sábado, 18 de outubro de 2008

P16 - ALEXANDRE MENDES BARBOSA


UM PAI PARA OS SOBRINHOS

Alexandre Mendes Barbosa

Faria hoje anos! As sobrinhas não o esquecem. É dele que se lembram como a figura masculina mais importante da sua infância e juventude.

Perderam o pai tão pequenas, que só o recordam em episódios desgarrados: A tia Lola a receber um cestinho de morangos, que ele tinha colhido para as meninas, dizendo-lhe "É para ti, molequinha". E ela respondia, chamando-lhe, também "molequinho" (eram os dois mais morenos da família...); A minha mãe quase só guarda a memória dele no caixão, e do facto de estar gelado, quando lhe deu um beijo...

A partir daí, quem viam no quotidiano, com quem contavam, era com aquele tio bondoso e sempre disponível, sempre pronto a contrabalançar a rígida disciplina imposta por uma jovem víuva deprimida e insegura...Também para a irmã, a Avó Maria foi o grande amigo e aliado na educação dos filhos e na complexa admnistração do património- área para a qual a preparação das senhoras de então era nenhuma... A Avó estava habituada era a gastar, sem pensar duas vezes, naturalmente, de fundos sem fundo. Houve que se adaptar a fazer contas, embora com rendimentos confortáveis. O tio Alexandre geriu-os bem: davam para os colégios dos 7 meninos, para férias na Foz, e, depois, nas termas de Vizela; para pagar as despesas correntes, mantendo as criadas e o criado de fora...Também para esmolas aos pobres e contribuições para a igreja(a Avó voltou-se muito para a prática religiosa, desde que perdeu o marido) De qualquer modo, até no aspecto material o irmão Alexandre ajudava: a mais nova- a tia Lena- foi especialmente "adoptada" por ele e pela tia Hermínia. Ainda hoje, não parece mana dos "terríveis" manos- é tranquila e serena, exactamente como era a tia Hermínia...O mais velho dos rapazes- o tio Manuel- também. Mas a "devoção", o carinho, com que dele falam os outros, prova como os tratava a todos, por igual.
Gostaria de conhecer melhor este tio, de quem mal me lembro, porque era muito pequena, quando morreu. Para além dos unânimes elogios, as sobrinhas não conseguem satisfazer a minha curiosidade. Creio que isso se deve a uma característica sua, possivelmente herdade do Pai, de respeitar a maneira de sre de cada um. Nunca com ele tiveram afrontamentos. Daria conselhos, mas não os castigava, não ralhava em tom áspero. E o que corre bem náo faz marca: fica a tal imagem boa, construida, como umparadigma, a partir de uma infinidade de episódios felizes...
Foi, por isso, através de um ou outro detalhe, vindo, por acaso, na conversa, que tracei o meu retrato psicológico do Tio- ou graças a um ou outro documento, que sobrevive. Não muita coisa!
Acho que era um senhor bem disposto, divertido, mesmo, "bon vivant", apreciador de teatro, como o mano António, e do convívio em tertúlias, no Porto, em Gondomar... Consta como um dos fundadores e dirigentes do centenário "Clube Gondomarense" (foi invocando o registo da sua obra, que, há anos, me convidaram, como parente, a aderir ao clube, e a fazer lá umas palestras!).
Politicamente era, claro, como todos os irmãos (os homens, não as mulheres...), exceptuado o Padre Américo,laico e republicano. O seu feitio, menos radical e agressivo do que o dos irmãos António e Alberto e José, manteve-o longe de prisões políticas e de saneamento de funções públicas.
É pela monografia "Concelho de Gomdomar", de Camilo de Oliveira, que soube do seu pretígio como funcionário: "...fazemos menção do Chefe de Repartição, o Sr. Alexandre Mendes Barbosa, espírito vivo e culto que há muitos anos se familiarizou com os serviços do seu cargo,nos quais tem revelado não só competência e solicitude, mas também merecido os louvores das autoridades que têm intervenção nos assuntos das suas atribuições".
Em casa, na tertúlia e no trabalho, aplauso unânime.Sempre igual a si próprio...
Um gondomarense de alma e coração, que adorava a sua terra. Como já não há- ou há poucos!
Andamos hoje muito esquecidos de que a Pátria começa na nossa terra...

15 comentários:

Anónimo disse...

Glória Doroteia disse: O tio Alexandre foi, de facto, o nosso pai.Era muito bom! Lembro-me, por exemplo, de que nos dava, a cada uma de nós, quando partíamos, sempre de má vontade, para o colégio interno, uma nota de i 20 escudos- na altura, anos 30, bastante dinheiro. Com ele, comprávamos "extras", como chocolates, através de colegas, que estavam em regime de externato. Gestos que nos confortavam e nos tornávam mais felizes, ou menos infelizes lá dentro. Ele compreendia isso , conhecia-nos bem.Vivia muito para nós.

Anónimo disse...

Maria Antonia disse: Faço minhas as palavras da Lólita!Eu tinha a sorte de poder contar com ele e, também, com os meus padrinhos, a tia Rozaura e o tio Manuel Marques, que me tratavam como filha, apesar de ele ter um filho, o Armando, do 1º casamento (era viúvo, quando conheceu a tia Rozaura).Não me sentia "orfã" de pai... Essa mesada de 2o escudos era fundamental para resistirmos às ementas do "Colégio da Esperança". Mas eu mandava vir os chocolatinhos pela recoveira.

Anónimo disse...

Glória Doroteia disse: O nosso Tio era republicano e anti-clerical. Nem ia à Igreja, nem abria as portas da casa ao "compasso"... Mas, quando estava moribundo, pediu-nos que chamassemos um padre para se confessar. A Lininha falou ao Sr.Abade e ele veio imediatamente, apesar de mal o conhecer. Conhecia e era amigo da Mamã ,isso sim! Ficou com ele, a ouvi-lo,nesses últimos minutos. Quando saiu, estava emocionado e disse-nos ,"morreu um santo".

Anónimo disse...

Manela disse: O que a Tia Lola descreve sobre os seus últimos momentos, corresponde "ipsis verbis" ao que ouvi contar,em criança. Pela voz da Avó, da Mãe, da Tia Rozaura...Sem dúvida, impressionou muito a família toda. E eu, devo dizer, quando pensava no Tio Alexandre,pensava logo nesse fim dramático, e nessa benção da "conversão" à fé. E achava que aquele Tio, do qual me lembrava mal, mas do qual todos falavam tão bem, merecia a "chamada de Deus".

Anónimo disse...

Manela disse: Tenho pena de só ter a vaga imagem do Tio já velhinho e doente- e, ainda por cima, no seu quarto, deitado na cama. Se calhar, em muitos casos é melhor não levar as crianças a visitas de doentes graves ( O tio morreu com cancro de pulmão - ao olhar o último retrato, em que aparece com a Tia Hermínia, notamos que está de cigarro na máo...)Mas, mesmo assim, prevalece a memória da sua simpatia, da alegria da sua casa. Aí voltei, claro, muitas vezes, porque a Tia Hermínia, que lhe sobreviveu, era nossa amiga, Gostava muito de gatos. Eu também. Nunca nos faltava assunto para conversa!

Anónimo disse...

Madalena disse: Era costume o Tio Alexandre ir- me buscar a casa. Passava o dia em sua casa, com ele e a Tia Hermínia, jantava e, depois, ele trazia-me, de volta, à Vila Maria. Daí seguia para o Clube Gondomarense, onde se encontrava com os amigos - a Tia Hermínia nunca se opôs. Pelo contrário, achava muito bem. De inverno, o Tio Alexandre usava um capote, com o qual me abrigava. Eu chamava-lhe "Tá", e à Tia Hermínia "Tátá". Quem também os visitava muitas vezes era a Luísa,uma sobrinha da Tia, nascida poucos meses depois de ter morrido, num parto dufícil,a única filha deles . Todos nos dávamos muito bem. Naquela casa nunca me lembro de ninguém ter, alguma vez,sequer levantado a voz!

Anónimo disse...

Manela disse: A Tia Lena lembra-se de um episódio muito divertido, que aconteceu com um carro imparável - isto é, um carro que não conseguiam travar, para saírem, como era hábito, à porta de casa. Sei que andaram às voltas e a Tia Hermínia lhes dizia: "Não entrem em panico. Sorriam!"

Anónimo disse...

Madalena disse: A dada altura o Tio Alexandre comprou um carro - um daqueles carros antigos, que na época eram modernos. Passeavamos pelo arredores, Ramalde, Covelo, escolhendo estradas com pouco movimento. Muitas vezes quem guiava era o Tomás, motorista do Tio Zé, que também lhe tratava do jardim, e da horta. Era bom condutor e foi quem lhes ensinou a conduzir (não havia escolas de condução - quando estavam preparados, apresentavam-se a exame ). À noite, o carro ficava em casa da Mamã, debaixo do terraço e os meus irmãos saíam com ele, davam cabo de tudo... As avarias eram constantes. O Tio Alexandre teve imensa paciência. Mandava, constantemente, arranjar as avarias, quando o Tomás não conseguia resolver o problema. Um dia fomos à Aboínha, visitar o Sr. Morgado, com o Tomás ao volante. Tudo correu perfeitamente, até ao momento em que ele tentou estacionar à porta da casa. O carro não travava! Primeiro deu a volta a Quintã. Tentou parar, mas o carro continuava em movimento. Demos uma volta ao Souto. Nada de novo! Seguimos no sentido de Quintã... Depois, talvez sem mais gasolina, ficamos parados à porta de Rosa Marques( irmã dos Ferreira Marques), onde agora está uma casa de linhos. E não houve remédio: tivemos mesmo de passar pelo embaraço de deixar o veículo ali, e de caminhar até a casa, onde fomos todos vistos a chegar a pé, depois de tanta voltas de carro. Mas sempre sem perder o sorriso...

Anónimo disse...

Madalena disse: O carro do Tio Alexandre não era o único que os meus irmãos desarranjavam. Faziam o mesmo ao do enteado da Tia Rozaura, o Armando Marques, que, à noite, ficava guardado nas lojas da casa dela, com acesso por um portão grande, no Largo da "Pedreira". A Tia Rozaura ficava aflitíssima, e o Armando furioso...

Anónimo disse...

Manela disse: Estive há pouco à conversa com a Tia Lena e fiquei mais trnquila, em relação a certas "deduções", ou conclusões a que cheguei sobre o Tio Alexandre. Vi-as confirmadas, por quem o conheceu tão bem! Mas a Tia acrescentou pormenores muito significativos, que reforçam certos traços do "retrato". Era sereno. Era compreensivo. Tinha, porém, uma "autoridade natural",sem precisar de a impor ruidosamente, ou pela força. Um exemplo: na Administração da Câmara ( não sei exactamente em que qualidade, nos últimos tempos, mas, segundo a Tia Lena, certamente, como nº 2 , substituto do administrador do concelho)a sua simples presença num interrogatório de um suspeito, levava o homem, qundo culpado, a confessar os cometimentos... Pelo contrário, o agente policial, responsável pelas averiguações, que, por sinal, era temperamental e mesmo violento, não conseguia semelhante efeito.O Tio era, de facto, muito considerado.Era justo. Inspirava confiança. Respeitavam-no. Dentro e fora de casa. Até os "terríveis" sobrinhos (os rapazes. que eram bem piores do que as meninas...). Outro detalhe: o gabinete do Tio Alexandre, na Câmara, dava para o fontenário.

Anónimo disse...

Manela disse: A minha curiosidade sobre a tia Hermínia foi suscitada, muito recentemente, quando li duas cartas, que escreveu à cunhada Maria, minha Avó, por volta de 1912, quando ambas esperavam o próximo nascimento de filhos, cada uma do seu lado do Atlântico. Aquela jovem, que escrevia tão bem, com tanto espírito e sentido de humor, sobre coisas do quotidiano, não correspondia à imagem que guardava de uma senhora pacata e convencional, cuja principal originalidade era, para mim, a "militância" pelos direitos, muito concretos, dos animais, sobretudo dos gatos próprios e alheios... E fiz a pergunta à Tia Lena. Qual era a origem, a formação da tia Hermínia? Por ela soube que era de Paredes. Ficou orfã de mãe,ainda criança, quando frequentava, como aluna externa, um colégio de freiras (Santa Quitéria), perto de Felgueiras. Todos os dias era levada e trazida a casa numa carruagem do colégio, puxada a cavalos (uma versão antiga das actuais "carrinhas", que desconhecia, em absoluto!).Daí em diante, o pai deixou-a no mesmo colégio, mas como interna - o que não lhe custou muito. Como eu a compreendo! Nas férias uma tia (Joaquina)tomava conta dela e da irmã, Sara. Sara veio a casar com conterrâneo ( que tinha uma casa brasonada lá, em Paredes) e era a mãe da Luisa. Uma das filhas da Luisa, a Tininha, é a companheira do Tónio, naquela 1ª foto, em que aparece no blog. Uma óptima fotografia do marido da Luisa, de apelido Moreira, mas não meu parente. Fotógrafo amador, que tinha laboratório em casa. Outra pergunta para a Tia Lena: como terá o Tio Alexandre conhecido a mulher? Seria Paredes, a terra do Bisavô Joaquim Mendes Barboza, a razão ou o território do 1º encontro?

Anónimo disse...

Manela disse: Embora isso não venha referido, quando se fala do Tio, (a imagem que prevalece é a do respeito por ele, a da sua seriedade e amabilidade no trato), parece- me que era também divertido, à maneira dos Barbosa, a implicar levemente com a criançada. Chamava "Lena, Caprena" à tia Lena. A mãe e a tia Lola contam que lhes desfazia os elaborados caracóis dos penteados, para as arreliar... Um bocadinho, não demais. É por isso, porque lhe achavam graça, que estas coisas só são apreendidas em conversa, a meio de uma conversa comprida. Precisámos de especialistas em entrevistas...Começam sempre por garantir que não se lembram de nada. Mas lembram, se se lhes fizer a pergunta certa ...

Anónimo disse...

Manela disse: Perguntei à tia Lena como era o dia a dia com a tia Hermínia e o Tio Alexandre. Passava o dia em casa deles, mas ia sempre para a Vila Maria, depois de jantar(o mesmo acontecia com a minha mãe, nas suas frequentes visitas aos padrinhos, na "Pedreira"). Quer isto dizer que a Avó Maria fazia questão de ter toda a sua prole reunida consigo, quotidianamente. E a tia Lena não esqueceu um dia em que a criada a veio recolher mais cedo - já não se sabe porquê...Estava ela, como de costume, na sala da Tia Hermínia, sentada a uma pequena mesa redonda, de camilha, por baixo da qual o borralho mantinha o calor, as duas a ouvir rádio, um programa de variedades, quando veio a ordem de retirada. Mandou a Tia a criada de volta, a sugerir que deixasse ficar a menina até mais tarde, porque estava num ambiente muito quente, e, saindo, podia constipar-se. Voltou a criada para levar mesmo a menina, imediatamente...O episódio ficou na memória, até hoje!

Anónimo disse...

Manela disse: Até no que respeita ao gosto pelos animais, a Tia Hermínia e o Tio Alexandre se entendiam bem. Numa das cartas escritas à Avó Maria pela cunhada, ela conta que o marido tinha andado apoquentadíssimo pelo desaparecimento do seu cão, que, pelo descrito, ele tratava quase como um filho... Mas, por fim, o cãozinho regressou e houve grande festa! Era o Diu, que está com uma pose muito tranquila, na foto de grupo, que se inclui na "reportagem" iconográfica, supra. Depois desse mítico e bonito bicho, durante décadas, só houve gatos lá em casa. O que se seguiu, o Nero, era da Tia Lena. Mas ficou com a Tia Hermínia, quando a Tia Lena casou, e depois da morte da Tia Hermínia, foi acolhido na "Vila Maria". Aparece na minha primeira foto,em junho de 1942, com os pais, sentados num banco do jardim, em frente à casa.

José Barbosa disse...

Só um pormenor documental, (que temo família e as minhas primas em matérias de fé.... parece que sou o último herdeiro da tradição anti-clerical do clã, mesmo que muito dessorado: até tenho amigos padres!!!!)
O pormenor, então, é que a primeira fotografia, de cara e busto, é do meu avô José e não do tio Alexandre, que de resto deu nome ao Paulo, que por essas custas, leva também Alexandre no nome.
Lembro-me de grandes legendas contadas e temperadas, pelo meu Pai sobre os Tios. Eis algo que merece ser fixado, se ainda houver memórias dos feitos.