sexta-feira, 15 de maio de 2020

"ao volante do meu computador"....

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Manuel Queiroz

segunda, 20/04, 16:59
para mim
  Obrigado , Manuela ! Obrigado , Manuela ! Irei ver com a devida atenção ! E tu, como tens passado ? Eu estou "confinado", como soi dizer-se actualmente...,
"ao volante do meu computador" , (re) escrevendo e ajustando textos antigos e recentes, para ver se, tudo somado, dará corpo a um dos
 dois projectos  que tenho vindo a laborar sobre o chamado "Terceiro Sector" e a "Economia Social". A par deste trabalho de um neo- Sísifo,
 a rolar as suas pedras , montanha acima, montanha abaixo, vou tomando notas e estruturando textos para ver se avanço no segundo 
projecto /programa sobre a temática do direito da saúde e da medicina (influência de amigos médicos que, em vão até "aqui", me têm 
desafiado... "Qui vivra, verra...". Um abraço , Manuel ( apetece-me dar-me um cognome : "Manuel de Montparnasse"  -aqui , M /m anuel 
terá um duplo sentido - ou , ainda "Manuel de Reimonde" (Roi du Monde, sans blague...) ou Manuel (de) Vilamarim. Qual preferes ?..
Depois desta "confusão", assino, Manuel (tout court) ...Que francófono estou hoje !! E tu, como tens passado ? Eu estou "confinado", como soi dizer-se actualmente...,
"ao volante do meu computador" , (re) escrevendo e ajustando textos antigos e recentes, para ver se, tudo somado, dará corpo a um dos
 dois projectos  que tenho vindo a laborar sobre o chamado "Terceiro Sector" e a "Economia Social". A par deste trabalho de um neo- Sísifo,
 a rolar as suas pedras , montanha acima, montanha abaixo, vou tomando notas e estruturando textos para ver se avanço no segundo 
projecto /programa sobre a temática do direito da saúde e da medicina (influência de amigos médicos que, em vão até "aqui", me têm 
desafiado... "Qui vivra, verra...". Um abraço , Manuel ( apetece-me dar-me um cognome : "Manuel de Montparnasse"  -aqui , M /m anuel 
terá um duplo sentido - ou , ainda "Manuel de Reimonde" (Roi du Monde, sans blague...) ou Manuel (de) Vilamarim. Qual preferes ?..
Depois desta "confusão", assino, Manuel (tout court) ...Que francófono estou hoje !.pois  estou "confinado", como soi dizer-se actualmente...,
"ao volante do meu computador" , (re) escrevendo e ajustando textos antigos e recentes, para ver se, tudo somado, dará corpo a um dos
 dois projectos  que tenho vindo a laborar sobre o chamado "Terceiro Sector" e a "Economia Social". A par deste trabalho de um neo- Sísifo,
 a rolar as suas pedras , montanha acima, montanha abaixo, vou tomando notas e estruturando textos para ver se avanço no segundo 
projecto /programa sobre a temática do direito da saúde e da medicina (influência de amigos médicos que, em vão até "aqui", me têm 
desafiado... "Qui vivra, verra...". Um abraço , Manuel ( apetece-me dar-me um cognome : "Manuel de Montparnasse"  -aqui , M /m anuel 
terá um duplo sentido - ou , ainda "Manuel de Reimonde" (Roi du Monde, sans blague...) ou Manuel (de) Vilamarim. Qual preferes ?..
Depois desta "confusão", assino, Manuel (tout court) ...Que francófono estou hoje !
madalena aguiar ribeiro 21 de abril de 2020 às 19:20
Para: Maria Manuela Aguiar
Hoje lembrei-me quando ia com a avó lanchar à Confiança ou à Confeitaria do Bolhão ou à Ateneia. Havia sempre umas velhotas de luvas e chapéuzinhos que pediam "um cházinho frio"...



Enviado a partir do meu smartphone Samsung Galaxy.


-------- Mensagem original --------
De: Maria Manuela Aguiar <mariamanuelaaguiar@gmail.com>
Data: 21/04/20 19:00 (GMT+00:00)
Para: madalena aguiar ribeiro <madalenaguiaribeiro@hotmail.com>
Assunto: Re:

Olá Leninha

Estás ótima!
Acho fantástico que tenhas a disposição para fazer estas coisas tão deliciosas à vista. Os teus talentos culinários são bem conhecidos, mas não julguei que te lançasses em tais tarefas sem ter com quem partilhar o produto do trabalho. Fazes muito bem!
Eu não sei fazer nada - só abrir latas, mas tenho a empregada...
Bjinhos

Manuela

madalena aguiar ribeiro <madalenaguiaribeiro@hotmail.com> escreveu no dia domingo, 19/04/2020 à(s) 22:17:
Agora percebo porque é que gosto tanto de acompanhar as refeições com um copo de bom vinho. Raro será o domingo em que não abro uma garrafita de espumante Fita Azul (meio seco). Hoje foi a acompanhar o bacalhau com natas que, sem falsa modéstia, está divinal!!!
Guardo muitas histórias que o meu pai contava quando vinha cá almoçar aos domingos. Tenho muito orgulho em dizer que as minhas cortinas e outros trabalhos são de desenhos do meu pai. E foram as minhas avós e a minha mãe que me ensinaram a bordar (especialmente a avó Maria). Tarefa difícil, porque sou canhota ou sestra. A Inês era ambi dextra. 
Não sei o que é um blogue nem o Instagram.
Beijinhos



Enviado a partir do meu smartphone Samsung Galaxy

MÃE versão mais antiga com mais fotos


VILA  MARIA
ÉRAMOS FELIZES E NÃO SABÍAMOS


Os últimos anos da década de 20 foram tristes e sofridos na Vila Maria. Diz-se que, depois de uma morte, para os que ficam, "a vida continua", mas a vida, 
depois daquele dia 26 de julho de 1926, não continuaria igual para a família Aguiar, nem então, nem no futuro. Só o Pai os poderia levar consigo numa caminhada segura, avançando com rasgo e bom senso, pensando sempre em grande qualquer curso de ação e conseguindo sempre resultados. Ao partir tão cedo, deixou-os com uma fortuna considerável, que se foi gastando e desgastando, sem se reconverter com o toque do génio empresarial . Deixou-os a todos, a viúva e os órfãos, com os seus hábitos e despreocupação de milionários, estatuto, vivência e aparência cada vez menos assente na realidade. Contudo, suficientemente sustentada para resistirem na casa grande, com criadas e o jardineiro, mesa farta, fatos elegantes, férias na praia e nas termas,  bons colégios,  sem esquecer os dispendiosos atos de continuada beneficência materna. Se não era o estadão dos tempos do pai, era um sucedâneo, que foi mais prejudicado pela crise de 1929 no Brasil e no mundo do que por gastos desmesurados. Bem pior do que a falta de largos rendimentos foi a falta da companhia, do exemplo de um homem, que sabia conjugar, superlativamente, o gosto pelo trabalho e o gosto pelo convívio e pelo divertimento. Exemplo , também, de fidelidade à sua paixão pela mulher. Para si, a mais bonita e virtuosa do mundo... Não é comum um "amor à primeira vista", um primeiro amor, como foi o dele, resistir, assim, ao tempo, ao casamento, ao nascimento de oito filhos. O testemunho consensual dos filhos é claro. "O Papá não sabia o que mais havia de fazer pela Mamã", disse,  uma vez, dos rapazes. E as manas pequenas, que não tinham memória nítida desse perfeito relacionamento, haveriam de repetir a frase sempre que queriam traçar um perfil do Pai. Foi também por ouvir dizer, que a Mariazinha, repetiria às filhas. "O meu pai só comprava coisas boas e caras, achava que "o que é barato sai caro". Ou: "O meu Pai adorava a luz, muita luz. Quando anoitecia, mandava acender todas os candieiros e lustres da casa".
 A Mariazinha e quase todos os seus irmãos, pelos anos fora, procuraram seguir essas máximas, quaisquer que fossem os meios com que as bancassem... Só um, e tardiamente, o António, mostrou queda para negócios, mas eram, quase todos, uns "mãos largas", pouco dados a fazer cálculos ou rigorosos orçamentos e denodadas poupanças. E mais ou menos excêntricos, de formas e feitios vários de excentricidade. Sete arrebatadas e atraentes personalidades, na idade adulta, talvez tão difíceis de aturar quanto em crianças, "enfants terribles", na escola e em casa. Quatro foram rebeldes genuínos, incontroláveis, reincidentes,  o Manuel, o Zé, a Mariazinha, e, a alguma distância, a Lolita. E os outros, com a exceção da tranquila Leninha, eram apenas aparentemente menos insubmissos...
Consumiam a Mãe, que a perda de um marido, tão querido e protetor, deixou prostrada pelo choque por muitos meses, muitos anos... O seu mundo dasabara., não sabia como reagir  Entre lágrimas e desmaios, caía doente na cama, chamavam o médico, mas não havia remédios que lhe restaurassem o ânimo.. Dois irmãos eram seus vizinhos, e muito disponíveis, o Alexandre e Rosaura, ambos casados, sem filhos. Passaram a ser presenças constantes. A Leninha, com apenas  dois meses, ficou, praticamente, ao cuidado de Hermínia e Alexandre. Foi preencher o vazio deixado pela perda da sua única filha, que morrera à nascença, muitos anos antes. Moravam na mesma rua, em frente ao mirante da Vila Maria, era fácil à Leninha transitar da casa deles, onde preferia de passar os dias, para a casa da mãe, onde, ao longo dos anos, até casar, quase só apenas pernoitava. Coincidência ou não, tornou-se a menina exemplar da família, mais parecida com a discreta Tia Hermínia do que com a própria mãe que, na viuvez, se revelaria personalidade de relevo e influência na Vila de Gondomar  
Não logo, depois, quando começou a dar acordo de si, apegando-se à fé e às obras pias, descobrindo como viúva, vestida de preto. qualidades que não parecia ter a tão elegante e sociável dona de casa..
 O pesadelo persistia, a imagem daquele funeral, que fora cerimónia arrasadora. Uma multidão juntara-se-se para dizer adeus a um amigo admirado, amável, extrovertido, convivial. Um homem sem inimigos. No curto trajeto que liga a Vila Maria à Igreja Matriz, atravessando o Largo do Souto, organizaram-se, segundo relato dos jornais de Gondomar, oito turnos para transporte da urna, a fim de que muitos pudessem prestar-lhe essa homenagem, a família mais chegada, as elites da comunidade, as direções do Clube Gondomarense, do Clube dos Caçadores, dos Bombeiros Voluntários, dos quais era associado ou benemérito. Pormenor que não é de somenos, num dos turnos, vem mencionado, no meio de doutores. empresários e grandes lavradores da terra, o nome do seu criado, João Pereira, possivelmente um dos mais diretos beneficiários da sua proverbial generosidade e bom trato.
Depois, foi o luto e o silêncio longo apenas rompido pelo pranto incontido e  coletivo. O testemunho mais direto chega sob forma de um  ingénuo soneto, escrito por menino de 11 anos, o filho António Maria:  

Meu Pai
Quem te levou, meu Pai?!...Quem te levou
Para esse mundo, assim tão azulado?
Responde... sim. Teu filho, um desgraçado
Para quem a tua ausência já chegou

Para esse mundo sem fim, quem te arrastou?
Partiste!... Fiquei só! Desventurado
Pede a Deus, a quem por ti tenho rogado, 
Embora infeliz... para quem tudo se quebrou

Partiste, morreu tudo neste mundo...
E minha Mãe, oh Pai, sempre a chorar
E eu choro, desde o dia em que, moribundo, 

Te segurei... morreste pai... Agora então
Depois de tudo, me vês, sempre a chorar,
Chorará eternamente, Senhor, meu coração!



O mundo azulado... o céu, o Deus a quem se queixa... sentimentos fundos, persistentes, para sempre,.. Só as meninas pequenas  atravessaram o verão de 26, negro como o luto, num estado de imperfeita compreensão das coisas que estavam a acontecer, e de que não guardaram  memórias. 
Mariazinha recordava, com nitidez, apenas o velório, a estranheza  de ver o pai a dormir numa caixa comprida e estreita, de se ter aproximado e
e tocado nas suas mãos e na face, e de as sentir  geladas, de ter tentado acordá-lo e de ele não lhe responder. Contava, também, como lhe tinham contado, contar, a cena lancinante da saída da urna -  o irmão Manuel deitou-se sobre o caixão fechado, e quis impedir que o levassem da sala. Foi preciso retirá-lo,
 afastá-lo, tratar fele, antes de poderem prosseguir a cerimónia. 
Mais nada se sabe, por relatos de família. Da morte pouco se falava não se falava, e do funeral menos ainda. A  viúva punha, definitivamente, o acento na pessoa que ele fora, tão generoso, tão afetuoso com ela e com os filhos e tão comunicativo, fazendo amigos, facilmente, com naturalidade . A Vila Maria, no seu tempo, era uma festa, uma girândola de convívios, com preferência pelo ar livre. Por muito tempo depois continuaram a acolher a tradição de convívios os bancos de jardim, as mesas redondas, as cadeiras de ripinhas de madeira verde escuro, a mesma cor das venezianas, a contrastar com o rosa forte das paredes da casa. 
Sobrevivem, igualmente, descrições dos hábitos tropicais, que ele conservou no dia a dia -  tomar um  duche frio pela manhã, seguido de um almoço só de
 frutas, nadar nas águas gélidas do tanque maior, que ficava na zona de transição entre os jardins e a quinta agrícola, junto à chamada "casa da eira". E o prazer da caça. E a mania de pregar partidas inofensivas, como a de oferecer aos amigos laranjas de aspeto magnífico, misturando umas muito doces, outras muito azedas (de uma laranjeira exótica, que mandara plantar só para esse fim). Ou a de escacar pratos e canecas de barro à bengalada, nas feiras e  romarias de São Cosme, extravagância extremamente popular entre as louceiras, que, mal o viam, gritavam : "Sr. Aguiar, venha partir a minha louça!". 
Convinha a todas, porque ele pagava sempre a dobrar...
É pelos jornais que ficamos a saber outros peculiaridades, como a do uso uma linguagem impecavelmente correta, pois mesmo em ambientes de camaradagem masculina, não soltava um palavrão.  "Com os diabos!" era a exclamação mais heterodoxa que lhe arrancavam,... E, como monárquico convicto, ouviam-lhe, algumas vezes, a sentença: "Talassa, passa, Buíça chiça"....
Após vinte e cinco anos de Brasil, com tanto sucesso, dezasseis de casamento, com tantas alegrias, tantos filhos,e  apenas dois anos feéricos na Vila Maria...
 A viúva era uma jovem de trinta e seis anos, bonita, chique e moderna, perfeita esposa e mãe e não menos competente anfitriã de infindáveis tertúlias, do agrado do marido, que logo ficou transfigurada num vulto escuro e severo. Do longo período de depressão, saiu para se refugiar na religião, primeiro passivamente, para consolo da alma, de seguida, como se disse, à medida que recuperava forças, dava entrada num outro mundo.
 Fora a mulher do prestigiado empresário, converteu-se, enquanto dele a  memória estava bem viva entre os da sua geração, a sua 
respeitadíssima viúva, e, por fim, ela própria, Maria Aguiar,  personalidade rara, líder no feminino, universalmente admirada. 
Nenhuma das filhas ascenderia a semelhante estatuto. Só a mais velha mostrou vocação para o voluntariado. Na igreja matriz, enfeitava o altar de Nossa Senhora das Dores,, visitava os pobres nos bairros miseráveis do Porto e de Gondomar (consta que chegou a vendes as suas jóias para ajudar necessitados), foi enfermeira auxiliar, em tempo de guerra, depois de tirar um curso rápida e muito seleto na Cruz Vermelha do Porto... Por demais generosa, mas não uma líder carismático como a mãe... 
Todas as raparigas estavam destinadas ao casamento, com noivos escolhidos pela sua catolicidade, acompanhada de outras virtudes secundárias,  dinheiro,  posição social.... A mamã preferia, para elas, um homem bom, necessariamnte muito religioso, a um homem rico. Carolina viu-se consorciada muito nova, aos 18 anos, com um cristão da terra, de missa e comunhão diária.  Era o solista do coro da Igreja, jovem alto e bonito, como um ator de cinema. A Lininha, que sonhava ser freira de convento, foi, assim, demovida de se tornar uma noiva de Cristo, pela própria mãe... Quiçá, uma pequena contradição. Também a Mariazinha foi, na década seguinte, encorajada a namorar rapaz de perfil semelhante, muito praticante e de família abastada. Porém, as escolhas das mais novas, Lolita e Leninha, prevaleceram, contrariavam, frontalmente, a vontade materna
Fosse o pai vivo, talvez não fossem esses os casamentos delas. Mais seguro é ainda dizer que, com ele, as carreiras dos três rapazes não seriam o que foram. Outros seriam os horizontes, alargados até ao outro lado do oceano, diferentes as carreiras dos rapazes, os casamentos das raparigas. Mesmo a viver em São Cosme, António Carlos continuaria presente em negócios internacionais, provavelmente também na banca, no Brasil, em sociedade com o inseparável amigo Cunha. Este manteve o contacto com a família do velho companheiro. Era o padrinho da Lolita, a quem oferecia bonecas sumptuosas, não se esquecendo de presentear, igualmente a irmã quase gémea. Todos os pequenos Aguiares, gostavam dele,  conheciam-no desde sempre. Alguns anos depois, chegou a pedir a mão da formosíssima viúva, sem o intimidar a perspetiva de se tornar o segundo pai de sete filhos. Não conseguiu da mãe o "sim", que os filhos dariam, em uníssono, com clara noção da solidão da mâe e da sua própria perda, sentiam-se a viver abaixo das antigas possibilidades, como se tivessem, sem culpa nem razão, sido biblicamente expulsos do paráiso. Quando contavam a história, deixavam no ar a pergunta: "Mas porque é que a Mamã não casou com o banqueiro?"
A evidente resposta é que se via, na morte dele, como fora ao longo da vida em comum, a mulher do marido. Nem a morte os separava. Mas a uma neta, acrescentou uma circunstância de peso - o simpático pretendente era e continuaria a ser um solteirão, mas nem por isso um homem só, conhecia-lhe a ligação duradoura a uma amante brasileira. E não acreditava na sorte de encontrar um segundo marido tão gentil e fiel como o primeiro. Baixar os padrões morais não era para ela.
Ficou com as boas memórias desses dezasseis anos felizes. Ficou na sua casa ideal sonhada pelos dois para criar a família e os meios com que pode  fazê-lo, e com que pode sobreviver, como cidadã independente, ativa, exemplar, por mais de meio século, até ao último dia. Mais vitoriana do que a Rainha Vitória, na sua vida não houve um qualquer Mr Brown.
Muitas décadas mais tarde, Maria Antónia  anotaria num dos seus pequenos bilhetes avulsos: "Éramos felizes e não sabíamos!" .
 O pai deixara-lhes, por herança o pequeno paraíso talhado à medida para eles, a Vila Maria, uma vila dentro da vila, com tantos e tão polivalentes espaços, o casarão, onde tudo era grande, à dimensão de uma família em crescimento, o jardim, o pomar, as vinhas, a casa do forno, onde dormia o criado, a  chamada casa da eira, ao lado da qual, ficava o tanque maior, quase uma piscina, o galinheiro, (para as crianças, uma espécie de pequeno zoo), e, do lado oposto, semi escondidas atrás do pomar, as
 pocilgas, albergadas num comprido conjunto granítico, o chalet, com entrada independente para a rua, destinado a garagem e arrumos, os mirantes, o da frente, do qual
 se poderia acenar, e até, verdadeiramente conversar, com apenas uma rua de permeio, para quem assomasse às janelas da residência do tio Alexandre, e um outro,
 semelhante nos fundos da quinta, num idílico meio campestre. Cenário há muito desaparecido, depois da abertura, no início da década de setenta, de uma nova via, 
que cortou boa parte da propriedade. No preciso lugar onde existira, se construiu uma escola profissional, agora vizinha do auditório de Gondomar.

Não é de admirar que Mariazinha, como todos os manos, ali se sentisse tão absolutamente livre, mesmo estando, como as outras meninas, proibida de passar a linha 
vermelha dos portões. Ela, a mais contestatária e desobediente, não precisava de desafiar essa ordenação materna, porque gostava mais de estar na Vila Maria do que em qualquer outro lugar. Rapariga desportiva, pequena e ágil, ávida de ar livre e exercício físico, bastante criativa nas formas, mais ou menos radicais, de o praticar,
 em companhia de Lolita, trepando às árvores mais altas, saltando a partir delas para telhados, o mais procurado dos quais era o da casa da eira, de cima do qual se
 podia colher os araçás brancos.  Tinha, porém, uma vulnerabilidade – era visível das janelas da sala dos tios, e a tia Hermínia, sempre vigilante, quando as avistava, 
obrigava-as a descer imediatamente, com brados e gestos frenéticos. Nem por isso as denunciava à mãe, por recear a sua tendência para uma excessiva severidade, 
que era, talvez, a sua maneira de assumir o duplo papel de mãe e pai de crianças rebeldes. Por sorte delas, mostrava-se mais preocupada em as manter dentro dos 
limites protetores da quinta e muito menos em as vigiar no seu interior. Ao longo do dia, o seu vai vém era constante, envolvidíssima na prática de boas obras. Por causa desse incansável voluntariado as deixava, assim, muito à vontade, e elas aproveitavam em pleno as virtualidade da situação. Podiam, sem oposição, bem pelo contrário, convidar primos e amigas, escolhidas, é claro, dentro de um seleto círculo de convivência, sob o olhar de autoridades mais benignas do que a materna, não as
 criadas, pois não as havia com o perfil de uma velha governanta (raramente  satisfaziam, por muitos anos seguidos, o grau de exigência da empregadora), mas o benquisto tio Alexandre, convertido em figura tutelar masculina, em segundo pai e as tias Rosaura e Hermínia.
As fotografias, depois de um longo hiato, são já todas da década de 30, quando o ambiente se torna mais distendido, Mariazinha e Lolita posam para as câmaras com a 
maior compostura, não deixando transparecer aquilo de que eram capazes quando não vigiadas pela objetiva, Erm todo, nota-se que a mãe toma a precaução de as
 separar, Uma à sua esquerda, a outra à sua direito, não fossem tecer alguma partida... E, como se vê, não abandona os fatos negros, mostra-se de semblante triste e 
nostálgico, embora tivesse recuperado o antigo hábito de captar em imagens momentos conviviais - nestas fotografias com o primeiro genro, a primeira nora, os primeiros
 netos, António José e Mário, filhos de Carolina que casara, aos 18 anos, com Serafim Caetano Pereira, um empresário de Quintã, católico de comunhão diária e solista
 do coro da igreja, e de  Manuel Joaquim e Clara de Sousa,  os pequeninos Margarida e António. Clara pertencia a uma conhecida família de São Cosme,era lindíssima e
 muito viva, e por ela Manuel se apaixonou, a ponto de abandonar, aluno brilhante e quase doutor, o curso de Medicina, em Coimbra.
A foto em que Maria Aguiar está com as filhas Mariazinha e os netos António José e Mário é uma raridade, a única em que figuram, ao colo das crianças, três dos lendários
 gatinhos franceses de olhos azuis e pelo branco, a que o marido era muito afeiçoado. E, em fundo, avista-se uma casa velha como uma série de janelas de guilhotina, 
que se tornaram o alvo da pontaria do António Maria. O mais tranquilo dos rapazes, tão bem comportado em todos os demais aspetos, era um perigo de fisga na mão. 
Nenhum dos incontáveis  quadradinhos de vidro lhe escapava. O vizinho, contudo, não protestava e era sempre compensado do incómodo, com o pagamento dos 
estragos sempre por medida alta. . 
     















A Mariazinha, em retrato oficial para as fichas de inscrição escolar, parece exatamente o que não era, uma menina melancólica e  tristonha.
Da escola primária tem boas recordações, o que implica tê-las, também, da professora, Dona Aurora Montenegro, senhora muito distinta, pertencente ao 
círculo de amizades da mãe. Já velhinha do ponto de vista da criança, o que possivelmente significa que era mulher de meia idade, vivia numa mansão
 próxima da Vila Maria, uma pequena quinta, no caminho do Largo da Pedreira, onde morava a tia  Rosaura e o seu padrinho tio Manuel. 


O início do ano letivo coincidia com as festividade em honra de Nossa Senhora do Rosário, que eram, e ainda são, as mais importantes no calendário anual da vila (agora
 cidade) de Gondomar, um composto de celebração religiosa, romaria, feira popular.. As meninas gozavam-nas, imparavelmente, Em nenhuma outra época do anos se
 viam tanto por fora dos muros da Vila Maria, acompanhadas, sim, mas não lhes faltando nunca voluntários para esse papel,, entre tios, outros parentes e os confiáveis
 pais das suas  amigas. A mãe participava, de boa vontade, na sucessão de eventos, mais ligada à organização da vertente religiosa, mas olhando com a mesma simpatia
 as diversões, talvez por se lembrar de igual condescendência da parte dos seus pais.  O Largo do Souto, a dois passos da Vila Maria, e a rua espaçosa que o liga à Igeja,
  transformavam-se  em esplanadas cheias de gente, em constante vai vem entre tendas, onde se vendia de tudo, da doçaria tradicional a louças regionais, bordados, ou
 brinquedos. A banda tocava no coreto. A restauração centrava-se em dois grandes pavilhões, o da Cruz Vermelha e o da Cruz Branca, ambos com fins beneficentes..   
 Recordação singular dos convívio e tertúlias em que todo o Gondomar se reunião nos dois pavilhões é um pequeno guardanapo de papel rendilhado e florido, com uma
 quadra popular, que mais do que pelo valor poético, inexistente, vale pela graça e por ser testemunho de outros modos de estar e de agradar ao seu público. A 
dizer-nos, por exemplo, que as batatas fritas. como aperitivo, estavam na moda. Ali dentro , o ambiente era sempre mais tranquilo, mais familiar, com bolos caseiros, a acompanhar o chá. Tudo servido por meninas das "boas famílias" da vila. Os Aguiares estavam sempre presentes na Cruz Branca.  O Manuel Aguiar, o Serafim Caetano Pereira e alguns do primos Lobão pertenciam à direção. Um deles levava o cargo tão a sério, que até inventou um farda vistosa.
Os dois pavilhões ficavam abertos para além do fim de semana de avalanche popular, cada qual com a sua programação. A Cruz Branca, em São Cosme, tinha apenas uma ambulância, a mesma, ao longo de anos, na década de quarenta, quando aqueles membros da família estavam mais envolvidos ao seu serviço,  já uma "Dona Elvira" .A fonte principal de suporte das suas atividades de solidariedade era a festa do Rosário, e, muito em particular um grande baile na noite de 5ª feira, em que, embora acessível ao público em geral, participava. sobretudo, a sociedade gondomarense. Foi num desses bailes que a Leninha, em outubro de1946, conheceu o futuro marido, David de Almeida Ribeiro. Portuense, estava ali por acaso, convidado por um amigo, Ivo Araújo, cuja namorada era uma menina de São Cosme. Foi amor à primeira vista. Apresentados, formalmente, pela namorada do Ivo, dançaram toda a noite. Depois de sete meses, em que só conseguiram ver-se cinco ou seis vezes, por breves momentos, porque o romance era rigorosamente proibido pela mamã,  e a menina estava sob constante vigilância, ela fez 21 anos, a dia 16 de maio. Na manhá desse dia, calma e decidida, fez a mala, e saiu pelo portão da frente para o Porto. Casou na Igreja de Santo Ildefonso e foi feliz até que a morte os separou, quase meio século depois. 
A festa do Rosário de melhor memória, tornou-se, assim, aquela em que Madalena e David dançaram a noite inteira no baile da Cruz Branca.. Pena não haver do encontro qualquer imagem. O único retrato que  se conhece das festas foi tirado por um fotógrafo ambulante na década anterior a um grupo de crianças grupo, a Mariazinha, a Lolita e a Leninha,com os primos José Joaquim e Tininha, filhos dos tios Celestina  e José, que eram os mais próximos na idade. Todos engalanados para a festa, como mandava o protocolo.
.   






Havia na família uma longa tradição de participação comunitária, fosse ela mais orientada para atividades culturais e de solidariedade, ou mais motivada pela política pura e dura, que levou alguns ao Aljube. Muitos estão entre os fundadores de clubes e jornais, membros de irmandades, animadores de tertúlias. Homens naturalmente. A mais proeminente, se não a única protagonista de primeiro plano, entre as mulheres, era Maria Aguiar, catapultada pelo e ao seu estatuto de viúva catolicíssima. Organizava peregrinações, visitas a pobres, a doentes e a presos, velava por converter uniões de facto em matrimónios canónicos, e por trazer criancinhas ao batismo, era a anfitriã sempre disponível de padres e freiras de visita à paróquia, assim aliviando a residência do abade, dava trabalho a ex-presidiários, pequenos ladrões impenitentes, que a roubavam sem ela notar (ou sem se importar). Mas o seu gosto, felizmente, nunca perdido por aspetos mais profanos da vida local, em particular, o que envolvesse música e teatro, permitiu às filhas (todas, exceto a Lininha, visivelmente relutantes em mergulhar no mundo dos pobrezinhos e dos doentinhos) participar em récitas, peças de teatro, e concertos. Todas aprenderam piano, antes mesmo de irem para a escola primária e tocavam, cantavam e declamavam, em serões ou pequenos espetáculos.. A estouvada Mariazinha, era (quem diria?), a mais talentosa, embora fosse a irmã Madalena, mais aplicada, a única a completar o curso do Conservatório. Na igreja, a Lininha, para além de enfeitar o altar de Nossa Senhora das Dores, era a organista oficial. A Mariazinha, que preferia o piano a qualquer outro instrumento, foi, algumas vezes, na sua falta, chamada a tocar o pequeno órgão da capela de santo Isidoro no Monte Crasto. E foi-lhe permitido, assim como à Lolita,  pisar os palcos do Cine Teatro Nun' Álvares, em récitas beneficentes. Ambas muito aplaudidas pelos seus dotes de comediantes. A Mariazinha que sonhava ser atriz, fez  aí a sua estreia de sucesso e aí acabou um brevíssimo e intermitente trajeto... No guião de uma das peças que interpretaram, há correções, por elas feitas, à mão, o que parece indício de que a sua colaboração não se limitava à representação. Seriam, também, com o beneplácito materno, argumentistas e organizadoras, no círculo de amigas que eram visitas autorizadas da casa -  as "Paciências", encantadoras filhas de um grandes lavradores de São Cosme (e um dos vendedores das terras onde se implantou a Vila Maria), as primas Maias, as irmãs Maria Amélia e a Madalena da Estrela. "Da Estrela" não era apelido, mas alcunha -  viviam num palacete de arquitetura original, em  forma de... estrela, (antecipando o futuro em alguns anos, poderá, desde já dizer-se que há muitas fotografias do casamento de estadão da Maria Amélia, 

com quem perderam contacto. desde que foi viver para Viana. Madalena uniu o destino a um rapaz de Avintes, contra um coro de opiniões adversas. 
Gostava dele, e não quis saber de mais nada. Não se conhece o desfecho, pois também lhe perderam o rasto. A Felismina viria a ser uma rapariga bonita, 
alta e loira foi a primeira a casar, com um Ramos, a quem chamavam o "Ramitos". Contou às colegas das, pormenores picantes sobre a noite de núpcias,
 e deixou um conselho: "Não vale a pena gastarem dinheiro na camisa de noite de núpcias. Não vale mesmo a pena..."



  













Outra visitante assídua, que entrou na iconografia da Vila Maria, embora não nos èxitos do Teatro Nun' Álvares, foi a prima, Maria Laura, única filha da  Maria Isabel (Mimi) Barboza, sobrinha e a melhor amiga de Maria Aguiar.  Faziam pouca diferença de idade.  A Mimi casou com um artista, um pintor, que morreu novo, deixando-a viúva para sempre, tal como a Tia Maria, apesar de ser, como ela, uma mulher lindíssima. A Maria Laura não herdou a beleza materna, saiu ao lado paterno, magra e muito morena . A seu lado, a Mariazinha, e até a Lolita, empalidecem visivelmente..









Nas fotografias, as meninas não brilham  tanto como os manos mais velhos, sobretudo a Mariazinha, criança aparentemente enfezada e tristonha, que não prometia desabrochar em beleza. Foi melhorando, com o tempo  Há já uma fotografia, em que, as duas manas, adolescentes de 13 ou 14 anos, começam a desafiar a câmara, com mais naturalidade, e como se estivessem a magicar uma próxima aventura. Estão atrás do poço, com uma da paredes do mirante em fundo. Magicar e executar programas audaciosos era o seu quotidianos na Vila Mariia. Ágeis como eram, não lhes seria especialmente difícil escalar os muros da propriedade para uma escapadela pelos arredores. Nunca precisaram de se prevaricar, porque ali dentro tinham infinitos entretimentos. E de lá saiam, às vezes, mais do que desejavam, levadas pela mãe, a missas, a novenas e outras devoções na igreja matriz, onde nem sempre se comportavam exemplarmente. Quando conseguiam colocar-se fora do alcance da mamã, entre as mulheres do povo, todas de lenço na cabeça e chaile aos ombros, com mãos muito hábeis, conseguiam atar as franjas dos chailes das devotas, duas a duas. Depois distanciavam-se, como mandava a prudência e, de longe, divertiam-se a ve-las a puxarem, cada uma o chaile das outra... Coisa de execução simples e garantidamente divertida, a provocar variadas reações. Ao Monte Crasto iam, igualmente, com frequência, sobretudo a partir de maio. Nos seus apontamentos de septuagenáris, escreveria: 
"Mês de maio, minha aldeia tão linda,tão florida. Ao entardecer, subíamos o Monte Crasto, para as novenas do "mês de Maria". Eu tocava o pequenino órgão do coro da capela de Santo Izidoro. no Crasto, a Lolita e outras raparigas, como nós, cantavam coisas tão belas!"
A mãe, desde os seus verdes anos, como boa gondomarense, adorava passear, vagarosamente, entre as árvores e, chegada ao cimo, ficar a ver as vistas familiares, sempre deslumbrantes, em dias de sol. E, quando a agenda de compromissos lhe permitia, gostava, também, muito de visitar o Porto e de as levar consigo, a ver montras, a fazer compras e, por fim, a  lanchar. 
O Porto era, para as gentes de Gondomar, a sua capital, com abundante oferta de lojas, cafés e pastelarias, cinema, teatros, médicos especialistas, hospitais, alfaiates, modistas, cabeleireiros. E liceus e colégios, para uma minoria de alunos que continuavam estudos, para além da escola primária.
O transporte coletivo era acessível e confortável, por camionete ou pelo eletrico, com paragem terminal no Bolhão. Poucas pessoas tinham, nessa época, o seu próprio automável, mas era esse o caso do tio Alexandre. As excursões à cidade com esse tio eram sempre mais divertidas. Tratava-as como filhas, como um pai muito complacente,  bem-disposto e liberal. Levava-as às sapatarias, às lojas de roupa, às livrarias. A Lolita nunca complicava as compras, rápida e despachada nas escolhas. A Mariazinha, pelo contrário, não gostava de nada, punha defeitos em tudo, sobretudo no que respeita a sapatos. Corriam a "baixa" inteira, miravam as montras, aqui e ali entravam para ela experimentar vários modelos. Nenhum encaixava no seus pequenos e delicados pés.. 

 O tio, paciente, sugeria: : "Vai olhando e quando vires uma menina com uns sapatos de que gostes, diz-me, e eu pergunto à mãe onde os comprou e levo-te lá".
Era , em todo o caso, menos esquisita noutros capítulos. Houve um presente, em especial, que a deixou felicíssima, um simples xaile cor de rosa, de lâ dos Pirinéus, comprado na Rua dos Lóios. A irmã não quis nenhum, e, como ela também se encantou com  outro, de cor beige, ofereceu-lho. Depois, foram os três lanchar à Brasileira. Como de costume, ele mandou vir um enorme prato de bolos e insistiu: "Comei os bolos todos!", coisa que, para elas não era problema. Às vezes, levava-as  a um pequeno café, em frente à Brasileira, na rua que segue para a atual Avenida dos Aliados, ou a um  outro, junto à Igreja dos Congregados. Era o preferido delas, porque até tinha música! 
Com o Tio Alexandre, a Mariazinha sentia-se inteiramente compreendida e não há dúvida de que ele retribuía e lhe achava muita graça. Não sabemos, ao certo, como a julgavam os outros parentes, as amigas, os professores. Ela própria se descreveria assim, muitos anos passados: 

"Não sou bonita, nem feia, sou simpática, Fui sempre muito simpática (isto não é narcisismo). E fui, em tempos, há muitos anos, uma rapariga interessante, pequena, bastante pequena, mas cheia de saúde, extuante de vida, de vida e de alegria, que transbordava por todos os poros do meu corpo. Diziam, até, que tinha muita graça, aquela graça natural de uma rapariga que da vida só queria a vida e nada mais. E o fulcro da vida era o amor. De uma sensibilidade doentia, muito sincera, expansiva e nada egoísta".
O auto-retrato,  no que respeita à beleza física,  pelo menos a partir da última fase da adolescência, pecará por excessiva modéstia. Para a tia Rozaura era a rapariga mais bonita de Gondomar, na sua geração. O tio Alexandre dizia-lhe que era parecida  com uma tia Aguiarr, segundo ele, lindíssima, por quem tivera uma paixoneta  de juventude (sempre um pouco aérea, a Mariazinha não sabia o nome dessa irmã do pai, uma de muitas..., ). João, o futuro marido, quando a conheceu, notou as suas semelhanças com a atriz Paulette Goddard.  Os rapazes com que namorou, às vezes, simultaneamente, também a consideravam uma beldade...
As outras terras que marcaram a sua infãncia e mocidade fora a Foz e Vizela.. 

As férias, sobretudo as longas férias de verão levavam-nas ao triângulo São Cosme, Foz e Vizela.

A  partida para a Foz era antecedida pelas excitantes tarefas da compra de vestidos novos, chapéus e fatos de banho. Não no "pronto a vestir", a que a mãe seria avessa toda a vida, mas começando pela compra dos tecidos no Porto, depois pelas provas na modista, também do Porto, evidentemente. Em São Cosme não havia alta costura, só costureiras para tarefas mais modestas. A decisão da mãe preponderava invariavelmente, ao contrário do que acontecia quando das expedições de compras nos Clérigos a convite do complacente Tio Alexandre,

Nas palavras da própria Maria Antónia " a Mamã gostava de imaginar os modelos dos nossos chapéus de praia, cortava os moldes, com muita habilidade e mandava-os  à Maria Folhelha para cozer e enformar as abas, que ficavam impecáveis. Abas largas, para proteger do sol.  Era igualmente uma artista a tricotar (perfeccionista e perfeita em tudo, reconheciam as filhas - dos bordados, em ponto de pé de flores, rendas de bilros, às maravilhosas compotas de cereja e de chila, que abundava nos seus terrenos ou até, também, na poda das rosas, herdadas do marido, nas quais nenhum jardineiro era autorizado a tocar....).  Pelo visto, perdeu-se, igualmente, uma talentosa estilista, que se limitava a trabalhar para as filhas, que ainda recordam os seus chapéus de ráfia, muito engraçados, a condizer com as cores dos trajes de praia. Os fatos de banho eram de malha, comprada a metro e feitos numa competente modista portuense. Curtos, mas sem exageros, pelo meia da coxa, alças largas e decote pequeno, sempre de cores neutras. Por baixo, usávamos calções justos à perna".

 Agosto era o mês do mar, de passeios, de lanches nas confeitarias qua a mãe não dispensava, aí mais à vontade do que sobre a areia, com os seus vestidos invariavelmente escuros - impensável a austera viúva em fato de banho. Arrendavam sempre a mesma casa grande, onde tudo já era familiar 
Há bastantes fotografias da Foz, mas nenhuma com esses preciosos fatos de banho de época - possivelmente porque a mãe tolerava o seu uso para o fim exclusivo de mergulhar nas ondas, mas considerava impróprio exibi-los, nomeadamente na película. Toda a família, velhos e novos se vê na praia em traje de passeio




Depois da temporada na Foz, só as três filhas mais novas rumavam a Vizela, a acompanhar a Mãe, em Setembro. Os rapazes, talvez porque não apreciassem a pacatez das termas, ficavam em casa, sob a proteção do tio Alexandre. 
Ficam , quase sempre, alojadas na mesma pensão, pertença de um casal muito acolhedor, o Sr João e a Senhora Mariquinhas, pais da Aurora, uma bonita ruiva, a quem achava muita graça, relevando o facto de ser divorciada, não se sabe se de algum modo justificado pelo perfil  ateu ou violento do ex-marido.  Memorável, num dos anos, o relato de um rapaz tolinho ( quase nunca falta, um tolinho, nas pequenas terras) sobre uma mulher nua nadando nas águas da Mourisca. Mulher não identificada, e que não foi vista por mais ninguém




O COLÉGIO DA ESPERANÇA

A Mariazinha começou por ser uma boa aluna, suficientemente estudiosa, na escola do Souto, com mestra competente e simpática, Aurora Montenegro.  Uma das senhoras do círculo restrito de amigas da Avó Maria. Distinta e discreta, era, como geralmente acontecia com as professoras do ensino primário, muito considerada na sociedade gondomarense. Fixou-se, definitivamente, em São cosme, onde comprou uma pequena quinta, bem situada, perto da Vila Maria, no caminho para a Pedreira. 
O marido era um homem amabilíssimo, que sofria de uma doença do foro psiquiátrico e  estava, há anos, num sanatório. Nada que o impedisse de vir a São Cosme, de visita, passar um dia, em que se comportava normalmente. Por fim, despedia-se, dizendo "Está na hora de voltar para casa" . A história imprssionou tanto a aluna dileta, que a contava sempre a propásito desse tempo ameno. 
Tivesse ela transitado para um liceu do Porto, com ida e volta de camionete, como algumas das suas colegas, e o mais provável era ter apreciado a experiência. Porém a mamã foi sempre de opinião que o ideal era mesmo o internato, não um vaivém de viagens, visto como desperdício de uma horas diárias e ocasião para convívios porventura indesajáveis. E isto mesmo para os rapazes. O primeiro a entrar no Liceu,  O Manuel, frequentava as aulas no Alexandre Herculano, mas internado num colégio da Rua Fernandes Tomás. De nada lhe valeram os protestos de muitas missivas semelhantes aos da Lininha no conteúdo, que não no estilo, repassado de ironia e arrogância, por grande que fosse a desgraça. Às meninas, por maioria de razão, era imposto o enclausuramento, num regime duro, pois nem ao fim de semana lhes era permitido vir a casa, só no Natal, na Páscoa e nas férias de verão.... A Lininha foi a única exceção, mas ainda na fase aurea em que tais decisões eram pelouro do Papá... Tantas cartas angustiadas lhe escreveu, tantos foram os lamentos e as lágrimas que ele, no ano letivo de 1925/26, meses antes de morrer, lhe fez a vontade. Não nos moldes por ela propostos, ficar em casa, com explicações do Prof Costa e lições de piano do compositor Moura, mas para frequentar um externato, o Colégio Joana d'Arc e o Conservatório de Música. 
Aos 11 anos, a Mariazinha foi mandada para o Colégio das Águas Férreas, na Boavista, onde fez o primeiro ciclo do liceu, sofrendo com a separação da irmã Lolita, ainda na escola primária. Apesar disso, não contava horrores dessa experiência num mundo totalmente feminino, dominado por freiras simpáticas. Só um homem ali entrava, o Padre. Eram as meninas que ajudavam à missa. A sua melhor amiga, Maria Luísa Pinheiro,  irmã dos futuros padres António e Eduardo Pinheiro viria a professar como religiosa. Naquela altura, os dois futuros sacerdotes estuvam no Colégio dos Carvalho com o João Dias Moreira, que haveria de ser o seu marido por mais de cinquenta anos e que conheceu no dia da "missa nova" do Padre António
. Desses anos, recordava como momento alto, uma récita em que foi escolhida para contracenar na peça principal. Cada menina representava em palco uma província. Coube-lhe o Alentejo. Aos 96 anos, ainda se lembrava do começo : "O Alentejo é a maior das províncias portuguesas, não há no mundo outra igual"...
Juntas, entraram, em outubro de 1933, para o Colégio das Orfãs de Nossa Senhora da Esperança

TEXTO PARCIALMENTE REPETIDO
..Para ambas, o colégio, foi contrariando o nome, um lugar de desesperança, onde se sentiam confinadas, presas e frustradas. Sem longos carreiros e veredas para correr,
 sem mirantes e esconderijos, sem telhados para saltar, sem mirantes e esconderijos, nem árvores para saborear a fruta mal amadurecida, trepando aos ramos mais altos.
Entre si, tinham dividido todas essas árvores, e, quando queriam provar a fruta de uma das que era pertença da irmã, pediam licença, que era graciosamente concedida..
Sempre à solta, como se estivessem num pequeno sertão... 

Por isso, ali, na camarata, choravam noite fora até caírem de cansaço no sono. Ficavam em camas seguidas, em sussurro planeavam fugas que nunca levaram a cabo, 
(talvez por saberem que seriam recambiadas de volta, depois de castigadas, sem dó nem piedade (já não tinham o pai para se comover com tormentos e lamentos, como
 acontecera np caso idêntico da irmã mais velha. Um dos planos
consistia na escalada dos muros da quinta. outro, que evitava o risco e o prazer de tais proezas atléticas, era, escapulirem-se pela capela que dava acesso à rua e à 
liberdade por uma sólida porta com grades, fechada por chave de ferro, para o que  bastava roubar a chave. Uma vez, estiveram preste a executar este plano B,  e foi  a 
colega Maria Laura Horte que, avisadamente, as convenceu a desistir... Não se sabe como tencionavam chegar a Gondomar, se a pé, fazendo uns dez quilómetros por
 estrada, se utilizando,o elétrico. Dinheiro não lhes faltava para pequenas extravagâncias e esta, pelo preço, valia a pena. Recebiam uma mesada do tio Alexandre, vinte 
escudos para cada uma, com os quais encomendavam a uma recoveira chocolates e toda a espécie de bolachinhas e doçarias.
Um plano de deserção, mais discreto, mas sempre de curto prazo, era engendraram uma doença, uma constipação, gripe, pneumonia, se preciso fosse.  Para isso,  
andavam de meias e soquetes molhados, mas eram demasiadamente resistentes,  raramente conseguiam resultados....

Da Esperança, em frente ao Jardim de São Lázaro, estavam a poucos quilómetros de São Cosme, mas só iam a casa nas férias, Páscoa, verão, Natal E só recebiam vistas à quinta-feira, a
mãe, o Tio Alexandre, às vezes os irmãos.  Nos últimos anos,  também o namorado da Lolita, o Eduardo Fonseca, que era mais velho e parecia ainda mais  velho, e se fazia passar por tio, 
sendo admitido na sala de vistas, nessa confiável qualidade, com natural permissão para dar um beijo na face à falsa sobrinha. Ela aparecia,  muito juvenil, de lacinho vermelhos no cabelo e 
soquetes ou meias pelo joelho. Vermelho era a sua cor preferida, como o amarelo era a da irmã.

  Numa dessas quinta.feiras, a mãe não pode visitá-las, porque estava doente e mandou em seu lugar o Manuel Joaquim com os presentinhos do costume (queijo, marmelada, compotas 
caseiras...). A certa altura, subiu a um banco, desatarrachou uma lâmpada e meteu-a no bolso, deixando as manas apavoradas. Mas não conseguiram arrancar-lha e repô-la. Não se sabe
 a razão daquele insólito gesto - talvez uma aposta.

No novo habitat, não lhes faltavam amigas, entre colegas e professoras, a suavizar a ordália. Eram muito populares, e as suas excentricidades davam colorido às rotinas colegiais e serem  
chamadas "os galos doidos" dá uma ideia da fama que granjearam. Entre as colega, Miriam Cavalier (uma das poucas alunas dessa geração que, depois, faria carreira distinta como médica)

Renia Finkelstein (que veio muito pequena da Polónia, de onde trouxe muitos "pins", que lhes oferecia) a Zita Seabra (muito bonita, loira, de olhos azuis, mãe da Zita Seabra, antiga deputada
 do PCP e dos PSD), Fernanda Málen (que haveria de professar como religiosa), a Olímpia e a Julieta, com quem continuaria a conviver, já depois de casada, em Espinho, onde elas tinham 
casa de praia, a sensata Maria Laura, que lhes impediu uma fuga destinada a fracasso,  Manuela Abrantes (aluna externa, que as convidava para festas, num esplêndido palacete, ali bem 
perto . ocasião para saírem da clausura por umas horas, com uma autorização da mãe, primorosamente falsificada).
 Curiosa a quantidade de nomes estrangeiros, a dar o toque cosmopolita a um colégio bem conceituado e bem situado, onde as filhas da burguesia se misturavam com meninas orfãs, de
 qualquer classe sócio-económica. Muitas eram do litoral, havia um importante contingente de Ílhavo, outras de vários pontos do norte e nordeste  como Olímpia e Julieta, as tais que 
veraneavam por Espinho. Não era desse tempo o convívio à beira-mar com as Aguiar,  que sempre arrendavam casa na Foz velha, em agosto.

As melhores recordações da Mariazinha são da sala de piano, as de Lolita, certamente, da sala de visitas, onde namorava com Eduardo, o suposto tio.

 A Professora de piano era Margarida Portela, uma extraordinária executante e pedagoga faz, que considerava a mariazina uma aluna muito especial, uma grande pianista em potência. 
Ofereceu-lhe as valsas de Chopin, com dedicatória. Muitas décadas depois, deu-as à única música da família da  nova geração, a Sameiro (que terminou, em simultâneo, os cursos de
 Medicina e do Conservatório de Música), mas esqueceu-se de copiar a dedicatória, e sempre lamentava o esquecimento. Em programas de festas, as pianistas eram sempre a Maria Antónia 
Aguiar e a Amélia, uma colega de Avintes, com quem chegou a tocar a quatro mãos.Amélia morreu jovem (mais uma vítima da tuberculose, como a inesquecível Tia Glorinha). Nas
 temporadas  que passava em Avintes, depois de casada, a Maria Antónia reencontrou a mãe de Amélia, que era vizinha dos sogros. Visitava-a e, para ela, a senhora abriu, pela primeira vez,
o piano da filha. Insistia sempre que ela tocasse, e ficava a ouvi-la, encantada... 

A professora Margarida era bonita e tal como a boa aluna de Gondomar, muito míope. Esta, além de míope, condenada a óculos de lentes grossas, (que,  por vaidade, tirava sempre que podia,
 sem risco de tropeçar e cair) era praticamente cega do olho esquerdo, o azul.. 
Recordaçõe das mais tristes  foi a do roubo de jóias de que foi vítima. A possiblidade de haver ladras, mesmo nos bons colégios é sempre de considerar, mas a mãe  deixava-as arriscar. E 
assim ficou sem uns brincos lindíssimos que tinham sido da Tia Glorinha, dados pela Tia Rozaura. E ela até viu, a rapariga a mexer nas suas gavetas. Mas hesitou - mais expedita a escalar
elhados do que a denunciar colegas..A ladra não parou por aí e acabou

 por ser chamada a capítulo, e expulsa, mas sem devolver muitos dos objetos surripiados. No dormitório ficava ao lado da Mariazinha - foi-lhe fácil observar os seus 
ovimentos, a vasculhar gavetas sem chave. Depois passou a ter a melhor da vizinhas, a amiga Fernanda Málen, futura freira.

Décadas mais tarde, numa reunião de antigas alunas, olhou em volta e reconheceu a ladra., mas a pedido da Miriam guardou segredo silêncio sobre esse escândalo do
 passado distante... .

Os dois dormitórios, o das pequenas e o das veteranas, eram vigiados por uma encarregada, de nome Beatriz, estavam separados pela sala de piano, O das mais novae aberto, sem divisórias,
 o outro  com a privacidade relativa de cortinas que podiam fechar-se. Na convidativa sala de piano imaginava-se  num salão de concertos, sonhava alto, sem saber que Os únicos palcos que 
a mãe lhe permitiu pisar seriam os do colégio e, esporadicamente, os do Teatro Nuno Álvares


 Pela vida fora anos  atraiu com as suas canções, as suas histórias e  benignas excentricidades, apenas a família, gerações sucessivas . Curioso é que até o seu dentista,
 um dia, sem saber das suas ambições secretas. lhe disse: "Devia ter sido atriz. Vê-se que tem jeito!" Até mesmo na cadeira do dentista representava bem a sua personagem. "Tem a 
certeza de que isto está limpo?  Não usou essa agulha nos dentes do homem que saiu daqui quando eu entrei? 

A Mariazinha começou por ser uma boa aluna, suficientemente estudiosa, na escola do Souto, com uma professora competente e simpática, Aurora Montenegro, 
uma das senhoras do círculo de amigas da Avó Maria. Muito distinta, muito considerada,  fixou-se em São cosme, onde comprou uma pequena quinta, perto da Vila Maria, no caminho para a P   
passou dois anos num internato de freiras, esperando que a irmã
 Lolita terminasse a instrução primária, para juntas entrarem no
 colégio da Esperança..
 Para ambas, o colégio, foi contrariando o nome, um lugar de desesperança, onde se sentiam confinadas, presas e frustradas. Sem longos carreiros e veredas para correr,
 sem mirantes e esconderijos, sem telhados para saltar, sem mirantes e esconderijos, nem árvores para saborear a fruta mal amadurecida, trepando aos ramos mais altos.
 essas árvores, e, quando queriam provar a fruta de uma das que era pertença da irmã, pediam licença, que era graciosamente concedida..
Sempre à solta, como se estivessem num pequeno sertão... 

Por isso, ali, na camarata, choravam noite fora até caírem de cansaço no sono. Ficavam em camas seguidas, em sussurro planeavam fugas que nunca levaram a cabo, 
(talvez por saberem que seriam recambiadas de volta, depois de castigadas, sem dó nem piedade (já não tinham o pai para se comover com tormentos e lamentos, como
 acontecera np caso idêntico da irmã mais velha. Um dos planos
consistia na escalada dos muros da quinta. outro, que evitava o risco e o prazer de tais proezas atléticas, era, escapulirem-se pela capela que dava acesso à rua e à 
liberdade por uma sólida porta com grades, fechada por chave de ferro, para o que  bastava roubar a chave. Uma vez, estiveram preste a executar este plano B,  e foi  a 
colega Maria Laura Horte que, avisadamente, as convenceu a desistir... Não se sabe como tencionavam chegar a Gondomar, se a pé, fazendo uns dez quilómetros por
 estrada, se utilizando,o elétrico. Dinheiro não lhes faltava para pequenas extravagâncias e esta, pelo preço, valia a pena. Recebiam uma mesada do tio Alexandre, vinte 
escudos para cada uma, com os quais encomendavam a uma recoveira chocolates e toda a espécie de bolachinhas e doçarias.
Um plano de deserção, mais discreto, mas sempre de curto prazo, era engendraram uma doença, uma constipação, gripe, pneumonia, se preciso fosse.  Para isso,  
andavam de meias e soquetes molhados, mas eram demasiadamente resistentes,  raramente conseguiam resultados....

Da Esperança, em frente ao Jardim de São Lázaro, estavam a poucos quilómetros de São Cosme, mas só iam a casa nas férias, Páscoa, verão, Natal E só recebiam vistas à quinta-feira, a
mãe, o Tio Alexandre, às vezes os irmãos.  Nos últimos anos,  também o namorado da Lolita, o Eduardo Fonseca, que era mais velho e parecia ainda mais  velho, e se fazia passar por tio, 
sendo admitido na sala de vistas, nessa confiável qualidade, com natural permissão para dar um beijo na face à falsa sobrinha. Ela aparecia,  muito juvenil, de lacinho vermelhos no cabelo e 
soquetes ou meias pelo joelho. Vermelho era a sua cor preferida, como o amarelo era a da irmã.

  Numa dessas quinta.feiras, a mãe não pode visitá-las, porque estava doente e mandou em seu lugar o Manuel Joaquim com os presentinhos do costume (queijo, marmelada, compotas 
caseiras...). A certa altura, subiu a um banco, desatarrachou uma lâmpada e meteu-a no bolso, deixando as manas apavoradas. Mas não conseguiram arrancar-lha e repô-la. Não se sabe
 a razão daquele insólito gesto - talvez uma aposta.

No novo habitat, não lhes faltavam amigas, entre colegas e professoras, a suavizar a ordália. Eram muito populares, e as suas excentricidades davam colorido às rotinas colegiais e serem  
chamadas "os galos doidos" dá uma ideia da fama que granjearam. Entre as colega, Miriam Cavalier (uma das poucas alunas dessa geração que, depois, faria carreira distinta como médica)

Renia Finkelstein (que veio muito pequena da Polónia, de onde trouxe muitos "pins", que lhes oferecia) a Zita Seabra (muito bonita, loira, de olhos azuis, mãe da Zita Seabra, antiga deputada
 do PCP e dos PSD), Fernanda Málen (que haveria de professar como religiosa), a Olímpia e a Julieta, com quem continuaria a conviver, já depois de casada, em Espinho, onde elas tinham 
casa de praia, a sensata Maria Laura, que lhes impediu uma fuga destinada a fracasso,  Manuela Abrantes (aluna externa, que as convidava para festas, num esplêndido palacete, ali bem 
perto . ocasião para saírem da clausura por umas horas, com uma autorização da mãe, primorosamente falsificada).
 Curiosa a quantidade de nomes estrangeiros, a dar o toque cosmopolita a um colégio bem conceituado e bem situado, onde as filhas da burguesia se misturavam com meninas orfãs, de
 qualquer classe sócio-económica. Muitas eram do litoral, havia um importante contingente de Ílhavo, outras de vários pontos do norte e nordeste  como Olímpia e Julieta, as tais que 
veraneavam por Espinho. Não era desse tempo o convívio à beira-mar com as Aguiar,  que sempre arrendavam casa na Foz velha, em agosto.

As melhores recordações da Mariazinha são da sala de piano, as de Lolita, certamente, da sala de visitas, onde namorava com Eduardo, o suposto tio.

 A Professora de piano era Margarida Portela, uma extraordinária executante e pedagoga faz, que considerava a mariazina uma aluna muito especial, uma grande pianista em potência. 
Ofereceu-lhe as valsas de Chopin, com dedicatória. Muitas décadas depois, deu-as à única música da família da  nova geração, a Sameiro (que terminou, em simultâneo, os cursos de
 Medicina e do Conservatório de Música), mas esqueceu-se de copiar a dedicatória, e sempre lamentava o esquecimento. Em programas de festas, as pianistas eram sempre a Maria Antónia 
Aguiar e a Amélia, uma colega de Avintes, com quem chegou a tocar a quatro mãos.Amélia morreu jovem (mais uma vítima da tuberculose, como a inesquecível Tia Glorinha). Nas
 temporadas  que passava em Avintes, depois de casada, a Maria Antónia reencontrou a mãe de Amélia, que era vizinha dos sogros. Visitava-a e, para ela, a senhora abriu, pela primeira vez,
o piano da filha. Insistia sempre que ela tocasse, e ficava a ouvi-la, encantada... 

A professora Margarida era bonita e tal como a boa aluna de Gondomar, muito míope. Esta, além de míope, condenada a óculos de lentes grossas, (que,  por vaidade, tirava sempre que podia,
 sem risco de tropeçar e cair) era praticamente cega do olho esquerdo, o azul.. 
Uma das más recordaçõe foi a do roubo de algumas das suas jóias. A possiblidade de haver ladras, mesmo nos bons colégios é sempre de considerar, mas a mãe  deixava-as arriscar. E 
assim ficou sem uns brincos lindíssimos que tinham sido da Tia Glorinha, dados pela Tia Rozaura. E ela até viu, a rapariga a mexer nas suas gavetas. Mas hesitou - mais expedita a escalar
elhados do que a denunciar colegas..A ladra não parou por aí e acabou por ser chamada a capítulo, e expulsa, mas sem devolver muitos dos objetos surripiados. No dormitório ficava ao lado da Mariazinha - foi-lhe fácil observar os seus movimentos, a vasculhar gavetas sem chave. Depois passou a ter a melhor da vizinhas, a amiga Fernanda Málen, futura freira.

Décadas mais tarde, numa reunião de antigas alunas, olhou em volta e reconheceu a ladra., mas a pedido da Miriam guardou segredo silêncio sobre esse escândalo do
 passado distante... .

Os dois dormitórios, o das pequenas e o das veteranas, eram vigiados por uma encarregada, de nome Beatriz, estavam separados pela sala de piano, O das mais novae aberto, sem divisórias,
 o outro  com a privacidade relativa de cortinas que podiam fechar-se. Na convidativa sala de piano imaginava-se  num salão de concertos, sonhava alto, sem saber que Os únicos palcos que 
a mãe lhe permitiu pisar seriam os do colégio e, esporadicamente, os do Teatro Nuno Álvares

 Pela vida fora anos  atraiu com as suas canções, as suas histórias e  benignas excentricidades, apenas a família, gerações sucessivas . Curioso é que até o seu dentista,
 um dia, sem saber das suas secretas ambições, lhe disse: "Devia ter sido atriz. Vê-se que tem jeito!" Até mesmo na cadeira do dentista representava bem a sua personagem. "Tem a 
certeza de que isto está limpo?  Não usou essa agulha nos dentes do homem que saiu daqui quando eu entrei"  
Uma rapariga polivalente, que tão facilmente se dedicava à música, às artes cénicas, como ao desporto, e à poesia, cantandp já o amor , ainda amor futuro e apenas adivinhado nas descrições de autores de livros cor-de-rosa . 
Deixar o colégio aos 18 anos, com escolaridade de 9 anos,  significou um razoável número de reprovações. Ou, por outras palavras, de "não apresentação" a exames oficiais, conluídos , com sucesso, na modalidade de disciplinas "singulares" ... Desse penoso último ano são algumas das fotografias, em que a "menina feia", se transforma em mulher bonita e auto-confiante, e alguns poemas como "O sonho" e "O tango".
 SONHO
Sonhei que te ouvia. Silencioso,
Olhos fixos nos meus me contemplavas
E eu li no teu olhar ditoso
A tradução plena de que amavas.

Paraste de tocar. Vieste a meu lado
A tua boca a minha procurou...
Mas esse beijo, amor, beijo sagrado
Não vai além de um sonho que findou...

E sonhei - oh, meu amor! - que com carinho
Nos teus braços me enlaçaste, com ardor
E dentro de ti, ouvi, muito baixinho,

Teu coração confessar-me o seu amor!...
Em sobressalto despertei. E vi no meu caminho
Duas cruzes - a da ilusão, e a da eterna dor!
8.5.38
Maria Antónia


TANGO

Foi numa noite clara de luar,
Dançando o tango, à luz branca da lua,
Que a minha mão ardente, a palpitar,
Pousou, de leve, a medo, sobre a tua.

Desde esse dia, a vida foi um sonho,
Erguida a Deus, em prece agradecida,
Amei-o tanto, tanto, que suponho
Que se ama, assim, só uma vez na vida.

Era tal minha alegria,
Nada a podia ofuscar,
Minha doida fantasia
Por céus e mundos corria.
Passava a vida a cantar.
Mas um dia, triste dia,
Ele foi p'ra não voltar,
Eu que tanto lhe queria,
Nunca mais tive alegria,
Passo os dias a chorar
E hoje o tango
É o meu amigo
Só nele encontro
Calma e abrigo.
Por esse ingrato
Tudo sofri,
Meu querido tango
Só te amo a ti!..

















GONDOMAR, TERRA BENDITA
Gondomar era, para a Mariazinha, o centro do seu universo, à volta de qual tudo girava. Na sua mundivisão até o Porto fazia parte de Gondomar, era a sua vertente cosmopolita, era a paisagem que o monte Crasto dominava do alto do seu esplendor verdejante, De todos os recantos de uma terra idílica, nenhum igualava o Monte matricial que, para a sua própria família era fonte de inspiração poética e destino de passeios rituais. Ou nas palavras da mariazinha, a "sala de visitas de Gondomar"
O tio materno José Barbosa Ramos fora o autor da letra do hino de Gondomar, que acompanhava a música de José Moura:

Gondomar, terra bendita,
Rincão formoso e fecundo
O nosso Crasto frondoso 
Não tem, não, rival no mundo
Filigranas delicadas
Verdes prados cinge a serra
Cantam fontes e avezinhas
Eis os dons da nossaterra
Gondomar é o nosso berço
Beija-o a brisa fagueira
Cantemos por Gondomar.
É divisa da bandeira
Cantar, cantar
A linda terra de Gondomar

Na geração seguinte, seu irmão Manuel glosou o tema, num poema destinado à revista de estudantes, "O Nabo", que ficou nos anais da vila, e cujo refrão ele voltaria a recitar numa reunião deos autores e atores da peça no Monte Crasto. Um reporter do "Correio de Gondomar" de 17-3-1934 e a Mariazinha, então adolescente de treze anos, guardou o recorte nas suas gavetas, onde foi encontrado 85 anos depois

E o Castro belo e frondoso
Erguendo-se majestoso
Da terra que nos foi mãe.
No sino da Igreja, além, 
Trindades ouço tocar
Como é linda a minha terra
Como é linda a verde serra
Como é lindo Gondomar!

Os versos têm assinatura, mas retratam o estado de alma de uma família inteira. a olhar, quotidianamente, com renovado orgulho, as belezas naturais de São Cosme. O malfadado progresso do cimento e betão negou aos vindourosas as vivências de um meio ambiente idílico, há muito definitivamente perdido. Nem mesmo o Monte Crasto, último bastião de resistência, é tão frondoso como foi na sua idade de ouro... quando os dias corriam mais devagar e todos fruiam dos recantos onde vila e campo conviviam, numa interlocução de pessoas e espaços, na pequena comunidade em que todos se conheciam. nos clubes, nas tertúlias, na botica, na igreja, nas festas populares, partilhando usos e tradições, sotaques, ditados, expressões singulares, com que o "povo-povo" resistia á uniformizaçãoque ia assimilando as elites letradas.

A pequena Maria Antónia, excelente aluna a História e a Geografia, foi sempre muito dada a recolhas de natureza cripto-etnográfica, talvez influenciada pelo exemplo da Tia Rosaura de quem também se conhecem apontamentos soltos sobre mezinhas e rezas das mulheres do antiquíssimo Gondomar, anotou os lugares, que faziam os seus encantos - o Barroco, a represa de Cascaneira, entre a Gandra e Ramalde, Bouça Cova, Azenha, Ermentão, Rio Carreiro, Fontela, Ponte Real, São Miguel, Pevidal, Santo André... - , e, também, expressões, nomes e alcunhas aldeãs, que lhe despertavam a curiosidade, como Pojeiras, Restivos, Cabaças, Jeque-Jeque, Tarré, Fome Negra, Caga Troços, Carriças, Pilha Galinhas,Patacas, Pirabeca, Arregalados, Folhetas, Estabões, Bagulho, Parraxila, Chasco, Varetas, Melros, Pisco, Choco, Pimpão, Pinguinhas,Pombalinos, Toca- certo...
Menos invulgar o nome de Isidro Izidoro, que, todavia, fez sensação, quando deixou dito que, nas exéquias, queria levar um cravo vermelho na lapela. Era ela uma criança, mas conseguiu que a levassem a vê-lo, talvez uma benigna criada, lhe tenha permitido a secreta escapadela.
A família materna, tal como a paterna encontravam-se praticamente livres de quaisquer dessas alcunhas, fossem elam trocistas ou amáveis, com a exceção de uma tia Aguiar, a quem, por ser baixa e gordinha, chamavam Maria Parrachila. As antepassadas da bisavó Carolina, as que pareciam  algumas das formidáveis figuras femininas do universo ficcional de Agustina, e ficaram conhecidas como "as Alexandras", não entravam naquele “dicionário”. O nome popularizou-se e foi adotado, também, no masculino, ainda hoje. em sextas ou sétimas gerações dos seus descendentes, mas, curiosamente, não aparece nas pesquisas genealógicas do século XIX.

Há, sim, entre tias e primas, alguns outros de ressonância greco-latina, como Lavínia, Leocádia, Violante, Blandina ou germânica, como Guiomar.
 No apanhado de vocábulos esquisitos, então em voga nas camadas populares, apontou, dando sempre o sinónimo, palavras ou expressões como: vasculho malandro), paspalhão (desajeitado), dar uma topada (tropeçar), encatrapiada (aleijada), pimpineira (aldrabice), pixote (pequenino). "embaçado" (envergonhado) ou ditos antigos, por exemplo:  "estás a olhar para ontem, que já lá vai", ou "estás a ver navios" (distração): Deus nos dê muito e nos abone com pouco":"estreminguei um pé" (torci) "vim da outra banda" (do outro lado) "estou triste como a noite"...

Tudo o que era, ou. pelo menos, considerava ser, particularidade da terra e das gentes de Gondomar lhe parecia dar a certeza de estar onde e com quem mais queria. 
E sobre a terra, a  Vila Maria, as festas , em especial o compasso deixou algumas das suas notas - das poucas que foram encontradas...

Compasso na minha Terra
Corações cantando almas em flor, flores em casa e no jardim também. Vem o compasso - é Deus , é amor. Pela aldeia fora campaínhas a tocar. Flores desfolhadas e "verde" pelo chão, Aí vem o compasso, aí vem a Cruz a chegar.
Pojeiras onde os criados da minha Mãe iam buscar verdes para pôr no chão - fora do portão, do portão até ao terraço e pelas escadas acima, o percurso que, no domingo de Páscoa fazia o cortejo do compasso.
Alguns anos antes, íamos com a Nucha buscar fetos e verdes ao Barroco. Tão lindo! Era um vale entre a Gândra e Pevidal 




melhor de todas as vilas e cidades erguidas no planeta - a vila de Gondomar, dos Mendes Barboza, dos Ferreira Ramos e dos Pereira de Aguiar...











Tudo o que era, ou. pelo menos, considerava ser, particularidade da terra e das gentes de Gondomar lhe parecia dar a certeza de estar onde e com quem mais queria. ..




































  

NAMORADOS
Duas gémeas na proximidade, nas confidências  e nas aventuras, na audácia, mas muito diferentes no temperamento, nas escolhas sentimentais e na vida
 que viveriam pelos casamentos. Lolita foi a primeira a prender-se a um namorado, que seria o único. Não o único marido, mas a única paixão da juventude,
 pela qual desafiou a mãe,  para quem ele, o Eduardo d´Ascensão Fonseca, embora de boas famílias, com quem socialmente convivia, era um perigoso 
ateu e boémio. Mais ou menos como dois dos seus três filhos, que, porém, não podiam, naturalmente ser enjeitados ou rejeitados como os pretendentes de
 teimosa adolescente  de 15 anos. Eduardo não tinha pressa de acabar o curso, era também um desportista polivalente, muito voltado as modalidades náuticas
 nadador de poderosa braçada e velejador. No rio Douro tinha uma canoa para dois tripulantes, que fazia sucesso entre os amigos. Até que o amigo Licínio 
caiu ao rio e morreu afogado. No funeral, Eduardo chorava e só dizia: "Foi no meu barco!". Não quis mais ver a canoa. Vendeu-a. ( morte foi muito sentida na
 terra e, ainda hoje, a sua fotografia está guardada nos albúns - pela imagem parece um rapaz sereno e amável)
.Mariazinha, que seria casada com João por mais de meio século, teve uma longa fila indiana de namorados (nem sempre assim tão indiana, pois alguns o 
foram simultaneamente. Os mais lembrados eram o Albino (não se esquece o primeiro beijo, furtivo, na varanda grande e recatada da sala de jantar), o Adriano
e o João.  Tal como Albino, este era de São Cosme Jacinto, ambos de São Cosme, com acesso à Villa Maria, pela camaradagem com os rapares da casa. 
Embora vizinhança desaconselhasse a simultaneidade, a Maria Antónia correu o risco. E, entretanto, surgiu um terceiro e o mais interessante de todos. 
Fernando Marques Ribeiro, um grande amigo de Eduardo, mas, ao que parece, menos dado a "farras" na noite portuense. Era um pouco mais velho e já um
Pianista notável, a quem se adivinhava grande futuro. Compositor e maestro, haveria de ser conhecido como o "Chopin português" (o que introduz a dúvida 
quanto à questão de saber se a paixão da Mariazinha por Chopin, começou no génio polaco ou no brilhante português, mas qualquer que fosse a origem, não
 teve fim - foi a música de fundo que se ouviu, o tempo todo, discretamente, baixinho, no seu velório, em 2019, no ano em que ia completar 99 anos)
Albino estava na tropa e, quando terminou o serviço militar foi festejar com Jacinto e outros camaradas e contaram um ao outro que namoravam a bonita
 Aguiar. Seguiu-se uma barulhenta discussão sobre "quer era quem" para ela  e, sem mais argumentos, envolveram-se numa cena de pancadaria, digna de um
 filme do "far-west". Um dos circunstantes, Licínio, por coincidência amigo íntimo do João Moreira, que ainda não entra nesta história, e também do Marques
 Ribeiro, que nela já tem papel central, resolveu satisfazer a curiosidade e perguntar à jovem, que era o pomo da discórdia. Ela olhou-o. encolheu os ombros e
 disse-lhe. "Olhe, Licínio, eu gosto dos dois". Contudo,  acabou logo com o Albino, e, umas semanas depois, com o o Jacinto. Seguiu-se o Adriano de Rio 
Carreira, sobre o qual não forneceu muitos detalhes. Foi relação de pouca dura. Entretanto, todos aquelas desventuras e anomalias, tinham chegado aos ouvidos
 de Marques Ribeiro, que numa última visita à Vila Maria, onde era sempre bem recebido pela Senhora Dona Maria Aguiar, encantada por poder ouvi-lo tocar 
piano, a repreendeu severamente,  mostrando-lhe que era muito acriançada e que voltaria a procurar a sua companhia quando fosse mais ajuizada.  Já lhe 
tinha dirigido um convite para atuar com ele num concerto no Porto  - a que a mãe se opôs firmemente - mas pensava, com certeza noutras parcerias mais 
duradouras. E se tivesse casado com ele, decerto que o caminho para os palcos lhe estaria aberto. Todavia, ele, (que continuava a carreira em Lisboa), 
voltaria tarde demais, já ela estava há uns meses consorciada com o João, o seu poeta particular. Da música para a literatura...  Pensando nesses 
tempos, deixaria um pequeno texto em que lembra as ilusões de então, que só verdadeiramente se perderam nos anos 60, ao fim de duas décadas de 
casamento:
"Sonhos meus, audaciosos, inquietantes, insatisfeitos - como eu, uma insatisfeita - sonhos belos de um amor quase perfeito.
 Mais de uma vez desci o Crasto num voo pleno de graça e leveza. Senti mesmo os pés a levantarem-se do solo e voei acima
 daqueles queridos pinheirais, eucaliptos e mimosas, voava em direção a minha casa

O Encontro com o Pai contado pela Mãe

13 de outubro. Um dia de chuva e frio para a missa nova do Padre Eduardo Pinheiro na capela do Monte da Virgem. Levava um casaco comprido  cor de rosa (feito por uma modista de alta costura do Porto. Sua Mãe de preto, como de costume. Foram numa camionete de excursão, guiada pelo Sr Coelho..A mãe julga que o encontro não foi 

inteiramente casual, Uma tia da Nucha e da Lucinda. madrinha da Mariazinha, casada com um farmacêutico, Homero Figueiredo (teve farmácia no Porto e, depois, em Avintes). a Tia Arminda era, em simultâneo, amiga de Olívia Capela, Mãe do João, e de Maria Aguiar, a mãe da Mariazinha e já levara livros religiosos emprestados por uma à 
outra. No caso da Avó Maria brochuras sobre o Frei Bernardo, por exemplo, que deviam ser raridade. Morava em Avintes, perto da Avó Olívia e da farmácia, por trás da qual ficava a Escola do Magarão, onde eu fiz a 2ª classe. e já tinha vivido na casa do Tio João Aguiar. Mais tarde, emigraram para o Brasil, com os filhos, um deles também chamado Homero, como o filho mais velho da Nucha. O Tio João era o pai de Lucinda e Nucha.
A Avó Maria era  muito empreendedora, em tudo o que dizia respeito à sua paróquia e à pratica e devoção religiosas, Com facilidade organizava excursões ou peregrinações à sepultura de Frei Bernardo ou a Fátima, ou a uma missa nova... Chamava o Sr Coelho,(um homem muito simpático e delicado, cujas filhas estudavam no Porto), dizia-lhe o número de participantes e o destino da peregrinação, e ele tratava de tudo e era sempre o motorista de serviço. Foi assim na camionete do Sr Coelho, com a lotação esgotada, entre jovens e seniores, que rumaram nesse domingo ao Monte da Virgem . Estavam a entrar na capela, quando chegaram o viúvo e a mãe. A Mariazinha, não tinha a certeza que fossem, mas achava provável, pois naquele par havia uma diferença de idades, pertenciam obviamente a diferentes gerações.
A excursão de Gondomar ficou no fundo do templo, enquanto ele, o eventual viúvo e um amigo alto e moreno  estavam junto ao altar.. No final da missa, enquanto  as "velhas" se dirigiam à sacristia para os cumprimentos, os jovens saíram para o adro. A Mariazinha distanciou-se, quis ver um cruzeiro, subiu os degraus de pedra e foi ler os dizeres  gravados na cruz e ouviu uma voz que lhe perguntava: "Boa tarde, dá-me licença?
Olhou para trás - era ele, o jovem viúvo loiro e bonito! Pedia licença para lhe oferecer uns soquinhos- miniatura de couro, ligados por um fio de prata. Aceitou. Ele tinha acabado de os comprar num lojinha que vendia, terços, imagens religiosas e artesanato. E assim começou a conversa, Contou que no dia seguinte ia para Lisboa com um primo, o António, visitar a Exposição do Mundo Português.
As apresentação formais das minhas (futuras) Avós Maria e Olívia foram feitas pela Tia Arminda e a conversa decorreu animadamente até à hora de partir. De Lisboa, João enviaria um soneto à bonita menina de Gondomar e.seguidamente muitas outras cartas. A Avó Maria estava sempre atenta à chegada do correio. Era ela que abria as cartas, Li-as e so depois as entregava às filhas. 
Nunca teve nada a opôr às dele. Um católico de missa e comunhão quase diária era tudo o que queria para genro. Tudo, não , mas era " condição "sine qua non"
A Mariazinha gostava dele, mas não queria um viúvo. Em conversa com a Tia Rozaura, desabafava: " Ó Titia, um viúvo...não quero!"
E a sábia Tia disse-lhe: "Não te importes. De facto todos os homens são viúvos. Antes de casar connosco, andaram com outras mulheres. quer estejam vivas ou mortas.
Passados poucos dias ele telefonou. Na altura, só a irmã Carolina tinha telefone privado. Chamou-a a casa e falaram, combinando um encontro, que aconteceu logo.
Passou a ir lá com frequência. Às 3.00 da tarde. Ia diretamente para a igreja, era a hora do Terço.. Acompanhava-as a casa e ficava a conversar com a Mariazinha no terraço. 
A Avó não aparecia, ficava no quarto ou na sala, mas mandava a Lolita atravessar a sala de jantar, que dava para o terraço - como se fosse à cozinha... Ao fim da tarde ele regressava como tinha vindo, a pé pela Gândara e São Gemil, até Gramido, onde atravessava o Douro, de barco, para Avintes.
Anos depois, contou à Mulher que se ela lhe tivesse dito "não"  junto ao Cruzeiro do Monte da Virgem, tentaria uma de outras duas de quem gostava - a irmã Lena e  a Teresa "da Pinta" - uma de várias irmãs, todas bonitas, que viviam numa daquelas grandes e famosas casas de lavoura de São Cosme).
No verão, se seguissem a agenda habitual de férias familiares, estariam mais longe um do outro, ela nas termas de Vizela e na Foz, ele em Espinho, na casa da rua 7. Nesse ano, porém, a Lena estava a recuperar de uma primo.infeção e os médicos receitaram  uma longa estadia no campo. Passaram o verão em Branzelo. numa quinta de amigos (Novais da Cunha?). A casa era enorme, os convidados foram muitos, incluindo os primos do João, a Alda, a Maria Helena e o  Manuel. O joão, também , aos fins de semana. E um Rangel, que morava numa quinta próxima, e era mais velho do que o grupo das meninas Aguiar.
Não faltava pessoal doméstico - os caseiros da quinta, e as filhas, muito prestáveis. Em fins de outubro, estiveram todos numa desfolhada de lavra