segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

DOCAS DE PASSAGEM POR MUITOS LUGARES apresentação de Ivone Ferreira

Lançamento do livro “DOCAS, de Passagem Por Tantos Lugares” 29 de março de 2025 AMM – FACE, Espinho Breve apreciação Quando começa a nossa Vida? A Vida de cada um ou de cada uma de nós? Para alguns, quando nascem; para outros, quando encontram um propósito, um amor ou, simplesmente, quando escolhem ser felizes. Para outros, ainda, a vida começa quando decidem vivê-la plenamente, aproveitando cada momento e aceitando desaios com coragem. Para a Maria Eduarda Aguiar da Fonseca, que, a partir de agora, passo a tratar por DOCAS, a vida começou e recomeçou vezes sem conta. Quando nasceu, quando encontrou propósitos e ideais, quando viveu a realidade de uma comunhão solene, ao lado do irmão Nestó , que ela considerou o momento social mais alto do tempo que passou em Freixeda, ou quando, de repente, só porque sim, porque era essa a sua vontade irreprimı́vel, tomou a “decisão radical” de ir fazer a festa dos seus 20 anos com o pai, que estava em Luanda. Imaginem a DOCAS, imaginem-se como a DOCAS, que nos obriga a ir lá atrás, ao baú da memória, com estas recordações: “Alguém me retratou no aeroporto da Portela, talvez a minha mãe, de saia justa e sapatos de tacão alto. Quem viaja assim equipada como quem vai para o escritório? E logo eu que sempre me considerei tão prática... Mas ninguém andava de jeans e sapatilhas, naquele Portugal tão arcaico e tão convencional.” Ela é, sem dúvida, uma “Mulher entre Mundos”. A viver cada momento diferente, cada lugar para onde a levavam, ou para onde queria ir. Porquê? Muitas vezes, só porque sim. E não será essa a melhor maneira de partir e de chegar? De começar, de recomeçar? 1 Ainda pequenina, levaram-na pelas minas, “algumas em locais que não constam do mapa”, porque o seu pai, engenheiro de minas, residiu em várias delas, devido à proissão. “Desde as minas da Escarvada, no Douro, da Bejanca, no Minho, à Freixeda, em Trás os montes, da Bica na Beira Alta a Cercal no Alentejo...” Das minas, em lugares quase sem nome, voa até Luanda, a grande capital portuguesa de Africa, como lhe chamavam... “Estava na minha fase áurea, única e irrepetível, a consumir a idade dos meus vinte anos, sem obrigações nem canseiras, sem querer saber o que viria depois. Não me foi di ícil encontrar emprego e apaixonar-me um pouco por África. E também me apaixonei, muito, pelo homem que seria num futuro ainda distante, um amor forte e duradouro da minha vida, o Fernando.” Aı́ está outra forma de começar a viver: encontrar um grande amor! E na sua história há , claro, esta história de amor, um amor tantas vezes contrariado, mas com tanta intensidade, com idas e vindas, com admiração mútua, tão fora do tradicional, “daqueles tempos”, como a própria Docas conta. “Fui a primeira mulher da família a viver uma “união de facto”. (União de facto... lembram-se do peso destas duas palavras? Já ninguém diz, atualmente, que isto seja algo pouco comum, mas há umas décadas, sabem o que provava? Que a mulher, sobretudo a mulher, era uma mulher de coragem, que aguentava olhares de soslaio, alguns comentários escondidos e em voz baixa, e a reprovação envergonhada, mas maledicente, da sociedade). Dessa relação, Docas revela que “O segredo da nossa surpreendente, mas conseguida compatibilidade, foi o facto de nunca termos tentado modi icar-nos mutuamente. Eu mantive sempre a simplicidade que tanto aprecio (...), ele, pelo contrário, era um requintado colecionador de antiguidades, sempre bem vestido e bem parecido! Quando eu aparecia com algum vestuário elegante, a Manela (a prima, digo eu, que está aqui connosco) comentava, de imediato: “Foi o Fernando quem escolheu esse fatinho?” 2 Lembra, nestas suas memórias, o emprego na “Caixa de Doenças Proissionais” e o seu destacamento para o Instituto de Emigração, quando a mesma prima Manuela foi Secretária de Estado. Juntando as viagens que fazia com o Fernando, nos verões, pela Europa, com os percursos de carro, por quase todo o Portugal, para estar perto dos familiares, e as viagens que teve de fazer, em serviço, construı́mos essa imagem de mulher entre mundos, “de passagem por tantos lugares” que é o tı́tulo deste livro de memórias, de vidas, de usos e costumes, de pensamentos, de relexões, mas sobretudo, de verdades cheias de sentimentos, cheias de emoções. A sua escrita é muito clara, leve e cheia de um humor, de um sorriso, de uma alegria que transborda em cada parágrafo, contando histórias de tios, primas, ou do irmão Nestó , dentro da sua própria história. E na sua história, há , claro, a faceta mais marcante de DOCAS, após a reforma. A DOCAS tinha um propósito que registou no seu livro, no capı́tulo “A minha segunda vida”. E a segunda vida seria como? Pelas suas palavras: “O meu projeto de vida futura era não fazer nada, mas a inal, acabei por dar início à mais ativa, criativa e empolgante fase da minha vida: a pintar!” Ela que não queria fazer nada, ainal, voltou a ter uma nova vida e recomeçou a pintar a acrı́lico. Foi a Pintura e essas tantas outras atividades que, com certeza, a izeram escrever ainda “Aproximava-me dos 70 anos e não sentia a idade” e mais à f rente “esses anos intensos deram-me tudo o que podia ter desejado e ainda mais” ... Mas nem tudo foi um caminho livre de espinhos para Docas. Como ela própria descreve, com uma lucidez brilhante, real e, talvez, conformada, “Sendo o destino o que é, tantas vezes feito de acasos, lançou-me subitamente, num novo ciclo, o “ciclo das doenças” ... E esse é o ciclo mais duro, mais escuro, mais difı́cil para DOCAS. Como já referi, descreve-o com pormenor suiciente para, com ela, sentirmos a dor, a angústia, o medo que perpassou aquando da descoberta de um 3 cancro de mama, mas também a sua coragem e a resiliência, o apoio de alguns amigos e uma nova Vida que construiu... O tempo passa e a DOCAS, hoje, retrospetiva a sua vida, ou as suas vidas, na cronologia das exposições de pintura que foi realizando, numa relexão interessantı́ssima sobre os tı́tulos dessas exposições. Escreve assim, na página 146 do seu livro: “Parece que pressenti a sequência do meu futuro na cronologia das exposições realizadas desde a fase da “Passagem da Luz” ou do “Movimento” à “Aridez” inal...” E depois, ainda, “Quero viver cada dia, sem prensar no amanhã. Mas com o melhor do passado, muito presente. Gosto mais de olhar os meus acrílicos agora do que gostava dantes. (...) “ No livro seguem-se fotos de qualidade de algumas das suas obras que servem de epı́logo inal. “Com alguns deles me despeço desta escrita de memórias, porque creio que falam mais do que quaisquer palavras.” Tem razão, DOCAS, uma imagem vale sempre mais do que mil palavras, e, por isso, creio ser a altura de terminar esta apresentação, não sem lhe dizer que adorei ler o seu livro e que, obras como esta, fazem parte da História social, cultural e das mentalidades, fazem parte da História da Vida Privada de Portugal, do chamado “mundo ocidental”, cuja forma de viver e de ser passa por um perı́odo tão conturbado. Obrigada por este testemunho, que aconselho vivamente. A sua vida, as suas Vidas, são realmente uma viagem no tempo e, como diz Henry Miller: "O destino de uma viagem nunca é um lugar, mas uma nova forma de ver as coisas." A sua forma de ver as coisas, de viver as Vidas, está excelentemente retratada neste “DOCAS, de passagem por tantos lugares”. Que bom! Parabéns. Ivone Dias Ferreira Vila Nova de Gaia, 29 de março de 2025 4

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