quinta-feira, 7 de abril de 2016

O PAI PARTIU HÁ 20 ANOS

Que saudades do meu Pai... Em 1996, o 7 de abril era dia de Páscoa. Um texto meu de junho 2014 Pai é sempre intemporal. Está connosco até ao fim de nós próprios. Especialmente quando o Pai é comoqueremos que seja. Quando cada vez o compreendemos melhor e o achamos melhor. O que corresponde certamente à realidade, pois a experiência de vida só pode aprofundar as qualidades pré existentes. (vejo as fotografias: acho pouca graça ao menino que não ri para a foto de estúdio, em Espinho, pelos seus 7 ou 8 anos, e encanta-me o velho bonito e amável dos últimos retratos. Envelhecer bem, física e mentalmente, eis uma arte, ou, talvez, uma recompensa bem merecida...) Ninguém o definiu melhor do que o nosso amigo Padre Manuel Leão. Em Espinho, na Capela de Nossa Senhora da Ajuda, em Abril de1996. Dois minutos bastaram. Nunca vi pessoa capaz de dizer tanto em tão pouco tempo. Foi na chamada "missa de 7º dia" -o primeiro momento bom, depois da súbita morte do Pai no domingo de Páscoa. Pelas palavras do Padre Leão (que pena não as ter gravado, embora o essencial permaneça) - mas também pelo encontro com uma comunidade de igreja, a que o pai pertencia, naquela capela, e que, tanto a Mãe como eu, só conhecíamos de vista, pois em Espinho toda a gente se conhece, pelo menos assim - de vista... (família atípica, onde as mulheres se consideram católicas, mas é o homem que, no dia a dia, 3 vezes ao dia, ou mais, se recolhe, em meditação, nos bancos da capela).Ali mesmo, em frente ao altar de Nossa Senhora da Ajuda, onde rezava, a fila de cumprimentos, geralmente cerimonial lúgubre, de adensar tristezas, foi o contrário. Mulheres e homens que com ele tinham partilhado a missa de Páscoa, a comunhão, falavam da sua alegria, do seu sorriso. De um homem feliz. Gente de fé, exactamente como ele. Ficaram na memória, já sem rostos definidos. Memória da abertura à transcendência, da visão de outros reinos e destinos, que invadiu, por momentos, todo o nosso espaço, tão cheio da emoção pesada de muitas dúvidas e de uma perda definitiva. E ficou a imagem daquele seu amigo, já emaranhado ou desprendido de qualquer identidade sua ou alheia, definitivamente senil, que perguntava onde estava o João, que o queria dar-lhe um abraço, antes de ir embora. E ficou, sobretudo, uma síntese de 78 anos de vida ou de uma escolha de vida, na palavra breve e definitiva do Padre Leão. - um homem bem formado, culto, inteligente e justo, que sempre preferiu apagar-se, muito pensadamente, e nunca quis fazer o que podia ter feito ou ser o que poderia ter sido. E que nunca, também, e antes do mais, exibiu o que realmente foi realizando, à sua maneira discreta, com competência e com humor e simpatia, também. 20 anos mais tarde, por acaso, em Fânzeres, no Centro Republicano, um ourives, que com ele conviveu no "Grémio" da sua profissão (onde o Pai era secretário-geral), fechou, a seu modo, com uma simples frase, aquele desenho do perfil , em dois traços, rigorosamente esboçado num elogio fúnebre. "O seu Pai era excessivamente honesto!" (e mais não disse, mas repetiu várias vezes, com a força que lhe dava ter bebido uns copos - o Pai que gostava do seu latim, e raramente bebia, teria dito "in vino veritas"...),Aqui estava a chave para o meu completo entendimento do que deixara antever o Padre Leão. Demasiadamente honesto e demasiadamente inteligente… 2 - A família Dias Moreira é grande, mas não o nosso ramo. Desde o bisavô João, ao longo de mais de dois séculos, os nascidos em cada geração não passam de um ou dois. Há os que não tiveram filhos ou cujos filhos não sobrevivem até à idade adulta. No século XXI, apenas uma trine ta de 20 anos, fazendo, com distinção, um curso na McGill em Montreal - brilho não raro entre os parentes que chegaram à universidade ou fizeram carreira académica. Chloe Randle-Reis, é canadiana, nada e criada em Toronto, tão longe das águas matriciais do Douro. Ela tem hoje nas suas mãos, talvez sem o saber, como eu o sei, todo o nosso futuro... Não o nome, que já não chegou a ela, mas o resto, que conta mais. O pai, esse recebeu o nome completo do Avô mítico - João Dias Moreira (com um apelido materno de permeio que só usava no BI). O Avô imenso - imenso na estatura, avolumada pelos seus capotes largos de inverno, como o lembrava um dos seus antigos caseiros, que encontrei emigrado no Transval, nos anos 80 do século passado. Imenso na sagacidade de homem de bem, de bens e de negócios É em traje do dia e dia na sua casa, e não numa pose solene de estúdio, com um dos seus fatos completos, que o vemos nos únicos retratos, em que aparece sozinho ou com a mulher. Esperemos que algum parente, um dia, nos surpreenda com alguns outros). A bisavó era do centro de Avintes. A casa de família era discreta e airosa na Rua 5 de Outubro, e, mais tarde pertenceu a duas gerações de artistas, o pai e o avô do Primo Francisco (Chico) Marques. Os Marques são escultores, entalhadores, desenhadores, arquitectos (na geração do meu Pai, o último, foi o Corinto, que casou com uma prima dele e nossa, a Maria Angélica). Parece que o pai da bisavó foi emigrante no Brasil, e, no regresso, investiu num pequeno estaleiro de barcos do rio. Não creio que fosse muito rico, não o suficiente para o padrão dos Dias Moreira… Arrastou-se o namoro como o João até ao dia em que ela lhe lançou um ultimato: ou casavam em vida da mãe dele, ou não casavam nunca, porque não queria que todos julgassem que tinha estado à espera da morte da velhinha… Não queria facilidades, exigia dele a coragem que ela tinha. Mas não reclamava a vida em comum. Dava-lhe a liberdade de continuar em casa da mãe. Cada qual em seu sítio, se preciso fosse, mas casados na igreja, perante Deus e o mundo. E assim foi, até que a sogra adoeceu e lhe pediu auxílio. E a partir daí todos se entenderam surpreendentemente bem. Está tudo dito sobre o carácter da pequena e enérgica Quitéria Francisca Pinto, a grande contadora de histórias, a protagonista de infindáveis horas de cantigas ao desafio… E, diz a lenda mais: que em menina se vestia de homem e ia para as feiras jogar varapau. Atendendo a que era muito pequena (1,50…) magra e franzina, é de espantar… Mas ela era de espantar – todos os relatos que chegaram até hoje vão no mesmo sentido João Dias Moreira e Francisca Pinto eram os avós de meu pai que moravam ao lado. Não na mesma casa - cada um apreciava demais a sua independência - nem na quinta do Pena, ali em frente e , então, desabitada, mas na colina que vai descendo para o Douro e o Araínho e a que chamam Outeiro. Não sei precisamente onde ficava, nem se ainda existe - coisa improvável. Dela ouvi vagamente falar com alguma nostalgia e imagino uma alvura de paredes entre ramagens verdes e uma soberba vista de rio e de vale de espigas loiras (onde agora não há mais do que cimento hediondo e clandestino...). Enfim, um lugar romântico como os Avós recém casados, num casamento, que, tal como o dos bisavós, foi escolha só deles. Mais contrariado o primeiro do que o segundo (a trisavó era viúva, vivia com aquele filho e queria nora mais rica, se é que não queria, fundamentalmente, nora alguma....) Essa moradia, onde nasceu o primeiro filho, de Olívia e Manuel era com certeza arrendada, pois não consta da lista de bens familiares - e, nesse tempo, gente abastada comprava, não vendia nunca propriedades. Parece que o bisavô fazia a sua contabilidade de novas aquisições, como num jogo, onde ganhava pontos, e essa vertente quantitativa, acabou fazendo o seu curriculum para a posteridade - com o nº auspicioso de 99. Mas vinha sempre junto à estatística um perfil de empresário agrícola, com o seu pioneiro recurso à mecanização e à compra a crédito - tão avessa à mentalidade rural da época... E crédito era o que menos lhe faltava - até sem papel escrito, porque a sua palavra era um seguro contra todos os riscos... Eram, de qualquer modo, os avós que moravam ao lado. Não na mesma casa - cada um prezava demais a sua independência - nem na quinta do Pena, ali em frente e , então, desabitada, mas no Outeiro, a colina verde, que vai descendo para o Douro. Não sei precisamente onde ficava, nem se ainda existe - coisa improvável. Dela ouvi vagamente falar, com alguma nostalgia, e imagino uma alvura de paredes entre pinhais e uma soberba vista de rio e de vale de espigas loiras (onde agora não há mais do que uma aridez de cimento clandestino...). Enfim, um lugar romântico, como os Avós recém casados, num casamento, que, tal como o dos bisavós, foi escolha só deles. Mais contrariado o primeiro (a trisavó era viúva, vivia com aquele filho e queria nora mais rica, se é que não queria, fundamentalmente, nora alguma....) Essa residência, onde nasceu o primeiro filho, era com certeza arrendada, pois não consta da lista de bens familiares - e, nesse tempo, gente abastada comprava, não vendia nunca propriedades. O bisavô fazia a sua contabilidade de novas aquisições, como num jogo, onde marcava pontos, e essa vertente quantitativa, acabou fazendo curriculum - com o número auspicioso de 99, muitas compradas a crédito - um perfil de empresário agrícola mais do que de lavrador tradicional. O número sempre recordado, tal como o seu pioneiro recurso à mecanização e o recurso ao crédito - tão avessa à mentalidade rural da época...Crédito era o que menos lhe faltava e sem papel escrito, porque a sua palavra era um seguro contra riscos... Foi o seu antigo empregado emigrante na África do Sul quem acabou por me dar aquilo de que fiz uma imagem mais próxima desse bisavô. Ele, atravessando os campos, com o seu largo capote de inverno. Ele ,presidindo aos almoços, com todo o seu pessoal, numa mesa de pedra retangular, que ainda hoje existe e é motivo de pasmo: talhada numa pedra com mais de 3 metros de comprido e mais de um de largo. Coisa tão rara, que era e é objecto de quase veneração... Mesa rara e mesa farta. Corria o ditado, que o emigrante sabia ainda de cor: Mais vale ser cão em casa do João Patrão do que criado na Quinta de... (a maior de Avintes e eu não apontei o nome e agora só poderia inventar...) Um homem que não receava confraternizar com os seu empregados, que os tratava bem, mas exigindo, com certeza, bom trabalho - tudo o que ainda hoje se exige de um gestor competente. O que os resultados provam que foi... A faceta da generosidade, essa adivinho-o noutro relato de alguém da família, talvez a filha, Tia Francisca: nos seus últimos anos, já não passeava pelo meio das searas, o reumatismo, agravado pela humidade da beira rio, tornou-o praticamente entrevado. passava muito tempo à janela do seu quarto, com vista para as suas terras, que se estendiam no vale do Douro, no caminho do rio para a foz. Daí observava e dirigia ainda os trabalhos, certamente. E, quando passava um mendigo, a pedir esmola, lançava da janela, preso por um longo cordel, um cesto de pão (e o mais que ali tinha para dar), e logo o recolhia, até que viesse o próximo necessitado. Alguns seriam "os do costume"... Mas dele não ficaram as suas palavras, expressões peculiares, tom de voz, os seus gostos na música, nas cores, nos fatos... Ficou muito pouco de uma vida tão cheia e di único grande empresário da família direta...(essa imagem levou o meu primo do canada, bisneto como eu, a dizer, quando arriscou um investimento na área de Toronto: "É preciso retomar o espírito empresarial, que anda perdido bens familiares - e, nesse tempo, gente abastada comprava, não vendia nunca propriedades. O bisavô fazia a sua contabilidade de novas aquisições, como num jogo, onde marcava pontos, e essa vertente quantitativa, acabou fazendo curriculum - com o número auspicioso de 99, muitas compradas a crédito - um perfil de empresário agrícola mais do que de lavrador tradicional. O número sempre recordado, tal como o seu pioneiro recurso à mecanização e o recurso ao crédito - tão avessa à mentalidade rural da época...Crédito era o que menos lhe faltava e sem papel escrito, porque a sua palavra era um seguro contra riscos... Foi o seu antigo empregado emigrante na África do Sul quem acabou por me dar aquilo de que fiz uma imagem mais próxima desse bisavô. Ele, atravessando os campos, com o seu largo capote de inverno. Ele ,presidindo aos almoços, com todo o seu pessoal, numa mesa de pedra retangular, que ainda hoje existe e é motivo de pasmo: talhada numa pedra com mais de 3 metros de comprido e mais de um de largo. Coisa tão rara, que era e é objecto de quase veneração... Mesa rara e mesa farta. Corria o ditado, que o emigrante sabia ainda de cor: Mais vale ser cão em casa do João Patrão do que criado na Quinta de... (a maior de Avintes e eu não apontei o nome e agora só poderia inventar...) Um homem que não receava confraternizar com os seu empregados, que os tratava bem, mas exigindo, com certeza, bom trabalho - tudo o que ainda hoje se exige de um gestor competente. O que os resultados provam que foi... A faceta da generosidade, essa adivinho-o noutro relato de alguém da família, talvez a filha, Tia Francisca: nos seus últimos anos, já não passeava pelo meio das searas, o reumatismo, agravado pela humidade da beira rio, tornou-o praticamente entrevado. passava muito tempo à janela do seu quarto, com vista para as suas terras, que se estendiam no vale do Douro, no caminho do rio para a foz. Daí observava e dirigia ainda os trabalhos, certamente. E, quando passava um mendigo, a pedir esmola, lançava da janela, preso por um longo cordel, um cesto de pão (e o mais que ali tinha para dar), e logo o recolhia, até que viesse o próximo necessitado. Alguns seriam "os do costume"... Mas dele não ficaram as suas palavras, expressões peculiares, tom de voz, os seus gostos na música, nas cores, nos fatos... Ficou muito pouco de uma vida tão cheia e de único grande empresário da família direta...(essa imagem levou o meu primo do canada, bisneto como eu, a dizer, quando arriscou um investimento na área de Toronto: "É preciso retomar o espírito empresarial, que anda perdido nas últimas 3 gerações." Deixou, pois, o Bisavô João um exemplo que ainda agora nos desafia a fazer coisas... Mas que pena tenho de não ter um registo de conversas, ao seu próprio jeito.... De um lado e outro da família é só a palavra das mulheres que resiste....e de uma palavra concreta se faz um retrato mais vivo. A bisavó Francisca apenas em duas ou três pequenas quadras dos milhares que saíram da sua veia repentista... Ou a decisão que tomou de se opor a um dote excessivo para o casamento da filha Francisca, como exigia a família do noivo e que comunicou ao marido nestes precisos termos: "Não assino, João Seria o mesmo que deserdar o nosso filho. Não assino, quero ficar de bem com Deus e com a minha consciência". E a escritura não se fez com aquela abundância de bens, mas com o que achou correto. E o casamente foi por diante nas condições que ela impôs, A mulher tem no círculo familiar a força que tem, não a que lhe conferem leis e convenções A esta sobrava a coragem e pragmatismo e por isso levava a sua por diante. Coragem e bom senso em partes iguais. O homem. que era um grande homem, começava por lhe ter respeito.... Assim o Avô Manuel contava uma das história da Mãe que tão bem o soubera proteger e que ele admirava mais do que qualquer outra pessoa à face da terra Ou aquela outra em que decidiu que o casamento dos dois havia de ser em vida da sogra: "Não quero que esta gente diga que estive à espera que a tua mãe morresse, para me casar contigo. Ou é agora ou não é". Sintética e precisa. Neste caso o filho terá ouvido a frase da sua boca. A grande anotadora de lendas e de crónicas, também, às vezes, falava de si. A minha mãe, que vivia em conflito constante com os sogros e de pouca gente gostava em Avintes, simpatizava incondicionalmente com aquela velhinha prodigiosa. Só ela mesmo a poderia criticar. "Menina, usas as saias muito curtas. Parece mal" E a Mãe ria-se e respondia benignamente (muito ao contrário do seu estilo...): "É a moda!"