sexta-feira, 3 de outubro de 2008

P14 - MANUEL DIAS MOREIRA


MEU AVÔ E MEU MELHOR AMIGO
O Avô Manuel nasceu a 9 de Outubro de 1892, em Avintes, na casa do Paço, junto ao Areínho.
Uma casa de pedra, paredes com espessura de um metro, vista soberba sobre o Douro. O muro alto e a própria casa acompanham as curvas de uma estrada estreita, que não sei se ainda tem por baixo algum vestígio de calçada romana (não esqueçamos que Avintes é terra milenária...). A Mãe, Bisavó Quitéria Francisca Pinto, adorava aquele lugar e aquela casa. A parte mais antiga é muito antiga - talvez do séc. XVI, ou do início do séc. XVII. A parte mais recente é da segunda metade do séc. XIX e foi construída pelo marido, meu Bisavô João (Dias Moreira). A data encima o portão da entrada principal, que na próxima ida lá (para colher uns óptimos diospiros!) hei-de olhar os números com a necessária atenção...

Detenho-me, assim, a falar da casa, porque o Avô gostaria, certamente, que eu o fizesse. Era a mim que ele a queria deixar, directamente. E eu tenho procurado conservá-la, por razões sentimentais, embora hoje se tenha tornado evidente que não há a quem a deixar. Apesar da beleza simples e rústica e granítica daquele espaço, totalmente murado, a dar a impressão da mais perfeita privacidade, as jovens gerações não se sentam atraídas pelo campo, ou pelo rio, ou pelo sossego. Preferem, decididamente, os seus andares citadinos. E não têm nada a ver com o lado paterno da minha família... Os últimos descendentes destes bisavós somos o António Manuel (Soares de Albergaria Reis) e eu. E a filha dele, a trineta única, Chloe Angelica. Seriam os (meus) naturais" herdeiros"desta verdadeira relíquia. Seriam, se quisessem e pudessem. Se não vivessem, como vivem, no Canadá... O Tó Mané, apesar de ter saído de Portugal com apenas oito anos, sente o apelo do lugar… E já me disse que gostaria de pernoitar dentro daquelas paredes, mesmo que fosse num saco cama de campismo, ao menos por uma vez... Mas, com os seus empreendimentos canadianos demasiado absorventes, nunca tem tempo para umas férias em Avintes.

Exactamente como eu, este primo do estrangeiro tem um enorme orgulho nos incríveis antepassados da "casa do Paço". Eu aprendi a admirá-los, através das histórias contadas pelo Avô Manuel. O primo, através das mesmos "happenings", relatados pelo pai, o António Reis, que é também um grande contador de histórias.

A bisavó era extremamente activa, enérgica, muito pequena e magra. Enormes olhos azuis! Uma memória prodigiosa, e sempre resposta pronta. Senhora de decisões rápidas e sensatas, que o marido respeitava, invariavelmente. E poetisa de versos populares, repentista. Imbatível em "cantigas ao desafio", durante horas e horas! E, depois, conseguia reproduzir o despique poético, sem um lapso:"Eu disse", "Ele disse"...Isso ou qualquer outra coisa -sobretudo ditos tradicionais, sagas, lendas. Uma autentica grande” biblioteca” de literatura oral memória prodigiosa, vivacidade… Encantava os três netos, o meu pai (filho do filho Manuel), o António e a Maria Angélica (filhos da filha Maria Francisca). Eu, infelizmente, tenho dela uma memória nebulosa de menina de 4 anos. Nessa altura, aos 94 anos, a Bisavó continuava lúcida, activa e alegre (até a minha Mãe, que nunca se adaptou a Avintes, lhe achava imensa graça!). Morreu, como viveu, serenamente - durante o sono, em casa da Tia Francisca, com quem então morava.

O bisavô era um bom "gigante", com dois metros de altura e uma imagem não caracteristicamente “latina”. Também o meio - irmão, Padre Manuel Pinto da Silva, tinha ,para além de bela figura, um porte imponente (julgo que com quase a mesma altura!). Consta que eram, de facto, de ascendência inglesa, ainda que remota. Não conheço detalhes. Ouvi dizer, e é plausível... O avô Manuel não era alto, mas, no estrangeiro, certamente, ninguém o julgaria tipicamente português ou mediterrânico… Até meu pai herdou o tal ar nórdico. Aliás, não conheci ninguém mais anglófilo do que ele! Ao que creio, antes, durante, e depois da "grande guerra"…. Era fisicamente muito parecido com aquele seu avô do “Paço”, e deram-lhe o mesmo nome: João Dias Moreira.

Todavia, até agora, nenhum descendente se compara ao primeiro JDM, no que respeita a capacidade empresarial. Foi, por gosto, por vocação, um grande lavrador, um grande gestor. Adepto de novas tecnologias, da mecanização possível da agricultura e da vinicultura. E do recurso ao crédito. Uma mentalidade moderna, rara nesse domínio e nessa época... Pragmático e seguro de si. Eficaz. Honestíssimo. Firmava negócios com um aperto de mão, com os parceiros certos… Tornou-se uma lenda viva na terra, ao comprar, ao longo dos tempos, 99 propriedades (nem todas muito grandes, mas, de qualquer modo, muitas e, no conjunto, significativas). Achei interessante que o Tó Mané, quando começou a investir, no Canadá - em vez de aceitar ser um alto quadro de empresa - tivesse dito :"quero recuperar a iniciativa empresarial, que anda perdida nesta família há três gerações". Espero bem que ele continue, noutro sector de empreendimento, esse talento ancestral. Inteligência, tenacidade e qualificações não lhe faltam! E já fez, em outras áreas, coisas extraordinárias, de que falarei, em breve...

O Avô Manuel não era fadado para o mundo dos negócios - nem na agricultura, nem em qualquer outra área. Quis ir para Coimbra tirar a licenciatura em Direito. Para ser Juiz, conservador de registos ou notário, como foi o seu melhor amigo de infância e juventude. O pai opôs-se. Precisava de um sucessor. Não o teve... O Avô arrendou as terras, logo que as herdou... Ser lavrador ou empresário não estava nos seus planos…
Era muito mais dotado para a música, para o teatro. Para o desporto, também. E tinha, como considerava, avisadamente, mais perfil para uma carreira jurídica, como o notariado, do que, por exemplo, para a advocacia…
Tocava os clássicos de ouvido (o sobrinho António também...). Era exímio em jogos tradicionais. Foi actor amador e, suponho, mais tarde, director do "Grupo Mérito Avintense". Estou a recordar-me da imagem do seu caixão coberto com a bandeira do "Grupo Mérito", o que eu achei bonito, porque sei que a representar ou a ir ao teatro ou ao cinema passou momentos óptimos da sua vida…Para mim, que me iria tornar na sua companhia predilecta, uma sorte! Desde os 6 anos, antes mesmo de aprender a ler, foi com ele que me habituei ao fascinante ambiente das salas de espectáculos - do lado do público, evidentemente...

O meu queridíssimo Avô era um sonhador!
Um homem de honra, que prezava mais do que tudo. De uma honestidade escrupulosa, aprendida com os pais. Mas também de grande sensibilidade artística e imaginação. Demasiado confiante na seriedade dos outros - o que lhe viria a causar problemas, que o marcaram irremediavelmente, já na meia idade... Previsível o que aconteceu: para investir muito dinheiro, parado em contas de banco, entrou numa sociedade, como “sócio capitalista”. O” sócio trabalhador” fez um enorme desfalque e sumiu, com o dinheiro, para a Africa profunda, de onde não houve mais notícia dele…O Avô, para além do prejuízo, que não foi pequeno, e de uma depressão nervosa, de que recuperou, embora ficando, sempre, menos confiante no futuro, reforçou, afinal, a convicção de que uma boa formação académica é infinitamente mais importante do que muito dinheiro. Disse-me, vezes sem conta, em contextos variados, frases deste género: “Prefiro dar-te um curso, a possibilidade de uma boa carreira, do que deixar-te uma grande fortuna”. Eu ser aluna de “quadro de honra” no colégio,”prémio nacional” no 7º ano do liceu (no “Rainha Santa Isabel”) e o ter tirado, facilmente, o curso de Direito, na bendita Universidade de Coimbra, encheu-o de alegria.
É curioso que o filho de um lavrador nortenho (um empresário, que, acima de tudo, prezava a terra e o empreendimento) tivesse sempre feito esta opção pela educação formal, pela cultura e pelas artes. E não só para o” filho - homem”,(como dizem os brasileiros), mas igualmente para as duas netas. .Colégio dos Carvalhos para o rapaz. Colégio do Sardão para as meninas. Só consegui, por minha expressa vontade, ver-me no ensino público nos dois últimos anos do curso do liceu. Contra a opinião do meu Pai, também adepto dos melhores internatos do Porto…

Nunca encontrei, na vida, ninguém com quem me entendesse tão bem, como com o Avô Manuel. (Sei que ele, de mim, diria exactamente o mesmo).

Por ele ser um” sonhador”. Por sonhar o meu futuro. Por querer que eu tivesse as oportunidades que ele não teve. Por acreditar mais em mim, do que eu acredito. Por me incentivar a tirar um curso (e, de preferência, Direito - por sorte, a minha preferência...), a ter uma profissão, a viajar, a alargar horizontes...Por conversar tanto comigo. Por me ouvir. Por me aceitar como era. Por me admirar tão excessivamente!...Pela minha parte, limitei-me a admirá-lo muito, mas na justa medida do seu merecimento. Se pudesse escolher o avô ideal, escolhia alguém como ele.

Apesar de ser um “bom partido”, apesar dos interesses e costumes da época levarem, tantas vezes, antes de mais entre terra tenentes, a casamentos de conveniência, o Avô teve liberdade total para decidir nesta” matéria”. Apaixonou-se pela avó Olívia, quando ela tinha apenas 16 anos. Não era uma herdeira rica... Casaram, sem oposição familiar, alguns meses depois, em 24 de Setembro de 1916.
Sendo ele como era, as coisas só poderiam ter acontecido assim: na sequência de um romance de amor, puro e simples. Beneficiou, de certeza, do apoio da mãe (ele “venerava” a mãe). E nunca lhe ouvi referir qualquer espécie de oposição paterna. A Bisavó Francisca tinha estado, em relação ao marido futuro, na mesmíssima posição da nora, 30 anos antes!...
O meu Pai, o primeiro filho, nasceu dois anos depois, em 6 de Junho de 1918. Seguiram-se uma menina, a Maria, em 1922, e dois gémeos, o Alberto e o Manuel, em 1923. Infelizmente, os três morreram, ela com pouco mais de um ano, eles com poucos meses. Todos com doenças hepáticas. Imagino o desgosto…E compreendo, sobretudo da parte da Avó, a tendência para a super protecção do filho João, convertido, por essas tragédias, em filho único. Dos outros, quase nem falava, e nós nada perguntávamos, naturalmente…. Era a sua forma de reagir, de calar o desgosto. O Avô, pelo contrário extrovertia, pelo menos comigo, as suas lembranças desses meninos, e o imenso sentimento de perda. Então da Maria falava muitas vezes! Uma criança meiga, linda, com a pele muito branca e os olhos grandes. Acho que ele era um desses homens invulgares, que não preferem os filhos varões. Acho, também, que, talvez por ser a mais velha ou por ser, obviamente, a mais parecida com ele, me transformei na sucessora da Maria… Devo acrescentar: apesar de eu ser feia…coisa que ele, a meu ver, não era. São os mistérios da genética, que baralham os dados, para melhor ou pior, às vezes por um pormenor (no meu caso, o desastre de um nariz…)

Como seria de esperar, o filho frequentou o melhor colégio da região: o colégio dos Carvalhos, que ainda hoje existe. Não será tão famoso agora, mas creio que ainda é bom. Lá andou meu Pai, desde a primeira classe até ao último ano do liceu (com um ano de permeio, em que passou pelo” Rodrigues de Freitas”, do Porto, chumbou por faltas e outros desaires, e pediu, sem ser preciso insistir com ele, para voltar aos Carvalhos…). Falava sempre do colégio com entusiasmo. Gostava do ambiente, dos excelentes professores, e dos amigos. Era popular. Óptimo atleta, bom jogador de futebol. Nos estudos, tudo bem, mas melhor em letras, latim, português, inglês…Escrevia lindamente! Era poeta repentista, tal qual a Avó Francisca. Preparava-se, aos 18 anos, para fazer o seu curso em Coimbra… Em vez disso, casou, com uma lindíssima jovem de Avintes, a Celina. À pressa, por uma razão, que poderia ter inspirado o autor de “love story”: tinham pouco tempo para viver juntos. Ela estava tuberculosa. Morreu 8 meses depois do mais faustoso casamento acontecido em Avintes, nesse tempo (a casa da família da Celina, na 5 de Outubro, era, a meu ver, a mais elegante das mansões dessa então bela rua principal). Três anos depois, conheceu a Maria Antónia Aguiar, na capela do Monte da Virgem. A religiosidade das respectivas mães esteve na origem do encontro, que me parece, mais ou menos, planeado por uma amiga comum, uma das chamadas “velhas casamenteiras”. Se foi, resultou…Os jovens gostaram um do outro e acabaram (ou melhor, começaram a vida em comum…) no altar da Igreja de S. Cosme, em 1941.

Tenho muitas recordações da casa dos meus Avós, na tal rua 5 de Outubro – era, à direita de quem desce, a caminho do Porto, a última vivenda. Passei lá longas temporadas - cheguei a andar na escola do Magarão um curto trimestre, antes de rumar ao “Sardão”. A Madalena e eu divertíamo-nos com os gatos grandes e peludos (os Titos), e tínhamos muito espaço livre para as brincadeiras. Quando queríamos, saltávamos o muro da quinta do lado, que era de amigos ausentes e aumentávamos o “território, enormemente. Tinha sido, antes, do Coronel Novais e Silva, igualmente um bom vizinho dos Avós. O filho, António Júlio, que também viria ser militar, e coronel, foi o primeiro amigo de infância do Pai - eram como irmãos.
O Avô, como já disse, não apreciava, particularmente, o mundo dos negócios. Teve aquele “azar dos Távoras” com o sócio e passou a entregar a gestão a gerentes (uns melhores, outros piores…). A sua evasão, nessa altura, era o cinema. No Porto, em “matinés”, quase todos os dias. A mim, convidava-me muitas vezes, se considerasse a fita adequada. Na época, eram quase todas adequadas. E eu gostava de qualquer tema ou género…. Portava-me bem. O contrário da Madalena, que nem para desenhos animados tinha paciência - essa era a parte que víamos com a Mãe, por sinal, outra cinéfila. Com o Pai ia, sobretudo, à noite, naturalmente. Em Espinho, nas férias, é que fazíamos quarteto familiar, no Teatro S. Pedro e no cinema do Casino, quase todos os dias, porque a rotação de filmes era quotidiana. Na maioria, comédias deliciosas, como as de Jerry Lewis e Dean Martin.
Com o Avô vi muitos musicais, incluindo alguns até deprimentes demais, como um sobre Tchaikowsky… Outros, pelo contrário, bem divertidos, como as primeiras operetas em “cinemascópio” (“Ohklahoma”,”7 noivas para 7 irmãos” e muitos mais, que eu associo sobretudo ao Rivoli). Do meu particular agrado, na altura, era a série de “Sissis”, com a muito jovem Romy Schneider, e também “westerns”. O Trindade, o Batalha, o S. João, são aqueles de que tenho mais recordações. Inesquecível uma vez em que o vento forte levou o chapéu do Avô, mesmo em frente ao Batalha. Ele mandou-me esperar no passeio e correu atrás do chapéu, mas no preciso momento em que o ia apanhar teve de recuar diante de um carro que espalmou completamente o precioso objecto… Um autêntico episódio de filme cómico, antes do filme. Eu ria, perdidamente, e ele, resignado, não se zangou comigo.
Éramos bons companheiros. Antes e depois do cinema ia com ele ao café (seria já o “Leão d’ouro”?), coisa então pouco habitual para senhoras ou meninas. Ele lia “O Comércio do Porto” e eu distraía-me a olhar a praça movimentada. O café era a sua bebida preferida. O que se bebia em casa era excepcional, de lotes escolhidos por ele, numa loja daquelas ruas estreitas nas traseiras do Teatro S. João. Fui lá com ele, regularmente.
Recordo, igualmente a compra de rádios - não tão frequente, é claro. O rádio - e a rádio…- tinha, então, uma importância extraordinária, e, com o seu “ouvido” privilegiado, o Avô queria o som mais perfeito. Às vezes, levava os aparelhos à experiência, por sugestão do próprio vendedor. Um ou mais, até acertar com o ideal! Quando estava no quarto, ouvia música constantemente, noite e dia. De noite, limitava-se a baixar o som, para o tornar quase inaudível, para sossego da Avó Olívia.
A vida dos dois era tranquila - mas a Avó, sob uma imagem de feminina condescendência, mandava em tudo o que considerasse relevante. Mandava muito mais do que parecia…Acho eu! Como gostava de receber, nunca faltavam visitas. O abade de Avintes (o Padre Álvaro, durante muitos anos), as irmãs, outros padres, amigos, como o jovem Dr. Figueiredo, nosso excelente médico, vizinhos… Uma animação! Havia sempre doces de toda a espécie, um café maravilhoso, feito com água puríssima do poço, o leite das vaquinhas do “Paço”, que o caseiro, Sr. Justino, mandava todos os dias… Sabores que são coisas do passado, definitivamente passado. Tal como o vinho americano, de videiras caseiras e clandestinas, que o Avô sabia preparar como ninguém mais… Nos almoços e jantares de festa tudo era bom (o sável do Douro, que ofereciam aos Avós e ela cozinhava, a preceito, as lampreias…) E no dia a dia também, com um excesso de bifes e batatas fritas para as meninas - só escolhíamos o corte das batatas: aos palitos ou às rodelas…
O Avô frequentava o Clube Avintense, que, nessa fase, era muito agradável. Dava grandes passeios pelos campos. Pela marginal do Douro, com os extensos milheirais, muitos dos quais eram dele… Acompanhei-o vezes sem conta, nessas andanças. Assim como em Espinho, no verão. Nos últimos anos, passámos tardes, à conversa, no “Nosso Café”, sempre na mesma mesa, à janela.
Convenci-os a mudarem de residência, para a velha casa da Rua 7,nº 307. Espinho é uma terra ideal para reformados … e não só. A Avó Olívia gostava da casa pequena, que tinha sido comprada pelos pais, como casa de verão. Fizeram as obras necessárias. O Avô estava no seu “elemento”, com o mar, o pôr-do-sol sobre as ondas, os cafés, os cinemas (ia menos do que dantes, era um fã de televisão).
Na minha memória, vejo-o, sobretudo, na mesa do café. A conversar comigo. A partilhar os meus projectos. Quando eram comuns, dizia:”vamos a ver”, com ar de quem diz:”Deus queira…”Os últimos já não aconteceram. Um “avc”, e, depois, no seu simpático quarto do hospital de Gaia, uma pneumonia, não nos deram mais tempo.
Tinha perto de 80 anos. Parecia ter 60. Estava óptimo, de aspecto, de memória, de agilidade. Conservava, intacta, a sua capacidade de sonhar, do vibrar com as vitórias do FCP, com um romance, com uma ária de música...












13 comentários:

Anónimo disse...

9 de outubro: o dia de aniversário do Avô. Estive no Porto, a assistir ao lançamento do livro sobre Pinto da Costa, o "Portador de alegrias". Lembrei-me muito dele, do meu "Avô Portista", que já não viveu os tempos extraordinários das nossas vitórias nacionais e internacionais. Mas em todos esses momentos é lembrado por mim. A minha alegria é a que ele sentiria. A que eu sinto também por ele...E pelo meu Pai, pelo tio David (hoje falei dele ao Fernando Gomes, em quem via, ainda júnior, um futuro "craque" e acertou...), ou pelo tio Serafim e pelo Tónio, meus companheiros de bancada, no estádio das Antas. Graças ao Avô, posso dizer que sou, aos 66 anos,uma portista de 3ªgeração. Se tivesse filhos e netos, é evidente que íamos na 5ªgeração... De qualquer modo, é exacto afirmar que descendo, em linha recta, de portistas, desde a fundação do clube!

Anónimo disse...

Manela disse: Tenho pena de não ter escrito as histórias que o Avô (que também era meu Padrinho, e a quem chamava por esse título) me contou sobre as suas inúmeras vitórias num jogo tradicional, que envolvia dar não sei quntas voltas ao sino da Igreja. Coisa que exigia não só força, como habilidade. Da sua força espantosa, fui eu, aos 4 ou 5 anos, beneficiária, num dia em que decidi arrancar, pela descida da rua 5 de outubro (e que descida... mais acentuada não há, em Avintes ),sozinha ao volante do carro do meu pai, estacionado em frente à porta da casa. Fiz tudo direito, como o via fazer. O carro começou a andar...E o Avô apercebeu-se do desastre iminente, correu, agarrou o carro pelo lado da janela, providencialmente aberta, e conseguiu faze-lo parar. É por isso que estou viva, para contar o feito. E ainda me lembro do prazer que tive,ao destravar o carro e ao pôr as mãos no volante, pronta para a "corrida", que o Avô interrompeu. Depois não me lembro de nenhuma grande reprimenda. O susto nem deu par me ralharem...

Anónimo disse...

Menela disse: Sobre as histórias que o Avô contava dos brilharetes da neta predilecta, dizia- me o António, ainda há pouco, em Toronto,que eram intermináveis... e que ele puxava logo pela imaginação, para mudar de assunto!Muito me ri...

Anónimo disse...

Manela disse: Dou-me agora conta de que também os tios Alberto e Manuel, que morreram tão pequenos, fariam hoje anos.Nasceram , como o pai, a 9 de Outubro (de 1923). Eram 3 anos mais novos do que a minha mãe , que tem 88.

Anónimo disse...

O Avô Manuel nunca se envolveu em política. Foi um activo "cidadão", em Avintes, participou em associações diversas, e, naturalmente, na paróquia. Era um homem religioso, e, politicamente, conservador. Monárquico, mais tarde simpatizante de Salazar(visto como "salvador", depois do caos económico e da "bagunça" política da 1ª República). Um entre muitos portugueses desse tempo. Das duas avós se pode dizer o mesmo... Não, porém, do meu pai, que era democrata e republicano convicto. No pós guerra assinou o manifesto a pedir eleições livres e esteve em risco de ser "saneado" da função pública. Nenhum pertencia a partidos - nem os mais direitistas à "União Nacional", nem o pai a quaisquer movimentos. Depois de 74, a minha mãe, monárquica, desalinhada, pouco Salazarista, mas muito Marcelista, virou à direita. O pai ficou no mesmo sítio, o que significou a adesão ao PPD. O Avô teria apreciado,como o Pai a minha longa, embora nada espectacular, incursão no mundo da política, que as mulheres da família achavam um inútil exercício desgastante(o senso feminino...).Acho que, por mim,o Avô até teria votado PPD! Mas não esqueço o desgosto e a tristeza com que assistiu, pela tv, ao funeral de Salazar. Eu estava ao lado. Não partilhava o sentimento de perda nacional, embora não me alegrasse com o funeral. Para os ditadores, de qualquer dimensão, basta o julgamento, com penas sem ser de morte. É óbvio que ,como feminista, fui sempre contra o político misógeno Salazar( mais misógeno como político do que como pessoa, parece...)De qualquer modo, nem a discutir política o Padrinhoe eu nos zangámos. Foi tema pouco falado entre nós...

Anónimo disse...

Sobre as fotos: a 1ª não tem data certa, mas é obviamente a mais antiga, que se conhece, tirada, talvez, em 19i0. Seguramente, pouco mais do que um "teen-ager"...As seguintes são da época do casamento, depois 1916, já "trintão". Aquela em que o casal se retrata com o filho João, é de 1918 ou início de 1919. A de Pai e filho, de boina colegial, é do começo da década de 30. Avô e neta Manuela posam juntos no ano de 1943 (parecidos,não?).Em 1950 e tal, uma foto de BI ampliada. Na década de 60, à porta da casa de praia, em Espinho, no inverno. E a última é, também, da Rua 7, em Espinho, no dia 9 de Outubro de 1971. Neste dia há uma outra, ainda não encontrada, com a mulher, a irmã, a sobrinha Maria Angélica e a neta Manuela.Tinham estado a festejar esse aniversário, que seria o último. Ninguém diria. Nessa última imagem, parece olhar a distância, pensativo, como tantas vezes acontecia...Mas sem maus preságios.

Anónimo disse...

E faltou uma referência: à foto de casamento da neta, em 14- 8- 1965.

Anónimo disse...

Manuela disse:
O Avô era, como o Pai e eu, enquanto tomava muitos cafézinhos, um grande frequentador das mesas de café.
No Porto, sempre que passo ao que resta dos cafés da Praça da Batalha, parece-me que estou a vê-lo, ou a vêr-nos: a imaginar o senhor de meia idade e a neta pequena, em infindáveis conversas.
E, em Espinho, o mesmo acontecia, enquanto o "Nosso Café" manteve, à mostra, mesmo depois de fechar portas, as suas mesas redondas, de uma cor verde pálido... Sobretudo, a sua mesa habitual, à janela, a terceira, à esquerda da porta principal, face ao "Palácio" (onde eu ía com a Mãe, mas não com ele - teria senhoras a mais, a fazer renda, para seu gosto...).
Já depois do AVC, lembro-me de lhe dizer que tinha de se pôr bom, para voltar ao "Nosso Café", aonde eu ía, de seguida.
Olhava para mim, com uma triteza, uma nostalgia!... Se fosse agora, eu nem lhe falaria disso.
Mas creio não ter pressentido que nunca mais teria esse prazer.
Um ou dois dias depois, foi internado num quarto particular do Hospital de Gaia, cujo director era o Dr. Figueiredo.
Acompanhei-o, quando foi na ambulância dos Bombeiros Voluntários Espinhenses, muito imóvel, com ar sereno, resignado.
Já no Hospital, à chegada, estive a falar de política com o Dr. Figueiredo, mas o Avô não participou na conversa. Mantinha-se silencioso. Não que estivesse pior. Foi internado, porque era difícil trata-lo, em casa. Para além da Avó, que era frágil, só havia a criada Arminda, uma desajeitada.
Terá estado ali, em Gaia, umas duas semanas. E, quase o tempo todo, muito bem disposto e até mesmo feliz! Com inúmeras visitas. Para além da família, uma boa parte da população de Avintes!
Em terras pequenas, as notícias correm depressa. Caso da do seu internamento. Mas, confesso que me admirei de ele ter tantos, tantos amigos! Era uma personalidade querida, na sua terra!
Foram, no fundo, visitas de despedida... Mas ninguém o adivinhava.
Tínhamos esperança de que melhorasse, pois não lhe faltava ânimo.
A pneumonia, não o AVC, é que lhe foi fatal.
Tinha 81 anos e esperança de uma longevidade igual à de sua mãe (94 anos). Parecia ter apenas 60 e tal!

Docas disse...

Para além do futebol, o Avô, o Padrinho (era mesmo o meu Padrinho, mas não o da Lecas, que também o tratava por esse título) também gostava muito de hóquei em patins. Ouvíamos os relatos juntos, no precioso rádio do seu quarto, como se estivessemos no recinto desportivo, comentando e festejando, quando era caso disso. Se era à noite, ele estava já deitado e tinha um tique engraçado, que eu também tenho: cobria-se completamente com a roupa da cama, mas punha de fora o pé direito, que agitava, de vez em quando.
Outra semelhança, essa seguramente genética, era uma pequena (muito pequena) falha de cabelo, à direita, ali onde o cabelo acaba e o pescoço começa.
Foi o barbeiro de Avintes, um dia em que lá fui acertar a minha curta cabeleira, que descobriu essa especificidade.
Não tnha qualquer importância, mas o Avô ficou contentíssimo!

Anónimo disse...

Manuela disse:
Estou na conta google da Docas, e esqueci-me de assinalar o anonimato. Obviamente o comentário anterior é meu...
Por falar nos amigos de Avintes:
Quando terminei o meu curso de Direito, com uma nota que entusiasmou o Padrinho, ele queria dar uma grande festa, e convidar metade da terra para assistir.
E eu achei que não valia a pena, que era um desperdício de dinheiros, e dissuadi-o.
Como me arrependo!
Ele teria tido tanto gosto nisso!
São estas coisas que a juventude não entende. Tem dificuldade em se pôr na pele dos outros.
A experiência da vida, torna-nos muito mais sábios, mais sensíveis aos sentimentos dos outros.
O meu curso era, para ele, uma realização "pessoal". Áliás, o curso que ele tinha sonhado tirar, em novo, se o pai tivesse deixado.
E a partilha dessa alegria com os amigos era uma forma de assinalar um verdadeiro marco na sua vida - na dele, também, e não só na minha, como, então considerei.

Maria Manuela Aguiar disse...

Ás vezes uma coisa trivial do nosso quotidiano transporta-nos, de repente ao quotidiano do passado, com uma saudade imensa. Foi o caso, há dias, de uma simples sopa de cebola, feita pela Olívia. É, talvez, não sei bem, a minha sopa preferida - está de, qualquer modo, no "top 3"...
Era a sopa de dieta do meu Avô Manuel, depois que os negócios do Porto correram mal (o desfalque do sócio-ladrão, que fugiu, de seguida, para Àfrica e nunca mais foi visto...) porque devia achar que sofria de uma úlcera de estomago. Ou seria que também gostava particularmente daquela sopa?
Sim, porque o café não vai muito bem com úlceras de estómago e o Avô tomava muitos cafezinhos...
Eu olhava a sopa dele, bem me apetecia, mas, não sei porque razão,raras vezes conseguia que me substituissem a normal pela de dieta...
E, agora, não provo nunca uma sopa de cebola, sem me recordar, nostalgicamente, da sala de jantar da casa de Avintes, dos meus Avós, sobretudo do meu Avô!

Maria Manuela Aguiar disse...

Noutro dia, vi, na feira de Espinho, pela primeira vez, a anunciar ou prenunciar o fim do verão, um 1º vendedor de castanhas assadaas.
Não comprei, para prolongar a sensação de estar de férias, antes da rentrée.
Mas lembrei-me de Avintes ... e das nogueiras - não de castanhas, mas de nozes, de que também gosto muito. Depois de colhidas, e retiradas dos "ouriços" ficavam a secar, nas lojas da casa, em quantidades astronómicas. Será que as vendiam? Possivelmente. Ou davam aos amigo? Ou as duas coisas... Para nós abundavam.
Um ano, já eu era crescida, talvez até formada, um dos homens, que faziam a apanha, caíu de uma das nogueiras. Foi uma comoção! Nada de muito grave, mas teve de ir para o hospital e houve problemas com o seguro, que ajudei a resolver.
Bem aflito estava o Avô - facto raro. E eu a acalma-lo!

Maria Manuela Aguiar disse...

Também me lembro de ter ido a Tribunal de Trabalho defendê-lo, numa acção interposta por um ex-empregado - despedido.
Ganhei o caso!
Tive de pedir uma toga emprestada, como sempre fiz - nunca cheguei a precisar de comprar a minha. Os casos foram poucos. A minha vida era outra.
O Avô não queria sentar-se no "banco dos réus" e o Juiz dispensou-o.
Engraçado preconceito. Por mim, não me importaria muito...
O Avô ficou no fundo da sala, entre a assistência.
Depois, saímos os dois, felizes e contentes.
Lembro-me da situação, estou a ver o edifício e a sala de audiências - ali para os lados de Cedofeita - mas quanto a pormenores do caso, nada...