domingo, 10 de março de 2019

MÃE COMENTÁRIOS um Zeppelin, os gatos, o cinema...

Mãe Old Friends

Falava-se do ISCTE, do seu aniversário, e a Mãe relembrou os tempos em que o Pai ali estava a terminar o seu curso de sociologia, em que ela o acompanhava nas frequentes idas a Lisboa. Os voluntários do Porto beneficiavam de aulas especiais nos fins de semana e enquanto o pai assistia às aulas, de vez em quando, a mãe combinava um encontro com o velho amigo Maestro Fernando Marques Ribeiro. Para falarem dos tempos da juventude e daquele romance interrompido para sempre. Se o pai ia diretamente do ISCTE para minha casa, o Maestro levava-a de carro à Av do Uruguai. Nunca contou nem a marido nem a filha. Que pena! Eu gostava de o ter conhecido
Impossível no caso de Celina, desaparecida anos antes do casamento do seu viúvo com minha Mãe e tão fácil no caso do Maestro, que, então, vivia em Lisboa, como eu... Assim, tal como Celina, Marques Ribeiro é uma imagem guardada num retrato. Mais uns fragmentos de histórias que fui recolhendo...
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O Gato Mandarim

A Mãe gostava muito de gatos, especialmente amarelos. Isto é, o amarelo era a sua cor preferida até em matéria de gatos.
Num dia de chuva, no ano de 1997, viu na rua 66 com a rua 9 um pequeno gatinho ás riscas dessa cor predileta em duas gradações do escuro ao claro. Lindo! E todo molhado. Como estava de gabardine vestida não hesitou em lhe pegar ao colo. E ele, em vez de fugir, encostou-se à sua protetora e assim confortavelmente veio até à rua 7. Tocou à campaínha, a Olívia abriu a porta. Pôs o bichinho no chão e deixou a porta aberta, para ver o que ele decidia. Entrou pela casa dentro, como se fosse sua. Passou a ser.
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Conversa a 7 de fevereiro de 2012

A conversa sobre o Tio Alexandre começou com uma pergunta;
"Já atravessaste os Pirineus?"
Disse que sim. Continuou:
"E paraste nalguma aldeia?"
"Que me lembre, não; talvez, não sei..."
Era para saber se eu tinha visto artefactos de lã dos Pirineus. Depois, falou dos Xailes de lâ (dos Pirineus, certamente), que o Tio Alexandre lhe comprou no Porto.Era cor de rosa, comprado numa loja dos Clérigos, na Rua dos Lóios. A Tia Lola não quis nenhum. Não devia gostar. A Mãe, sim! Lembrou-se de outro, beige..
Iam só com ele, talvez para que a irmã, a Avó Maria não interferisse nas livres escolhas das meninas. Lanchavam sempre na Brasileira. Mandava vir enormes pratos de bolos e insistia.
Comei os bolos todos!"
Havia ali perto outro pequeno café de que ele gostava - naquela rua que vai para os Aliados e um outro junto à igreja dos Congregados. Esplêndido, com espetáculos de música. Desse café para a rua Sá da Bandeira descia-se por um pequeno degrau, pormenor que, por qualquer razão, ficou na memória.
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Ir ao cinema

O cinema fazia parte de um modo de viver. Ir ver um filme numa sala bonita, (São João, Batalha, Rivoli...) era um ritual que pontuava o dia, como lanchar na Ateneia ou na Villares ou tomar um café no Guarani, na Brasileira, no Imperial, Estivessem em Gondomar ou em Avintes, o centro da animação era sempre a cidade do Porto. Era lá que tudo acontecia. De tarde, a sétima arte era só para as senhoras (os homens trabalhavam). A Tia Lina era uma companheira constante. Quando gostava do espetáculo repetia. No São João viram juntas a Madame Butterfly três vezes.  À noite, geralmente ao sábado o acompanhante era o pai. Era altura para luzir uns vestidos mais chiques, pois havia dois intervalos, ocasião propícia de olhar e comentar as indumentárias alheias. A Mãe punha os seus óculos escuros (muito graduados, a miopia era forte). Um toque de singularidade -  não se usava, na altura, nem era muito prático, suponho, pois veria no ecrã as imagens de outra cor. Para ela era um gesto de afirmação feminina.
Mais difícil era a conciliação de gostos. O Pai tendia para filmes de ação, de guerra, westerns", policiais.  A Mãe adorava comédias, Cantinflas, Doris Day. Talvez o ponto de consenso fossem musicais, e dramas com os grandes nomes de Hollywood. Havia tempo e ocasião para alternarem os géneros. Começavam a noite, antes do filme, sempre num café, onde o Pai bebia mesmo café e a Mãe um "peppermint" e acabavam, uma vez mais,num café, antes de rumarem a casa, a pouco quilómetros de distância.
Depois que a Lecas e eu chegámos aos 6, 7 anos, levava-nos frequentemente, com ela, às "matinées". E eu tive de suportar as comédias do Cantinflas, que já dessa tenra idade, considerava excessivamente "infantis" (habituada que estava a ir ao cinema com o Avô Manuel assistir a espetáculos sérios, incluindo westerns e operetas, tão do agrado desse querido avô, o mais cinéfilo de toda a família).
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UM ZEPPELIN EM GONDOMAR
(um relato recolhido no início de 2019)
Depois da guerra, quer dizer, em utilização pacífica, um enorme avião, diferente de tudo quanto se conhecia, atravessou os céus de Gondomar, semeando pasmo e emoção em toda a gente. Segundo a mãe, parecia um gigantesco melão voador. Foi busca-la ao quarto, para ver o fenómeno, uma criada que chamavam "Maria nariz de pau". Correu para a varanda que ficava à saída da cozinha, ainda a tempo de contemplar aquela coisa estranha, que avançava com a majestade e do  das suas dimensões e do seu peso, um prodígio que parecia impossível voar como um pequeno pássaro. Era meio dia. Para além da providencial Maria nariz de pau, não se recorda se a sua mãe ou alguns dos irmãos partilhou com ela a experiência. Talvez não.
Mostrei à Mãe as maravilhas da internet, Procurei em Zeppelin e logo apareceu a precisa imagem que lea viu naquela manhã dos anos 40.

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