domingo, 24 de abril de 2011

w195 - DOCAS última viagem a LUANDA

Relato da Docas:

15 depois desse desfile do 1º Maio, em meados do mês, resolvi ir para Luanda. Achei que era a última oportunidade de rever Angola, tal como era. Despedi-me do emprego numa empresa de construção civil (Engil, salvo erro, onde o meu chefe era o Deodato). Com o dinheiro que tinha comprei o bilhete e fiquei com uns trocos.
No aeroporto vazio de passageiros e cheio de militares, fui interrogada e revistada. Levantava suspeitas, desde logo porque tinha pouco dinheiro. Expliquei que ia ao encontro do meu Pai, não precisava de mais.
O Pai, o Nestó, a Zé e a MªJoão (com 2 ou 3 anos) foram-me esperar ao aeroporto. Vim no mini-jeep descapotável do meu pai, com a Mª João no meio, olhando, desconfiada, aquela tia desconhecida.
Arranjei emprego no aeroporto de Luanda, como assistente de terra de uma companhia de aviação sul-africana, que fazia escala à noite. Naquele horário tinha de levar um salvo-conduto e usava um pequeno carro do pai (um Austin mini). Era uma aventura! O apartamento do pai ficava perto de um muceque, várias vezes fiquei entre fogo cruzado. Era um susto!
O Pai veio de férias em janeiro de 75 e eu com ele. Claro que, depois, tudo se complicou e ele não pode voltar, como queria. eeixou lá tudo e pagou a renda durante dois anos, sempre com a esperança de regressar.
Era uma época péssima para arranjar emprego. Andei a vender enciclopédias. Sobretudo em empresas. Um dia fui à caixa de Doenças Profissionais, onde tinha trabalhado. Lá reencontrei o sr Pernão, director de serviços. Ofereceu-me logo o meu antigo posto!
(" O quê? A vender livros? Não pode ser. Na próxima semana venha falar comigo, que eu vou readmiti-la").

domingo, 3 de abril de 2011

W194 - NESTÓ no JN: Cidadão Reporter

Por Chanas do Leste de Angola
2011-02-2
Ernesto Fonseca

Em Outubro de 1968 fui destacado para o Esquadrão de Cavalaria 403 aquartelado no Luso (hoje Luena), província do Moxico, no Leste de Angola.
O quartel, construído com chapas de zinco, tinha servido aos mercenários de Tshombé, fugidos do Katanga e acolhidos pelo regime português. A partir do meio-dia o calor dentro destas instalações era infernal e assim se mantinha até de madrugada, quando arrefecia.
O esquadrão, comandado pelo capitão Rocha Pinto, era constituído por militares angolanos e portugueses. Éramos quatro alferes: eu (Ernesto Fonseca), o Moniz, o Ferreira e o ( ???).
Seis meses depois de chegar a este esquadrão, em Março de 1969, a minha comissão começada em Setembro de 1965, aproximava-se do fim. Sentia-me ansioso e supersticioso. Analisava situações do dia-a-dia, as mais simples, e dizia para comigo que me safava se acontecesse de certo modo ou me lixava se acontecesse ao contrário. Ao caminhar em pavimentos de mosaicos, não pisava as juntas para não dar azar... Nunca saía do quartel sem levar um pequeno cartão religioso de Feliz Natal, enviado pela minha irmã. Ainda o tenho, desbotado pelo tempo e pelas chuvadas que naquela altura o encharcaram.
Na secretaria do quartel já se encontrava a minha guia de marcha para regressar a Luanda e passar à disponibilidade. A tropa estava a chegar ao fim. Iam terminar as incursões ao triângulo do Lumege, iam chegar ao fim os percursos tensos através de picadas onde a guerrilha colocava as minas. Uma bomba, lançada pela nossa aviação, não rebentou, amortecida pelas copas das árvores, foi cuidadosamente armadilhada na picada e deflagrada à distância, por comando eléctrico. Para mim, tudo isto ia ficar para trás.Mas uma noite, pela hora do jantar, chegou a notícia de que a PIDE tinha capturado um guerrilheiro do MPLA e que era preciso sair imediatamente com dois pelotões para assaltar o acampamento de onde ele tinha vindo e que os pelotões a sair eram o meu e o pelotão do Moniz. Um arrepio de frio percorreu-me as costas e ficou-me embrulhado no estômago. Não me lembro se jantámos. Entrámos para os Unimogs e mergulhámos na noite, entontecidos pelos buracos da picada e pelo medo. Medo das minas, medo de uma emboscada e medo do que nos poderia acontecer durante o assalto. Com a minha guia de marcha na secretaria, para regressar a casa, eu já não devia estar ali a correr aqueles riscos. Ia ter azar...
Finalmente os carros pararam, de madrugada, já o céu clareava. Avançámos a pé, em fila indiana, com o guerrilheiro à frente a ensinar o caminho até que avistámos uma mata muito densa. O acampamento era ali.
Escolhi um pequeno grupo do meu pelotão e o Moniz fez o mesmo. Formámos uma linha paralela ao acampamento. Eu ia do lado esquerdo. Regulámos as espingardas G3 em modo rajada e, a um sinal, iniciámos a aproximação cautelosa. Uns metros mais à frente começámos a correr, com o olhar fixo naquela mancha escura de silvados e espinheiras, de onde podia vir a morte. Galhos de árvore batiam-nos na cara e o medo acelerava-nos a corrida. Alguns caíram por tropeçarem em pedras e buracos. Mas chegámos lá. O coração batia descompassadamente, as mãos estavam escalvinhadas na arma, desesperadas para começar a fazer fogo. Mas nada, nem um tiro. O acampamento tinha sido abandonado. Deixaram as cubatas vazias, mal cheirosas e cheias de pulgas. Tive sorte...
O guerrilheiro foi interrogado. Tinha de dizer para onde fugiram. E disse. Disse que havia outro acampamento. O Moniz tropeçara durante a corrida e estava com um pé inchado. Não havia alternativa, eu tinha de continuar com o meu pelotão. Cá estava de novo...o azar!
Eram seis da manhã. Tinhamos os cantis cheios de água, num bolso guardamos uma lata de conservas e no outro metade de uma sêmea. O resto da carga, suportada por cada um, era composta por munições.
Levávamos dilagramas (granadas disparadas pelas espingardas). Nada de morteiros, nem rádio para comunicar. Os rádios não tinham alcance, eram muito pesados e avariavam. Levei comigo um enfermeiro.
Começámos a caminhar ao longo da xana (planícies imensas do leste de Angola, sempre com água e capim). O guerrilheiro à frente. À uma da tarde, o sol estava a pique. O calor era sufocante, transpirava-se, os mosquitos rodopiavam à frente dos olhos, os gafanhotos e outros insectos não se calavam. Ao longo da tarde, os cantis foram-se esvaziando e cada um de nós foi sucumbindo à sede. Contrariando todas as recomendações, ajoelhávamonos,afastávamos o capim e bebíamos sofregamente. Que se lixasse tudo...
Pelas cinco da tarde, o prisioneiro avisou que estávamos a chegar. Calculei que este segundo acampamento também estaria abandonado, pois há muito que nos teriam avistado. E assim foi. Quando chegámos, no meio de uma pequena mata, lá estava o acampamento abandonado. Incendiámos as cubatas, montámos uma segurança e descansámos meia hora. O terreno estava seco. E agora? Agora era preciso voltar para trás até aos carros.
Mais doze horas de marcha.... Éamos um grupo de trinta jovens, exaustos, esfaimados, sem comunicações, no meio de nada, mas conscientes de que não estávamos na nossa terra e que à distância havia olhos a observarem, à espera que baixássemos a guarda, enfim, que nos fossemos abaixo. Sentia-se a hostilidade. Não se podia parar muito tempo para descansar.
Caminhámos até cerca da uma hora da manhã, sempre na xana alagada, até que começámos a subir um pequeno outeiro arborizado. Dei ordem para se montar uma segurança e fazer um alto de meia hora para descansar. Tirei as botas e as meias. A pele dos pés estava branca, encarquilhada e destacava-se com facilidade. O enfermeiro aplicou-me sulfamidas e curitas. Os pés voltaram a entrar nas botas mas à força. No fim do descanso levantei-me com dificuldade e, tal como os outros, recomecei a marcha. Arrastávamo-nos penosamente, conscientes que esta era a fase mais perigosa. O inimigo sabia que estávamos no limite das forças, a noite era pouco escura e a mata rarefeita. Estavam reunidas condições para sermos flagelados ou cair numa emboscada. Rejeitámos as orientações do guerrilheiro e começámos a fazer largos zigue-zagues para não denunciarmos o nosso rumo.
E, finalmente, chegámos junto dos carros, talvez pelas três ou quatro da manhã. Reiniciámos o regresso ao Luso. Sentei-me ao lado do condutor de um Unimog e adormeci instantaneamente. Estivera acordado durante quarenta e seis horas e tinha caminhado durante mais de vinte e cinco. Despertei com a entrada na cidade. Fiquei ofuscado pelo sol da manhã e pela brancura dos edifícios.
No dia seguinte, o capitão disse-me que para mim a guerra tinha acabado. Não voltaria a sair!... Afinal não tive azar...
De regresso a Luanda, no combóio entre o Luso e Munhango, um sargento que vinha de Mavinga contou-me que o alferes Ricardo Martins tinha sido abatido com uma bazucada, seguida de um tiro na cabeça. Uns meses antes, eu e o Ricardo tínhamos alugado um apartamento a meias em Nova Lisboa. O Ricardo teve azar...
Já em Luanda, logo que possível, fui até à praia. Enfiei os calções, caminhei pela areia molhada e mergulhei. Senti a água a percorrer-me o corpo e a distender-me os nervos. Abri os olhos e percebi que o azul daquelas águas cristalinas escondia o meu futuro. Ia ter direito ao meu futuro.
Fiquei em Luanda, onde casei e tive uma filha. Jurei que concluiria o quinto ano de Engenharia Civil quando ela fizesse cinco anos. Cumpri esse juramento. Já em Portugal, fundei a Efiefe, uma empresa de serviços de engenharia que, decorridos 24 anos, ainda funciona.Reformei-me. Agora vêm aí outras guerras. Eu talvez ainda dê uma ajuda mas, quem vai lutar é uma outra vaga de jovens que têm os genes daqueles que andaram meio perdidos a lutar pelas xanas e matas de África.

Heroicamente...

Artigo Parcial
9 Comentários

fernando Machado
QUICABO,NAMBUANGONGO,ZALA,MATA DA SANGA ETC. .63 a 65.Tempos dificeis. Viaturas furadas,suores frios e mulhados. A pele avermelhada do po barrento das picadas. Nunca matei mas estive presente e sinto-me satisfeito pelo pouco que fiz. Contribui ... Rezei e acredito que evitei algum desastre com o meu sangrefrio. O "texas" poderia ter matado o Robalo que estava atrapalhado com uma grande cobra no meio da mata. Parabens aos que serviram pelo bem-estar de todos.

arlindo ferreira
25.03.2011/18:34
»Estes comentarios sao para o sr Mario Soares e Cia pelas suas bemfeitorias quer na politica quer em frança,com direito a todas de chefe de estado. E nos? Andamos a dar cabo do canastro durante 3 anos , (este e o meu caso em Moçambique) que pompas e que nos restam ? Apenas lembranças e miseria para muitos, porque os nossos politicos esquceram-se deles.Mas viva Portugal e castigo para os traidores,que penso que esse dia chegara

19.03.2011/20:17
France
»Tambem estive em Angola nao na guerra mas na altura a viver com os meus pais em Luanda .Partimos em 75 pouco antes da independencia porque os nossos politicos da altura o sr Mario Soares à frente de todos os outros venderam todos os portugueses que là estavam civis e militares . Por isso o meu muito obrigado a todos aqueles que là estiveram por Portugal. Penso que a historia se encarregarà de mostrar que eles (os politicos da altura sao na verdade uns traidores à patria e nao uns herois como se qurem fazer passar ) bem hajam todos vos

A.Martinho
17.03.2011/22:40
»Também estive na Guerra Colonial em Angola, precisamente no Leste(Gago Coutinho) em 69/71. Tinha como cristão alguma experiência política e sabia da injustiça para a juventude portuguesa. Morreram muitos jovens, outros sofreram acidentes das mais diversas ordens, e ainda hoje muitos sofrem com ela. No entanto com liberdade aceito as opiniões diferentes. Mas uma coisa é certa, a juventude do meu tempo não merecia por aquilo que passámos.

Ernesto Fonseca
21.03.2011/13:57
»Em 1957 um professor de Geografia, major Aires Martins, disse-nos, a propósito das independências então em curso no Norte de África, que elas iam estender-se até à África do Sul. Toda a gente sabia...Mas mantivemo-nos orgulhosamente sós. Em 1961, quando a luta armada começou, tínhamos obrigação de lá ir repôr a estabilidade, para depois permitir a negociação. E fomos.. e entregamos aos políticos todas as condições para o fazerem. Não o fizeram. Esbanjaram o esforço da juventude. Realmente não merecíamos isso, nem os nossos inimigos o mereciam. Todos perdemos.!! Em 1974, já pouco se podia fazer. Tinha sido por volta de 1965. Por aí sim..nessa altura era possível ter evitado tanta desgraça futura. Hoje ainda todos pagamos esse erro fatal.

Joao Carvalho
03.03.2011/19:35
»António Carvalho, revejo-me no seu comentário. Conheço o Leste de Angola por ar, terra e vias fluviais. Ali passei 5 anos na guerra ,tres deles já como voluntário. Não estou arrependido. De facto deveriam ter vergonha qaueles que por oportunismo político ou desconhecimento da história do nosso país nos tratam como criminosos e não como defensores de 500 anos de história que mereciam uma evolução de equlibrio para todos....Então e o que se seguiu? uma guerra fraticída durante 15 anos muito mais cruel que acombatida pelos portugueses... O tempo é um grande juiz..... e os nossos jovens já estão a sofrer a condenação da decisão final da descolonizão....É uma realidade que os políticos de hoje têm deficuldade em lidar....Viva Portugal

Nuno
06.03.2011/16:36
»Revejo-me no seu testemunho,só que estive em sitios diferentes StºAntonio do Zaire,Bona e Massabi (1963 a 1964).Embora tambem conheça essa zona muito bem,também fiquei em Angola, onde constitui familia.Na vida civil estava em Malanje,num departamento oficial.fizemos durante o periodo que lá estive até 1975 pelas populações o que não foi feito aqui em Portugal, desde a Educação, Saude e Agricultura.dei dos melhores anos da minha vida áquela gente sem receber nada em troca só amizade.A minha grande magoa é que os politicos Portugueses ao fazerem a descolonização não tivessem respeitado a memoria e o sangue derramado pela Pátria.Para mim esses responsáveis e hoje estão sentados á mesa do orçamento.não passam de traidores.

Ernesto Fonseca
04.03.2011/13:39
»Tem toda a razão ..E não temos de nos arrepender de nada, temos sim de nos orgulhar de ter pertencido àquela juventude que deu sobejas provas de merecer os 800 anos de Portugal. Um abraço João carvalho e ..Viva Portugal!!

António Carvalho
02.03.2011/17:43
»Chamo-me António Carvalho e aindei pelo Cuanza Norte de Angola, desde Outubro de 1972 a Dezembro de 1974. Os ex-combatentes, de forma não voluntária, prestaram um serviço à Sua Pátria,embora numa guerra que nunca deveria ter existido,porque as guerras não devem existir;Mas já que existiu que se faça uma análise desapaixonada e séria e se expliquem algumas virtudes que acabou por ter em muitos dos que nela participaram. Aqueles que os ignoram e por vezes desprezam, não mereciam ser chamados de portugueses.