segunda-feira, 27 de outubro de 2008

P18 - OLÍVIA E OS GATOS

Olivía Dias Pecegueiro

Nascida a 27 de Outubro de 1937, em "Labercos", com o Douro à vista. Criada nas suas margens, aí viveu durante 19 anos, atravessando períodos melhores e piores, com tendência para piorar, depois que ficou orfã de pai e mãe. Por isso veio conhecer outras terras... Está com a nossa família há 52 anos. Mudou de residência,várias vezes, sempre connosco, Tia Rozaura, meus Pais, Lecas e eu : Gondomar, Porto, e, agora, já há mais de um quarto de século, Espinho, em quartos com vista para o mar - uma visão panorâmica, na rua 16. Na nova casa, não tanto, mas basta pôr a cabeça de fora da sua janela, que dá para a rua 7, para ver um movimentado segmento do largo oceano. Das paisagens, pelo menos, não se pode queixar, embora a vida não tenha sido sempre fácil... A Olívia gosta de cães, gatos, crianças e flores. Nada que não tenha, ainda hoje, à sua volta. Sobretudo gatos! Crianças, nos fins de semana. E flores vai ter, de seguida. Parabéns por mais um aniversário, passado connosco e com 7 formosos gatinhos!























Um pouco da história da Olívia
Depois da morte da mãe, viveu, 4 anos, na casa de uma irmã, oito anos mais velha, que a explorou, e lhe tomou a sua parte na herança dos pais (pelas descrições da Olívia, faz lembrar uma daquelas personagens totalmente más, que abundam nos livros infantis, e só lá para o fim do conto recebem o justo castigo...). A esta, nem sei o que aconteceu, nem vale a pena averiguar. A Olívia era obrigada a apanhar carqueja, com a qual faziam feixes, que vendiam para padarias e restaurantes do Porto. Dali eram levados nos barcos do Douro. Naturalmente, ela queria deixar a terra, para não mais voltar. Deixou, mesmo, e cumpriu o prometido: nunca mais voltou, excepto de visita a um irmão, que a tratava bem, mas, entretanto, faleceu, ele, e os filhos. A oportunidade de mudar de vida surgiu, graças uma prima afastada da Avó Olívia (a coincidência de nomes é pura coincidência) que, muitas vezes, procurava, ali na aldeia, raparigas que quisessem ir "servir" no Porto e arredores. A irmã malvada, conta ela, nem sequer a deixou levar mais do que a roupa que tinha vestido, na altura, e escondeu-lhe os socos, forçando-a a partir descalça, num dia frio de Janeiro. Com uma breve passagem por Avintes, seguiu para Gondomar, a 25 de Janeiro de 1955. Para casa da Tia Rozaura. A Maria fora viver com uma sobrinha dois anos antes - e a Tia empregou gente local, como a "Maria Formiga", que andou com a Lecas na1ª classe. Nem sei se pernoitavam, lá em casa... Por isso, vemos a Olívia como a continuadora da Maria, depois de um curto interregno, sem história. Na "Pedreira", a Olívia fazia, sobretudo, os trabalhos domésticos, e dava uma ajuda na horta e com as flores. Para as tarefas mais pesadas, era contratado um jornaleiro, que também tratava das videiras e do vinho. A Olívia aprendeu a cozinhar (com boa mestra), no velho fogão de ferro, que funcionava a carvão. Lembra-se de preparar as bolas de carvão e de as pôr a secar nas lojas. E de fazer a sopa, com legumes cortados na horta, e os pratos que a Tia Rozaura mais repetia, como os guisados, e o arroz de bacalhau. Nessa época, já nós vivíamos no Porto e ela acompanhava a Tia R., duas ou três vezes por semana, de visita. Passavam a tarde, às vezes jantavam, e regressavam de noite. Depois, a Tia resolveu ficar definitivamente connosco, e a Olívia tomava conta da casa, e vinha trazer, regularmente, flores e frutas da "Pedreira", até que, também ela, passou a viver no Porto. O andar era pequeno, mas fomos encontrando soluções.E, cada vez mais, todos repartíamos o tempo entre o Porto e Espinho, onde arrendamos, para férias e fins-de-semana prolongados, um andar maior, na rua 16. Nessa época tínhamos ainda três cães: a fox Docas, a caniche Mora, a Serra D´aire Endora (esta era minha e "residia" em Lisboa, com a Maria Póvoas e comigo - isto depois da Maria ter decidido deixar a casa da sobrinha e ter voltado para a nossa, onde era considerava membro da família). A Maria e a Olívia tinham em comum a paixão pelos animais só assim nós pudemos, em espaços pequenos, albergar e tratar, regiamente, tantos cães, primeiro, e gatos (sete), actualmente. Por isso comecei por falar de "Olívia e os gatos". Eles são para o bem (como amigos bem cuidados e divertidos, cada qual com o seu feitio e habilidades), e para o mal (com as suas fugas constantes para os telhados, que são motivo quotidiano de apoquentação... e de chamamentos constantes da Olívia: "Jão-Jão, peixinho. Olha o peixinho!"...) uma parte importante da sua vida. Gosta muito de ser fotografada com eles ao colo - ainda não tenho a "reportagem" pronta, mas vou prepará-la! Mas a vida da Olívia, ao longo destes últimos 50 anos, não tem sido sempre fácil. Em 1974, começaram os problemas de saúde. Teve de ser operada, no Hospital de Santo António, e de colocar um "pace-maker". Já substituiu o aparelho, ou as pilhas dos aparelhos, nem sei quantas vezes. Pior ainda, há uns 6 anos, esteve mesmo mal, com uma pneumonia e pleurisia. Da urgência do hospital de Espinho mandaram-na para casa, com umas pastilhas para tomar... Aconselhei-a ir aqui ao lado, na rua 9, ao nosso - otorrino", que é óptimo em clínica geral, e foi a intervenção dele que a salvou...Mandou-a, de volta, para a "urgência", com uma carta severa para os colegas. Retiveram-na, sem tratamento, durante horas, mesmo depois de lerem a carta - ou por causa de lerem a carta...Mas, por fim, uma das médicas, para quem apelou, chamou uma ambulância, que a levou par o hospital da Feira. Chegou quase na 25ª hora... Disseram-lhe que não teria durado mais de meia hora. Andou meses em internamentos e tratamentos. Foi operada à pleura, no Hospital de S. João. Tudo acabou bem... Está reformada, evidentemente! Mas cá continua, cercada pelos sete gatos: Mandarim. Seta. Willie-Willie, gato preto. Deco. Jão. Tita. Dragãozinho. E, ainda uma "refugiada", selvagem, de quem não nos podemos aproximar, mas que se dá lindamente com os outros gatos (os donos da casa...). É branquíssima e de olhos azuis. Chama-se "Branca". As crianças da novíssima geração sentem-se fascinadas pelo felinos, e a Olívia ganha, com isso, um estatuto especial, junto delas. De qualquer modo, agora que a Olívia já não vê, como há alguns anos, telenovelas, em série, os gatos são o seu tema de conversa favorito. O outro, são as histórias do passado, em especial, as da tia Rozaura. Ela é, mais do que nós, a memória viva desse pequeno paraíso, que foi a casa da "Pedreira."



































































































1 comentários:
matilde disse...
Um beijinho de Parabéns à Olívia, que merece todo o nosso carinho, pelos anos de convivência, sendo vista já de há muito como família!Laura e Ana
Quinta-feira, 30 Outubro, 2008

domingo, 19 de outubro de 2008

P17 - ROZAURA BARBOZA RAMOS

TÃO RARO E SIGNIFICATIVO O NOME COMO A TIA
Nascida a 19 de Outubro de 1879

I - O NOME
O de uma personagem de romance antigo, que o bisavô Joaquim andava lendo, ou relendo, quando nasceu a primeira das suas filhas:

"RETIRO DE CUIDADOS, E VIDA de CARLOS, E ROZAURA."
I e II Parte
Composta
Pelo P. MATTHEUS RIBEIRO.
Theologo;Prègador deste Arcebiíspado, e natural de Lisboa.
Dedicado
A DIOGO DE VASCONCELOS.
Fidalgo da Casa de Sua Magestade.
LISBOA
NA OFFICINA DE DOMINGOS RODRIGUES.
Anno de 1740
Com todas as licenças necessárias

Sou hoje a herdeira deste livro, com a capa de couro castanho, já em mau estado, e as páginas de robusto papel a ameaçarem desfazer- se ao nosso toque. Assim, muito lido, como deve ser um bom livro, terá chegado às mãos da Tia Rozaura, que prezava, sentimentalmente, as antiguidades e as conservava, como ninguém...
Por isso o não submeto a qualquer forma de "scanning" e procuro reproduzir, na medida do possível, o título, com a grafia anterior a vários acordos ortográficos. E o mesmo se diga dos primeiros parágrafos dedicados a Rozaura, a pags. 19:
" De tudo vivia Alexandre livre; porque nem era pobre, para menos estimçaõ, nem tão rico, para mayor emulaçaõ da inveja: todos o veneravão por quem era, e a todos agradava, porque de nenhum necessitava.
Tinha uma unica filha. de vinte annos de idade, se na belleza tem os annos jurisdicção na idade; que se chamava Rozaura, com quem a roza não podia competir pelo bello, que há formozuras taõ superiores à emulaçaõ, que deixaõ a covardadas todas as competencias: e se a roza he a Rainha das flores ,todas deixava vencidas, quem tinha o nome de roza. (...) Era Rozaura com tanto extremo bella, que parece, que se a formozura pudéra prder-se, em Rozaura podia restaurar-se. Competia a discricção com a belleza..."
Assim falava Carlos, ao tempo, estudante "de Leis " a residir em Nápoles . E, longamente, continuava, num texto repleto de citações de Seneca, de Ovídio, Demóstenes e tantos outros doutos pensadores, que por nós andam esquecidos demais ...
Nas pags. 452 e 453 o fim feliz, com o casamento de Carlos e Rozaura:
"...Chegàrão com este acompanhamento a Igreja, levando a Marqueza a Rozaura da maõ, e D.Manrique a Carlos ao lado direito, assistiaõ ao seu recebimento e quando voltaraõ por quantas ruas passaraõ choviaõ infinitas flores das janellas, com repetidos vivas, que aos despozados davaõ, e como entràraõ em casa, saindo o governador a recebellos, D. Manrique, e o Capitão Theodozio se despediraõ do Governador, e de Carlos , e Rozaura a quem rendeo, ella ella com muito avizo as graças de honra, e mercé, que a ella e a Carlos seu espozo fizeraõ; (...)"
E, a terminar escreve o autor: LAUS DEO


II - A TIA
Um nome faz um destino?
Não sei...Mas frases como " competia a discreção com a beleza" ou Senhora de "muito avizo", são certamente as que rigorosamente a caracterizam. Uma beleza de juventude, que ,com o passar dos anos era , sobretudo uma expressão vivissima e perspicaz - a lembrar, um pouco, a Miss Marple dos livros de A. Christie. Não que jamais, com a sua "descrição", se envolvesse a solucionar crimes de morte, Mas poderia. Nada lhe escapava... Conhecia bem a natureza humana e as suas fraquezas. Dava-se com todos, gostava de todos, mas...gostava muito, muito e incondicionalmente, de muito poucos... Minha Mãe, que era sua afilhada, tornou- se na menina que não teve, em dois casamentos tardios. E a Lecas e eu as suas netas,
Residimos, com ela , então casada com o 2º marido, o tio Manuel Lima, e depois que enviuvou, durante alguns anos, numa casa que me deixa saudades, Mais tarde, e por mais de 20 anos, foi connosco que viveu, no Porto e em Espinho.
Faleceu, serenamente, no sono de velhice, no dia 1 de Janeiro de 1979: o ano do seu centenário!
Que pena tivemos de o não poder festejar, como estava planeado, à distância... Tivemos, sobretudo, o desgosto de perde-la, como pessoa tão especial, que era. Mas também de perder a sua fabulosa memória das histórias do seu tempo, e da família.

Para mim foi uma Avó- nos últimos tempos, até a mais próxima. No afecto, não sei distingui-las!
A minha Mãe considerava-a também a sua Mãe, e não apenas a segunda.
Tal como a o Tio Alexandre, como que adoptou a Tia Lena, a Tia Rozaura e o Tio Marques, o seu primeiro marido (com quem foi felicíssima!),"adoptaram a "Mariazinha". Aconteceu naturalmente, sem que a Avó Maria, também muito inteligente, e confiante nestes "irmãos- aliados", se sentisse de menos no afecto dos filhos. Com isso todos ganharam.
A nossa "rosa de ouro", como diria o Bisavô Joaquim, gostava deste nome raro ( em vida só uma vez, e em Espanha, encontrou umu homónima!...) e de contar a sua razão de ser... Como contava tantas e tantas histórias deliciosas, que vamos, pouco a pouco, recordar em "comentários".
Por isso lhe dedico hoje aquelas trancrições de um romance oitocentista, folheando as páginas, a "ver" o Bisavô, fazendo o mesmo gesto.
A nossa fabulosa Tia Rozaura tinha, para além de uma inteligência tão rara, quanto o nome, umas "mãos de fada", para rendas e bordados, os mais intrincados, os mais delicados. Era incomparável, nessa arte, com que,positivamente se deleitava. Aos 95 anos, fez a última e esplendorosa colcha de "crochet" . Depois, a nosso pedido, só peças pequenas. .. Por uma razão simples: o excessivo afã, com que avançava na obra, cansando-se demais, com o receio de morrer a meio e a certeza de que ninguém a saberia terminar...
Um fenómeno de boa longevidade: haviam de ve-la, a ler o jornal, a ver televisão, a comer, com grande apetite (uma noite, que se tornou inesquecível,13 pêssegos, à sobremesa...).
Querida Tia, rosa de ouro centenária e eterna, na lembrança!




O Dr. Manso, Director do Sanatório da Serra da Estrela, seu grande Amigo. Daí veio curada da tuberculose.
Fotografia de família para enviar à irmã Maria, então a viver no Rio de Janeiro


Com os sobrinhos Carolina e Manuel

O primeiro marido, Manuel Marques, natural de Braga, funcionário da Contrastaria de Gondomar, padrinho da minha mãe, Maria Antónia. Uma excelente pessoa, o marido perfeito!

Os tios, com amigos, numa viagem a França.

Os tios, Rosaura e Manuel, no fotografo de Gondomar.



O segundo marido Manuel Lima, viúvo, emigrante regressado do Brasil.
























sábado, 18 de outubro de 2008

P16 - ALEXANDRE MENDES BARBOSA


UM PAI PARA OS SOBRINHOS

Alexandre Mendes Barbosa

Faria hoje anos! As sobrinhas não o esquecem. É dele que se lembram como a figura masculina mais importante da sua infância e juventude.

Perderam o pai tão pequenas, que só o recordam em episódios desgarrados: A tia Lola a receber um cestinho de morangos, que ele tinha colhido para as meninas, dizendo-lhe "É para ti, molequinha". E ela respondia, chamando-lhe, também "molequinho" (eram os dois mais morenos da família...); A minha mãe quase só guarda a memória dele no caixão, e do facto de estar gelado, quando lhe deu um beijo...

A partir daí, quem viam no quotidiano, com quem contavam, era com aquele tio bondoso e sempre disponível, sempre pronto a contrabalançar a rígida disciplina imposta por uma jovem víuva deprimida e insegura...Também para a irmã, a Avó Maria foi o grande amigo e aliado na educação dos filhos e na complexa admnistração do património- área para a qual a preparação das senhoras de então era nenhuma... A Avó estava habituada era a gastar, sem pensar duas vezes, naturalmente, de fundos sem fundo. Houve que se adaptar a fazer contas, embora com rendimentos confortáveis. O tio Alexandre geriu-os bem: davam para os colégios dos 7 meninos, para férias na Foz, e, depois, nas termas de Vizela; para pagar as despesas correntes, mantendo as criadas e o criado de fora...Também para esmolas aos pobres e contribuições para a igreja(a Avó voltou-se muito para a prática religiosa, desde que perdeu o marido) De qualquer modo, até no aspecto material o irmão Alexandre ajudava: a mais nova- a tia Lena- foi especialmente "adoptada" por ele e pela tia Hermínia. Ainda hoje, não parece mana dos "terríveis" manos- é tranquila e serena, exactamente como era a tia Hermínia...O mais velho dos rapazes- o tio Manuel- também. Mas a "devoção", o carinho, com que dele falam os outros, prova como os tratava a todos, por igual.
Gostaria de conhecer melhor este tio, de quem mal me lembro, porque era muito pequena, quando morreu. Para além dos unânimes elogios, as sobrinhas não conseguem satisfazer a minha curiosidade. Creio que isso se deve a uma característica sua, possivelmente herdade do Pai, de respeitar a maneira de sre de cada um. Nunca com ele tiveram afrontamentos. Daria conselhos, mas não os castigava, não ralhava em tom áspero. E o que corre bem náo faz marca: fica a tal imagem boa, construida, como umparadigma, a partir de uma infinidade de episódios felizes...
Foi, por isso, através de um ou outro detalhe, vindo, por acaso, na conversa, que tracei o meu retrato psicológico do Tio- ou graças a um ou outro documento, que sobrevive. Não muita coisa!
Acho que era um senhor bem disposto, divertido, mesmo, "bon vivant", apreciador de teatro, como o mano António, e do convívio em tertúlias, no Porto, em Gondomar... Consta como um dos fundadores e dirigentes do centenário "Clube Gondomarense" (foi invocando o registo da sua obra, que, há anos, me convidaram, como parente, a aderir ao clube, e a fazer lá umas palestras!).
Politicamente era, claro, como todos os irmãos (os homens, não as mulheres...), exceptuado o Padre Américo,laico e republicano. O seu feitio, menos radical e agressivo do que o dos irmãos António e Alberto e José, manteve-o longe de prisões políticas e de saneamento de funções públicas.
É pela monografia "Concelho de Gomdomar", de Camilo de Oliveira, que soube do seu pretígio como funcionário: "...fazemos menção do Chefe de Repartição, o Sr. Alexandre Mendes Barbosa, espírito vivo e culto que há muitos anos se familiarizou com os serviços do seu cargo,nos quais tem revelado não só competência e solicitude, mas também merecido os louvores das autoridades que têm intervenção nos assuntos das suas atribuições".
Em casa, na tertúlia e no trabalho, aplauso unânime.Sempre igual a si próprio...
Um gondomarense de alma e coração, que adorava a sua terra. Como já não há- ou há poucos!
Andamos hoje muito esquecidos de que a Pátria começa na nossa terra...