segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

HERNANI sobre as nossas ligações familiares

Bom dia, Manuela, Também muito aprecio a coragem de Joacine Katar Moreira. Espero que ela e as demais deputada mulheres e negras contrabalancem a entrada da extrema direita no Parlamento. Li que a melhor resposta às previsíveis investidas desafiadores de André Ventura na AR será a não resposta, o silêncio, alguma ironia mas não respostas à letra para não dar razões de contra-resposta do outro lado. Penso que sim, que será a melhor estratégia. Espero, tenho a certeza, que Joacine Katar Moreira, Beatriz Gomes Dias e Romualda Fernandes mantenham a sua compostura e a compostura do Parlamento quando forem alvo dalgum comentário ou interpelação da extrema direita. Como o teu, o meu Pai foi gago, uma gaguez que ele própiro foi vencendo ao longo dos anos.  Aos dois anos o meu Pai embarcou para o Rio de Janeiro com a sua Mãe, em 1890, um ano depois da implantação da república no Brasil. Iam viver com um irmão da Avó, solteiro, armador de navios, creio, uma tradição de família em que ele nascera rico mas em que veio a conhecer a pobreza. O Tio Júlio pertencia à maçonaria, tinha uma empresa e vivia bem. O meu Pai cresceu num chalé na Rua Chaves Faria, junto ao Largo da Cancela, por detrás do Palácio Imperial em São Cristóvão. Desde pequeno se mostrou uma criança irrequieta, dir-se-ia hoje que era caracterizado por TDAH (transtorno de deficit de atenção e hiperactividade). Na sua sua infância o ambiente de euforia revolucionária pós independência deveria ter sido qualquer coisa parecida com o pós 25 de Abril em Portugal, mas à escala brasileira. O Tio Júlio optou por meter o sobrinho no Colégio Militar, que era relativamente próximo do lugar onde viviam e, quando se tornava mais irrequieto ou distraído, ameaçava-o de chicote — creio mesmo que algumas vezes teria ido a vias de facto. Até aos 12 anos de idade, o Pai terá vivido sob o terror dos castigos do tio e a incontornável tendência para ser como era, que ninguém entenderia: seria capaz de fazer as mais variadas coisas, mas não estudar, pelo que tinha maus resultados no colégio, onde era colega de nomes conhecidos na política e na Revolução, como foi o caso de Floriano Peixoto, filho de pai do mesmo nome que, na qualidade de general e depois marechal, fora um dos presidentes de curta duração da nova república, fundador de Florianópolis (que já existia no Rio Grande do Sul, mas com outro nome: Desterro). Aos 12 anos quando o Tio Júlio morreu, o Pai ficou sendo o “homem da casa” e, sob a passividade e fraqueza da Avó, passou a ajudar a gastar a fortuna que o tio deixara: compra uma boa "câmara fotográfica”, carabina para ir à caça grossa na floresta, bicicleta, piano (que estuda por conta própria para impressionar o seu público — não sabia ler a pauta, mas dedilhava com imensa destreza e tocava de ouvido, sempre música clássica, tocou até a artrose nos dedos lho impedirem). E fazia natação, patinagem  e canoagem… Um dia o sócio do Tio Júlio propôs à Avó que investisse num negócio de lavandaria a vapor as acções que herdara do irmão e não terá tardado que a lavandaria falisse, era luxo demasiado para a época e não resultou. Então, o Pai acordou para a vida e decidiu-se pela carreira da Marinha, mas já tinha passado a idade para entrar no respectivo curso. Não tinha importância, naturalizou-se brasileiro com menos um ano na sua idade e atirou-se ao estudo como um louco, para conseguir passar o exame de acesso. Quando chegou ao fim do ano perdeu repentinamente a fala: stress pelo excesso de trabalho e de ansiedade (aconteceu-me uma coisa semelhante no no meu 7.º ano, passei de pior aluno para aluno de média de 14 mas, por stress e excesso de trabalho, ganhei uma agorafobia que durou muitos anos). Não pôde apresentar-se a exame e no ano seguinte já teria ultrapassado a nova idade para poder entrar. Sem estudos qualificados e sem dinheiro, regressaram a Portugal em 1905, ia o Pai fazer 18 anos (terá, assim, co-habitado no Rio de Janeiro com o teu Avô António aproximadamente entre 1896 e 1905). Com perseverança e alguns exercícios de autodomínio foi vencendo, muito lentamente, a gaguez. Ainda lhe conheci alguma gaguez, mas apenas quando se irritava; de resto não era perceptível, mas quando nasci o Pai já tinha 46 anos. Não imaginava que o teu Pai também sofreu do mesmo. Agora um pequeno parêntesis a propósito duma interrupção em conversa com a Raquel. O rei Vítor Emanuel II de Itália teve duas filhas (Maria Clotilde, que casou em 1859 com Napoleão José Bonaparte, e Maria Pia, que casou em 1862 com Luís I de Portugal) e três filhos (Humberto, que foi rei de Itália a partir de 1878, Amadeo, duque de Aosta, e Otón, que faleceu muito jovem). Aos 22 anos, Amadeo veio a casar em 1867 em Turim com Maria Vitória, de 19 anos, contra a vontade dos pais desta, de origem aristocrática do Reino de Sardenha. Após a proclamação da Constituição espanhola de 1869, que restaurou o regime monárquico, em 1870 o Príncipe Amadeo de Aosta foi convidado para assumir o reino de Espanha com o nome de Amadeo I. Posteriormente, em resultado de graves tumultos que tiveram lugar em Madrid a favor da implantação da república (como agora em Barcelona), em 1873 Amadeo abdicou e, com Maria Vitória, refugiou-se em Portugal sob a protecção do cunhado D. Luís I; depois partiram para Turim, onde em 1876 Maria Vitória veio a falecer de tifo. Assim, Amadeo de Aosta decidiu voltar a casar, tendo escolhido a princesa francesa Maria Letícia Bonaparte. O casamento teve lugar em 11 de Setembro de 1888 no Palácio real de Turim. Os reis de Portugal, D. Luís I e D. Maria Pia, partiram entretanto para Itália para assistirem a este casamento. Sem ter nada que ver com isto, o meu pai nasceu em Julho de 1888, quando a família real se preparava para partir, e ficou a chamar-se Amadeu; era duas semanas mais velho do que a tua Avó Maria… Notei que os primeiros postai que enviaste datavam de 1908 e 1909, quando os teus Avós ainda não tinham casado mas estavam noivos e o teu avô não se encontrava em Portugal. Para em 1908 já estarem noivos, oficialmente, o que lhes permitia a intimidade de tratamento que neles se lê, teriam de ter-se conhecido antes de 1908 e durante uma visita do teu avô a Portugal. Voltando àquela fotografia de 1904 que aqui mais uma vez incluo, nela encontramos as meninas Lopes da Gandra, filhas de José Martins de Almeida Lopes (da Pedreira) e de Violante Pereira Moreira dos Santos (Amélia e o marido, José Lopes Vieira, casados nesse mesmo ano, Antónia, a minha avó materna, ainda solteira, e Flórida, que em 1908 iria casar com Américo Nogueira, seu vizinho na Gandra; entre elas está a prima direita de Quintã, Maria Judith Martins Lopes, filha de Damião Martins de Almeida Lopes (da Pedreira) e de Emília Pereira Ramos — Ramos, seria dos teus Ramos? — que iria casar três anos depois (2-2-1907) com Raúl Ramos Lobão; vê-se também José da Silva Maia, meu avô materno, que viria a casar quatro anos depois com Antónia dos Santos Lopes, aqui na fila da frente (já namoravam e junto uma carta de 21 de Outubro desse mesmo ano de 1904 assinada pela minha Avó Antónia). Retomando a fotografia, temos as meninas Barbosa Ramos (Maria e Glória) e os seus manos Mendes Barbosa (António e Alexandre) e, finalmente, António Lobão, possivelmente o namorado da tua Tia Avó Glória. E sobra uma Florinda… Seria Gracinda (Pereira Aguiar, um ano mais velha do que a minha Avó Antónia, ao seu lado), a tua Tia Avó (depois Saraiva) por quem o teu Tio Avô Alexandre teria tido uma paixoneta? Que se pode deduzir daqui? Todas as senhoras desta fotografia de 1904 estavam casadas em 1910. Se em 1904 a tua Avó Maria já tinha encontrada e estava comprometida com o teu Avô António, provavelmente ele estaria ausente no Brasil e por isso não poderia estar na fotografia. Se ainda não se tivessem encontrado e conhecido, há nesta fotografia um mancebo que conhecia ambos, o meu Avô José da Silva Maia. De facto, ele namorava uma das meninas da Gandra e era assíduo frequentador daquela casa, pois era afilhado da minha bisavó Violante (quer dizer que veio a casar com uma filha da madrinha). Como a Avó Violante era tão próxima da sua meia irmã Ana Pereira, então José da Silva Maia também teria de conhecer, muito bem, os filhos e filhas de Ana Pereira; ele era um ano mais novo do que Alfredo Pereira Aguiar, dois anos mais velho do que Doroteia Pereira Aguiar e seis anos mais velho do que o teu Avô António. Mas, o que é mais interessante e completa a história, é que ele era igualmente amigo dos teus Tios Avós Alberto Mendes Barbosa e José Barbosa Ramos, com quem dez anos antes desta fotografia (1894 e 1895) trocava os postais que aqui reproduzo (foi o meuTio Guilherme que fez o favor de digitalizar estes postais e a carta da minha Avó, mas infelizmente a resolução é fraca). Nesse tempo o meu Avô José, com cerca de 20 anos (nascera em em 1874), estudava no Colégio de São Gonçalo, em Amarante, como se pode ver nos endereços. Do livro que há dez anos escrevi sobre o meu Pai, respiguei o seguinte parágrafo, que se referia ao padre Augusto da Silva Maia (que era primo direito do meu Pai):“Não é de estranhar que em 1906 fizesse parte da Mesa Administrativa da Irmandade de Santo Isidro e da Nossa Senhora da Lapa do Monte de Crasto (Fig. 2.43). Dela faziam também parte José, seu irmão, e o sempre presente farmacêutico e fotógrafo Agostinho Cardoso. De resto, tanto José como Augusto eram populares em S. Cosme, onde reuniam um considerável número de amigos (Fig. 2.44). Entre eles contavam-se também José Silvestre Cardoso (Fig. 2.45), irmão de Agostinho Cardoso, José Barbosa Ramos (Fig. 2.46) e os irmãos Alberto (Fig. 2.47) e Alexandre Mendes Barbosa. Alguns destes amigos provinham de famílias razoavelmente abastadas, o que lhes permitiu ir frequentar Direito em Coimbra. Foi o caso  de Silvestre Cardoso e o de Barbosa Ramos, que vieram a ser, respectivamente, juiz desembargador e juiz conselheiro. E mais tarde Augusto iria casar muitos deles.” Se eles eram amigos dos teus tios avós, certamente também seriam amigos da tua Avó Maria, aqui na foto de 1904 (esta foto é um portento de revelações!), um mensageiro entre Quintã (em solteira a tua Avó Maria vivia ema Quintã?) e a Gandra. Proponho, portanto, Manuela, que o meu Avô José da Silva Maia tenha sido um verdadeiro fio condutor para o encontro entre os teus Avós Maria e António. Se nada mais encontrares sobre eles anterior a 1908, então é bem provável que este pic-nic de 1904 no Monte de Crasto tenha sido anterior, mas não muito, a eles se encontrarem. Com um abraço de acrescida amizade, enraizada desde 1894 também do lado Mendes Barbosa, Hernâni

sábado, 4 de fevereiro de 2023

Bloghistória - comentário do António

Ontem já distribuí algumas das cópias dos livros que me deste, inclusive ontem passei a tarde nos avós e entreguei-lhes uma cópia e eles adoraram… disseram que guardam muita estima por ti, pela Tia Giginha e pelo resto da família e que a casa deles está sempre aberta para vocês. Curiosamente passamos a tarde a folhear algumas das páginas do livro em conjunto e a ouvir as histórias que os avós recordam sobre a nossa família. Ambos dizem que recordam a Bisavó Maria sempre arranjada, de echarpe lilás e chapéus imponentes. O avô recorda ainda que em miúdo curiosamente ia ajudar a cuidar do pomar da Vila Maria junto com outros miúdos. Recorda ainda que a casa deles na Pedreira fazia muto com a casa da Tia Rozaura e de alguns episódios que jogavam à bola e algumas vezes ia parar ao terreno da Tia Rozaura. O avô contou ainda uma história da Tia Giginha ainda miúda em ter curiosidade em ir à oficina de ourivesaria do pai do meu avô e de estar muito curiosa em como se faziam as peças, perguntou como é que soldavam as peças e outras partes do fabrico de jóias. O avô diz ainda que se lembra bem do teu pai, que pensa ser de Avintes e que trabalhava no Porto numa associação de ourives também (não sei se se confirma verdade). Os avós recordam ainda a beleza das roseiras da Vila Maria e da casa, o avô reforça ainda que a casa era um marco da cidade e se hoje se mantivesse erguida poderia ter servido eventualmente como fundação ou biblioteca municipal. Isto entre outras histórias que agora não me recordo. Mas muito engraçado como os dois se lembram de tanta coisa e como o livro nos permitiu ter conversa para a tarde toda. Os avós disseram que iam ler o livro e depois quando se lembrassem de mais histórias me contavam. Quem sabe se talvez no novo livro os avós consigam dar algum do seu input? Achava muito engraçado e eles iam adorar.