras do círculo restrito de amigas da Avó Maria. Distinta e discreta,
era, como geralmente acontecia com as professoras do ensino primário, muito
considerada na sociedade gondomarense. Fixou-se, definitivamente, em São cosme,
onde comprou uma pequena quinta, bem situada, perto da Vila Maria, no caminho
para a Pedreira.
O
marido era um homem amabilíssimo, que sofria de uma doença do foro psiquiátrico
e estava, há anos, num sanatório. Nada que o impedisse de vir a São
Cosme, de visita, passar um dia, em que se comportava normalmente. Por fim,
despedia-se, dizendo "Está na hora de voltar para casa" . A história
imprssionou tanto a aluna dileta, que a contava sempre a propásito desse
tempo ameno.
Tivesse
ela transitado para um liceu do Porto, com ida e volta de camionete, como
algumas das suas colegas, e o mais provável era ter apreciado a experiência.
Porém a mamã foi sempre de opinião que o ideal era mesmo o internato, não um
vaivém de viagens, visto como desperdício de uma horas diárias e ocasião para
convívios porventura indesajáveis. E isto mesmo para os rapazes. O primeiro a
entrar no Liceu, O Manuel, frequentava as aulas no Alexandre Herculano,
mas internado num colégio da Rua Fernandes Tomás. De nada lhe valeram os
protestos de muitas missivas semelhantes aos da Lininha no conteúdo, que não no
estilo, repassado de ironia e arrogância, por grande que fosse a desgraça. Às
meninas, por maioria de razão, era imposto o enclausuramento, num regime duro,
pois nem ao fim de semana lhes era permitido vir a casa, só no Natal, na Páscoa
e nas férias de verão.... A Lininha foi a única exceção, mas ainda na
fase aurea em que tais decisões eram pelouro do Papá... Tantas cartas
angustiadas lhe escreveu, tantos foram os lamentos e as lágrimas que ele, no
ano letivo de 1925/26, meses antes de morrer, lhe fez a vontade. Não nos moldes
por ela propostos, ficar em casa, com explicações do Prof Costa e lições de
piano do compositor Moura, mas para frequentar um externato, o Colégio Joana
d'Arc e o Conservatório de Música.
Aos
11 anos, a Mariazinha foi mandada para o Colégio das Águas Férreas, na
Boavista, onde fez o primeiro ciclo do liceu, sofrendo com a separação da irmã
Lolita, ainda na escola primária. Apesar disso, não contava horrores dessa
experiência num mundo totalmente feminino, dominado por freiras simpáticas. Só
um homem ali entrava, o Padre. Eram as meninas que ajudavam à missa. A sua
melhor amiga, Maria Luísa Pinheiro, irmã dos futuros padres António e Eduardo
Pinheiro viria a professar como religiosa. Naquela altura, os dois futuros
sacerdotes estuvam no Colégio dos Carvalho com o João Dias Moreira, que
haveria de ser o seu marido por mais de cinquenta anos e que conheceu no dia da
"missa nova" do Padre António
.
Desses anos, recordava como momento alto, uma récita em que foi escolhida para
contracenar na peça principal. Cada menina representava em palco uma província.
Coube-lhe o Alentejo. Aos 96 anos, ainda se lembrava do começo : "O
Alentejo é a maior das províncias portuguesas, não há no mundo outra
igual"...
Juntas,
entraram, em outubro de 1933, para o Colégio das Orfãs de Nossa Senhora da
Esperança
TEXTO PARCIALMENTE REPETIDO
..Para ambas, o colégio, foi contrariando o
nome, um lugar de desesperança, onde se sentiam confinadas, presas e
frustradas. Sem longos carreiros e veredas para correr,
sem
mirantes e esconderijos, sem telhados para saltar, sem mirantes e esconderijos,
nem árvores para saborear a fruta mal amadurecida, trepando aos ramos mais
altos.
Entre
si, tinham dividido todas essas árvores, e, quando queriam provar a fruta de
uma das que era pertença da irmã, pediam licença, que era graciosamente
concedida..
Sempre
à solta, como se estivessem num pequeno sertão...
Por
isso, ali, na camarata, choravam noite fora até caírem de cansaço no sono.
Ficavam em camas seguidas, em sussurro planeavam fugas que nunca levaram a
cabo,
(talvez
por saberem que seriam recambiadas de volta, depois de castigadas, sem dó nem
piedade (já não tinham o pai para se comover com tormentos e lamentos,
como
acontecera
np caso idêntico da irmã mais velha. Um dos planos
consistia
na escalada dos muros da quinta. outro, que evitava o risco e o prazer de tais
proezas atléticas, era, escapulirem-se pela capela que dava acesso à rua e
à
liberdade por
uma sólida porta com grades, fechada por chave de ferro, para o que
bastava roubar a chave. Uma vez, estiveram preste a executar este plano
B, e foi a
colega
Maria Laura Horte que, avisadamente, as convenceu a desistir... Não
se sabe como tencionavam chegar a Gondomar, se a pé, fazendo uns dez
quilómetros por
estrada, se
utilizando,o elétrico. Dinheiro não lhes faltava para pequenas extravagâncias e
esta, pelo preço, valia a pena. Recebiam uma mesada do tio Alexandre,
vinte
escudos
para cada uma, com os quais encomendavam a uma recoveira chocolates e toda
a espécie de bolachinhas e doçarias.
Um
plano de deserção, mais discreto, mas sempre de curto prazo, era engendraram
uma doença, uma constipação, gripe, pneumonia, se preciso fosse. Para
isso,
andavam
de meias e soquetes molhados, mas eram demasiadamente resistentes,
raramente conseguiam resultados....
Da
Esperança, em frente ao Jardim de São Lázaro, estavam a poucos quilómetros de
São Cosme, mas só iam a casa nas férias, Páscoa, verão, Natal E só
recebiam vistas à quinta-feira, a
mãe,
o Tio Alexandre, às vezes os irmãos. Nos últimos anos, também o
namorado da Lolita, o Eduardo Fonseca, que era mais velho e parecia ainda
mais velho, e se fazia passar por tio,
sendo
admitido na sala de vistas, nessa confiável qualidade, com natural permissão
para dar um beijo na face à falsa sobrinha. Ela aparecia, muito
juvenil, de lacinho vermelhos no cabelo e
soquetes
ou meias pelo joelho. Vermelho era a sua cor preferida, como o amarelo era a da
irmã.
Numa dessas quinta.feiras, a mãe não pode visitá-las, porque estava doente e
mandou em seu lugar o Manuel Joaquim com os presentinhos do
costume (queijo, marmelada, compotas
caseiras...).
A certa altura, subiu a um banco, desatarrachou uma lâmpada e meteu-a
no bolso, deixando as manas apavoradas. Mas não conseguiram arrancar-lha e
repô-la. Não se sabe
a
razão daquele insólito gesto - talvez uma aposta.
No
novo habitat, não lhes faltavam amigas, entre colegas e professoras, a suavizar
a ordália. Eram muito populares, e as suas excentricidades davam colorido às
rotinas colegiais e serem
chamadas
"os galos doidos" dá uma ideia da fama
que granjearam. Entre as colega, Miriam Cavalier (uma das poucas
alunas dessa geração que, depois, faria carreira distinta como médica)
Renia
Finkelstein (que veio muito pequena da Polónia, de onde trouxe muitos
"pins", que lhes oferecia) a Zita Seabra (muito bonita, loira,
de olhos azuis, mãe da Zita Seabra, antiga deputada
do
PCP e dos PSD), Fernanda Málen (que haveria de professar como religiosa),
a Olímpia e a Julieta, com quem continuaria a conviver, já depois de
casada, em Espinho, onde elas tinham
casa
de praia, a sensata Maria Laura, que lhes impediu uma fuga destinada a
fracasso, Manuela Abrantes (aluna externa, que as convidava para festas,
num esplêndido palacete, ali bem
perto
. ocasião para saírem da clausura por umas horas, com uma autorização da
mãe, primorosamente falsificada).
Curiosa
a quantidade de nomes estrangeiros, a dar o toque cosmopolita a um colégio
bem conceituado e bem situado, onde as filhas da burguesia se misturavam com
meninas orfãs, de
qualquer
classe sócio-económica. Muitas eram do litoral, havia um importante contingente
de Ílhavo, outras de vários pontos do norte e nordeste como Olímpia e
Julieta, as tais que
veraneavam por
Espinho. Não era desse tempo o convívio à beira-mar com as
Aguiar, que sempre arrendavam casa na Foz velha, em agosto.
As
melhores recordações da Mariazinha são da sala de piano, as de Lolita, certamente, da
sala de visitas, onde namorava com Eduardo, o suposto tio.
A
Professora de piano era Margarida Portela, uma extraordinária executante e
pedagoga faz, que considerava a mariazina uma aluna muito
especial, uma grande pianista em potência.
Ofereceu-lhe
as valsas de Chopin, com dedicatória. Muitas décadas depois, deu-as à única
música da família da nova geração, a Sameiro (que terminou, em
simultâneo, os cursos de
Medicina
e do Conservatório de Música), mas esqueceu-se de copiar a dedicatória, e
sempre lamentava o esquecimento. Em programas de festas, as pianistas eram
sempre a Maria Antónia
Aguiar
e a Amélia, uma colega de Avintes, com quem chegou a tocar a quatro
mãos.Amélia morreu jovem (mais uma vítima da tuberculose, como a inesquecível Tia
Glorinha). Nas
temporadas que
passava em Avintes, depois de casada, a Maria Antónia reencontrou a mãe de
Amélia, que era vizinha dos sogros. Visitava-a e, para ela, a senhora abriu,
pela primeira vez,
o
piano da filha. Insistia sempre que ela tocasse, e ficava a ouvi-la,
encantada...
A
professora Margarida era bonita e tal como a boa aluna de Gondomar, muito
míope. Esta, além de míope, condenada a óculos de lentes grossas,
(que, por vaidade, tirava sempre que podia,
sem
risco de tropeçar e cair) era praticamente cega do olho esquerdo, o
azul..
Recordaçõe das
mais tristes foi a do roubo de jóias de que foi vítima. A possiblidade de
haver ladras, mesmo nos bons colégios é sempre de considerar, mas a
mãe deixava-as arriscar. E
assim
ficou sem uns brincos lindíssimos que tinham sido da Tia Glorinha, dados
pela Tia Rozaura. E ela até viu, a rapariga a mexer nas suas gavetas.
Mas hesitou - mais expedita a escalar
elhados
do que a denunciar colegas..A ladra não parou por aí e acabou
por
ser chamada a capítulo, e expulsa, mas sem devolver muitos dos objetos
surripiados. No dormitório ficava ao lado da Mariazinha - foi-lhe fácil
observar os seus
ovimentos,
a vasculhar gavetas sem chave. Depois passou a ter a melhor da vizinhas, a
amiga Fernanda Málen, futura freira.
Décadas
mais tarde, numa reunião de antigas alunas, olhou em volta e reconheceu a
ladra., mas a pedido da Miriam guardou segredo silêncio sobre esse
escândalo do
passado
distante... .
Os
dois dormitórios, o das pequenas e o das veteranas, eram vigiados por uma
encarregada, de nome Beatriz, estavam separados pela sala de piano, O das
mais novae aberto, sem divisórias,
o
outro com a privacidade relativa de cortinas que podiam fechar-se. Na
convidativa sala de piano imaginava-se num salão de concertos,
sonhava alto, sem saber que Os únicos palcos que
a
mãe lhe permitiu pisar seriam os do colégio e, esporadicamente, os do Teatro
Nuno Álvares
Pela
vida fora anos atraiu com as suas canções, as suas histórias e
benignas excentricidades, apenas a família, gerações
sucessivas . Curioso é que até o seu dentista,
um
dia, sem saber das suas ambições secretas. lhe disse: "Devia ter sido
atriz. Vê-se que tem jeito!" Até mesmo na cadeira do dentista
representava bem a sua personagem. "Tem a
certeza
de que isto está limpo? Não usou essa agulha nos dentes do homem que
saiu daqui quando eu entrei?
A
Mariazinha começou por ser uma boa aluna, suficientemente estudiosa, na escola
do Souto, com uma professora competente e simpática, Aurora Montenegro,
uma
das senhoras do círculo de amigas da Avó Maria. Muito distinta, muito
considerada, fixou-se em São cosme, onde comprou uma pequena quinta,
perto da Vila Maria, no caminho para a P
passou
dois anos num internato de freiras, esperando que a irmã
Lolita
terminasse a instrução primária, para juntas entrarem no
colégio da
Esperança..
Para ambas,
o colégio, foi contrariando o nome, um lugar de desesperança, onde se sentiam
confinadas, presas e frustradas. Sem longos carreiros e veredas para correr,
sem mirantes
e esconderijos, sem telhados para saltar, sem mirantes e esconderijos, nem
árvores para saborear a fruta mal amadurecida, trepando aos ramos mais altos.
essas árvores, e, quando queriam provar a
fruta de uma das que era pertença da irmã, pediam licença, que era
graciosamente concedida..
Sempre à solta,
como se estivessem num pequeno sertão...
Por isso, ali, na
camarata, choravam noite fora até caírem de cansaço no sono. Ficavam em camas
seguidas, em sussurro planeavam fugas que nunca levaram a cabo,
(talvez por
saberem que seriam recambiadas de volta, depois de castigadas, sem dó nem
piedade (já não tinham o pai para se comover com tormentos e lamentos,
como
acontecera
np caso idêntico da irmã mais velha. Um dos planos
consistia na
escalada dos muros da quinta. outro, que evitava o risco e o prazer de tais
proezas atléticas, era, escapulirem-se pela capela que dava acesso à rua e
à
liberdade por
uma sólida porta com grades, fechada por chave de ferro, para o que
bastava roubar a chave. Uma vez, estiveram preste a executar este plano
B, e foi a
colega Maria Laura
Horte que, avisadamente, as convenceu a desistir... Não se sabe como
tencionavam chegar a Gondomar, se a pé, fazendo uns dez quilómetros por
estrada, se
utilizando,o elétrico. Dinheiro não lhes faltava para pequenas extravagâncias e
esta, pelo preço, valia a pena. Recebiam uma mesada do tio Alexandre,
vinte
escudos para cada
uma, com os quais encomendavam a uma recoveira chocolates e toda a espécie
de bolachinhas e doçarias.
Um plano de
deserção, mais discreto, mas sempre de curto prazo, era engendraram uma doença,
uma constipação, gripe, pneumonia, se preciso fosse. Para
isso,
andavam de meias e
soquetes molhados, mas eram demasiadamente resistentes, raramente
conseguiam resultados....
Da Esperança, em
frente ao Jardim de São Lázaro, estavam a poucos quilómetros de São Cosme, mas
só iam a casa nas férias, Páscoa, verão, Natal E só recebiam vistas à
quinta-feira, a
mãe, o Tio
Alexandre, às vezes os irmãos. Nos últimos anos, também o namorado
da Lolita, o Eduardo Fonseca, que era mais velho e parecia ainda
mais velho, e se fazia passar por tio,
sendo admitido na
sala de vistas, nessa confiável qualidade, com natural permissão para dar um
beijo na face à falsa sobrinha. Ela aparecia, muito juvenil, de
lacinho vermelhos no cabelo e
soquetes ou meias
pelo joelho. Vermelho era a sua cor preferida, como o amarelo era a da irmã.
Numa dessas
quinta.feiras, a mãe não pode visitá-las, porque estava doente e mandou em seu
lugar o Manuel Joaquim com os presentinhos do costume (queijo, marmelada,
compotas
caseiras...). A
certa altura, subiu a um banco, desatarrachou uma lâmpada e meteu-a
no bolso, deixando as manas apavoradas. Mas não conseguiram arrancar-lha e
repô-la. Não se sabe
a razão
daquele insólito gesto - talvez uma aposta.
No novo habitat,
não lhes faltavam amigas, entre colegas e professoras, a suavizar a ordália.
Eram muito populares, e as suas excentricidades davam colorido às rotinas
colegiais e serem
chamadas "os
galos doidos" dá uma ideia da fama que granjearam. Entre as
colega, Miriam Cavalier (uma das poucas alunas dessa geração que, depois, faria
carreira distinta como médica)
Renia Finkelstein
(que veio muito pequena da Polónia, de onde trouxe muitos "pins", que
lhes oferecia) a Zita Seabra (muito bonita, loira, de olhos azuis, mãe da
Zita Seabra, antiga deputada
do PCP e dos
PSD), Fernanda Málen (que haveria de professar como religiosa), a Olímpia
e a Julieta, com quem continuaria a conviver, já depois de casada, em
Espinho, onde elas tinham
casa de praia, a
sensata Maria Laura, que lhes impediu uma fuga destinada a fracasso,
Manuela Abrantes (aluna externa, que as convidava para festas, num esplêndido
palacete, ali bem
perto . ocasião
para saírem da clausura por umas horas, com uma autorização da mãe,
primorosamente falsificada).
Curiosa a
quantidade de nomes estrangeiros, a dar o toque cosmopolita a um colégio
bem conceituado e bem situado, onde as filhas da burguesia se misturavam com
meninas orfãs, de
qualquer
classe sócio-económica. Muitas eram do litoral, havia um importante contingente
de Ílhavo, outras de vários pontos do norte e nordeste como Olímpia e
Julieta, as tais que
veraneavam por
Espinho. Não era desse tempo o convívio à beira-mar com as
Aguiar, que sempre arrendavam casa na Foz velha, em agosto.
As melhores
recordações da Mariazinha são da sala de piano, as de Lolita,
certamente, da sala de visitas, onde namorava com Eduardo, o suposto
tio.
A Professora
de piano era Margarida Portela, uma extraordinária executante e pedagoga faz,
que considerava a mariazina uma aluna muito especial, uma grande
pianista em potência.
Ofereceu-lhe as
valsas de Chopin, com dedicatória. Muitas décadas depois, deu-as à única música
da família da nova geração, a Sameiro (que terminou, em simultâneo,
os cursos de
Medicina e
do Conservatório de Música), mas esqueceu-se de copiar a dedicatória, e
sempre lamentava o esquecimento. Em programas de festas, as pianistas eram
sempre a Maria Antónia
Aguiar e a Amélia,
uma colega de Avintes, com quem chegou a tocar a quatro mãos.Amélia morreu
jovem (mais uma vítima da tuberculose, como a inesquecível Tia Glorinha). Nas
temporadas que
passava em Avintes, depois de casada, a Maria Antónia reencontrou a mãe de
Amélia, que era vizinha dos sogros. Visitava-a e, para ela, a senhora abriu,
pela primeira vez,
o piano da filha.
Insistia sempre que ela tocasse, e ficava a ouvi-la, encantada...
A professora
Margarida era bonita e tal como a boa aluna de Gondomar, muito míope. Esta,
além de míope, condenada a óculos de lentes grossas, (que, por
vaidade, tirava sempre que podia,
sem risco de
tropeçar e cair) era praticamente cega do olho esquerdo, o azul..
Uma das más
recordaçõe foi a do roubo de algumas das suas jóias. A possiblidade de
haver ladras, mesmo nos bons colégios é sempre de considerar, mas a
mãe deixava-as arriscar. E
assim ficou
sem uns brincos lindíssimos que tinham sido da Tia Glorinha, dados pela
Tia Rozaura. E ela até viu, a rapariga a mexer nas suas gavetas. Mas
hesitou - mais expedita a escalar
elhados do que a
denunciar colegas..A ladra não parou por aí e acabou por ser chamada a
capítulo, e expulsa, mas sem devolver muitos dos objetos surripiados. No
dormitório ficava ao lado da Mariazinha - foi-lhe fácil observar os seus
movimentos, a vasculhar gavetas sem chave. Depois passou a ter a melhor da
vizinhas, a amiga Fernanda Málen, futura freira.
Décadas mais
tarde, numa reunião de antigas alunas, olhou em volta e reconheceu a ladra.,
mas a pedido da Miriam guardou segredo silêncio sobre esse escândalo do
passado
distante... .
Os dois
dormitórios, o das pequenas e o das veteranas, eram vigiados por uma
encarregada, de nome Beatriz, estavam separados pela sala de piano, O das
mais novae aberto, sem divisórias,
o
outro com a privacidade relativa de cortinas que podiam fechar-se. Na
convidativa sala de piano imaginava-se num salão de concertos,
sonhava alto, sem saber que Os únicos palcos que
a mãe lhe permitiu
pisar seriam os do colégio e, esporadicamente, os do Teatro Nuno Álvares
Pela vida
fora anos atraiu com as suas canções, as suas histórias e benignas
excentricidades, apenas a família, gerações sucessivas . Curioso é
que até o seu dentista,
um dia, sem
saber das suas secretas ambições, lhe disse: "Devia ter sido atriz.
Vê-se que tem jeito!" Até mesmo na cadeira do dentista representava
bem a sua personagem. "Tem a
certeza de que
isto está limpo? Não usou essa agulha nos dentes do homem que saiu
daqui quando eu entrei"
Uma rapariga
polivalente, que tão facilmente se dedicava à música, às artes cénicas, como ao
desporto, e à poesia, cantandp já o amor , ainda amor futuro e apenas
adivinhado nas descrições de autores de livros cor-de-rosa .
Deixar o colégio
aos 18 anos, com escolaridade de 9 anos, significou um razoável número de
reprovações. Ou, por outras palavras, de "não apresentação" a exames
oficiais, conluídos , com sucesso, na modalidade de disciplinas
"singulares" ... Desse penoso último ano são algumas das fotografias,
em que a "menina feia", se transforma em mulher bonita e
auto-confiante, e alguns poemas como "O sonho" e "O tango".
SONHO
Sonhei que te
ouvia. Silencioso,
Olhos fixos nos
meus me contemplavas
E eu li no teu
olhar ditoso
A tradução plena
de que amavas.
Paraste de tocar.
Vieste a meu lado
A tua boca a minha
procurou...
Mas esse beijo,
amor, beijo sagrado
Não vai além de um
sonho que findou...
E sonhei - oh, meu
amor! - que com carinho
Nos teus braços me
enlaçaste, com ardor
E dentro de ti,
ouvi, muito baixinho,
Teu coração
confessar-me o seu amor!...
Em sobressalto
despertei. E vi no meu caminho
Duas cruzes - a da
ilusão, e a da eterna dor!
8.5.38
Maria Antónia
TANGO
Foi numa noite
clara de luar,
Dançando o tango,
à luz branca da lua,
Que a minha mão
ardente, a palpitar,
Pousou, de leve, a
medo, sobre a tua.
Desde esse dia, a
vida foi um sonho,
Erguida a Deus, em
prece agradecida,
Amei-o tanto,
tanto, que suponho
Que se ama, assim,
só uma vez na vida.
Era tal minha
alegria,
Nada a podia
ofuscar,
Minha doida fantasia
Por céus e mundos
corria.
Passava a vida a
cantar.
Mas um dia, triste
dia,
Ele foi p'ra não
voltar,
Eu que tanto lhe
queria,
Nunca mais tive
alegria,
Passo os dias a
chorar
E hoje o tango
É o meu amigo
Só nele encontro
Calma e abrigo.
Por esse ingrato
Tudo sofri,
Meu querido tango
Só te amo a ti!..
GONDOMAR, TERRA
BENDITA
Gondomar era, para
a Mariazinha, o centro do seu universo, à volta de qual tudo girava. Na sua
mundivisão até o Porto fazia parte de Gondomar, era a sua vertente cosmopolita,
era a paisagem que o monte Crasto dominava do alto do seu esplendor verdejante,
De todos os recantos de uma terra idílica, nenhum igualava o Monte matricial
que, para a sua própria família era fonte de inspiração poética e destino de
passeios rituais. Ou nas palavras da mariazinha, a "sala de visitas de
Gondomar"
O tio materno José
Barbosa Ramos fora o autor da letra do hino de Gondomar, que acompanhava a
música de José Moura:
Gondomar, terra
bendita,
Rincão formoso e
fecundo
O nosso Crasto
frondoso
Não tem, não,
rival no mundo
Filigranas
delicadas
Verdes prados
cinge a serra
Cantam fontes e
avezinhas
Eis os dons da
nossaterra
Gondomar é o nosso
berço
Beija-o a brisa
fagueira
Cantemos por
Gondomar.
É divisa da
bandeira
Cantar, cantar
A linda terra de
Gondomar
Na geração
seguinte, seu irmão Manuel glosou o tema, num poema destinado à revista de
estudantes, "O Nabo", que ficou nos anais da vila, e cujo refrão ele
voltaria a recitar numa reunião deos autores e atores da peça no Monte
Crasto. Um reporter do "Correio de Gondomar" de 17-3-1934 e a
Mariazinha, então adolescente de treze anos, guardou o recorte nas suas
gavetas, onde foi encontrado 85 anos depois
E o Castro belo e
frondoso
Erguendo-se
majestoso
Da terra que nos
foi mãe.
No sino da Igreja,
além,
Trindades ouço
tocar
Como é linda a
minha terra
Como é linda a
verde serra
Como é lindo
Gondomar!
Os versos têm
assinatura, mas retratam o estado de alma de uma família inteira. a olhar,
quotidianamente, com renovado orgulho, as belezas naturais de São Cosme. O
malfadado progresso do cimento e betão negou aos vindourosas as vivências
de um meio ambiente idílico, há muito definitivamente perdido. Nem mesmo o
Monte Crasto, último bastião de resistência, é tão frondoso como foi na sua
idade de ouro... quando os dias corriam mais devagar e todos fruiam dos
recantos onde vila e campo conviviam, numa interlocução de pessoas e espaços,
na pequena comunidade em que todos se conheciam. nos clubes, nas tertúlias, na
botica, na igreja, nas festas populares, partilhando usos e tradições,
sotaques, ditados, expressões singulares, com que o "povo-povo"
resistia á uniformizaçãoque ia assimilando as elites letradas.
A pequena Maria
Antónia, excelente aluna a História e a Geografia, foi sempre muito dada a
recolhas de natureza cripto-etnográfica, talvez influenciada pelo exemplo da
Tia Rosaura de quem também se conhecem apontamentos soltos sobre mezinhas e
rezas das mulheres do antiquíssimo Gondomar, anotou os lugares, que faziam
os seus encantos - o Barroco, a represa de Cascaneira, entre a Gandra e
Ramalde, Bouça Cova, Azenha, Ermentão, Rio Carreiro, Fontela, Ponte Real,
São Miguel, Pevidal, Santo André... - , e, também, expressões, nomes e alcunhas
aldeãs, que lhe despertavam a curiosidade, como Pojeiras, Restivos,
Cabaças, Jeque-Jeque, Tarré, Fome Negra, Caga Troços, Carriças, Pilha Galinhas,Patacas,
Pirabeca, Arregalados, Folhetas, Estabões, Bagulho, Parraxila, Chasco,
Varetas, Melros, Pisco, Choco, Pimpão, Pinguinhas,Pombalinos, Toca- certo...
Menos invulgar o
nome de Isidro Izidoro, que, todavia, fez sensação, quando deixou dito que, nas
exéquias, queria levar um cravo vermelho na lapela. Era ela uma criança, mas
conseguiu que a levassem a vê-lo, talvez uma benigna criada, lhe tenha
permitido a secreta escapadela.
A família materna,
tal como a paterna encontravam-se praticamente livres de quaisquer dessas
alcunhas, fossem elam trocistas ou amáveis, com a exceção de uma tia
Aguiar, a quem, por ser baixa e gordinha, chamavam Maria Parrachila. As
antepassadas da bisavó Carolina, as que pareciam algumas das
formidáveis figuras femininas do universo ficcional de Agustina, e ficaram
conhecidas como "as Alexandras", não entravam naquele “dicionário”. O
nome popularizou-se e foi adotado, também, no masculino, ainda hoje. em
sextas ou sétimas gerações dos seus descendentes, mas, curiosamente, não
aparece nas pesquisas genealógicas do século XIX.
Há, sim, entre
tias e primas, alguns outros de ressonância greco-latina, como Lavínia,
Leocádia, Violante, Blandina ou germânica, como Guiomar.
No apanhado
de vocábulos esquisitos, então em voga nas camadas populares, apontou, dando
sempre o sinónimo, palavras ou expressões como: vasculho malandro), paspalhão
(desajeitado), dar uma topada (tropeçar), encatrapiada (aleijada), pimpineira
(aldrabice), pixote (pequenino). "embaçado" (envergonhado) ou
ditos antigos, por exemplo: "estás a olhar para ontem, que já lá
vai", ou "estás a ver navios" (distração): Deus nos dê muito e
nos abone com pouco":"estreminguei um pé" (torci) "vim da
outra banda" (do outro lado) "estou triste como a noite"...
Tudo o que era,
ou. pelo menos, considerava ser, particularidade da terra e das gentes de
Gondomar lhe parecia dar a certeza de estar onde e com quem
mais queria.
E sobre a terra,
a Vila Maria, as festas , em especial o compasso deixou algumas das
suas notas - das poucas que foram encontradas...
Compasso na minha
Terra
Corações cantando
almas em flor, flores em casa e no jardim também. Vem o compasso - é Deus , é
amor. Pela aldeia fora campaínhas a tocar. Flores desfolhadas e
"verde" pelo chão, Aí vem o compasso, aí vem a Cruz a chegar.
Pojeiras onde os
criados da minha Mãe iam buscar verdes para pôr no chão - fora do portão, do
portão até ao terraço e pelas escadas acima, o percurso que, no domingo de
Páscoa fazia o cortejo do compasso.
Alguns anos antes,
íamos com a Nucha buscar fetos e verdes ao Barroco. Tão lindo! Era um vale
entre a Gândra e Pevidal
melhor
de todas as vilas e cidades erguidas no planeta - a vila de Gondomar, dos
Mendes Barboza, dos Ferreira Ramos e dos Pereira de Aguiar...
Tudo
o que era, ou. pelo menos, considerava ser, particularidade da terra e das
gentes de Gondomar lhe parecia dar a certeza de estar onde e com quem
mais queria. ..
NAMORADOS
Duas gémeas na
proximidade, nas confidências e nas aventuras, na audácia, mas muito
diferentes no temperamento, nas escolhas sentimentais e na vida
que viveriam
pelos casamentos. Lolita foi a primeira a prender-se a um namorado, que seria o
único. Não o único marido, mas a única paixão da juventude,
pela qual
desafiou a mãe, para quem ele, o Eduardo d´Ascensão Fonseca, embora de
boas famílias, com quem socialmente convivia, era um perigoso
ateu e boémio.
Mais ou menos como dois dos seus três filhos, que, porém, não podiam,
naturalmente ser enjeitados ou rejeitados como os pretendentes de
teimosa
adolescente de 15 anos. Eduardo não tinha pressa de acabar o curso, era
também um desportista polivalente, muito voltado as modalidades náuticas
nadador de
poderosa braçada e velejador. No rio Douro tinha uma canoa para dois
tripulantes, que fazia sucesso entre os amigos. Até que o amigo Licínio
caiu ao rio e
morreu afogado. No funeral, Eduardo chorava e só dizia: "Foi no meu
barco!". Não quis mais ver a canoa. Vendeu-a. ( morte foi muito sentida na
terra e,
ainda hoje, a sua fotografia está guardada nos albúns - pela imagem parece um
rapaz sereno e amável)
.Mariazinha, que
seria casada com João por mais de meio século, teve uma longa fila indiana de
namorados (nem sempre assim tão indiana, pois alguns o
foram
simultaneamente. Os mais lembrados eram o Albino (não se esquece o primeiro
beijo, furtivo, na varanda grande e recatada da sala de jantar), o Adriano
e o João.
Tal como Albino, este era de São Cosme Jacinto, ambos de São Cosme, com acesso
à Villa Maria, pela camaradagem com os rapares da casa.
Embora vizinhança
desaconselhasse a simultaneidade, a Maria Antónia correu o risco. E,
entretanto, surgiu um terceiro e o mais interessante de todos.
Fernando Marques
Ribeiro, um grande amigo de Eduardo, mas, ao que parece, menos dado a
"farras" na noite portuense. Era um pouco mais velho e já um
Pianista notável,
a quem se adivinhava grande futuro. Compositor e maestro, haveria de ser
conhecido como o "Chopin português" (o que introduz a dúvida
quanto
à questão de saber se a paixão da Mariazinha por Chopin, começou no génio
polaco ou no brilhante português, mas qualquer que fosse a origem, não
teve fim
- foi a música de fundo que se ouviu, o tempo todo, discretamente,
baixinho, no seu velório, em 2019, no ano em que ia completar 99 anos)
Albino estava na
tropa e, quando terminou o serviço militar foi festejar com Jacinto e outros
camaradas e contaram um ao outro que namoravam a bonita
Aguiar.
Seguiu-se uma barulhenta discussão sobre "quer era quem" para
ela e, sem mais argumentos, envolveram-se numa cena de pancadaria, digna
de um
filme do
"far-west". Um dos circunstantes, Licínio, por coincidência amigo
íntimo do João Moreira, que ainda não entra nesta história, e também do Marques
Ribeiro, que
nela já tem papel central, resolveu satisfazer a curiosidade e perguntar à
jovem, que era o pomo da discórdia. Ela olhou-o. encolheu os ombros e
disse-lhe.
"Olhe, Licínio, eu gosto dos dois". Contudo, acabou logo com o
Albino, e, umas semanas depois, com o o Jacinto. Seguiu-se o Adriano de
Rio
Carreira, sobre o
qual não forneceu muitos detalhes. Foi relação de pouca dura. Entretanto, todos
aquelas desventuras e anomalias, tinham chegado aos ouvidos
de Marques
Ribeiro, que numa última visita à Vila Maria, onde era sempre bem recebido pela
Senhora Dona Maria Aguiar, encantada por poder ouvi-lo tocar
piano, a
repreendeu severamente, mostrando-lhe que era muito acriançada e que
voltaria a procurar a sua companhia quando fosse mais ajuizada. Já
lhe
tinha dirigido um
convite para atuar com ele num concerto no Porto - a que a mãe se opôs
firmemente - mas pensava, com certeza noutras parcerias mais
duradouras. E se
tivesse casado com ele, decerto que o caminho para os palcos lhe estaria
aberto. Todavia, ele, (que continuava a carreira em Lisboa),
voltaria tarde
demais, já ela estava há uns meses consorciada com o João, o seu poeta
particular. Da música para a literatura... Pensando nesses
tempos, deixaria
um pequeno texto em que lembra as ilusões de então, que só verdadeiramente se
perderam nos anos 60, ao fim de duas décadas de
casamento:
"Sonhos meus,
audaciosos, inquietantes, insatisfeitos - como eu, uma insatisfeita - sonhos
belos de um amor quase perfeito.
Mais de uma
vez desci o Crasto num voo pleno de graça e leveza. Senti mesmo os pés a
levantarem-se do solo e voei acima
daqueles
queridos pinheirais, eucaliptos e mimosas, voava em direção a minha casa
O
Encontro com o Pai contado pela Mãe
13
de outubro. Um dia de chuva e frio para a missa nova do Padre Eduardo Pinheiro
na capela do Monte da Virgem. Levava um casaco comprido cor de rosa
(feito por uma modista de alta costura do Porto. Sua Mãe de preto, como de
costume. Foram numa camionete de excursão, guiada pelo Sr Coelho..A mãe julga
que o encontro não foi
inteiramente
casual, Uma tia da Nucha e da Lucinda. madrinha da Mariazinha, casada com um
farmacêutico, Homero Figueiredo (teve farmácia no Porto e, depois, em Avintes).
a Tia Arminda era, em simultâneo, amiga de Olívia Capela, Mãe do João, e de
Maria Aguiar, a mãe da Mariazinha e já levara livros religiosos emprestados por
uma à
outra.
No caso da Avó Maria brochuras sobre o Frei Bernardo, por exemplo, que deviam
ser raridade. Morava em Avintes, perto da Avó Olívia e da farmácia, por trás da
qual ficava a Escola do Magarão, onde eu fiz a 2ª classe. e já tinha vivido na
casa do Tio João Aguiar. Mais tarde, emigraram para o Brasil, com os filhos, um
deles também chamado Homero, como o filho mais velho da Nucha. O Tio João era o
pai de Lucinda e Nucha.
A
Avó Maria era muito empreendedora, em tudo o que dizia respeito à sua
paróquia e à pratica e devoção religiosas, Com facilidade organizava excursões
ou peregrinações à sepultura de Frei Bernardo ou a Fátima, ou a uma missa
nova... Chamava o Sr Coelho,(um homem muito simpático e delicado, cujas filhas
estudavam no Porto), dizia-lhe o número de participantes e o destino da
peregrinação, e ele tratava de tudo e era sempre o motorista de serviço. Foi
assim na camionete do Sr Coelho, com a lotação esgotada, entre jovens e
seniores, que rumaram nesse domingo ao Monte da Virgem . Estavam a entrar na
capela, quando chegaram o viúvo e a mãe. A Mariazinha, não tinha a certeza que
fossem, mas achava provável, pois naquele par havia uma diferença de idades,
pertenciam obviamente a diferentes gerações.
A
excursão de Gondomar ficou no fundo do templo, enquanto ele, o eventual viúvo e
um amigo alto e moreno estavam junto ao altar.. No final da missa,
enquanto as "velhas" se dirigiam à sacristia para os
cumprimentos, os jovens saíram para o adro. A Mariazinha distanciou-se, quis
ver um cruzeiro, subiu os degraus de pedra e foi ler os dizeres gravados
na cruz e ouviu uma voz que lhe perguntava: "Boa tarde, dá-me licença?
Olhou
para trás - era ele, o jovem viúvo loiro e bonito! Pedia licença para lhe
oferecer uns soquinhos- miniatura de couro, ligados por um fio de prata.
Aceitou. Ele tinha acabado de os comprar num lojinha que vendia, terços,
imagens religiosas e artesanato. E assim começou a conversa, Contou que no dia
seguinte ia para Lisboa com um primo, o António, visitar a Exposição do Mundo
Português.
As
apresentação formais das minhas (futuras) Avós Maria e Olívia foram feitas pela
Tia Arminda e a conversa decorreu animadamente até à hora de partir. De Lisboa,
João enviaria um soneto à bonita menina de Gondomar e.seguidamente muitas
outras cartas. A Avó Maria estava sempre atenta à chegada do correio. Era ela
que abria as cartas, Li-as e so depois as entregava às filhas.
Nunca
teve nada a opôr às dele. Um católico de missa e comunhão quase diária era tudo
o que queria para genro. Tudo, não , mas era " condição "sine qua
non"
A
Mariazinha gostava dele, mas não queria um viúvo. Em conversa com a Tia
Rozaura, desabafava: " Ó Titia, um viúvo...não quero!"
E a
sábia Tia disse-lhe: "Não te importes. De facto todos os homens são
viúvos. Antes de casar connosco, andaram com outras mulheres. quer estejam
vivas ou mortas.
Passados
poucos dias ele telefonou. Na altura, só a irmã Carolina tinha telefone
privado. Chamou-a a casa e falaram, combinando um encontro, que aconteceu logo.
Passou
a ir lá com frequência. Às 3.00 da tarde. Ia diretamente para a igreja, era a
hora do Terço.. Acompanhava-as a casa e ficava a conversar com a Mariazinha no
terraço.
A
Avó não aparecia, ficava no quarto ou na sala, mas mandava a Lolita atravessar
a sala de jantar, que dava para o terraço - como se fosse à cozinha... Ao fim
da tarde ele regressava como tinha vindo, a pé pela Gândara e São Gemil, até
Gramido, onde atravessava o Douro, de barco, para Avintes.
Anos
depois, contou à Mulher que se ela lhe tivesse dito "não" junto
ao Cruzeiro do Monte da Virgem, tentaria uma de outras duas de quem gostava - a
irmã Lena e a Teresa "da Pinta" - uma de várias irmãs, todas
bonitas, que viviam numa daquelas grandes e famosas casas de lavoura de São
Cosme).
No
verão, se seguissem a agenda habitual de férias familiares, estariam mais longe
um do outro, ela nas termas de Vizela e na Foz, ele em Espinho, na casa da rua
7. Nesse ano, porém, a Lena estava a recuperar de uma primo.infeção e os
médicos receitaram uma longa estadia no campo. Passaram o verão em
Branzelo. numa quinta de amigos (Novais da Cunha?). A casa era enorme, os
convidados foram muitos, incluindo os primos do João, a Alda, a Maria Helena e
o Manuel. O joão, também , aos fins de semana. E um Rangel, que morava
numa quinta próxima, e era mais velho do que o grupo das meninas Aguiar.
Não
faltava pessoal doméstico - os caseiros da quinta, e as filhas, muito
prestáveis. Em fins de outubro, estiveram todos numa desfolhada de lavra