terça-feira, 1 de abril de 2025
LANÇAMENTO DO LIVRO DA DOCAS - Ivone Ferreira
Lançamento do livro “DOCAS, de Passagem Por Tantos Lugares”
29 de março de 2025
AMM – FACE, Espinho
Breve apreciação
Quando começa a nossa Vida?
A Vida de cada um ou de cada uma de nó s?
Para alguns, quando nascem; para outros, quando encontram um
propó sito, um amor ou, simplesmente, quando escolhem ser felizes.
Para outros, ainda, a vida começa quando decidem vivê-la plenamente,
aproveitando cada momento e aceitando desaRios com coragem.
Para a Maria Eduarda Aguiar da Fonseca, que, a partir de agora, passo a
tratar por DOCAS, a vida começou e recomeçou vezes sem conta. Quando
nasceu, quando encontrou propó sitos e ideais, quando viveu a realidade
de uma comunhã o solene, ao lado do irmã o Nestó , que ela considerou o
momento social mais alto do tempo que passou em Freixeda, ou quando,
de repente, só porque sim, porque era essa a sua vontade irreprimı́vel,
tomou a “decisã o radical” de ir fazer a festa dos seus 20 anos com o pai,
que estava em Luanda.
Imaginem a DOCAS, imaginem-se como a DOCAS, que nos obriga a ir lá
atrás, ao baú da memó ria, com estas recordaçõ es: “Alguém me retratou
no aeroporto da Portela, talvez a minha mãe, de saia justa e sapatos de
tacão alto. Quem viaja assim equipada como quem vai para o escritório?
E logo eu que sempre me considerei tão prática... Mas ninguém andava de
jeans e sapatilhas, naquele Portugal tão arcaico e tão convencional.”
Ela é, sem dú vida, uma “Mulher entre Mundos”. A viver cada momento
diferente, cada lugar para onde a levavam, ou para onde queria ir.
Porquê? Muitas vezes, só porque sim. E nã o será essa a melhor maneira
de partir e de chegar? De começar, de recomeçar?
2
Ainda pequenina, levaram-na pelas minas, “algumas em locais que não
constam do mapa”, porque o seu pai, engenheiro de minas, residiu em
vá rias delas, devido à proRissã o. “Desde as minas da Escarvada, no Douro,
da Bejanca, no Minho, à Freixeda, em Trás os montes, da Bica na Beira Alta
a Cercal no Alentejo...”
Das minas, em lugares quase sem nome, voa até Luanda, a grande capital
portuguesa de A[ frica, como lhe chamavam...
“Estava na minha fase áurea, única e irrepetível, a consumir a idade dos
meus vinte anos, sem obrigações nem canseiras, sem querer saber o que
viria depois. Não me foi diRícil encontrar emprego e apaixonar-me um
pouco por África. E também me apaixonei, muito, pelo homem que seria
num futuro ainda distante, um amor forte e duradouro da minha vida, o
Fernando.”
Aı́ está outra forma de começar a viver: encontrar um grande amor!
E na sua histó ria há , claro, esta histó ria de amor, um amor tantas vezes
contrariado, mas com tanta intensidade, com idas e vindas, com
admiraçã o mú tua, tã o fora do tradicional, “daqueles tempos”, como a
pró pria Docas conta. “Fui a primeira mulher da família a viver uma “união
de facto”. (Uniã o de facto... lembram-se do peso destas duas palavras? Já
ninguém diz, atualmente, que isto seja algo pouco comum, mas há umas
décadas, sabem o que provava? Que a mulher, sobretudo a mulher, era
uma mulher de coragem, que aguentava olhares de soslaio, alguns
comentá rios escondidos e em voz baixa, e a reprovaçã o envergonhada,
mas maledicente, da sociedade).
Dessa relaçã o, Docas revela que “O segredo da nossa surpreendente, mas
conseguida compatibilidade, foi o facto de nunca termos tentado
modiRicar-nos mutuamente. Eu mantive sempre a simplicidade que tanto
aprecio (...), ele, pelo contrário, era um requintado colecionador de
antiguidades, sempre bem vestido e bem parecido! Quando eu aparecia
com algum vestuário elegante, a Manela (a prima, digo eu, que está aqui
connosco) comentava, de imediato: “Foi o Fernando quem escolheu esse
fatinho?”
3
Lembra, nestas suas memó rias, o emprego na “Caixa de Doenças
ProRissionais” e o seu destacamento para o Instituto de Emigraçã o,
quando a mesma prima Manuela foi Secretá ria de Estado.
Juntando as viagens que fazia com o Fernando, nos verõ es, pela Europa,
com os percursos de carro, por quase todo o Portugal, para estar perto
dos familiares, e as viagens que teve de fazer, em serviço, construı́mos
essa imagem de mulher entre mundos, “de passagem por tantos lugares”
que é o tı́tulo deste livro de memó rias, de vidas, de usos e costumes, de
pensamentos, de reRlexõ es, mas sobretudo, de verdades cheias de
sentimentos, cheias de emoçõ es.
A sua escrita é muito clara, leve e cheia de um humor, de um sorriso, de
uma alegria que transborda em cada parágrafo, contando histó rias de
tios, primas, ou do irmã o Nestó , dentro da sua pró pria histó ria.
E na sua histó ria, há , claro, a faceta mais marcante de DOCAS, apó s a
reforma.
A DOCAS tinha um propó sito que registou no seu livro, no capı́tulo “A
minha segunda vida”. E a segunda vida seria como? Pelas suas palavras:
“O meu projeto de vida futura era não fazer nada, mas aRinal, acabei por
dar início à mais ativa, criativa e empolgante fase da minha vida: a
pintar!”
Ela que nã o queria fazer nada, aRinal, voltou a ter uma nova vida e
recomeçou a pintar a acrı́lico.
Foi a Pintura e essas tantas outras atividades que, com certeza, a Rizeram
escrever ainda “Aproximava-me dos 70 anos e não sentia a idade” e mais
à frente “esses anos intensos deram-me tudo o que podia ter desejado e
ainda mais” ...
Mas nem tudo foi um caminho livre de espinhos para Docas. Como ela
pró pria descreve, com uma lucidez brilhante, real e, talvez, conformada,
“Sendo o destino o que é, tantas vezes feito de acasos, lançou-me
subitamente, num novo ciclo, o “ciclo das doenças” ...
E esse é o ciclo mais duro, mais escuro, mais difı́cil para DOCAS. Como já
referi, descreve-o com pormenor suRiciente para, com ela, sentirmos a
dor, a angú stia, o medo que perpassou aquando da descoberta de um
4
cancro de mama, mas também a sua coragem e a resiliência, o apoio de
alguns amigos e uma nova Vida que construiu...
O tempo passa e a DOCAS, hoje, retrospetiva a sua vida, ou as suas vidas,
na cronologia das exposiçõ es de pintura que foi realizando, numa
reRlexã o interessantı́ssima sobre os tı́tulos dessas exposiçõ es. Escreve
assim, na página 146 do seu livro: “Parece que pressenti a sequência do
meu futuro na cronologia das exposições realizadas desde a fase da
“Passagem da Luz” ou do “Movimento” à “Aridez” Rinal...”
E depois, ainda, “Quero viver cada dia, sem prensar no amanhã. Mas com
o melhor do passado, muito presente. Gosto mais de olhar os meus acrílicos
agora do que gostava dantes. (...) “
No livro seguem-se fotos de qualidade de algumas das suas obras que
servem de epı́logo Rinal. “Com alguns deles me despeço desta escrita de
memórias, porque creio que falam mais do que quaisquer palavras.”
Tem razã o, DOCAS, uma imagem vale sempre mais do que mil palavras,
e, por isso, creio ser a altura de terminar esta apresentaçã o, nã o sem lhe
dizer que adorei ler o seu livro e que, obras como esta, fazem parte da
Histó ria social, cultural e das mentalidades, fazem parte da Histó ria da
Vida Privada de Portugal, do chamado “mundo ocidental”, cuja forma de
viver e de ser passa por um perı́odo tã o conturbado.
Obrigada por este testemunho, que aconselho vivamente.
A sua vida, as suas Vidas, sã o realmente uma viagem no tempo e, como
diz Henry Miller: "O destino de uma viagem nunca é um lugar, mas uma
nova forma de ver as coisas."
A sua forma de ver as coisas, de viver as Vidas, está excelentemente
retratada neste “DOCAS, de passagem por tantos lugares”.
Que bom!
Parabéns.
Ivone Dias Ferreira
Vila Nova de Gaia, 29 de março de 2025
Subscrever:
Mensagens (Atom)