terça-feira, 21 de maio de 2019

MÃE Notas e blogue (MAIO 2019

Maria Manuela Aguiar


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20 maio  COMPLETO
MARIA ANTÓNIA  - A QUASE AUTOBIOGRAFIA
As nossas memórias da das suas memórias 


1 - 1920 -  NA MARGEM NORTE DO DOURO, EM GONDOMAR

Maria Antónia, que viria a ser a Musa do  Poeta e a sua Mulher por mais de meio século, nasceu em Gondomar, a 28 de agosto de 1920, pouco depois de ele ter festejado os seus dois anos no lugar do Paço, em Avintes, do outro lado do rio.
A Vila Maria. (a casa grande que fez parte da sua vida, com estatuto de afetos e pertença, como se fosse um membro da família),  estava ainda em processo de construção.
Os pais, Maria e António Aguiar, preparavam o regresso definitivo do Brasil. António, com quase 30 anos de estrangeiro, Maria com uma década, pontuada por constantes viagens a Portugal. Na última travessia transoceânica, estava grávida. Nesse estado tinha vindo três vezes à sua terra, para que os filhos fossem gondomarenses de naturalidade. A menina que, invisível, trazia consigo na primeira classe de um paquete de luxo (o marido era muito seletivo, não vinha em qualquer navio, escolhia os melhores, mesmo que tivesse, para isso, de adiar a partida). Maria Antónia, nunca teria oportunidade de fazer o percurso de retorno, mas considerava-se tão brasileira, como os três irmãos dados à luz na radiosa cidade do Rio de Janeiro, primeiro no centro, na Rua 7 de Setembro, onde nasceu Carolina, a primeira filha, depois em Santa Teresa. O pai manteria o vai-vem, então já solitário, por mais algum tempo, a fechar os negócios, onde se tinha feito um homem rico, ou, como se dizia, em fins do século XX, "um empresário de sucesso", com joalharia na Rua do Ouvidor. e o projeto de integrar uma sociedade bancária, que a morte prematura inviabilizaria.
De Gondomar partira aos 16 anos, ao encontro de um irmão mais velho, João Pereira de Aguiar,  já estabelecido  com sólidos empreendimentos no Rio. Anos depois, casaria com uma brasileira de "boas famílias", a lindíssima Judith, que seria, nos anos seguintes a 1910, a melhor amiga da cunhada Maria. Quem casa com brasileira,  como João, fica no Brasil... Tendo procurado noiva portuguesa, António  para Gondomar voltou, já na casa dos quarenta, preparado para investir em Portugal.  
Embora descrevesse o Rio como um paraíso e os anos aí passados como os mais felizes da sua vida, Maria Aguiar sentia saudades dos pais e amigos. O exotismo tropical era interessante para viver intensa, mas brevemente. Não gostava do calor, durante dois a três meses no verão mudava-se para Teresópolis, com os meninos, a gozar a frescura serrana, e o marido deambulava, para lá e para cá, sempre que  os compromissos de negócios o chamavam.  Arrendava casa, na montanha, como na cidade, não investia em aquisições. Comprar propriedades é, para um português emigrado, regra geral, sinal que aponta à integração. Dos dois irmãos, só João mandou construir um belo palacete na Rua de Payssandú, A fotografia da elegante mansão foi por ele enviada à família, exatamente como, muitas vezes, lhes oferecia as suas próprias fotos.. Os filhos continuaram no mundo empresarial ou enveredaram pela política e pela diplomacia. Eles, e toda a descendência direta, são brasileiros e, depois da morte da geração mais velha, sem ligação  com as origens lusas - excetuando na década de cinquenta, o curto período em que José Augusto, o quarto filho de António e Maria, e um dos naturais do Rio, aí viveu, antes de reemigrar, com passaporte brasileiro, para  Nova York. Retomou, então, por poucos anos. uma relação familiar com elegantes e simpáticas primas, hoje provavelmente já desaparecidas.
O casarão de António seria em Gondomar. A sua intenção era comprar um solar do século XVI e a  quinta, onde hoje se encontra o colégio dos Frades Franciscanos. A Mulher não quis. Para ela, a quinta era isolada e sombria. O seu sonho era uma vivenda ampla e moderna, no coração da vila, perto de todos e de tudo. E foi feita a sua vontade, não obstante ser de  difícil concretização. O centro de São Cosme, atravessado por uma estrada principal, do Souto a Quintã, era ainda um vila de caminhos estreitos, pinhais e campos a perder de vista, desde o sopé do Monte Crasto  e grandes casas de lavoura de pedra e cal, com amplos pátios, arquitonicamente sólidas e harmoniosas. Os campos não estavam à venda. Pertencia a lavradores abastados, com orgulho em proclamar que "não vendiam terras, compravam". Acabaram por vender ao amigo António, a alto preço e por especial favor, o espaço onde se implantou a única grande mansão de "brasileiro" de São Cosme, com os seus jardins à frente e, atrás, uma quinta agrícola, que, embora o fosse, nunca deu por esse nome. Ao gosto da época, chamou-se ao conjunto, simplesmente, "Villa Maria". Situada na rua principal, a dois passos do Souto.
 No ano de 1920, era o sogro, o tabelião Joaquim Mendes Barboza, quem, por procuração, ultimava os contratos de aquisição da propriedade, que incorporava  várias parcelas, desenhadas em longas linhas retas, como as recentes fronteiras de África. 

2 - GONDOMAR, TERRA BENDITA
  Maria Antónia viveu os primeiros dias de vida na casa dos Avós, Joaquim, que o roteiro profissional trouxera de Paredes, e da Avó Carolina, gondomarense de várias gerações - como ela teria sempre orgulho em se afirmar.  Do lado materno, como do paterno, as suas raízes profundas eram  dali, daquele lugar, cuja beleza os seus antepassado tinham celebrado, em prosa e verso. Seu tio José Barbosa Ramos, era o Autor da letra do hino de Gondomar, com a música composta por José Moura ( que viria a ser o primeiro professor de piano das meninas Aguiar)
"Gondomar, terra bendita
Rincão formoso e fecundo
O nosso Crasto frondoso
Não tem, não, rival no mundo.
Filigranas delicadas,
Verdes prados cinge a serra.
Cantam fontes e avezinhas
Eis os dons
Da nossa terra
Gondomar é o nosso berço
Beija-o a brisa fagueira
Cantemos por Gondomar, 
É divisa da bandeira
Cantar, cantar,
A linda terra de Gondomar".

 Na geração seguinte, seu irmão Manuel glosou o tema, num convívio em pleno Monte Crasto, e um jornalista registou-o nas páginas do "Correio de Gondomar"  de 17-3-34 (ela própria guardou o recorte nas suas gavetas, onde foi encontrado já depois de ter partido)
:
E o Castro
Belo e frondoso
Erguendo-se majestoso
Na terra que nos foi mãe,
No sino da igreja além, 
Trindades oiço tocar
Como é linda a minha terra
Como é linda a verde serra
Como é lindo Gondomar!"

Os poemas têm assinatura, mas retratam o estado de alma de uma família inteira, a olhar quotidianamente, com enlevo, as belezas naturais de São Cosme. O chamado progresso do cimento e do betão vedou aos vindouros essa comunhão com a gentileza deum  meio ambiente, definitivamente  perdida (nem mesmo o Monte Crasto, último bastião, que resiste, já não é tão frondoso quanto era nessa idade de ouro.. ). Perdeu-se também, na populosa "cidade-dormitório do Porto",  a  dimensão de uma comunidade convivial, verdadeira comunidade, onde os dias corriam devagar e todos fruíam dos seus recantos rurais, todos se conheciam, na partilha de tradições, de um pesado sotaque nortenho e uma fala com as singularidades, em que o "povo-povo" facilmente superava as elites letradas. Nos apontamentos de Maria Antónia, excelente aluna a Geografia e História, desde sempre muito dada a recolhas cripto etnográficas, vocação em que não parece ter tido precedentes no círculo próximo, nem mestres no colégio (coisa inteiramente sua), regista não só outros lugares, que faziam os seus encantos (o Barroco, a represa  de Cascaneira, entre a Gândra e Ramalde, Bouça Cova, Azenha, Ermentão, Rio Carreiro, Fontela, Ponte Real, São Miguel, Pevidal, Santo André...), mas expressões populares, nomes e alcunhas, que a encantavam, como Pojeiras, Restivos, Cabaças, Jeque-Jeque,  Tarré, Fome Negra, Caga Troços, Carriças, Pilha Galinhas, Patacas, Pirabeca, Arregalados, Folhetas, Estabões, Bagulho, Parraxila, Chasco, Varetas, Melros, Pisco, Xoco, Pimpão, Pinguinhas, Pombalinos, Toca- certo... Menos invulgar o nome de Isidro Izidoro, que, todavia, fez história, quando deixou dito que, nas exéquias, queria levar um cravo vermelho na lapela. Maria Antónia, criança pequena, conseguiu que a levassem a vê-lo (certamente uma benigna criada, deixando a mãe da menina na ignorância da escapadela).
Tanto do lado materno como a paterno se encontravam afortunadamente livres de qualquer alcunha, por mais trocista ou amável que fosse, (embora as antepassadas da bisavó Carolina, que pareciam  algumas das formidáveis figuras femininas do universo ficcional de Agustina, ficassem conhecidas como "as Alexandras", nome bonito,  adotado,  aliás, também no masculino, ainda hoje. em sextas ou sétimas gerações dos seus descendentes. Aliás, o nome nem aparece na linha do século XIX.  Há, sim, entre tias e primas, nomes de ressonância greco-latina, Lavínia, Leocádia, Violante, Blandina ou germânica, como Guiomar...
No dicionário de palavras esquisitas muito em voga nas camadas populares, apontou, dando sempre o sinónimo, palavras ou expressões como: vasculho (malandro), paspalhão (desajeitado), dar uma topada (tropeçar), encatrapiada (aleijada), pimpineira (aldrabice), pixote (pequenino). "embaçado" (envergonhado). ou ditos antigos por exemplo:  "estás a olhar para ontem, que já lá vai", ou "estás a ver navios" (distração): "Deus nos dê  muito e nos abone com pouco": "estreminguei um pé" (torci) "vim da outra banda" (do outro lado) "estou triste como a noite"...
Tudo o que era, ou. pelo menos, considerava ser, particular da terra e das gentes de Gondomar lhe dava novas certezas de estar onde e com quem mais queria. Ligavam-na à longa herança de ancestrais, que certezas semelhantes terão enraízado ali, mesmo quando, como o pai, por muitos anos se aventuravam muito para além das fronteiras do concelho, do país, ou do mar... Sempre com saudades da melhor de todas as vilas e cidades que havia do planeta. Gondomar...

O RAMO MENDES BARBOZA E OS FERREIRA RAMOS
A única exceção bem conhecida era esse avô de porte aristocrático, Joaquim, vindo de um norte não muito longínquo,  natural de Santa Maria Madalena de Paredes, filho de António Mendes e de Joaquina Roza Coelho Barboza, Estudara no seminário, que depressa trocaria pelo ensino das Leis. Foi o primeiro tabelião de Gondomar e a secretária onde trabalhava ainda ali existe, na casa de uma bisneta chamada Maria Madalena. Em São Cosme, casou na capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em 2 de maio de 1870, com Carolina Ferreira Ramos. Ele tinha ele 30 anos e ela 26. Foi madrinha sua irmã Joanna, outra das lindas e voluntariosas filhas de Anna Pereira (cujos pais, José Pereira e Thereza d' Almeida, eram ambos oriundos de São Cosme) e de Joaquim Ferreira Ramos, (filho de Francisco Ferreira Ramos e de Catharina Alves, de Valbom). De Francisco e de Catharina, não se sabe cosa alguma. Do filho, Joaquim,  supõe-se ter sido um abastado comerciante, ou não teria podido comprar, aquando da mudança de Valbom para São Cosme, a quinta da Bela Vista e a sua casa apalaçada. De Anna Pereira há uma única fotografia, num traje de lavradeira rica, de chapéu preto e lenço de seda, ignorando- se o foi, de verdade - podia estar fantasiada para o entrudo, então muito festejado. O pormenor de estar de livro aberto na mão, apontará, porém, para a primeira hipótese, assim como a lenda das "Alexandras", ligada a heranças e ambição de terras, e a uma avó que queria vizinho rico para a filha, quase sequestrada em casa para não casar com rapaz mais pobre do que ela, até ao dia em que, ajudada pelos criados e pelo pároco,  escapou de manhã cedo para a Igreja, e casou, apressadamente, com a benção de Deus, mas não com a da mãe.  Esta suspeitando do que se passava ( a filha levara-lhe à cama, ela própria,  bandeja do pequeno almoço, mas não fora ouvida nem vista depois de não ter vindo recolher a bandeja), também correu para o templo, mas chegou tarde demais e, em incontrolada fúria, restou-lhe apedrejar o cortejo nupcial, já de saída, a atravessar o adro...
...Do marido. Joaquim, também há um só retrato, em idade já avançada. Nele nos surge um senhor distinto, de olhos claros, e uma extraordinária parecença com o que terá sido o mais bonito e brilhante dos seus bisnetos, Manuel Joaquim, legatório dos  olhos azuis e do seu nome próprio,  que era, também o do avô minhoto, o pretendente à mão de Carolina, e .depois, seu marido, que não teria, segundo o registo chegado até nós, sido muito bem recebido na Quinta da Bela Vista  - ada de apedrejamentos, é certo, no mais brando meio de uma burguesia comercial. Educação, boas maneiras e  ascendência ainda não contavam tanto, todavia, como haveres materiais, em que o jovem notário, era parco... Belo rapaz, letrado, amável,romântico, era a paixão de Carolina, que não desistiu da sua escolha, na melhor tradição das "Alexandras". Rapidamente, porém, o adotariam, como o adotou a sociedade gondomarense. Tanto as  memórias das filhas, como a monografia do Concelho de Gondomar, escrita pelo seu amigo Camilo de Oliveira, o apresentam do mesmo modo, que se pode sintetizar numa palavra: homem exemplar! O cidadão, o profissional, o pai e marido. Foi longo e feliz o casamento  com Carolina, elegante jovem e, depois de oito vezes grávida ( a última das quais já quase na casa dos 50)  imponente matriarca e comedida sucessora, em caráter e temperamento, das famosas antepassadas. Há um pequeno episódio revelador de permanente vontade  e facilidade de concórdia na vida do casal: num tempo em que os apelidos dados aos recém nascidos eram de livre escolha de quem os registava, os quatro primeiros rapazes nascidos daquela união perfeita receberam apenas os do pai (Mendes Barboza). Só quando estava à espera do quinto, Carolina se deu conta disso e comentou: "Os meus filhos não têm o meu nome!". Não passara pela cabeça do marido, que sempre a tratava carinhosamente por "mamã", ter isso relevância para ela.. Daí em diante, não só reparou o descaso, como fez questão de colocar  o apelido da mulher no último lugar - no sistema português, o comummente dominante. Os quatro filhos mais novos são, portanto, Barboza Ramos...
Homem realizado, dando de si, nas muitas fotografias que dele guardamos, a imagem da pessoa serena e gentil, que realmente sempre foi. "Um santo!", nas palavras da filha Rozaura (Barboza Ramos). O seu nome, que se distingue pela raridade foi  escolhido por ele. Quando a  menina nasceu. acabava de ler um romance de  amor entre uma heroína assim chamada e um ilustre aristocrata, com o longo título de "Retiro de Cuidados e Vida de Carlos, e Rozaura". 352  densas páginas de uma elaborada escrita antiga, dificultando  ás novas gerações a sua leitura. Começa auspiciosamente  numa madrugada( "Rompia a aurora...") ,  e continua na narrativa de episódios de guerras, conflitos e  mil e um obstáculos à união dos jovens, só alcançada no final feliz, com a etnográfica descrição do cortejo nupcial em direção à Igreja:  "levando a Marqueza Rozaura da mão e Dom Manrique a Carlos ao lado direitto e assistiao ao seu recebimento e quando voltaram por quantas ruas passarao choviam infinitas flores das janelas, com repetidos vivas. Cedo com sua espoza Rozaura para Rezzo virao. Laus Deo".
 Rozaura Barboza Ramos não teria tão vistoso casamento, nem iria para Rezzo,  ficar-se- ia  por Gondomar, igualmente feliz, com um viúvo chamado Manuel Marques, tendo recebido o pesado livro de capas de couro como presente, que legaria a sua afilhada Maria Antónia, perfeita guardadora de preciosidades de valor afetivo..
Joaquim Mendes Barboza, o cultor de histórias de cavalaria, monárquico regenerador e dedicado homem de família, com as origens (Bitarães. Penafiel, Paredes), parece ele ter mantido escassos contactos. É provável que os pais tivessem já falecido. Certo é que dos seus antepassados não há presença em qualquer crónica de família, com a exceção de um sobrinho, que era Visconde de Paredes (ou um dos filhos do Visconde) e namorou a filha mais nova, Maria da Conceição. Vinha, garboso e galante, a cavalo, namoravam no mirante, mas ela, após breve hesitação, preferiu o "brasileiro" António Carlos, que, segundo disse muitas vezes, a admirava com uns grandes e expressivos olhos verdes, como jamais vira outros.
Os demais ramos da família de Maria Antónia têm, invariavelmente, raízes antigas e profundas em Gondomar, a (então) pacata vila que recebera, antes da fundação do reino de Portugal,  o nome de um rei godo. Do lado paterno, os Aguiar da Gandra, do materno, os já referidos bisavós Anna e Joaquim, da Quinta da Bela Vista, (quinta na geração seguinte, vendida a estranhos, não se sabe ao certo quando, mas largas décadas antes da sua demolição, durante a presidência do Major Valentim Loureiro, que terá manobrado no sentido de a "desclassificar" pela retirada do selo protetor de património de interesse público)
A vocação empresarial enriqueceu alguns dos numerosos irmãos de Carolina, que seguiram as pisadas do pai, como Manuel Guedes (Ferreira Ramos), que dá o nome à praça do Município em Gondomar, e António Ferreira Ramos, emigrado para o Brasil, onde lançou com um Salgado Zenha (decerto antepassado do que ficou na história da nossa democracia) uma sociedade bem sucedida, a "Ramos e Zenha". Desse Tio gostava muito a Maria da Conceição (que viria a ser Maria Aguiar). Com ele manteve correspondência assídua e trocou retratos, seguindo o seu percurso e o dos filhos, que figuram num pequeno e precioso álbum de capa de veludo arroxeado. Casou com Carolina Silveira Martins, (irmã do notável Governador do Rio Grande do Sul, que se notabilizou nos primeiros anos da República brasileira). e tornou-se um verdadeiro patriarca. A sua descendência é incontável e está hoje espalhada pelo sul do Brasil, de Bagé, onde morou, a São Paulo, e aos confins do Uruguai. Desses inúmeros primos que, separados pelo oceano, se desconhecem, só dois se encontrariam, um dia, em fins do século XX, em Brasília, os primos Maria Manuela Aguiar, Vice-Presidente da Assembleia da República Portuguesa, e Sá Azambuja, Senador da República Federativa do Brasil, ambos descendentes diretos, e no mesmo grau, de Anna e Joaquim..
Um outro António Ferreira Ramos era filho de Manuel Guedes, e foi também muito próximo da prima direita Maria da Conceição. A vida levou-o para longe, embora um longe menos longínquo,  (Lisboa), depois do casamento com uma filha de Ramalho Ortigão, de quem descendem todos os Ortigão Ramos, Foi, entre outras coisas, proprietário do teatro que é hoje o São Luís e, tal como o pai, um benfeitor da sua terra. Camilo de Oliveira, nas memórias de Gondomar, lembra que instituiu bolsas de estudos, em igual quantidade e montante para rapazes e raparigas. A instrução feminina foi uma das causas republicanas, defendida pelo movimento feminista, mas, em boa verdade,  também por muitos homens, seus companheiros de revolução, como este gondomarense, genro de Ramalho.
. Manuel Guedes ficou conhecido pelo republicanismo militante, e, embora não chegasse a ver o fim do regime monárquico, o seu nome não foi esquecida,  tendo sido  dado, nos alvores do novo regime, à Praça onde tivera, antes de se fixar no Porto, uma loja comercial, na casa grande, de azulejos, que ainda lá está, em frente à Câmara - o que, infelizmente, se não pode dizer da Vila Maria, ou da Quinta da Boavista, da qual resta um pequeno lago de pedra, transplantado para junto da capela do Monte Crasto, a crer numa história contada, no café do Castro, num dia de sol em que uma Joana do século XXI fez a comunhão solene, por um simpático velhinho anónimo, que se gabava de ter frequentada a propriedade.
Os filhos de Carolina e Joaquim afastaram-se do mundo de atividades empresariais, que tinha feito a prosperidade de avós e parentes. Tal como o pai enveredaram, quase todos por carreiras do funcionalismo público, os três mais velhos, Alberto, António e Alexandre e o mais novo, José Barbosa Ramos, advogado e deputado pelo Porto, que acabaria por ingressar na magistratura judicial.  Em vez de servir o Estado, Américo dedicou-se ao serviço de Deus, e foi um padre muito bondoso e querido dos paroquianos. Temperamentalmente, com certeza, o mais próximo do pai....  Alexandre começou como Secretário da Administração e, mais tarde, seria Administrador do Concelho. Sempre envolvido na vida cultural da terra, esteve entre os fundadores do Clube Gondomarense e pertenceu aos seus executivos, Era alto, bonito e elegante, apreciador de teatro, assíduo frequentador do Sá da Bandeira e das tertúlias da "Brasileira". Foi poeta, também, embora dos seus versos, só uma quadra tenha sido conservada pela Maria Antónia:
"Morre um afeto, outro nasce
Passa um desejo, outro vem
Depois de um sonho, outro sonho
De tantos que a vida tem"
Afetos femininos não terão faltado na sua juventude... Casou com Hermínia, uma senhora alegre e recatada, que aceitava, de bom grado, a sua constante intervenção cívica e cultural. Um só grande desgosto numa vida a dois, a morte da única filha, ainda pequenina. Ambos gostavam muito de crianças  e dedicaram-se aos sobrinhos, filhos da irmã/cunhada Maria, que tão cedo enviuvou, sobretudo, à mais nova, Maria Madalena, que tinha 3 meses quando o pai morreu e que foi criada mais com eles do que com a própria mãe. O convívio era facilitado por morarem em frente à Vila Maria. O ambiente de concórdia e serenidade do seu lar, de tal modo moldou o espírito da pequena "Lena" e o seu modo de estar na vida, que nem se diria parte do grupo dos buliçosos irmãos e irmãs Barbosa  Aguiar. Parecia realmente filha da Tia Hermínia, na sua postura sereníssima  e até na sua dedicação a todos os animais, em geral, e a gatinhos, em especial.
Deste tio falecido pouco depois de acabar a 2ª Grande Guerra, mal se lembram os sobrinhos netos, mas conhecem o relato da sua conversão. ou reconversão, à fé católica, na hora de partir.  Um cancro de pulmão. doença de fumadores inveterados, como ele, dáva.lhe a certeza de que o fim estava próximo. Mandou chamar o pároco e com ele ficou longamente, em confissão e em conversa. Foi o Abade Andrade que ouviu as suas últimas palavras. Saiu do quarto, comovido, e disse à família ali, toda,reunida . "Acaba de morrer um santo". Os amigos republicanso, como foi, e laico, como fora até aos momentos derradeiros, diriam o mesmo, de outra forma. Talvez: "morreu um justo" Os sobrinhos Aguiar  choravam a partida do seu segundo pai 
 Igualmente republicano mas mais revolucionário no campo da luta era António, o anarquista, que foi , várias vezes, preso no Aljube, e, durante o consulado de Sidónio esteve degredado em Angola. O degredo foi, porém, uma pausa nas escaramuças políticas, mas uma oportunidade de conhecer outras paisagens e costumes, com os quais se deu bem, e até de se lançar em negócios razoavelmente rentáveis. Que ramo de negócios? Lá não se sabe, cá, após o retorno, parece ter investido em "cafés - concerto", que não provaram o seu  instinto empresaria. Voltou a um emprego de funcionário... e continuou frequentador  do meio, onde recrutava as companheiras espanholas. 
. Também Alberto esteve preso no Aljube, ainda rapaz solteiro, Casou com a simpática Zarita, foi um mais pacati pai de família - pai de um médico e sogro de um pintor, Mário Ferreira, casado com a sua linda e inteligente filha Maria Isabel, grande amiga da prima Maria Aguiar, de quem era apenas alguns anos mais nova. Teve uma única filha, Maria Laura, que casaria com Luís Aragão,  um homem encantador, que foi despachante da Alfândega do Porto, quando esse cargo estava no seu  auge. Dois filhos, a lindíssima Anabela (Bebinha) e o Luís. Ficaram famosas as festas que davam em sua casa no Porto, e onde as primas Aguiar nunca faltavam .
José, que casou com senhora de ilustres famílias beirãs, Celestina Mesquita de Abreu, a tia Celestina de perfil não muito diverso do da tia Hermínia, a cunhada minhota, também ela de boas famílias (e aluna interna de bons colégios de freiras porque o pai enviuvara quando ela era menina). Tiveram dois filhos, José Joaquim (Zé Quim) e Celestina (Tininha)  Mesquita d' Abreu Barbosa.. Viviam na casa que fora dos antepassado Carolina e Joaquim, perto da Praça Manuel Guedes e foram sempre companheiros de brincadeira dos primos Barbosa Aguiar, A Tininha sera a primeira mulher da família com curso universitário (Farmácia) e exerceu, como dirigente e proprietária de uma Farmácia em Valongo e o Zé Quim, licenciou-se em Histórico - Filosóficas e foi Bibliotecário da Universidade de Coimbra.
Na geração anterior, o pai distinguira-se, como político, à frente de um jornal de intervenção e como deputado pelo Porto, como advogado e, seguidamente, como Juiz. Fez, na Magistratura, um percurso fulgurante, e acabaria aposentado compulsivamente do Supremo Tribunal de Justiça, onde era o mais jovem Conselheiro de sempre. Américo era monárquico regenerador, como o pai e as irmãs. Rozaura, Glória e Maria da Conceição (de Carolina, a mãe, se ignoram, de facto, as convicções políticas, embora não custe admitir que fosse monárquica, como tendiam a ser as mulheres, mais do que os homens.... Ideologicamente divididos em campos opostos, mas afetivamente unidos, nunca deixaram que isso interferisse na boa relação quotidiana.. Nos anos 30, várias vezes António se refugiou, onde a polícia do regime nunca se lembraria de o procurar, na "Vila Maria" junto da irmã que dava o nome à Vila e era uma cidadã acima de toda a suspeita, catolicíssima e dirigente local da "Obra das Mães". Às criadas dizia:  "Daquele Senhor, que está lá em cima, não se fala a ninguém". E elas não falaram. Nas últimas vezes, esteve ele acompanhado da sua companheira espanhola, a Teresita, e de um cãozinho. Era viúvo já, mas da falecida mulher nada consta - à sua memória mais se  associa a ex-bailarina espanhola e o cão que, no seu funeral (civil, exatamente como quis) ficou sentado no chão, durante o velório, ao lado de um busto da República. Nenhuma das irmãs acompanhou o cortejo fúnebre até ao cemitério. Ficaram a chorar a sua morte, dentro de casa, de portas e janelas fechadas. Um enterro laico era, para aquela geração, uma morte eterna pior do que a morte terrena. Ainda não viam Deus como suficientemente justo para receber nos céus um bom ateu, como hoje  crescentemente se acredita, tanto ou mais do que num Deus concreto...
Das filhas de Carolina e Joaquim só Glória quis continuar estudos. Os rapazes seguiram, um para o seminário, todos os outros para os colégios, embora só um se formasse na Universidade de Coimbra. Para as meninas, estudar era facultativo - depois da escolaridade primária, podiam ter, em casa, aulas de línguas, de piano, sem grande rigor ou obrigação e  aprendiam as artes de bordar, a cozinhar... Glória terminou, com facilidade, o curso do Magistério na Escola Normal, tornando-se uma pioneira na família. Contudo, não chegou a exercer o cargo de professora - a tuberculose levou-a aos 21 anos. Do Porto teria trazido o diploma e a doença incurável. Escolheu ficar em casa, não ir para um sanatório de montanha, como quem vai para o exílio. Rozaura, a irmã mais velha, quis trata-la dedicadamente, como faria, anos depois, com o irmão, o bondosíssimo Padre Américo, que morreu com aura de santo entre os paroquianos..
Glória, ao contrário de Rozaura, era uma rapariga moderna, de uma formosura exuberante. Não hesitava em passear, na modesta vila de São Cosme, os seus vestidos citadinos, levando com ela, lado a lado, igualmente alta e chique, Maria, e, atrás, consumida e vigilante, a mana mais baixinha e modesta, com nome de heroína de romanca. Paravam os moços de Gondomar, espantados para as ver pisar terra batida como quem caminha em passadeira vermelha e atiravam às meninas piropos e galanteios, a, que, às vezes, horror dos horrores, elas ripostavam (ou melhor, no singular, ripostava Glória, ria Maria, discretamente, e quase chorava a mais conservadora, com o despropósito). Seria a jovem professora "feminista"? Dir-se.ia que sim, fica a dúvida -  as manas não desvendariam o mistério. apenas contaram que era excelente amazona e namorava um primo Lobão. São muitas fotografias que dela nos dão uma imagem de beleza e de  auto-confiança, a coincidir com a opinião transmitida pelas irmãs. Um seu retrato de grandes dimensões, que dominava a galeria dos retratos de casa da irmã Maria, foi muitas vezes emprestado, tal como o piano, para as récitas e peças de teatro da Ala Nuno Álvares, como decoração em palco de salas de visitas, dominadas por imponentes quadros de parede...(incrível a cedência do pesadíssimo piano alemão, "Riese", que fazia o curto trajeto para o Souto em carro de bois, segundo os relatos de Maria Antónia, ela própria executante musical e atriz de várias comédias, que divertiam a boa sociedade Sãocosmense,...).
Rozaura, a incansável enfermeira dos dois irmãos, não tinha podido evitar o contágio...  Mas não ficaria a ser tratada em casa -  decisão sua (para poupar mais contágio no círculo próximo) ou dos próprios pais, cada vez mais crentes na solução hospitalar? Resta a dúvida. Partiu para o sanatório do Caramulo, onde ficou por muitos meses. Aí viveria a grande paixão da sua vida, com um médico que lhe retribuiía o sentimento, o Dr Manso, também ele já atingido pela tuberculose. A doença os reuniu e os acabaria por separar, porque ela curou-se e ele não, pelo menos, nessa fase. Guardou numa caixinha, atadas com uma fita de seda  as cartas que ele lhe escreveu, deixando dito que queria que fossem enterradas com ela, E assim seguiram com ela, para o seu jazigo em São Cosme, sem que ninguém ousasse abri-las e lê-las.
 A Gondomar regressou, pois, saudável, tendo resistido a dietas espantosas, (que incluíam uma dúzia de ovos por dia) e fazendo muitas amigas, sobretudo do sul do país, meninas da alta burguesia, igualmente arrancadas à morte certa  pela competência do Dr Manso. Com elas se correspondia e, por várias vezes, visitou as melhores amigas nas suas quintas dos arredores de Lisboa. Estava num solar de Benfica, em 1908, aquando do regicídio, e  pode assistir, com a sua anfitriã, às exéquias do Rei D Carlos e do Principe Real Luís Filipe, muito formoso e loiro no caixão, com os vestígios mal disfarçados da bala que lhe atravessou a têmpora, Se monárquica já era, mais intransigente se sentiu. Contudo, o Dr Manso era republicano, amigo de Afonso Costa, que, um dia, lhe apresentara durante um passeio na serra, em que aquele político acompanhou um seleto grupo de convidados, doentes já no bom caminho da cura. Desses passeios frequentes há imagens muito bonitas, junto a quedas de águas. Algumas até foram encaixilhadas e chegaram já bastante sumidas ao presente. Em nenhuma delas, porémk se vê o famoso Afonso. Certo é que a jovem de Gondomar terá tido uma intensa vida social, entre os tempos de repouso forçado, naquela verdadeira "Suiça portuguesa", de que falava com entusiasmo.         . 
 Sobreviveu, rija e saudável, até ao ano em que completaria o seu centenário (1979), Casou, anos mais tarde, já com mais de 30 anos, com um viúvo, funcionário da Contrastaria, Manuel Marques, homem muito amável, com quem foi feliz. Do primeiro casamento tinha ele um filho já adulto, Armando, de quem todos gostava, mas com quem conviviam pouco. Morava, talvez em Braga, de onde, tal como o pai, era natural. De Braga, ficou famosa nos Natais de Gondomar uma receita regional de "formigos" ou "mexidos", doce delicioso, à base de pão, mel, pinhões e passas, que ninguém fazia tão bem como a Tia Rozaura  - artista incomparável, tanto na cozinha, como nas rendas e bordados, que saiam das sua mãos. Aos 95 anos, terminou uma enorme colcha em crochet, da mais alta complexidade técnica! - e mais teria empreendido, se a família não a dissuadisse, porque exagerava no andamento do trabalho, com receio de morrer e deixar a obra inacabada...
Foi uma velhinha encantadora, com uns olhos vivos e perspicazes, gostava de falar por aforismos e provérbios, e até de usar um "calão" ligeiro, (que escandalizava a irmã e afilhada Maria, incapaz de dizer uma palavra imprópria) . Eram radicalmente diferentes, Maria sempre pronta a sair, a passear, a conviver, a liderar iniciativas e a influenciar o seu círculo social e familiar, enquanto Rozaura de bom grado se quedava em casa, tricotando, conversando e lendo (nomeadamente jornais, analisados de ponta a ponta, vendo televisão, sempre recatada e serena,  embora pudesse fazer comentários certeiros e  ácidos, a quem, perante ela, caía no ridículo ou a quem conseguia  desmascarar jogadas de intriga ou oportunismo,  
Numa pessoa tão prudente, hábil e sábia se estranha a decisão mais errada que tomou na vida e de que haveria de se arrepender: - um segundo casamento, já quase sexagenária,  com um "brasileiro" de torna-viagem. Manuel Lima. Revelou-se  homem de mau feitio, que a sua serenidade foi suportando, até que se viu viúva, de novo, e em pior situação financeira, depois da dispendiosa doença que levou o falecido. Com muito sentido prático,  hábitos antigos de poupança e o apoio de uma criada dedicadíssima e competente, Maria da Conceição Póvoas, atravessou aqueles tempos em que não existia segurança social, vendendo apenas uma pequena quinta  muito bonita, "a Passagem". Conservou tudo o resto, todas as "relíquias de família", de que era legatária -  móveis, loiças, jóias, bordados, linhos e "bibelots" - contando à afilhada Maria Antónia, a história longa de cada peça.  E com a afilhada, no Porto e, depois, em Espinho, passaria, os últimos trinta anos, sempre uma companhia agradável para várias gerações de sobrinhos, que escutavam as suas histórias. Consigo trouxe recordações, pertences do maior valor afetivo e uma criada fiel, já não a velha Maria, mas uma  sucessora, chamada Olívia Pessegueiro (mais outro traço distintivo entre irmãs,  saber ou não manter o pessoal doméstico, que na Casa da Pedreira ficava décadas e na Villa Maria mudava constantemente)
Três irmãs com sorte tão diferente...A que mais parecia querer fazer com o seu futuro, a que ousou estudar na grande cidade (ir para o Porto seria, então, quase como ir para o estrangeiro), havia de partir tão cedo de uma vida que parecia ter tudo para lhe dar - vemo-la, com os pais, como a menina dileta nos retratos, elegante nas festas e piqueniques no Castro, com alegres grupos de amigos e parentes, sempre com predominância da componente feminina... Sabemos que cavalgava o cavalo que o pai comprara não só por desporto e para recreio, mas para se deslocar em serviço  fora de São Cosme (gostava de animais, ficou conhecida  a sua ligação a um cão grande, chamado Diu, que o acompanhou na velhice e surge, tranquilo, em muitas fotos de família. E até que não queria dar aulas na escola.
A tragédia da sua morte foi muito sentida, Glória não era só a filha do prestigiado tabelião  e de gente com tradições na terra, brilhava com luz própria, pela cultura e pela beleza. Chegou às páginas dos jornais de então, guardados, sem indicação do título e ficou para sempre na memória da família.
"Gondomar, 25  -Falleceu hontem, na primavera da vida, quando tudo lhe sorria, com a idade de 21 anos, a Srª D. Glória Mendes Barbosa, gentil e adorada filha do digno tabelião destre concelho Sr Joaquim Mendes Barbosa.Era uma menina simpática, prendada e de finas qualidades de educação. Aos seus pais, que a adoravam, e aos irmãos Alexandre Mendes Barbosa, secretário da administração deste concelho e Américo Barbosa, abbade de Gondalães e a restante família enlutada os nosso profundos sentimentos. O seu enterro realiza-se amanhã, à 9.00, na Paroquial igreja de Gondomar".
Glória, a mais velha das raparigas, parecia, realmente, ter sido a preferida -  "adorada", como diz e repete o periodista.. Mais determinada, audaz, mais intelectual e mesmo mais bonita do que as suas bonitas irmãs. Mulher pensante e atuante, admirada e querida, Com um namorado que lhe dedicava inspirados poemas, Sempre no centro dos grupos alegras de jovens do seu seleto círculo de amizades. Como diriam então, "a fina flor" da terra.  Para a irmã, a mesma doença, que a vitimou por pouco não lhe abriria as portas de um destino  bem mais glamoroso do que o que lhe coube em sorte -, ao lado de um grande médico, muitíssimo atraente, e gozando de fortuna e influência social. Fortuna e estatuto social, precisamente o que Maria iria encontrar com o marido António Carlos, de um e outro lado do mar Atlântico.
Não surpreende, assim, o facto de ser,  nos recortes de jornais, que se conservaram nos baús de recordações, Rozaura a menos citada (não obstante o peso que manteve, no círculo familiar).
As mulheres, em boa verdade, aparecem quase sempre, apenas, como "mulheres dos seus maridos". ou "mãe dos seus filhos", e as outras  foram aparecendo, a começar pela progenitora Carolina - até a propósito de uma simples festa:
"Passou no último domingo o aniversário natalício da Srº D. Carolina Ramos Barbosa, esposa do estimado e bemquisto notário local, Sr Joaquim Mendes Barbosa. Por esse motivo vieram a esta vila seu filho, Sr Dr José Barbosa Ramos, novel advogado e ilustre director e proprietário do semanário local "O Progresso de Gondomar" e o Sr Deolindo Oliveira, collaborador do mesmo periódico".
A formatura de José dera, aliás, origem a destaque semelhante na coluna social. 
Estiveram domingo último nesta vila os nossos conterrâneos Camilo Martins de Oliveira, António Barbosa , Thomaz Pessoa e César de Moura, do Porto, que vieram assistir a um lauto jantar "offerecido, pelo novo bacharel dr José Barbosa Ramos, festejando a conclusão recente da sua formatura em direito.
Escusado será dizermos que o jantar decorreu no meio da mais franca e eloquente cordialidade e com immenso enthusiasmo. Ao jantar, além dos cavalheiros citados assistiu a família do novo bacharel, que partilhou a alegria da festa. Assistiu mais ao jantar o nosso patrício António Pereira de Aguiar, antigo companheiro da vida escolar do sr dr José ramos Barbosa.
A pequena notícia oferece-nos o colorido da celebração desse feito, então, relativamente raro, que era uma formatura coimbrã.e, de menor interesse etnográfico. mas muito mais interessante para a reconstituição do mosaico de relacionamentos familiares, o facto da presença de um ilustre patrício (forma, porventura, de designar, um expatriado no Brasil...) que tinha sido companheiro de escola do novo jurista. Um dado novo, que, por um lado, nos mostra como, já então, António Pereira de Aguiar era considerado figura grada da vila, nela mantinha, nas férias em Gondomar, uma rede de contactos com pessoas e instituições. E deixa-nos a dúvida: seria nesse jantar que primeiramente conversou com Maria, ou foi convidado, não como colega de José, dos bancos da escola, ou como namorado fa futura mulher?
 As famílias Barbos Ramos e Aguiar não girariam, habitualmente, nas mesmas festanças e tertúlias. .No entanto, houvera já, pelo menos, um outro princípio de romance entre Alexandre e uma irmã de António Carlos, uma Gracinda ou Florinda, muito engraçada e, segundo esse tio dizia  à Maria Antónia, já adolescente, parecidíssima com ela. Difícil na única fotografia coletiva existente da família Pereira de Aguiar, um retrato de dezenas de figurantes, entre pais, filhos, noras e genros e criadas, reconhecê-la ou reconhecer a semelhança de traços. Nesse ano, ainda António Carlos, um dos mais novos, não tinha partido para o Brasil. Maria casaria com ele, então já homem de fortuna, com cultura acima da média e boa figura,  em 10 de setembro de 1910.  
. OS AGUIAR ou PEREIRA DE AGUIAR
O único ramo da família que está estudado desde o século XVII´e o de Anna Pereira, por um primo Maia, que também descende de sua mãe. Do marido, Manuel de Aguiar
   
depois de um amor Maria, casou com o milionário "brasileiro", senhor de fortuna, cultura acima da média e os assombrosos olhos verdes. António Carlos Pereira de Aguiar. Pelo lado da mãe, Ana Pereira, António vinha de uma família radicada em São Cosme há mais de 300 anos (linha que se conhece graças à investigação de um ilustre primo Maia, especialista em genealogia.Alguns desses antepassados ter-se-iam dedicado à arte que põe no mapa a vila de Gondomar - a ourivesaria.  Desse ramo, ficou a vaga memória de uma parente, que foi a primeira mulher de Camilo Castelo, e de um Bispo, figura ainda mais nebulosa.
Do pai, Manuel Aguiar. tão longa lista de avoengos está por estudar. O pai. Miguel Aguiar e as gerações imediatamente anteriores eram, também, dali.


ADIANTE (António Carlos era um grande conversador, homem culto e cosmopolita, gostava de rosas, de caça e de viajar. Quando atravessava o Atlântico em direção à Europa, não se limitava a passear por Gondomar, Porto ou Lisboa. Ainda hoje se conserva um postal, mandado de Paris, com o seu perfil recortado contra a Torre Eifel, os vestidos de seda e renda, que comprou para as filhas, as bonecas francesas de porcelana, com que brincavam, a carpete persa comprado no Oriente (a tapeçaria do vistoso pavão azul, sobre a qual passaram, na Vila Maria, três gerações de descendentes). Viajou, quando solteiro, e mesmo depois de casado, enquanto a Mulher ficava com os meninos, matando saudades no círculo dos parentes e amigos.)

 O casal vivia a sul de São Cosme, na Gândra, num casarão de pedra à face da estrada, com extenso jardim de contornos geométricos, nas traseiras. Aí brincaram os seus 15 filhos, O Pai era, tal como António Carlos, seria, mais tarde, na Vila Maria, um fervoroso cultivador de rosas (não sabemos, porém, se, como ele, participante em concursos e vencedor de prémios em exposições). Dessa prole numerosa, a geração, que se afirmava no início do século XX, três enriqueceram não propriamente como ourives, mas estabelecendo-se com grandes joalharias, João e António Carlos no Rio de Janeiro, Rua do Ouvidor, e Augusto no Porto, Rua das Flores. .
De Rosa só se conhecem fotos da sua meia idade ou velhice, uma imponente matrona, de poucos sorrisos). Manuel, bonito homem de olhos azuis, alto, elegante e mais jovial, (como surge nos retratos. Os filhos tiveram as mais diversas caraterísticas físicas e destinos díspares - de belezas invulgares, como Florinda e Gracinda, no feminino, ou António, no masculino) a rostos fechados e inexpressivas, de muito altos a muito baixos, de extremamente prósperos a pobres e dependentes dos outros. Parecia não haver meio termo para eles... Dos que partiram para o Brasil, dois foram grandes empresários, o terceiro (Alberto?), que os irmão tentaram, em vão, encaminhar, desapareceu, um dia, nos sertões tropicais, para não mais ser visto... Dos que ficaram, há uma mulher lendária, Amélia, que fez fortuna em estaleiros e numa frota de barcos pesqueiros, não muito longe, em Matosinhos. Do marido nada se sabe. A grande empresária terá sido mesmo ela, com o discreto companheiro ao lado... Felizes (provavelmente), e abençoados com numerosa descendência. Amélia dizia (frase emblemática, que ficou gravada na crónica oral da família): "Deus castigou-me com dinheiro, filhos e saúde". Hoje, alguns dos seus descendentes ainda vivem em Matosinhos e noutras cidades do Grande Porto, embora perdidos do convívio dos Aguiar da São Cosme.




Destes, foi com os Aguiar Saraiva que os primos da Villa Maria mantiveram laços de verdadeiros "primos-irmãos". António Aguiar Saraiva era afilhado dos tios Maria e António Carlos e mais parecido, fisica e temperamentalmente, com o padrinho do que os seus próprios filhos (na opinião da madrinha). Morenos e atraentes, extrovertidos, divertidos e extremamente generosos, assim foram ambos, em duas sucessivas gerações. Mais tarde, só a Maria Antónia continuaria a manter com eles um convívio frequente - com todos, mais ainda com a Cristina, a Belita (mesmo depois de Cristina ter ido para a Alemanha e Belita para  Lisboa, com maridos alemães, ambas)..E também com António, empresário importador de máquinas e material de escrita e de fotografia - canetas Monblanc, rolos de filme Adox, uma marca germanica, há muito desaparecida dos mercados. Empregava  sempre vendedores alemães, que, a seu ver tinham melhor aceitação junto dos clientes do que os naturais do burgo. A irmã, Cristina, era a gerente e a "public relations" e acabaria por casar com um deles, Ernst, jovem promissor, que seria, nos anos 70, administrador da Zeiss, levando a encantadora prima Aguiar  para longe. Lá viveu  e morreu muito nova (de enfarte de miocárdio, como seu Tio António, com a mesma idade).
Do lado Barbosa, os primos-irmãos eram, somente, dois, o José Joaquim (Zé Quim, que se formou em História e.Filosófia, em Coimbra e foi Bibliotecário na Universidade) e a Maria Celestina (Tininha, que viria a ser a primeira mulher da família com curso superior - Farmácia), filhos do Tio José. Moravam perto, na casa que fora dos avós Carolina e Joaquim. Faziam praia juntos,e, em alguns anos, até, também, férias nas termas de Vizela.
Casa de traça antiga, mas já adaptada ao que se considerava a modernidade  nos anos 30 e dividida. A parte norte foi destinada a arrendamento. Aí esteve, durante muitos anos, um bom vizinho, a Foto Guimarães. A sul, a outra parte dava para o terreno grande com jardim, hortas e vinhas e no extremo, à face da estrada, a garagem, mais tarde convertida pelo Zé Quim em pequeno pavilhão ou apartamento para fins de semana, Arrendou, então, a casa ao município, para lar de idosos, que não se sabe se algum dia funcionou.  (a Câmara aproveitou o arrendamento para forçar a venda pelos herdeiros do Zé Quim...) .
A garagem acolhera um dos primeiros automóveis de São Cosme, Quando foi aposentado (compulsivamente, por envolvimento político anti-.regime), o ainda jovem (cinquentão...) Juiz- Conselheiro comprou carro e passou no exame de condução, mas guiava mal. Mandou o criado tirar carta e passou a ter motorista. Uma das poucos vezes que o Conselheiro Barboza se aventurou ao volante, a caminho do Porto, embateu na muralha de pedra da quinta dos Van Allen, em Valbom, porque  não conseguiu fazer devidamente a curva na descida íngreme.
O irmão Alexandre foi o segundo a possuir um belo carro, e não parece ter sido muito, muito melhor ao volante, a avaliar por um episódio "a posteriori" bastante divertido, que o levou a dar uma infinidade de voltas entre o Souto e Quintã, porque  não conseguia parar o carro em frente à porta de casa. Ao lado, preocupada, a mulher Hermínia, a quem dizia: "Sorri e acena às pessoas. Assim, julgarão que andamos a passear". Não era exatamente o caso e só a falta de gasolina pôs fim ao vai-vem.
Morava muito perto da Vila Maria, face ao mirante, junto ao qual começava o roseiral. Das janelas do 1º andar tinha uma vista privilegiada de toda a parte norte da edifício, do jardim, árvores e telhados da pequena "casa do forno" e "da casa da eira" onde as  terríveis manas Mariazinha e Lolilta  eram surpreendidas muitas vezes, em cima não só do arvoredo, como , também, dos telhados. A Tia Hermínia, alarmada, gritava-lhes uma ordem para descerem, de imediato. Elas obedeciam, de momento, para 
recomeçarem, quando a Tia saísse do posto de observação.

DO RIO DE JANEIRO Á VILA MARIA
Maria e António Aguiar casaram a 10 de setembro de 1910. No dia 12, um dos jornais de Gondomar noticiava,  com o título "Consórcio":
"Realizou-se no sábado passado na egreja paroquial d' esta villa o enlace matrimonial do nosso presado amigo e conterraneo Sr António Aguiar com a Srª D Maria da Conceição Barbosa Ramos, gentil filha do estimado notário local Sr Joaquim Mendes Barbosa e irmã dos nossos amigos Srs António, Alberto e Américo, abbade de Gondalães e dos Srs Alexandre Mendes Barbosa, digno secretário da Administração e Dr José Barbosa Ramos, novel advogado e diretor de "O Progresso de Gondomar"
Lançou a benção o irmão da noiva, rev abade de Gondalães, Américo Barbosa. A cerimónia revestiu caráter íntimo, assistindo pessoas de família dos dois simpáticos nubentes, 
Aos cônjuges, dotados dos mais preclaros dotes de espírito e primorosa educação, desejamos um futuro ridentíssimo"
 O recorte, que sobrevive há mais de um século, não permite identificar o periódico - fica a saber-se que não se trata, com certeza, "O Progresso", que referiria a noiva como irmã do diretor.  Terá, provavelmente, dado igual ou superior relevo ao evento, mas o eco perdeu-se para a posteridade...
Perdidas andarão também as fotos da cerimónia, porque o retrato oficial foi tirado no Porto, dias mais tarde, em estúdio, e até se conhecem vicissitudes do transporte dos trajes nupciais, ao cuidado de uma criada um pouco descuidada... O fraque do noivo chegou ligeiramente amachucado e ele, exigentíssimo com pormenores, ficou furioso (ignora-se se a criada terá conseguido arrepiar caminho para continuar ao serviço, duradouramente). Enfim, foi preciso arranjar um ferro de engomar e dar o toque necessário à perfeição. De seguida, novo motivo de irritação. Maria Aguiar era muito alta, mais do que o marido e o artista fotógrafo sugeriu que ele se colocasse num banquinho disfarçado nas dobras do vestido. Sugestão recebida pelo noivo, com grande indignação. Tanta, que ele não conseguiria recuperar o sorriso da praxe. E ela também não, como, a rir-se, retrospetivamente, contaria a filhos e netos. E, assim, a imagem não espelha a felicidade real daquele 10 de setembro.
A lua de mel terá começado no norte e continuou em Lisboa, onde passaram uns dias no belo Hotel Franqueforte do Rossio (que há muito desapareceu), e depois, num paquete de luxo, em direção ao Brasil. Uma lua de mel com história, na capital do Reino de Portugal - nos últimos dias do Reino e nos primeiros da República.. De facto estavam lá, precisamente a 5 de outubro. Uma bala atravessou a janela do quarto, sem causar dano (bala guardada como macabro troféu, por um casal de monárquicos, que muitos dos netos ainda tiveram na mão...). E o cozinheiro do hotel foi atingido e morreu. Foi nesse ambiente incerto e amargo, que deixaram o País.
No Rio de Janeiro viveriam durante uma década muito feliz.
      

 16 anos, 10 foram vividos no Rio de Janeiro.
 Breves anos, ao todo nem se sabe quantos.

Os breves anos em que habitou na Vila Maria, foram anos memoráveis.
Movimento de amigos - mesa e cadeiras verdes - laranjas amargas
Tratamento cerimonioso com a Mulher - o caso do corte de cabelo
Na travessia mesa de comandante - não enjoavam, dança com Chaby Pinheiro E até de uns laivos de excentricidade, em que , porém, seria ultrapassado pelos cunhados Barbosa. (criam-se, assim, "estereótipos dos "Aguiar" e dos "Barbosa", nos quais mal se enquadram muitos dos que levavam ou levam esses nomes...).
De António Aguiar se conta que uma das suas engraçadas e inofensivas "manias" era partir loiça nas romarias.. Conhecida esse seu gosto, logo que  o avistavam, as vendedoras de cântaros e vasos desatavam numa gritaria: "Senhor Aguiar, venha aqui quebrar o que quiser!". E ele lá ia, varrer com vigorosas bengaladas, uma das tendas, pagando, é claro, principescamente, os estragos.. Restam ainda muitas das bengalas de castão de prata ou ouro, com que executava a operação.
Era caçador e deve ter tido cães


PARAÍSO NA INFÂNCIA

Eramos felizes sen saber
  A Vila Maria era, na meia década de 20 um pequeno mundo, de fronteiras traçadas geometricamente entre propriedades dos vizinhos (os que haviam vendido toda aquela boa porção de terra ao amigo António Carlos Aguiar). Nele cresciam as rosas, as árvores, as crianças... Cumpriam-se os sonhos do casal Maria e António Carlos.
 Mariazinha, a sexta das crianças, era suficientemente pequena, quando a família se instalou na Vila Maria, para não se lembrar de ter habitado qualquer outro lugar. E do Pai não guardou muitas recordações - lembra-se do dia em que ele colheu morangos numa bonita cesta, e a mandou leva-los para a sua madrinha (a Tia Rozaura), na companhia de uma criada. Lembra-se de colherem e comerem fruta no quintal, o Pai, ela e a irmã Lolita (Glória Doroteia). E de diálogos jocosos, em que ele chamava à Lolita, tão morena como ele, a sua "molequinha". Ao que ela respondia: "O Papá é o meu molequinho". A mais viva recordação é, porém, a da sua morte trágica, súbita, (de enfarte do miocárdio, aos 46 anos...) Estranhou vê-lo, na sala de visitas, naquela caixa estreita, imóvel, de olhos fechados, e, quando o tocou na face, sentiu-o gelado, tentou acordá-lo, sem conseguir. Estava horrorizada. Quando vieram buscar o caixão para iniciar o cortejo fúnebre. o filho Manuel  deitou-se por cima, para os impedir de levar o Pai. Foi preciso tratar dele primeiro.
Do funeral sabe-se mais pelas notícias de jornais, do que por testemunhos da família, sempre mais focada as memórias da sua vida.
A "Ordem"; escreve  "faleceu o Snr António d' Aguiar, opulento e estimado capitalista, nosso amigo e assinante de "A Ordem". Contava 46 anos e  faleceu repentinamente na manhã do dia 10 do corrente. Teve um funeral muito concorrido , celebrando missa de corpo presente o rev Manuel Coelho.. O extinto gosava de geral estima  e porisso o seu falecimento foi muito sentido, (...)
A sombra da cruz
"Inesperadamente, quando parecia ainda ter longa vida, pois era bastante novo, faleceu na p assada semana o nosso querido amigo e assinante Snr António Carlos Barbosa Aguiar. Depois duma viagem recente  que fez ultimamente ao Brazil. a sua saúde ficou de tal  maneira abalada que d' ahi resultou quase repentinamente a sua morte. Deixou imersa na mais amarga saudade a sua ex-ma esposa  e filhinhos. O seu funeral que foi excecionalmente concorrido, realizou-se no passado domingo, ma Igreja desta vila, organisando-se vários turnos durante o percurso. (...)
O título do jornal não está anotado no recorte. Curioso erro é a inclusão do apelido da mulher (Barbosa) no nome de António Carlos Pereira de Aguiar.
Outra constatação interessante é ser do jornal " A voz de Gondomar" (republicano). o mais completo obituário, um artigo de quase página inteira  sobre um conhecido monárquico, (ainda que cunhado de alguns dos mais interventivos republicanos do concelho)..
"Mais um bom que desapareceu do scenario tumultuoso da vida ungido da recordação saudosa de todos os que o conheceram  e chorado pela dor angustiosa e percuciente da família que estremeceu e idolatrou, António Aguiar, o saudoso e querido amigo que sacrificou a mocidade ao trabalho para conquistar a independência de que usufruia; o lutador austero e persistente que, quási criança ainda, abandonava a Pátria, e com a Pátria a família, para, em terras distantes e pisando o doloroso trilho do "struggle for life" , onde as ambições se entrechocam, consolidar no trabalho a garantia do seu futuro e a dos seus, acaba de tombar, sacudido pela crueldade brutal de uma "angina pectoris", que desapiedadamente o arrancou de um lar que era todo o seu enlevo (...)
Espírito de eleição consagrado ao culto da família, a que lega o inapreciável tesouro dum nome digno como poucos e o exemplo salutar duma vida impoluta,António Aguiar soubera impor-se à admiração e à amizade sincera de quantos com ele privaram, pela intensidade dos sentimentos afetivos  em que vibrava a sua alma e pela galharda afabilidade do seu trato em que se espelhava toda a nobreza de um carácter nobre e honrada. Era um justo, de quem pode dizer-se que desceu à vala fria do cemitério sem uma única inimizade a empanar-lhe o brilho suave da sua chorada memória".
O funeral do saudoso extinto, que se celebrou na matriz desta vila em 10 do corrente, foi bem uma demonstração imponente da consternação provocada pelo seu desaparecimento  e uma grandiosa homenagem de sagração póstuma tributada às suas  virtudes e à sua memória  pelos muitos amigos de antónio Aguiar , que os possuía em todas as classes sociais.
Na última parte da notícia são mencionados os turnos, em que os amigos se revezaram no transporte da urna entre a Vila Maria e a igreja matriz. Vale a pena transcrever a listagem, porque nela estão os familiares mais próximos, os amigos que eram presença constante de uma casa.sempre aberta, sempre cheia de visitas, de convívios e festas. ou os companheiros de um associativismo local, a que dava generosa contribuição.
1.º turno - António e Alberto Mendes Barbosa, o irmão Augusto Aguiar, José e Damião de Oliveira Aguiar (sobrinhos?) e Saúl Fonseca e Sousa
2.º. - Mário Ferreira (sobrinho, casadao com Isabel - Mimim - Barbosa), Adelino Garrido, Manuel Martins dos Santos, Camilo de Olivaira (o escritor e autor da monografia do Concelho de Gondomar), Alberto Martins de Moura e Artur Cabral Borges
3.º Manuel Ribeiro de Almeida, Vicente Gaspar Vieira, Doutor Agostinho de Sousa Pinto, José Coelho das Neves Junior, José de Sousa Santos e Manuel Coelho das Neves
4.º - José Marques dos Santos, Avelino Martins da Silva, António Coelho da Silva, Manuel Martins de castro Neves, Joaquim Martins Rosas e Abílio Ferreira da Costa.
5.º -Membros do Club Gondomarense, de que o finado era sócio
6.º - Sócios do Club de Caçadores, a que o extinto também pertencia.
7.º -  Bombeiros Voluntários de Gondomar e João Pereira, criado do extinto.
8. - º (no percurso da Igreja para o cemitério) - Dr António Ribeiro Seixas, Dr Manuel Nunes Pereira, José Ribeiro Borges da Cunha, Eduardo Kock, Serafim Rosas e Francisco Herculano Novais de França
Um outro registo significativo é o das coroas fúnebres, colocadas junto ao ataúde: "Club Gondomarense, última homenagem", "Último adeus de Maria Irmínia Barbosa e Alexandre Mendes Barbosa; "Útimo adeus de Rozaura Barboza Marques e Manuel Marques"; Saudades de José Martins das Neves e família"; "Saudade eterna e último beijo de tua esposa"; "Último adeus de sua irmã Amélia Aguiar e esposo": Sentida saudade de seu tio João Moreira dos Santos e Maria Gomes Bessa";"Último adeus de seus cunhados Maria Celestina de Abreu Mesquita Barbosa e José barbosa Ramos";"Eterna saudade de seus filhos": "último adeus de seu amigo Dr Agostinho Emílio de Sousa Pinto".
Pela notícia, que termina apresentando condolências "à desolada viúva, Ex.ma Srnª D Maria Barbosa Aguiar e a seus filhinhos", sabemos ainda que a chave do caixão foi entregue ao Ex.mo Snr Dr José Barbosa Ramos.
Comoção no ambiente familiar e em toda a Vila de Gondomar, onde era, como transparece nos jornais, uma pessoa muito querida, das elites e do povo. A essa sua forma de estar e de viver, devemos, sem dúvida, a imagem que perdura dos Aguiar como exemplos de extrema dedicação à família, de  franqueza, de generosidade espontânea, quase a parecer excessiva. e de alegria de viver. E até de uns laivos de excentricidade, em que , porém, seria ultrapassado pelos cunhados Barbosa. (criam-se, assim, "estereótipos dos "Aguiar" e dos "Barbosa", nos quais mal se enquadram muitos dos que levavam ou levam esses nomes...).
De António Aguiar se conta que uma das suas engraçadas e inofensivas "manias" era partir loiça nas romarias.. Conhecida esse seu gosto, logo que  o avistavam, as vendedoras de cântaros e vasos desatavam numa gritaria: "Senhor Aguiar, venha aqui quebrar o que quiser!". E ele lá ia, varrer com vigorosas bengaladas, uma das tendas, pagando, é claro, principescamente, os estragos.. Restam ainda muitas das bengalas de castão de prata ou ouro, com que executava a operação.
Era caçador e deve ter tido cães
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Tinha seis anos, a Lolita quatro. (a mais nova, Madalena, apenas seis meses). Não entendiam o significado do que se passava, viam mãe, vestida de preto, caída em depressão e prantos, cada vez mais ausente nas devoções da igreja. Um dos rapazes, o terceiro mais velho, António Maria. com apenas 10 ou 11 anos, deixou-nos em versos simples, de criança, testemunho único de um sentir certamente partilhado dentro das paredes da Vila Maria:

Meu Pai?
"Quem te levou, meu Pai?!... Quem te levou?
Para esse mundo assim tão azulado.
Responde...sim. Teu filho, um desgraçado
Para quem a tua ausência já chegou

Para esse mundo sem fim, quem te arrastou?
Partiste!... Fiquei só! Desventurado
Pede a Deus a quem por ti tenho rogado,
 embora infeliz.., para quem tudo se quebrou.

Partiste, morreu tudo neste mundo...
E minha Mãe, oh Pai, sempre a chorar
E eu choro, desde o dia em que, moribundo, 

Te segurei... morreste Pai... Agora, então,
Depois de tudo, me vês, sempre a chorar,
Chorará eternamente, Senhor, meu coração!"

Terá sido o primeiro a encontrar o pai. agonizante? Talvez, não se sabe. Desses dias de velório e funeral, a única história insólita é o da segundo filho, Manuel, (doze anos?) que se deitou sobre o caixão, desesperado, para impedir que levassem o pai da sala de casa...)
Tudo mudou, tudo continuou, mas a mãe,  a senhora alegre e mundana, divertida e compassiva,  transformava-se, a pouco e pouco, numa líder severa e enérgica, dentro e fora de casa, entregue tanto às tarefas de educar sete filhos, (não muito fáceis...), como às boas causas na paróquia e na terra (os pobres, os doentes, os presos e a sua família, não raras vezes, intercedendo ou dando emprego a ex.presidiários -  pequenos ladrões, alguns dos quais não perdiam hábitos velhos, apesar de ela acreditar sempre neles - levando criancinhas ao batismo e promovendo casamentos em sólidas "uniões de facto"...). A Vila Maria era visitada, quase quotidianamente, por padres e seminaristas. as freiras que passavam por São Cosme eram suas hóspedes, como se fosse o prolongamento da residência paroquial... Também a organização de festejos religiosos era ali programada, e executadas tarefas várias  como a fabricação, em massa, de flores de papel para os andores das procissões ou para os carros alegóricos, ou o ensaio de grupos corais, reunidos à volta do piano. Passou a ser assim, no tempo dos filhos e nos dos netos.
Apesar das profundas marcas que a partida do pai provocara no ambiente famíliar, Maria Antónia sempre se sentiu protegida e feliz dentro da Vila Maria. Eram muitos, eram naturalmente alegres e divertidos, O Tio Alexandre, foi para os meninos órfãos, um segundo pai, para a viúva, o mais amigo dos irmãos, o mais próximo, e não só porque era vizinho, Uma sua filha única tinha morrido bébé, anos antes...  A Leninha ocupou esse vazio -  praticamente vivia em casa dos Padrinhos, Hermínia e Alexandre, embora a Mãe não a deixasse nunca pernoitar lá. Todos os outros o viam, igualmente como figura tutelar. - bom, generoso e divertido. Nele a irmã tinha um conselheiro (exceto para as coisas da igreja, mas foi sempre em vão que ele, republicano e laico, tentou moderar os seus impulsos beneméritos e oferendas, que considerava excessivos, para as obras da paróquia....). 
Presença constante, já nos tempos do cunhado e, do mesmo modo depois, era a da irmã Rozaura, casada, sem filhos, com  Armando Marques, um Tio.também ele muito dedicado a todos o meninos Aguiar, e, em particular,l à afilhada, Maria Antónia. Moravam a menos de 10 minutos minutos de caminhada, por caminhos rústicos e lindos, num lugar chamado "a  Pedreira" .A "casa da Pedreira" de tão boas memórias para a Mariazinha!. Ali ela era especial e única, não tinha de repartir atenções, com mais seis. E, entre os seus escritos, há pouco descobertos, há um que lhe é dedicado. 
A CASINHA DA PEDREIRA
Queria voltar a ver
as camélias a florir,
as laranjas a crescer.

Queria voltar a ter 
na minha mão pintaínhos 
acabados de nascer

Queria voltar a ver
o jardim, a capoeira,
a horta - querida Maria - 
que se enchia de canseira

Limonete ao fim da escada
Alecrim pro's ramos bentos
toda uma festa, a ramada
a casinha, tão modesta,
com o nicho e a cantareira...

Na comparação com a "Vila Maria", a "Casa da Pedreira" era modesta, mas pequena não era. Teria pertencido a uma antiga quinta, com um grande portão e um átrio espaçoso de pedra. O piso de baixo era de terra batida, servia de adega, de casa da lenha, de arrumação. As escadas de acesso ao patamar superior eram de pedra, assim como as outras duas que davam, numa extremidade da casa, para as salas e, e, na outra, para a cozinha. O primeiro andar tinha quartos enormes, ao todo oito divisões. Salas e os quartos de dormir e a sala de jantar, com mobílias muito antigas, muitas de casas dos pais (era afilha mais conservadora). A cozinha, sim,  era pequena e escura, um absoluto contraste com a da Vila Maria. A criada era a Maria Póvoas, que cozinhava muito bem e tinha tempo para tudo, até para cultivar a horta e tratar das galinhas e das flores.
As janelas de guilhotina, na parte cimeira eram verdadeiros vitrais coloridos, e davam para o Largo da Pedreira, onde havia um imponente tanque comunitário, constantemente ocupado por grupos ruidosos de lavadeiras e, do outro lado, casinhas térreas, de ourives que trabalhavam filigrana de portas abertas. A casa, por certo, completamente alterada, ainda existirá... Não assim a Vila Maria. A sua vida, por desleixo e descaso de quem manda no município, foi relativamente curta, do início doa anos 20 ao fim do século, quando foi permitida a sua demolição (uma barbaridade, porque a casa com o terreno circundante teria tido fácil utilização para turismo, a mais evidente, ou para uma clínica ou um Museu, até para um centro comercial, ou condomínio de luxo, se soubessem aproveitar o enorme espaço que ladeia o edifício de época, em construções a que o ligassem harmoniosamente). Comprada por um pato bravo que faliu está hoje transformada em parque de estacionamento. Dizem. Nem a mãe nem eu o vimos com os nossos olhos, porque os fechávamos, firmemente, sempre que passávamos pelo local
A casa ficava dentro do jardim, distantes uns 30 metros da rua principal e separada de roseirais simétricos um metro mais altos e bordejados a granito, por um caminho largo, que permitia fazer à sua volta gincanas com os carros, como as que algumas vezes se organizaram. Ladeando o portão de ferro as japoneiras, de camélias cor-de-rosa. No extremo norte, à face da estrada, o mirante (que chamávamos o mirante da frente para o distinguir do mirante que ficava no outro extremo, dava, então, para um caminho de terra batida, onde agora é uma escola). Ao lado, espalhando os ramos sobre o mirante e o muro, um enorme diospireiro, A sul, também à face da estrada, o “chalet”, que fora destinado a cavalariça ou garagem, e, depois da morte do Avô, acabou arrendado a vizinhos tranquilos, gente respeitável da terra.
A simetria dos canteiros (elevados um metro acima do nível do portão e do largo espaço de acesso à casa), terminava  face à entrada principal e ao seu terraço - de lado do mirante, prolongava-se até a pequena "casa do forno e à área em que  o pomar confinava com as vinhas. Do lado do chalet, em frente ao grande vitral da parede sul, começava o pomar, por trás do qual se escondia, num retângulo fechado por muros de granito, a pocilga.. Vista de fora, sem porcos à vista, dir-se.ia uma longa   casa térrea, discretamente avistada entre muitos troncos e ramos das árvores de frutos. Havia sempre dois porcos e, quando chegava o dia da matança, as meninas eram fechadas na sala, tão longe quanto possível, para não ouvirem os gritos do tenebroso ato sacrificial. Ouviam, mesmo longe ouviam, e recordaram o horror dos sons, sem imagem. Quem vinha executar o ritual era o dono do talho, negociante próspero e homem simpático. pai da Felismina, que era amiga das meninas e, como elas, aluna de piano da prima Nucha. Depois, era dia de comer rojões, esquecendo a sua origem trágica.. 
A carne de porco sobrante era guardada em arcas, antes cuidadosamente limpas com areia e, depois, cheia de quilos e quilos de sal. A mãe conhecia bem a arte de conservar produtos, frutos, por exemplo:  mandava colocar as laranjas em areia, numa grande arca de castanho, ou os dióspiros, embrulhados em papel, em gavetões fechados. 
Do círculo de amigas e colegas das lições de pianos d pequena Mariazinha faziam parte as "Paciências", encantadoras filhas de um dos vendedores das terras onde se implantou a Vila Maria, e as irmãs Maria Amélia e a Madalena da Estrela. Não era apelido, mas alcunha -  o pai tinha construído um palacete original, em  forma de... estrela.. (Antecipando o futuro em alguns anos, poderá, desde já dizer-se que há muitas fotografias do casamento de estadão da Maria Amélia, com quem, depois, perderam contacto. porque foi viver para Viana. Madalena uniu o destino a um rapaz de Avintes, contra um coro de opiniões adversas. Gostava dele, e não quis saber de mais nada. Não se conhece o desfecho, pois também lhe perderam o rasto. A Felismina viria a ser uma rapariga bonita, alta e loira e a primeira a casar, com um Ramos, a quem chamavam o "Ramitos". Contou às colegas das, pormenores pedagógicos sobre a noite de núpcias, e deixou um conselho: "Não vale a pena gastarem dinheiro na camisa de noite de núpcias. Não vale mesmo a pena...).







Ao longo da divisória com  o terreno do Monteiro ficavam as ramadas com suporte  em bardos,  ocupando metade da quinta agrícola, desde a casa da eira ao mirante do fundo do terreno. Entre as vinhas, havia americano preto e, junto à eira, americano branco (nunca foram cortadas, escaparam ao massacre imposto por lei) e à esquerda, o "Chance la rose", que era reservado para a Avó Maria, grande apreciadora,
Os primeiros bardos eram de moscatel de Hamburgo.
O piso térreo da casa era ocupado por lojas, garrafeira e adega. Do interior, descendo a escada víamos, em frente, a garrafeira, e, passando uma porta verde, a enorme adega, com o lagar e as pipas de vinho.  A Mãe recordava os homens a pisar as uvas, e, no fim do trabalho,  a comer na cozinha, enormes pratos de bacalhau e carne de porco.
A mais famosa história ligada à garrafeira, aconteceu numa visita Pascal, quando era Pároco o Abade Andrade, pessoa muito discreta e cerimoniosa. Foi o Tio Serafim quem abriu as garrafas de vinho branco e de champanhe recém chegadas da garrafeira.  A primeira não saiu com o estrondo habitual, parecia ter perdido força. Outras foram circulando, mas ninguém parecia ter a habitual vontade de beber. Alguém comentou "É fraquinho, perdeu a força". Quando já os hóspedes se haviam retirado, a Avó Maria decidiu fazer a prova dos vinhos e descobriu que em quase todos a percentagem de pura água era elevada - adicionada pelos filhos para substituir o original, que tinham partilhado em noites de paródia secreta com amigos...
Imagine-se o sermão materno que se seguiu - dirigido mais a uns do que a outros, conforme o grau de suspeição. O Tio Zé batia de longe os demais...
Uma prole sempre difícil de controlar.  Eles e elas. Assim, por exemplo, das filhas só a Tia Lina a acompanhava na visitação dos doentes. A Mãe recusava-se, firmemente e não consta que as Tias Lola e Lena fossem muito assíduas.

A Vila Maria foi um paraíso terreal para várias gerações da família Aguiar, embora a sua vida, por desleixo e descaso de quem manda no município, fosse relativamente curta, do início doa anos 20 ao fim do século, quando foi permitida a sua demolição (uma barbaridade, porque a casa com o terreno circundante teria tido fácil utilização para turismo, a mais evidente, ou para uma clínica ou um Museu, até para um centro comercial, ou condomínio de luxo, se soubessem aproveitar o enorme espaço que ladeia o edifício de época, em construções a que o ligassem harmoniosamente). Comprada por um pato bravo que faliu está hoje transformada em parque de estacionamento. Dizem. Nem a mãe nem eu o vimos com os nossos olhos, porque os fechávamos, firmemente, sempre que passávamos pelo local
A casa ficava dentro do jardim, distantes uns 30 metros da rua principal e separada de roseirais simétricos um metro mais altos e bordejados a granito, por um caminho largo, que permitia fazer à sua volta gincanas com os carros, como as que algumas vezes se organizaram. Ladeando o portão de ferro as japoneiras, de camélias cor-de-rosa. No extremo norte, à face da estrada, o mirante (que chamávamos o mirante da frente para o distinguir do mirante que ficava no outro extremo, dava, então, para um caminho de terra batida, onde agora é uma escola). Ao lado, espalhando os ramos sobre o mirante e o muro, um enorme diospireiro, A sul, também à face da estrada, o “chalet”, que fora destinado a cavalariça ou garagem, e, depois da morte do Avô, acabou arrendado a vizinhos tranquilos, gente respeitável da terra
A simetria dos canteiros, terminava nas espaços que ladeavam a casa - de lado do mirante, prolongava-se até a pequena "casa do forno e à área em que  o pomar confinava com as vinhas. Do lado do chalet, o início do pomar e, por trás, num retângulo fechado por muros de granito, a pocilga. Vista de fora, sem porcos à vista, dir-se.ia uma longa   casa térrea, discretamente avistada entre muitos troncos e ramos das árvores de frutos. Havia sempre dois porcos e, quando chegava o dia da matança, as meninas era fechadas na sala, tão longe quanto possível, para não ouvirem os grito do tenebroso ato sacrificial. Ouviam, mesmo longe ouviam e recordaram o horror do som, sem imagem. Quem vinha executar o ritual era o dono do talho, negociante próspero e homem simpático. pai da Felismina, que era amiga das meninas e aluna de piano da prima Nucha
Depois, era dia de comer rojões, esquecendo a sua origem trágica...
Não só a carne de porco era guardada numa arca, antes limpa com areia e, depois, cheia de quilos e quilos de sal. A Avó Maria não só conservava os pedaço de porco, como, por exemplo, as laranjas numa grande arca de castanho, em areia.ou os dióspiros em gavetões, embrulhados em papel...
Para além da Felismina, outra amiga do círculo das lições de piano era a Maria Amélia da Estrela (que não era apelido, mas alcunha. Seu pai tinha construído um palacete muito original, em  forma de estrela. Foram muito próximas, durante muito tempo - da Maria Amélia e de uma irmã, a Madalena, Faziam parte do grupo que ia , muitas vezes, lanchar à Ateneia. Há muitas fotografias do casamento da Maria Amélia, mas depois perderam contacto. ela foi viver para Viana. A irmã casou com um rapaz de Avintes que não tinha grande fama. Gostava dele, e não quis saber dos vaticínios. Casou com ele, e perderam-lhe o rasto, um armador de barcos.
A Felismina, rapariga bonita, alta e loira, foi a primeira a casar, com um Ramos, a quem chamavam o "Ramitos". Contou às colegas das lições de piano, pormenores pedagógicos sobre a noite de núpcias.  e um conselho: "Não vale a pena gastarem dinheiro na camisa de noite. Não vele mesmo a pena...





II - A SEXTA FILHA

  Mãe 10 março





Maria Antónia Barbosa Aguiar nasceu em Gondomar, a 28 de Agosto de 1920.
A Mãe tinha regressado, definitivamente, do Rio de Janeiro poucos meses antes. Quando fez a última travessia do Atlântico já estava esperando a menina. E, por isso, a Maria Antónia se considera brasileira! Ou brasileira e portuguesa. Mas não conhece o país de origem (hoc sensu...). Eu tê-la-ia convidado para uma viagem até lá, se ela estivesse disponível para essa "aventura". Não está. O mais longe que consegui que fosse, de avião foi à Madeira, em 1977, juntamente com a Maria do Carmo, também minha convidada. O susto enorme que todos apanhámos com a aterragem no Funchal ("todos" incluía ainda a Tia Lola e o Tio Gustavo e a Rosa Maria Gayoso) foi, para ela, dissuasor de futuros "voos"...
Voltando à sua história, muito sintética:
Tem um olho de cada cor, um azul esverdeado e outro mais verde, verde. Quem descobriu a anomalia foi o Pai. "Maria, a menina tem os olhos de cor diferente", disse à mulher, um pouco abalado. Não sei se ela se preocupou muito com isso. Pela forma como, mais tarde, me contou esse episódio, parece-me que não... Certo é que a filha sempre gostou da singularidades! Uma das primeiras coisas para que chamava a atenção dos namorados de juventude (vários!) era para esse detalhe.
O pior é a forte miopia, de que sofre e o facto de não terem detectado, a tempo, a diferença de diopetrias entre os seus belos olhos, que acabou por lhe provocar, a partir dos 4 ou 5 anos, a cegueira funcional do olho esquerdo. Nada que a tenha tornado infeliz. Soube, em regra, escolher bem os óculos - e para as fotografias quase sempre os retirava.
Do Pai, lembra-se mal. Morreu quando tinha 6 anos. A irmã "quase gémea", a Tia Lola (Glória Doroteia), apesar de mais nova, parece guarda mais memórias do Papá, que lhe chamava "a minha molequinha", por ser muito morena, como ele e muitos dos Aguiar. Curiosamente, uma das lembranças que ambas partilham é a do Pai a colher morangos, a lavá-los, um a um, na água corrente do tanque da quintq, e a oferecê-los, nuns cestinhos bonitos, às duas meninas. Era um apreciador de frutas e elas também.
As duas suportaram e detestaram a vida no Colégio da Esperança. Eram cábulas, irreverentes e tão mal comportadas que as colegas lhes chamavam "os galos doidos". Podemos imaginar o que fariam para merecer o epíteto...
A Maria Antónia era brilhante em história e geografia, boa aluna a línguas - não a matemática ou a ciências. Fez o antigo 5.º ano (hoje 9.º), em "disciplinas singulares", selecionando as que lhe agradavam -  uma modalidade, entretanto, desaparecida..
Do que gostava mais era de música, de  piano, que aprendeu, desde pequena, com a prima mais velha Nucha Aguiar. Um dos seus amigos , o pianista Fernando Marques Ribeiro, a quem chamavam o "Chopin português", considerava-a talentosa! E, por sinal, o seu compositor preferido era o Chopin original... Ainda é.
Os romances de jovem, em Gondomar, foram variados, mas superficiais. O primeiro, a sério, foi o jovem viúvo, João Dias Moreira, de Avintes. Conheceram-se, num encontro, porventura, programado pelas famílias, na capelinha do Monte da Virgem, em Gaia. No curriculum, ele tinha duas qualidades muito apreciadas pela Avó Maria: em 1.º lugar, o ser muito católico, em segundo, o facto de ser filho único de pais ricos.

Para a Mª Antónia terá contado mais o ele ser um belo rapaz, alto e loiro, poeta romântico, comunicativo e divertido.
Namoraram pouco tempo, mas intensamente, a partir de umas muito faladas férias em Branzelo, na quinta de uns amigos da Avó. Casaram em Novembro de 1941, em Gondomar. Lua de mel no itinerário do Vouguinha ( o combóio, claro...) de Espinho até Viseu!

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CV Breve

Estudos
Primária na Escola de Gondomar, com a Professora Dona Clarinda Bismarck de Melo, "uma senhora muito chique", segundo esta antiga aluna.
Exame da 4.º classe, com distinção.
Liceu no internato de Nª Sª da Esperança - Porto
Fez o antigo 5.º ano do liceu (actual 9.º), escolhendo as cadeiras que mais lhe agradavam, como história, geografia, francês, inglês. Chamava-se a esse regime optativo: "singulares".
Era óptima também em dactilografia, mas não trouxe para casa o diploma porque não lhe apeteceu ir ao Porto para a prova final de exame!

Música
Piano desde os 8 anos, com professora em casa - a Nucha Aguiar. Prosseguiu no PORTO. Fez o 5º ano do Conservatório. Em Gondomar, retomou as aulas com a Nucha. Compositores favoritos: Chopin, Mozart, Shubert
Considerada talentosa. Muito elogiada pelo compositor e amigo José Fernando Marques Ribeiro.

Casamento e descendência
Casamento na Igreja Matriz de Gondomar, em 15 de Novembro de 1941 (depois do casamento civil, no início do mês).
Filhas nascidas em Junho de 1942 e Dezembro de 1943: Mª Manuela e Mª Madalena.




Nos primeiros anos de casados viveram na Vila Maria - o enorme casarão, onde com a Avó já só morava o filho José Augusto. Mais tarde, mudaram-se para outra casa espaçosa, a da Tia Rozaura, que era a madrinha e uma verdadeira segunda Mãe para a Mª Antónia e segunda Avó para a Lecas e para mim.
A partir dos anos 60, seria a Tia Rozaura a mudar-se para o Porto, para o nosso andar da Rua Latino Coelho, e, depois do 25 de Abril de 1974, para Espinho.
Passamos temporadas em Avintes, com os Avós Olívia e Manuel, de quem nós, as crianças, éramos muito amigas, mas com quem a Mãe nunca se entendeu bem. Muito boa era a ligação ao círculo da família do marido,  os Tios Reis, Francisca e António, os primos,  Mª Angélica, Corinto Marques, António e a mulher, Amélia Soares de Albergaria, desde o seu casamento na Sé do Porto, em que os meus Pais foram padrinhos do noivo - e outros primos de Avintes, a Nini e o Chico Marques, os Fernandes Capela, Alda Mª Helena, Manuel e Alberto.
A Mª Antónia nunca trabalhou fora de casa - e não gostava da tarefas domésticas. À época do casamento, nem sequer sabia fazer chá ou café! Em casa da Mãe ou da Tia Rozaura, não tinha de se preocupar com isso. Ia quase quotidianamente passear para o Porto, com a Tia Lina, e lanchar na Ateneia ou encontrar-se com a prima Cristina, que gostava mais de frequentar o café Ceuta. Às vezes, optavem por uma sessão de cinema. O Pai também era "cinéfilo", acompanhava-a nas sessões da noite. Aos fins-de-semana, grandes passeios, com lautos almoços e jantares, sobretudo "minhotos", com irmãos, cunhados e sobrinhos - e a Avó Maria. Fátima, era outro dos destinos, o preferido da Avó, que, porém, estava sempre disponível para sair, fosse para onde fosse... As corridas, em Vila Real, ou no Porto: um "must"!
A maior tragédia da sua vida foi a doença e a morte da Lecas, de leucemia, aos 20 anos, em 1964. A Mãe andou de preto durante anos, até que eu decidi oferecer-lhe um vestido de cores garridas e convenci-a a usa-lo. O desgosto não diminui, nunca, nem a lembrança, mas o luto absolutamente inútil e deprimente, terminou, de vez.
Os Pais celebraram as bodas de ouro, em Espinho, com uma festa alegre e muito animada, ao som das canções dos Aguiar Pereira!
O pai morreu, subitamente, sem um sinal de aviso, a meio de uma frase, num domingo de Páscoa, ao jantar. Foi terrível, mas,desta vez, a Mãe não se transformou numa velhinha vestida de negro. Os sobrinhos têm sido uma boa razão para viver, com entusiasmo, como se deve sempre viver.
Está cada vez mais excêntrica, e faz gala da sua excentricidade. Insiste em se vestir bem. Mas os pormenores ficam para os comentários. Aqui está o convite, a contar histórias sobre uma Tia muito especial ( um pouco à Mourinho, num outro terreno de jogo...)

Ei-la nas várias idades : com um ano, doze, vinte e tal, quase quarenta, cinquenta e muitos, à beira dos oitenta, e aos oitenta e oito (quem diria?).







































Parabéns à GIJA
Para a melhor tia do mundo que, nestes anos tem feito o papel "Super Avó"...
muitos beijinhos
manelinha
Anónimo disse...
Maria Antónia disse: hoje comprei um grilo e chamei-lhe Isidoro.
Lembrei-me de um Isidro Isidoro, do Gondomar, que morreu, ainda eu era pequena. Ele tinha, em vida, deixado bem claro que queria ir no caixão com um cravo vermelho na lapela. Por isso, quando soube da sua morte, pedi à Maria Póvoas que me levasse ao velório para o ver. Nem a Mamã nem a Tia Rozaura consentiram, mas a Maria levou-me, em segredo. E lá estava o morto, de flor vermelha ao peito!
O Isidoro recordou-me outras figuras típicas do Gondomar dessa época:
o Arregalado, que era o trolha da Tia Rozaura;
Pichela;
as Amarelas, que viviam,logo abaixo da casa da Adriana, na Pedreira;
a Ana Facas e o Caminha, que moravam ao lado da casa da D. Aurora e da Marília Montenegro, perto da Pedreira, numa bonita casa com um mirante ladeado de glicínias, como o da casa da minha Avó Carolina.
Memórias...

Estou preocupada com o grilo!
Não que eu seja sequer capaz de lhe pegar...
De qualquer modo, com 7 gatos em casa, que, à falta de ratos, caçam e desfazem tudo quanto move, temo pela vida do Isidoro e preparei o melhor lugar para a sua estada segura, nas alturas!
A Mãe serviu-lhe uma refeição de verduras e pedaços de maçã. Pobre bicho... O que ele mais anseia é sair da gaiola.
Esteve aqui, de tarde, a Lélé e propôs-se libertá-lo, lá na aldeia pacífica onde dá aulas. Se calhar é o melhor, embora possa ser comido por sardões ou outros inimigos não menos letais do que os nossos gatos...
A propósito da história que a Mãe lembrou, sem quaiquer referências ao 25 de Abril, que hoje se comemora - mas que ela não comemora nada... - pergunto a mim própria até que ponto, sem se dar conta, foi influenciada pela efeméride revolucionária, ao prender na gaiola o grilo com nome do homem do cravo vermelho - muitas décadas antes de década de 70!
Descrição: https://img1.blogblog.com/img/blank.gif
Anónimo disse...
Maria Antónia disse:
Não me falem de 25 de Abril!
Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Vi, na rua, uma mulher a vender grilos. Tinha muitos, numa bacia grande.
E eu lembrei-me de ter, uma vez, andado com o meu irmão Zé, a apanhar grilos, quando íamos dar um recado ao Dr. Cardoso, em corta-mato.
Eu não tinha mais de 12 ou 13 anos.

Estou mesmo a ver os dois irmãos, a atravessarem a vila, numa missão muito concreta, mas em correrias, e não resistindo à tentação de se divertirem um pouco, fosse com o que fosse, a meio da empreitada. Acha a Mª Antónia que foi o Zé quem teve a ideia:
"Maria, e se fossemos agora aos grilos, ali, naquele mato?"
E ela, logo pronta para a distracção, disse que sim... (tinham acabado de passar "os 7 caminhos", interessante nome, esse!).
Aranjaramin loco, umas palhinhas, procuraram cuidadosamente e foram recolhendo vários exemplares, que o Tio Zé guardava no bolso.
Não devem ter tido problemas, em casa, porque a Avó Maria também gostava de grilos.
Eu tenho uma vaga recordação de tentar, em excursões campestres, despistar pequenso buracos no chão, e de sondar o seu interior com as tais palhinhas... E até de ver grilos. Mas parece-me que sempre preferi deixa-los no seu meio ambiente!
Do que gostei foi de encontrar, hoje, e pela 1ª vez, no meu mini-jardim, mal cuidado, uma linda joaninha. Há anos, sem conta, que isto não acontecia!... A Mãe veio logo que a chamei, pegou na Joaninha e começou a recitar a lenga-lenga:
"Joaninha voa, voa
Que o teu pai foi para Lisboa..."
Depois, como ela não queria voar, foi pousa-la na trepadeira, ao fundo do seu mini-jardim.
No qual andou, ontem, a plantar roseiras novas. Não sei se resistirão a "pipi" de gato...

Casamento oficiado pelo pároco de Gondomar, Abade Andrade e Silva, um grande amigo da Avó Maria.
Foi também ele que casou a Tia Lola, no ano seguinte, na capela da casa de Rio Tinto.
O copo de água, em ambos os casos, foi na Vila Maria, naturalmente.

Os CV's escolares das manas são semelhantes, assim como a relativa importância que lhes atribuiam - ambas destinadas a serem senhoras casadas e mães de família, como foram.
Divergências, registam-se algumas, por exemplo, na música, mais clássica para a Mª Antónia, mais ligeira para a Glória Doroteia. Também no namoro - uma constelação de namoradinhos para a mais velha, uma só paixão juvenil para a Lólita - o Eduardo.
E até no casamento - durável o de uma, não tanto o de outra...

A Mª Antónia recusa, firmemente, ser considerada "dona de casa". De coisas e tarefas de casa, quis sempre o menos possível...
Profissão: Senhora!
O feminino do que os ingleses designam por "gentleman of leisure"...
Já a Tia Lola foi, sem dúvida, uma prendada "dona de casa", que tudo sabe fazer ou mandar fazer, na perfeição. Caso, igualmente, das outras duas irmãs, Lina e Lena...
Mª Antónia é a excepção. Cultivou e praticou a excepção, sempre, pela vida fora.
Isto já nasce com a pessoa. Eu saio à mãe, nesse aspecto, embora tenha profissão ou profissões exteriores ao lar...
Lecas, pelo contrário, era muito dotada para as artes domésticas. Mas não só: também para o canto, a dança, o desporto, a condução de automóveis... Embora tivesse, face a estudos curriculares, a mesma atitude da geração anterior.
Do que a nossa famosa "lady of leisure" gosta é de fatiotas chiques, perfumes caros, champagne (doce, hélas!), para além das telenovelas brasileiras, dos escritores brasileiros (Jorge Amado,
Érico Veríssimo...), da música clássica ou dos fados de Amália e de revistas "ligeiras", a Holla, A Semana, a Caras, a Gente, etc, etc...
E adora fazer palavras cruzadas! É uma perita. Rapidíssima!
Com tanta revista espanhola que lê, acho que até já faz palavras cruzadas em espanhol...

Maria Manuela Aguiar disse
À conversa com a Mãe e a Tia Lola sobre 
VIZELA
 - Ficavam, em regra, numa pensão que pertencia ao Sr João e à Senhora Mariquinhas, pais da Aurora, de quem gostavam. Era bonita, ruiva e divorciada - uma raridade, então.
 - Lembram-se também do tolinho que, um dia, viu uma mulher nua nas águas da Mourisca 
 - O Hotel Sul Americano era uma atração, sobretudo o salão, profusamente iluminado, onde pares, elegantemente vestidos, davam espetáculo, em infindáveis danças. E as duas pequenas irmãs olhavam e invejavam os adultos. Quem lhes dera ser grandes para deslizarem também, entre eles, ao som da música. Excelente era um outro hotel, o "Cruzeiro do Sul", mas a Avó Maria mantinha-se fiel à simpática pensão da  Aurora, onde a esperavam, anp após ano.
 - Uma diversão que a idade lhes permitia era andarem de burro, em cima de uma cadeirinha... E mirarem o bazar com muitas bonecas na montra - mesmo ao lado da pensão. Ou a bica de água sulfurosa, que ficava no centro de Vizela.
De Vizela para o rio Douro.
O Tio Eduardo era um excelente nadador e praticante de vários desporto nauticos. Era dono de uma canoa para duas pessoas, que fazia sucesso entre os amigos. Até que o amigo Licínio caiu ao rio e morreu afogado. No funeral, o Tio chorava e dizia. "Foi no men barco!"
De seguida, vendeu a canoa...
VILLA MARIA
Ao longo da divisória com  o terreno do Monteiro ficavam as ramadas com suporte  em bardos,  ocupando metade da quinta agrícola, desde a casa da eira ao mirante do fundo do terreno. Entre as vinhas, havia americano preto e, junto à eira, americano branco (nunca foram cortadas, escaparam ao massacre imposto por lei) e à esquerda, o "Chance la rose", que era reservado para a Avó Maria, grande apreciadora,
Os primeiros bardos eram de moscatel de Hamburgo.
O piso térreo da casa era ocupado por lojas, garrafeira e adega. Do interior, descendo a escada víamos, em frente, a garrafeira, e, passando uma porta verde, a enorme adega, com o lagar e as pipas de vinho.  A Mãe recordava os homens a pisar as uvas, e, no fim do trabalho,  a comer na cozinha, enormes pratos de bacalhau e carne de porco.
A mais famosa história ligada à garrafeira, aconteceu numa visita Pascal, quando era Pároco o Abade Andrade, pessoa muito discreta e cerimoniosa. Foi o Tio Serafim quem abriu as garrafas de vinho branco e de champanhe recém chegadas da garrafeira.  A primeira não saiu com o estrondo habitual, parecia ter perdido força. Outras foram circulando, mas ninguém parecia ter a habitual vontade de beber. Alguém comentou "É fraquinho, perdeu a força". Quando já os hóspedes se haviam retirado, a Avó Maria decidiu fazer a prova dos vinhos e descobriu que em quase todos a percentagem de pura água era elevada - adicionada pelos filhos para substituir o original, que tinham partilhado em noites de paródia secreta com amigos...
Imagine-se o sermão materno que se seguiu - dirigido mais a uns do que a outros, conforme o grau de suspeição. O Tio Zé batia de longe os demais...
Uma prole sempre difícil de controlar.  Eles e elas. Assim, por exemplo, das filhas só a Tia Lina a acompanhava na visitação dos doentes. A Mãe recusava-se, firmemente e não consta que as Tias Lola e Lena fossem muito assíduas.

Maria Manuela Aguiar disse
O COLÉGIO da ESPERANÇA
As colegas
 - Zita Seabra, muito bonita, loira, de olhos azuis, mãe da Zita Seabra, antiga deputada 
 - Renia Finkelstein, que veio ainda muito pequena da Polónia, de onde trouxe muitos "pins", que lhe ofereceu
 - Miriam Gabriela Cavalier, outra amiga muito especial, que viria a ser uma excelente médica
 - Manuela Abrantes, que as convidava para os aniversários, numa belíssima casa, que ficava ali perto, no Prado do repouso   - ocasião para saírem do colégio, com autorização da mãe, primorosamente falsificada.
 - a Olímpia e a Julieta, transmontanas, que tinham casa em Espinho, as únicas com quem manteve convívio frequente
(A Mãe ainda foi algumas vezes a reuniões de antigas alunas, onde reencontrava Miriam. Acabou por desistir, porque ficava sempre deprimida, Quando perguntava por esta ou aquela, a resposta era "morreu", "morreu"...  Com exceção da Miriam, estavam praticamente todas irreconhecíveis, desinteressantes, velhas, de muletas...).
Nos últimos anos já a Tia Lola namorava o futuro marido, que não só tinha uns anos mais do que ela, como parecia ainda mais velho, visitava-a, apresentando-se como tio! Manifestavam-lhe toda a consideração, davam-lhe acesso ao salão, cumprimentavam-se com um beijinho na face, como mandava o parentesco. Ela de soquetes, com lacinhos vermelhos no cabelo. (Vermelho era a sua cor favorita. A da Mãe foi sempre o amarelo) . A quinta-feira era o dia reservado às visitas de família. Um dia o irmão Manuel apareceu , em substituição da Mãe, que estava doente, levando-lhes os presentinhos do costume (bolachas, queijo, marmelada, chocolates...).  A certa altura, subiu a um banco, desatarrachou a lâmpada e levou-a, deixando as manas apavoradas! 
Ambas detestavam o internato. Choravam noites inteiras - ou seja, até adormecerem. Ficavam em camas pegadas. A 
encarregada do dormitório chamava-se Beatriz. Só iam a casa no Natal, no Carnaval e na Páscoa - e nas férias grandes, evidentemente. Tentavam adoecer, caminhando com as meias ou soquetes molhados, mas poucas vezes conseguiam apanhar a desejada constipação... Também planeavam fugas, não concretizadas. Os muros da quinta eram baixos. Na capela, havia uma porta com grade e uma chave enorme. Não lhes faltava vontade de roubar a chave, para sair. Uma vez, quase o iam fazendo e foi a amiga Maria Laura Horta que as convenceu: "Não façam isso"!
Gostavam de jogos, a Mãe era ótima no ping-pong

PAIS na VILA MARIA
No verão, ficavam no quarto grande, no 2º andar (e, por isso, ai nasci, no mes de junho de 42), no inverno mudavam para baixo, para o 1º andar ( em 12 de dezembro 43 , aí veio ao mundo a Madalena)
Para o Pai, os cunhados agiam perigosamente, quando havia ladrões noturnos na quinta, depois do criado fechar os portóes e ir dormir, tranquilamente, num pequeno anexo, perto da eira. O Tio Zé avançava no escuro, armado de um pau. O tio António, com o seu ar muito sereno  usava pistola.  (Tinha uma pontaria fantástica, começou por treinar com fisgas, em criança, depois passou a armas de fogo). O ladrão tentava saltar o muro ao lado do portão e o tio disparou para as pernas e acertou-lhe. No dia seguinte, havia vestígios de sangue no local, mas nunca se soube quem era o homem.
Noutra altura, foi o Tio Zé, que vislumbrou, entre as sombras do jerdim, um estranho, às duas ou três da manhã. Foi acordar o Pai. "João, depressa, depressa! Vamos apanhar um ladrão". O Pai só dizia à mãe: "O teu irmão é tolo", mas ela respondeu-lhe: "tens de ir, não podes deixar o meu irmão sozinho!" E ele foi, sem convicção. Enquanto o cunhado corria em direção ao suposto vulto, empunhando um pau, e ordenava ao cunhado que guardasse a saída do portão, o pai tropeçou, magoou-se, queixou-se que tinha rachado a cabeça e tratou de facilitar a fuga ao ladrão. Mas o Zé queria mesmo ir à guerra. Com um pacifista por companheiro, foi uma guerra perdida...

Tia LINA NA VILA DEOLINDA
Vila Deolinda foi a terceira  casa dos Tios Lina e Serafim (Depois da residência no Souto e antes da vivenda da Cónega e, finalmente, a Vila Maria)
 A Vila Deolinda era de uma prima (Beatriz?), que a arrendou quando foi viver para Lisboa.
As manas Maria e Lolita passavam lá tardes inteiras. Lanchavam no terraço, em frente ao Largo Manuel Guedes (um tio avô materno), e de lá era fácil darem uma escapadela até aoCrasto
HOBBYS da AVÓ MARIA e da Mãe
Bordados, ponto de pé de flor, rendas de bilros, flores (não deixava ninguém podar as rosas do Avô Aguiar - só ela, com um grande chapéu de palha na cabeça para se proteger do sol...), compotas maravilhosas, de cereja, de chila... Chila que crescia no lugar de separação do jardim para a quinta agrícola. Dizia a Tia Lola: a mamã era absolutamente perfeita em tudo o que fazia". Tb gostava imenso de música, sobretudo de piano. Todas as meninas aprenderam a tocar piano com a Nucha, que tinha o conservatório e era talentosa. Muito excêntrica - no inverno usava dois sobretudos um a fechar atrás, outro a abrir à frente. As lições sucediam-se na mesma tarde. Tinha dois filhos  que sobreviveram. Homero e Álvaro. A irmã Lucinda, madrinha da mãe teve 3 filhos, todos regressaram ao Brasil, onde ela tinha vivido.
A Avó era também uma visitante assídua do centro do Porto. Ia muitas vezes de elétrico até ao Bolhão, onde a linha 10 terminava. Muitas vezes me levava com ela, lanchávamos na Villares, fazíamos compras na Lã Maria, no Bazar de Sá da Bandeira, Para fotografias, o escolhido era a Foto Vieira, em Santa Catarina - na montra tinha sempre jogadores do FCP.
Um dos amigos do genro, o meu pai era o Danilo, que tinha uma sapataria elegante, salvo erro, em S Catarina. Foi ele que ofereceu à Tia Lola os sapatos do seu casamento. Em matéria de sapatos. lembravam o caso curioso do Tio António, que quando gostava de um modelo de sapatos, comprava não um mas dois ou três pares. A Mãe seguia o exemplo, variando as cores, por ex Chanel branco e beige, branco e preto
 Não a Avó , mas os meus pais e os primos António e Chico  frequentavam muito o Guarani, que, já nesse tempo, oferecia espetáculos de música e canto. Ali perto, nos "Leões" a Xana fazia um tratamento experimental químico para uma doença de pele. O Mário então estudante frequentava o café de estudantes "O Piolho"
Ali perto a Tia Lena frequentou o Colégio Liverpool (Rua dos Bragas, perto da Fac de Engª), depois que a mana Lolita foi expulsa do Colégio da Esperança (por delito de liberdade de expressão . uns escrito contra a diretora do colégio, entre outras  heterodoxias. Ao que parece admiravam muito a anterior diretora Dona Mª Luísa, uma verdadeira Senhora. A sucessora era, na expressão da Tia Lola uma mulher sem maneiras, que às refeições punha os cotovelos em cima da mesa. O precioso escrito num caderno escolar foi apreendido, As suas companheiras de protesto, Tina Ramalheira e Gracinda Andrade, ao que  parece, tiveram a mesma sorte  (o mesmo se passaria comigo no Sardão - não cheguei a ser expulsa mas o caderno foi apreendido. Graças à minha esplêndida memória, nas férias reproduzi-o, palavra por palavra...).
Lojas de que a mãe gostava - Vogue, Vicent, Armando de Sá, jóia... Tb Clérigos...

10 de Julho de 2011
MARIA ANTÓNIA DISSE
 - Chapéus e fatos de praia
A Mamã  gostava de imaginar os modelos dos nossos chapéus de praia - cortava os moldes, com muita habilidade, e mandava-os à Maria Folhelha para cozer e para enformar as abas, que ficavam impecáveis. Abas largas, para proteger do sol. Era também uma artista a tricotar.  E havia ainda os chapéus de ráfia, muito bonitos, para condizer com os vestidos e fatos de praia.
Os fatos de banho eram de malha, que a Mamã comprava e mandava fazer a uma modista do Porto. Curtinhos, sem exagero, pelo meio da coxa,  alça larga e decote pequeno. Por baixo da saia usávamos calções justos à perna. Escolhia sempre cores neutras.
 - O Tio Alexandre
Quando iam para o Colégio, o Tio dava-nos 20 escudos a cada uma para comprarmos  doces e chocolates. E levava-nos muitas vezes ao Porto a fazer compras, sobretudo vestidos e sapatos. A Lolita era rápida a escolher o que queria. Eu não gostava de nada, corríamos o Porto inteiro, de loja em loja, sem eu me decidir. O Tio, muito paciente dizia-me: "Quando vires uma menina com uns sapatos de que gostes, eu pergunto à Mãe dela onde os comprou. Depois que o emu Pai morreu, ele ocupou o seu lugar
Sobre o seu Pai:
Gostava de reunir os amigos no jardim. Sentavam-se nos bancos e cadeiras verdes, de ripas de madeira, à volta de uma mesa redonda. Mandava buscar vinho à adega e discutiam longas horas sobre política da terra, sobre a República, que ele considerava uma desgraça. Costumava dizer " monarca passa, Buíça, chiça"
Mas dava-se bem com os cunhados republicanos. Já depois da sua morte o Tio António esteve escondido na Vila Maria. Era o mais radical de todos, chegou a estar exilado em Angola, onde teve negócios que, por acaso, correram bem. Mas no Porto não. os investimentos acabaram mal e voltou a ser funcionário público.  Recordo-me da Mamã recomendar às criadas:  "Viste aquele senhor lá em cima, mas não podes falar dele a ninguém". Ele era muito simpático com as senhoras e tratava bem as criadas. Nunca foi denunciado. Também era bom para nós. Tinha com ele o seu cão, que apresentava às primas (nós).
O Tio António chorou muito, quando morreu o irmão Alexandre. "Lá se foi o meu segundo pai!" Morava, então, numa casa pequena, em Quintã, perto do irmão José. o juiz, que morava na casa que tinha sido dos meus avós Carolina e Joaquim.
 - O pianista Marques Ribeiro
Foi um dos meus pretendentes, mas zangou-se quando soube que eu namorava, ao mesmo tempo, dois rapazes de São Cosme. o Jacinto e o Albino.  O Marques Ribeiro soube pelo Eduardo e levou a mal.  Disse.me: "Gosto muito de si, e espero encontra-la mais tarde, quando deixar de ser criança". Quando veio eu já estava casada com o João. e já tinha uma filha.
 Nessa primeira visita a Mamã recebeu-o  muito bem, ficou encantada de o ouvir tocar Chopin, Liszt, Beethoven. À saída ele perguntou, "Posso voltar na 5ª feira?" "Claro que sim", respondeu ela. Ele voltou algumas vezes, até se zangar comigo. E até queria que eu desse um concerto com ele, no Porto, achava que eu tocava muito bem, A Mamã não consentiu...
O Albino, Jacinto, Adriano e João
Estava na tropa e quando terminou o serviço encontrou-se com o Jacinto e tiveram uma grande discussão sobre quem era o meu namorado, Chegaram mesmo a envolver-se numa cena de pancadaria. O Licínio ficou curioso e veio perguntar-me qual era, realmente o meu namorado e eu dei-lhe a resposta: "Oh Licínio, eu gosto dos dois". Mas pouco depois acabei, primeiro com o Albino e, depois, com o Jacinto.. O seguinte foi o Adriano de rio Carreira,  mas o namoro não durou muito. Decidi que era cedo, que não queria comprometer-me com nenhum, Tinha 20 anos quando fui na camionete do Coelho ao Monte da virgem à Missa Nova do Padre Eduardo Soares Pinheiro, onde conheci o João. Já tinha havido uma troca de correspondência entre a Mamã e a mâe dele, mediada pela Dona Arminda. Por ela sbiam que a Dona olívia tinha um filho viúvo. Na capela fiquei com a Lolita longe da Mamã e junto de dois rapazes. Um deles era, com certeza, o viúvo. Qual seria? Os dois pareciam interessados nela, um era loiro, outro moreno, ambos bonitos. Afinal foi o loiro que veio ter comigo, cá fora. Era o viúvo, o joão.
VILA MARIA MEMÓRIAS DA MÃE (2011)
O meu Pai era apologista de comparar caro - para durar
Por sinal, pagou caro pela propriedade onde construiu a casa, Foram lavradores ricos, seus amigos, que condescenderam em lha vender, mas não precisavam, não queriam e não facilitaram no preço. O lema de todos eles era "não vendemos, compramos" (o Zé do Paço, um Paciência e o Cosme Ribeiro). Iriam pertencer ao grupo que se reunia com o meu pai no jardim..
O negócio concretizou-se quando o Papá ainda estava no Brasil, foi o avô Joaquim, que era notário, quem tratou de tudo.
Na altura o Papá pensou em comprar a quinta que agora pertence aos frades Capuchinhos, uma bela casa antiga, do século XVI ou XVII, mas a mamã não quis. Achava o lugar solitário, muito longe do centro. Não ficava assim tão longe de quintã, mas, na altura era, de facto, isolada.
A Mamã não se arrependeu da escolha.. Tinha uma paixão pela sua casa nova, a dois passos do Souto, da Ala Nuno Álvares  e da Igreja. A Vila Maria, com o seu próprio nome posto pelo Papá

MÃE EM PARIS
Pequeno almoço delicioso no Flash Rouge - não melhores Croissants
La Sainte Chapelle. Louvre. Não subiu ao alto da Torre Eifel, mas subiu ao Arco do Triunfo. 8 de maio.  Passeios de bateau mouche,  Opera, Madeleine, Champs Elysées...Ficou na Cité Univ, no meu quarto, entre os meus simpáticos colegas (eu migrei para a Casa da Noruega). De noite, com o Padre Micael e o Padre Mário. 
MontmartreSacré Coeur. Paris iluminada.

MARIA MANUELA AGUIAR DISSE
EM AVINTES
Lecas doente. A Mãe recusava-se a comer. O Pai ameaçava que se absteria também, mas mas , mal ela voltava costas, subia as escadas para ir ver a menina, ele apressava-se a engolir tudo o que havia no prato. Uma imagem que me ficou.
Gostava de grão de bico, de melância, de amendoins. Também de lagosta e de todos os mariscos. De bons bifes. De vinho tinto e de whisky, mas só bebia socialmente, em festas. Então se tornava um homem alegre e despreocupada e a Mãe que o era, em qualquer caso, dizia: "este homem só fica normal quando bebe", Recordo uma noitada divertida em casa dos tios Reis, Para lá, o Pai foi devagarinho, queixava-se do mau estado da estrada, De volta, veio em boa velocidade e sem notar os buracos da rua!
Era uma ótimo condutor e nunca teve um acidente. Já a Mãe era um desastre! Conseguiu a carta à primeira tentaiva - graças, suponho, a uma cunha do irmão António - mas arrancava a sua predileta "Joaninha" (Renault), como se fosse um avião a levantar voo. A amiga Maria do Carmo era igualzinha., mas não consta que batesse em paredes. A Mãe, sim. Célebre ficou o acidente num subida íngreme, ali para os lados do Freixo. falhou a bateria, uns homens vieram ajudar, empurrando o carro. Em vão. A Lecas saiu, também, e juntou-se ao grupo, o que deixou a Mãe aflita, porque a menina era doente e não podia fazer esforços. Sem pensar duas vezes, também ela deixou o volante abriu a porta, saltou para fora---e o carro começou a deslizar, imparavelmente para trás até bater, em linha reta num portão de ferro, antes da curva da estrada...
A Mãe só gritava: Deixem ir! Fujam todos!
Não houve feridos, só um embate dramático, que o portão e o pequeno Renault aguentaram, para surpresa geral, O motor da Joaninha era nas traseiras, mas as amolgadelas foram relativamente ligeiras. (Já não se fazem automóveis assim..). Houve que chamar o João - que se preocupava sempre até com a mais pequena arranhadela na pintura...
Outro percalço que ficou para a história, aconteceu em Gondomar, numa festa de Natal, na entrada mal sucedida para os jardins da Vila Maria. O carro era minúsculo, branquinho, parecia de brincar, numa pista de feira.  E o portão era largo, largo, dava para um enorme StudebakerCadillac, ou até um camião. Mas a Mãe prudentemente não
 ousava tentar. Imprudentemente, o meu "ex" incitou-a. Entendiam-se muito bem, Tratavam-se pelo nome e por "tu": "Vai, Maria Antónia, tu consegues!". Quase conseguiu fazer um "pião" e sair sem desastre. Apontou ao portão, carregou no pedal (demais) e bateu com o farol direito na aresta da pedra que segurava o portão - à esquerda!
Mais uma preocupação e despesa para o João

Maria Manuela disse:

O CARNAVAL DE 1962
Grande festa nos dois andares do R/C da Rua Latino Coelho. A Mãe e a Maria do Carmo Razzini pediram aos vizinhos para fechar a porta da entrada e usar o átrio como pista de dança, a continuar a sala dos meus pais, Na sala dos Razzini era a ceia, com mesa cheia de doces, salgados e bebidas.. Todos fantasiados, O Dr Figueiredo fazia um chinês convincente, embora muito alto (Tb há chineses altos). O Pai com vestido, chapéu e sapatos da Maria do Carmo fez sucesso (ele calçava 42, ela 40, deve ter sofrido de aperto e,talvez, dado cabo dos sapatos - possivelmente velhos. Havia muita gente, o Domingos, muito engraçado, sempre a falar da "minha Berta". Os donos do Café Príncipe, a Ester e o Sr Rosas, ela com farda de magala e ele com um traje de vianesa, Simpático casal - gostaram tanto da festa, que, no ano seguinte, a organizaram na sua casa. Foi igualmente uma festa esplêndida. Moravam perto de nós, numa vivenda grande. A recordação mais viva que guardo é a da Madalena a cantar a Índia e outras das suas músicas preferidas, com um voz maviosa - a grande estrela da noite

 A AMÁLIA NO CAFÉ RIALTO
Tanto a mãe como a Tia lola adoravam a Amália, cantavam as suas músicas constantemente - não tão bem, porque isso é impossível, mas muito bem.
A primeira vez que a viu de perto foi no Café Rialto, lindíssima, vestida de preto
Outra celebridade que conheceu, mas em circunstâncias mais anómalos foi o ator Rogério Paulo. Num cinema do Porto, onde na companhia da Maria do Carmo chegou atrasada. Foram conduzidas até à fila, à luz da lanterna, depois, ficaram por conta própria no escuro, A mãe enganou-se na cadeira e sentou-se ao colo do ator (pediu as devidas desculpas e só viu quem era no abrir das luzes para o intervalo). Grande embaraço...
Melhor foi, muitos anos mais tarde, o convívio com Virgílio Teixeira, amigo maravilhoso que fiz nas lides da emigração. Em Espinho, durante o Congresso Mundial de Mulheres Migrantes. Virgílio era para ela, o homem mais belo do mundo, Em nova chegara a dormir com o seu retrato debaixo do travesseiro. Já depois de casada, apesar de recolhida numa gaveta a fotografia, tanto o gabava que o meu pai chegava a sentir ciúmes (antigamente tinham ciúmes por tudo e por nada . sempre considerei normal que o meu "ex" tivesse uma paixão estética por Catherine Deneuve, e ele que eu sentisse o mesmo por Gérard Philippe.
),
Sorte teve a Mãe que, de nós três, foi a única a conversar com o seu "idealtipo". Virgílio não era só bonito e talentoso, era uma pessoa maravilhosa. Um verdadeiro amigo, com uma mulher também encantadora, a Vanda. E com Amália, nos anos 80 a Mãe falou longamente pelo telefone, num dia em que eu estava com ela em Connecticut , na casa do primo Seabra da veiga - outro querido e saudoso amigo meu.

CONVERSA SOBRE O TIO ALEXANDRE (a 7 de fev de 2012)

A conversa sobre o Tio Alexandre começou com uma pergunta;"Já atravessaste os Pirinéus?"
Disse que sim. Continuou:"E paraste em alguma aldeia?"
"Que me lembre, não; talvez, não sei..."
Era para saber se eu tinha visto artefactos de lã dos Pirinéus. Depois, falou dos Xailes de  (dos Pirinéus, certamente), que o Tio Alexandre lhe comprou no Porto. Um era cor-de-rosa, comprado numa loja dos Clérigos, na Rua dos Lóios. Outro beije. A Tia Lola não quis nenhum. Não devia gostar...
Ambas as sobrinhas iam só com ele, talvez para evitar que a irmã, a Avó Maria, interferisse nas livres escolhas das meninas.
No verão lanchavam sempre na Brasileira. Mandava vir enormes pratos de bolos e insistia: "Comei os bolos todos!". Nas outras estações, às vezes, variava. Gostava de  um pequeno café, na esquina em frente à Brasileira, na rua que vai dar à Av dos Aliados.  
E de outro, junto à Igreja dos Congregados. Ótimo, até tinha música! Descia-se para a Rua por um pequeno degrau

UM ZEPPELIN EM GONDOMAR
(um relato recolhido no início de 2019)
Depois da guerra, quer dizer, em utilização pacífica, um enorme avião, diferente de tudo quanto se conhecia, atravessou os céus de Gondomar, semeando pasmo e emoção em toda a gente. Segundo a mãe, parecia um gigantesco melão voador. Foi busca-la ao quarto, para ver o fenómeno, uma criada que chamavam "Maria nariz de pau". Correu para a varanda que ficava à saída da cozinha, ainda a tempo de contemplar aquela coisa estranha, que avançava com a majestade e do  das suas dimensões e do seu peso, um prodígio que parecia impossível voar como um pequeno pássaro. Era meio dia. Para além da providencial Maria nariz de pau, não se recorda se a sua mãe ou alguns dos irmãos partilhou com ela a experiência. Talvez não.
Mostrei à Mãe as maravilhas da internet, Procurei em Zeppelin e logo apareceu a precisa imagem que ela viu naquela manhã dos anos 40.

CINEMA NOS ANOS 40


Maria Manuela Aguiar

14:47 (há 3 horas)

para eu
O cinema fazia parte de um modo de viver. Ir ver um filme numa sala bonita, (São João, Batalha, Rivoli...) era um ritual que pontuava o dia, como lanchar naAteneia ou na Villares ou tomar um café no Guarani, na Brasileira, no Imperial, Estivessem em Gondomar ou em Avintes, o centro da animação era sempre a cidade do Porto. Era lá que tudo acontecia. De tarde, a sétima arte era só para as senhoras (os homens trabalhavam). A Tia Lina era uma companheira constante. Quando gostava do espetáculo repetia. No São João viram juntas a Madame Butterfly três vezes.  À noite, geralmente ao sábado o acompanhante era o pai. Era altura para luzir uns vestidos mais chiques, pois havia dois intervalos, ocasião propícia de olhar e comentar as indumentárias alheias. A Mãe punha os seus óculos escuros (muito graduados, a miopia era forte). Um toque de singularidade -  não se usava, na altura, nem era muito prático, suponho, pois veria no ecrã as imagens de outra cor. Para ela era um gesto de afirmação feminina.
Mais difícil era a conciliação de gostos. O Pai tendia para filmes de ação, de guerra, westerns", policiais.   A Mãe adorava comédias, Cantinflas, Doris Day. Talvez o ponto de consenso fosse musicais, e dramas com os grandes nomes de Hollywood. Havia tempo e ocasião para alternarem os géneros. Começavam a noite, antes do filme, sempre num café, onde o Pai bebia mesmo café e a Mãe um "peppermint" e acabavam, uma vez mais, num café, antes de rumarem a casa, a pouco quilómetros de distância.
Depois que a Lecas e eu chegámos aos 6, 7 anos, levava-nos frequentemente, com ela, às "matinés". E eu tive de suportar as comédias do Cantinflas, que já dessa tenra idade, considerava excessivamente "infantis" (habituada que estava a ir ao cinema com o Avô Manuel assistir a espetáculos sérios, incluindo westernse operetas, tão do agrado desse querido avô, o mais cinéfilo de toda a família).

OLD FRIENDS

Falava-se do ISCTE, do seu aniversário, e a Mãe relembrou os tempos em que o Pai ali estava a terminar o seu curso de sociologia, em que ela o acompanhava nas frequentes idas a Lisboa. Os voluntários do Porto beneficiavam de aulas especiais nos fins-de-semana e enquanto o pai assistia às aulas, de vez em quando, a mãe combinava um encontro com o velho amigo Maestro Fernando Marques Ribeiro. Para falarem dos tempos da juventude e daquele romance interrompido para sempre. Se o pai ia diretamente do ISCTE para minha casa, o Maestro levava-a de carro à Av do Uruguai. Nunca contou nem a marido nem a filha. Que pena! Eu gostava de o ter conhecido
Impossível no caso de Celina, desaparecida anos antes do casamento do seu viúvo com minha Mãe e tão fácil no caso do Maestro, que, então, vivia em Lisboa, como eu... Assim, tal como Celina, Marques Ribeiro é uma imagem guardada num retrato. Mais uns fragmentos de histórias que fui recolhendo...


FESTAS NA VILA MARIA

A Vila Maria foi um paraíso terreal para várias gerações da família Aguiar, embora a sua vida, por desleixo e descaso de quem manda no município, fosse relativamente curta, do início doa anos 20 ao fim do século, quando foi permitida a sua demolição (uma barbaridade, porque a casa com o terreno circundante teria tido fácil utilização para turismo, a mais evidente, ou para uma clínica ou um Museu, até para um centro comercial, ou condomínio de luxo, se soubessem aproveitar o enorme espaço que ladeia o edifício de época, em construções a que o ligassem harmoniosamente). Comprada por um pato bravo que faliu está hoje transformada em parque de estacionamento. Dizem. Nem a mãe nem eu o vimos com os nossos olhos, porque os fechávamos, firmemente, sempre que passávamos pelo local
A casa ficava dentro do jardim, distantes uns 30 metros da rua principal e separada de roseirais simétricos um metro mais altos e bordejados a granito, por um caminho largo, que permitia fazer à sua volta gincanas com os carros, como as que algumas vezes se organizaram. Ladeando o portão de ferro as japoneiras, de camélias cor-de-rosa. No extremo norte, à face da estrada, o mirante (que chamávamos o mirante da frente para o distinguir do mirante que ficava no outro extremo, dava, então, para um caminho de terra batida, onde agora é uma escola). Ao lado, espalhando os ramos sobre o mirante e o muro, um enorme diospireiro, A sul, também à face da estrada, o “chalet”, que fora destinado a cavalariça ou garagem, e, depois da morte do Avô, acabou arrendado a vizinhos tranquilos, gente respeitável da terra
A simetria dos canteiros, terminava nas espaços que ladeavam a casa - de lado do mirante, prolongava-se até a pequena "casa do forno e à área em que  o pomar confinava com as vinhas. Do lado do chalet, o início do pomar e, por trás, num retângulo fechado por muros de granito, a pocilga. Vista de fora, sem porcos à vista, dir-se.ia uma longa   casa térrea, discretamente avistada entre muitos troncos e ramos das árvores de frutos. Havia sempre dois porcos e, quando chegava o dia da matança, as meninas era fechadas na sala, tão longe quanto possível, para não ouvirem os grito do tenebroso ato sacrificial. Ouviam, mesmo longe ouviam e recordaram o horror do som, sem imagem. Quem vinha executar o ritual era o dono do talho, negociante próspero e homem simpático. pai da Felismina, que era amiga das meninas e aluna de piano da prima Nucha
Depois, era dia de comer rojões, esquecendo a sua origem trágica...
Não só a carne de porco era guardada numa arca, antes limpa com areia e, depois, cheia de quilos e quilos de sal. A Avó Maria não só conservava os pedaço de porco, como, por exemplo, as laranjas numa grande arca de castanho, em areia.ou os dióspiros em gavetões, embrulhados em papel...
Para além da Felismina, outra amiga do círculo das lições de piano era a Maria Amélia da Estrela (que não era apelido, mas alcunha. Seu pai tinha construído um palacete muito original, em  forma de estrela. Foram muito próximas, durante muito tempo - da Maria Amélia e de uma irmã, a Madalena, Faziam parte do grupo que ia , muitas vezes, lanchar à Ateneia. Há muitas fotografias do casamento da Maria Amélia, mas depois perderam contacto. ela foi viver para Viana. A irmã casou com um rapaz de Avintes que não tinha grande fama. Gostava dele, e não quis saber dos vaticínios. Casou com ele, e perderam-lhe o rasto, um armador de barcos.
A Felismina, rapariga bonita, alta e loira, foi a primeira a casar, com um Ramos, a quem chamavam o "Ramitos". Contou às colegas das lições de piano, pormenores pedagógicos sobre a noite de núpcias.  e um conselho: "Não vale a pena gastarem dinheiro na camisa de noite. Não vele mesmo a pena..."

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No colégio, roubaram-lhe uns brincos muito bonitos, dados pela Tia Rozaura. E ela até viu, a rapariga a mexer nas suas gavetas. Mas hesitou. Depois, a Miriam, que também era amiga da ladra, pediu-lhe que não a denunciasse. E, assim, nunca mais recuperou os brincos...
Há outros relato de um roubo de brincos, com especial valor afetivo, porque tinham pertencido à Tia Glorinha. Não foram achados, mas a ladra foi chamada à diretora e expulsa. Esteve lá apenas no 3º ano do Liceu e, no dormitório ficava ao lado da Mãe, Do outro, estava uma grande amiga a Fernanda Málem (que viria a ser freira)
Anos mais tarde, numa reunião de antigas alunas, a Mãe encontrou a ladra. Talvez tenha sido nessa ocasião , tantas décadas depois, que a Miriam lhe pediu que fizesse silêncio sobre esse escândalo.
Os dormitórios estavam separados pela sala de piano. O das mais pequenas completamente aberto, sem cortinas. O das maiores com a privacidade relativa de cortinas que podiam fechar-se 
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(conversa a 1 de agosto de 2012) - A sala de piano foi a que melhores recordações lhe deixou.. A Profª Margarida Portela, que era uma extraordinária executante, e que a considerava uma aluna especial, uma futura grande pianista, e ofereceu-lhe as valsas de Chopin, com uma dedicatória. A Mãe deu-as à única pianista da família na nova geração, a Sameiro, mas esqueceu-se de copiar a dedicatória,e tinha muita pena desse esquecimento. Nas festas, as painistas eram sempre a Mãe e a Amélia, que era de Avintes - chegaram a tocar a quatro mãos, Amélia morreu jovem, vítima da tuberculose, com a Celina. Foi a costureira da terra, que conhecia a Mãe da Amélia que quis e conseguiu que se conhecessem. Parece que a costureira era uma rapariga nova, muito engraçada.
A profª era muito bonira e tal comoa Mãe, muito míope,  
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O seu sonho de ser pianista ou atriz, não se concretizou...Os únicos palcos que pisou foram os do Teatro Nuno Álvares de São Cosme.E, pelos anos fora, atraiu com as suas canções, as suas histórias e as suas benignas excentricidades, a família próxima, um grande número de sobrinhos nets e bisnetos.
Curioso é que até o seu dentista, o Dr Morris, um dia, sem saber dessa ambição secreta. lhe disse: Devia ter sido atriz. Vê-se que tem jeito!"
Até na cadeira do dentista representava bem a sua personagem. "tem a certeza de que isto está limpo?  Não usou essa agulho nos dentes do anterior?"
Claro que sim, serve para todos e nunca é limpa - respondia ele a rir-se, Muito simpático e bonito. A Maria Antónia gostava de médicos bonitos. E foi tendo vários, ao longo da vida, o anterior dentista, do Porto, o Dr Figueiredo, o cardiologista...Até no hospital de Gaia, um mês antes de morrer, o neuro cirurgião era um rapaz de expressivos olhos
azuis. E o motorista do táxi que nos trouxe para casa também.
Ao Dr tratou-o por tu, começando por perguntar "És meu sobrinho?"
Quando ele veio falar comigo, para lhe dar alta, dizendo que o TAC estava perfeito, disse-me: "Está muito bem. Só achei um bocadinho confusa, porque me julgava um sobrinho!
Esclareci que não era assim tanto anormal, pois era senhora de muitos sobrinhos, alguns médicos, (sendo certo que os médicos não me parecem ter olhos dessa cor. Mas confusão não era - antes uma maneira de fazer conversa com um jovem interessante, que poderia ser, mas não era, da família.
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O Encontro com o Pai contado pela Mãe

13 de outubro. Um dia de chuva e frio para a missa nova do Padre Eduardo Pinheiro na capela do Monte da Virgem. Levava um casaco comprido  cor de rosa (feito por uma modista de alta costura do Porto. Sua Mãe de preto, como de costume. Foram numa camionete de excursão, guiada pelo Sr Coelho..A mãe julga que o encontro não foi 

inteiramente casual, Uma tia da Nucha e da Lucinda. madrinha da Mariazinha, casada com um farmacêutico, Homero Figueiredo (teve farmácia no Porto e, depois, em Avintes). a Tia Arminda era, em simultâneo, amiga de Olívia Capela, Mãe do João, e de Maria Aguiar, a mãe da Mariazinha e já levara livros religiosos emprestados por uma à 
outra. No caso da Avó Maria brochuras sobre o Frei Bernardo, por exemplo, que deviam ser raridade. Morava em Avintes, perto da Avó Olívia e da farmácia, por trás da qual ficava a Escola do Magarão, onde eu fiz a 2ª classe. e já tinha vivido na casa do Tio João Aguiar. Mais tarde, emigraram para o Brasil, com os filhos, um deles também chamado Homero, como o filho mais velho da Nucha. O Tio João era o pai de Lucinda e Nucha.
A Avó Maria era  muito empreendedora, em tudo o que dizia respeito à sua paróquia e à pratica e devoção religiosas, Com facilidade organizava excursões ou peregrinações à sepultura de Frei Bernardo ou a Fátima, ou a uma missa nova... Chamava o Sr Coelho,(um homem muito simpático e delicado, cujas filhas estudavam no Porto), dizia-lhe o número de participantes e o destino da peregrinação, e ele tratava de tudo e era sempre o motorista de serviço. Foi assim na camionete do Sr Coelho, com a lotação esgotada, entre jovens e seniores, que rumaram nesse domingo ao Monte da Virgem . Estavam a entrar na capela, quando chegaram o viúvo e a mãe. A Mariazinha, não tinha a certeza que fossem, mas achava provável, pois naquele par havia uma diferença de idades, pertenciam obviamente a diferentes gerações.
A excursão de Gondomar ficou no fundo do templo, enquanto ele, o eventual viúvo e um amigo alto e moreno  estavam junto ao altar.. No final da missa, enquanto  as "velhas" se dirigiam à sacristia para os cumprimentos, os jovens saíram para o adro. A Mariazinha distanciou-se, quis ver um cruzeiro, subiu os degraus de pedra e foi ler os dizeres  gravados na cruz e ouviu uma voz que lhe perguntava: "Boa tarde, dá-me licença?
Olhou para trás - era ele, o jovem viúvo loiro e bonito! Pedia licença para lhe oferecer uns soquinhos- miniatura de couro, ligados por um fio de prata. Aceitou. Ele tinha acabado de os comprar num lojinha que vendia, terços, imagens religiosas e artesanato. E assim começou a conversa, Contou que no dia seguinte ia para Lisboa com um primo, o António, visitar a Exposição do Mundo Português.
As apresentação formais das minhas (futuras) Avós Maria e Olívia foram feitas pela Tia Arminda e a conversa decorreu animadamente até à hora de partir. De Lisboa, João enviaria um soneto à bonita menina de Gondomar e.seguidamente muitas outras cartas. A Avó Maria estava sempre atenta à chegada do correio. Era ela que abria as cartas, Li-as e so depois as entregava às filhas. 
Nunca teve nada a opôr às dele. Um católico de missa e comunhão quase diária era tudo o que queria para genro. Tudo, não , mas era " condição "sine qua non"
A Mariazinha gostava dele, mas não queria um viúvo. Em conversa com a Tia Rozaura, desabafava: " Ó Titia, um viúvo...não quero!"
E a sábia Tia disse-lhe: "Não te importes. De facto todos os homens são viúvos. Antes de casar connosco, andaram com outras mulheres. quer estejam vivas ou mortas.
Passados poucos dias ele telefonou. Na altura, só a irmã Carolina tinha telefone privado. Chamou-a a casa e falaram, combinando um encontro, que aconteceu logo.
Passou a ir lá com frequência. Às 3.00 da tarde. Ia diretamente para a igreja, era a hora do Terço.. Acompanhava-as a casa e ficava a conversar com a Mariazinha no terraço. 
A Avó não aparecia, ficava no quarto ou na sala, mas mandava a Lolita atravessar a sala de jantar, que dava para o terraço - como se fosse à cozinha... Ao fim da tarde ele regressava como tinha vindo, a pé pela Gândara e São Gemil, até Gramido, onde atravessava o Douro, de barco, para Avintes.
Anos depois, contou à Mulher que se ela lhe tivesse dito "não"  junto ao Cruzeiro do Monte da Virgem, tentaria uma de outras duas de quem gostava - a irmã Lena e  a Teresa "da Pinta" - uma de várias irmãs, todas bonitas, que viviam numa daquelas grandes e famosas casas de lavoura de São Cosme).
No verão, se seguissem a agenda habitual de férias familiares, estariam mais longe um do outro, ela nas termas de Vizela e na Foz, ele em Espinho, na casa da rua 7. Nesse ano, porém, a Lena estava a recuperar de uma primo.infeção e os médicos receitaram  uma longa estadia no campo. Passaram o verão em Branzelo. numa quinta de amigos (Novais da Cunha?). A casa era enorme, os convidados foram muitos, incluindo os primos do João, a Alda, a Maria Helena e o  Manuel. O joão, também , aos fins de semana. E um Rangel, que morava numa quinta próxima, e era mais velho do que o grupo das meninas Aguiar.
Não faltava pessoal doméstico - os caseiros da quinta, e as filhas, muito prestáveis. Em fins de outubro, estiveram todos numa desfolhada de lavra
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1069 - A VISITA A PARIS
O "Diário" da Mãe
 2ª feira
Em frente à "Cité", à cidade universitária, fica o belo Parque Montsouris, onde fui com a Manela, atravessando o Boulevard Jourdan, De  metro, seguimos para o "Quartier Latin",  - jardins do Luxemburgo, Panthéon (onde está sepultado Voltaire, entre outros grandes vultos franceses). Almoçamos rapidamente numself service, Wimpy, , mesmo em frente ao Luxemburgo, e descemos Saint Michel, a ver montras, Atravessamos as lindas pontes do Sena, visitámos a catedral de Notre Dame, passámos pela Câmara de Paris, pela Conciergerie, a Totte de Sait Jacques. Tomámos o metro no Chatelet, com os seus longos corredores rolantes. Viemos para a Cité, às 4.00 a Manela fez um chá. Voltámos ao Parque Montsouris. Fiquei junto do lago dos cisnes, enquanto a Manela foi comprar pão, queijos e vinho  -  um bom jantar (como eu gosto).no quarto dela. Ela foi ao cinema com a Laura, eu preferi ficar no quarto a ler.
3ª feira
Levantámo-nos cedo (a Manela dormiu mal, não quis ficar nos 3 grandes cochins do sofá da sala, como tínhamos combinado. Fui a Vincennes no carro da Eduarda. A Manela e ela têm trabalhos das 9.00 ao meio dia. Eu estou sentada no bar da Universidade à espera.que voltem. Acaba de se sentar na minha mesa um velhote, sem pedir licença, a tomar uma bebida qualquer,
A minha estadia em Vincennes (cont)
A Manela está a fazer um exame (especializou-se em Direito do Trabalho e eu no bar, em conversa com os "colegas" (chamavam-me colega), num francês horroroso, como o Mário DSoares, metade francês, metade português, e até com certas palavras em inglês. Enfim, a Manela ficava furiosa, quando me ouvia falar assim.
E, quando a Manela estava a fazer o tal exame, eu, já farta de de passear no jardim (a Universidade tem um jardim enorme), depois de ter estado no bar, encaminhei-me para aqueles grandes corredores e vi a Manela, numa sala, a falar com um homem. E eu, cá de fora, (vamos indo que não entrei)a apontar-lhe o relógio, a fazer-lhe ver que era tarde  .vamos embora! Enfim , ela nessa altura não andava tão irritada como agora e, quando me disse que estava a fazer um exame, até nos fartámos de riri.

Passámos pelo Bosque de Vincennes e almoçámos em casa. Saímos para o centro de Paris com a Eduarda, que foi ao médico, Estou sentada numa esplanada, junto à Opera. A Manela e eu viemos, a pé, pelo Boulevard de la Madeleine. Uma das zonas chiques de Paris, Entrei na Igreja da Madeleine, onde a Manela me tirou fotografias, Mais fotografias, adiante, junto ao Maxim's, na Praça da Concórdia. Na viagem para a Cité, h+a partes em que o metro é aéreo, passei à vista da Torre Eifel. Fiquei no quarto da Manela, na Casa de Portugal, e ela foi para a Casa Luso-britânica., onde havia um quarto vago.

4ª feira
Fomos visitar a Torre Eifel, tomámos umas bebidas num  bar agradável, no 1º andar, com uma vista lindíssima, sobre o Champs de Mars, que de cima parece uma passadeira gigante, o Palácio de Chaillot, os telhados da cidade e,ao longe, o Sacré Coeur. Daí fomos até à margem do Sena e demos um maravilhoso passeio de barco, de cerca de uma hora. Passámos pela ilha de São Luís, pelos bairros mais bonitos de Paris, onde mora a Brigitte Bardot,  Saímos do barco e subimos os Campos Elísios. Havia grandes manifestações. Acho que que por causa da tomada de posse de Pompidou. Os polícias, aos magotes, todos engalanados, e uma bandeira enormíssima, no Arco do triunfo. Qs Campos Elísios são um encanto!
À noite, fomos de carro, com o Padre Micael e o Engº Pires a Montparnasse, belos restaurantes, boites" e cafés, onde se reune a boémia mais selecta. Lindas "boutiques" em Sèvres Babylone e o contraste dos talhos de Halles, que abastecem de carne a região parisiense. Demos a volta à Concorde, à noite tem mais encanto, assim com a Torre Eifel iluminada e o Palácio de Chailot, ou os Campos Elísios. Parámos no carro mesmo em baixo do Arco, com a sua gigantesca bandeiram o facho a arder, e as enormes coroas de flores, azuis, branas e vermelhas, em honra dos mortos de Guerra.
Cenário especialmente solene, na altura da posse do Presidente Pompidou. Continuámos para Montmartre, Sacré Couer, estivemos junto a varias "boites", a de Patchou e outras. Que ambiente, com grupos de músicos, artistas a pintar as suas telas nas ruas, muitos turistas, muita animação.
Atravessámos Pigalle, "boites" mais duvidosas, vimos o Moulin Rouge e o Lido.
Chegámos à Cité depois da 1 hora

5ª feira
Constipei-me, não pude sair à rua.

6ª feira
De manhá, ainda fiquei em casa, almocei no quarto. Disse-me agora uma amiga da Manela, que ela andava no corredor às 9.00 da manhã, para não me acordar.
À tarde, fomos às Galerias Lafayette, onde andámos horas, Vimos o Maurice Chevalier, que estava a autografar um livro seu. As Galerias são um mundo gigantesco, com escadas rolantes que subimos e descemos. Fizemos algumas compras. Fomos, depois, ao mesmo bar onde já tinha estado, perto da Opera, quando a Manela foi ao famoso otorrino  A Manela tirou-me várias fotografias, Tomámos um autocarro já em andamento, o revisor, um preto enorme, segurou-me, mas rasguei a saia...

sábado
Saímos às 10.00 com a Laura e a Isabel, e tiramos muitas fotografias nos jardins da Cité. De metro, para o Luxemburgo, todas a ver as montras e a fazer compras nas boas lojas do Quartier. com uma pausa para almoço rápido num restaurante de Sait Germain, A pé para a Sainte Chapelle, com os seus vitrais lindíssimos, do teto até ao chão. Andámos num super mercado, como aqueles que se vêem nos fimes. à noite, a Manela foi revelar fotografias para um laboratório com o Padre Mário até à meia noite e eu estive no quarto a conversara com a Laura.

Maria Manuela Aguiar <mariamanuelaaguiar@gmail.com>

12:48 (há 3 minutos)
para eu
Jantámos na Cité. A Manela voltou ao apartamento da Casa de Portugal e dormiu nas almofadas.

Domingo
Levantámo-nos cedo. A Manela continua a recvelar as fotografias com o Padre Mário,
Ás 11.00 a Laura, a Manela e eu fomos ver um filme erótico (na realidade pornográfico - só mulheres nuas e striptease, pretendia ser uma comedia). Saímos a meio. Almoço rápido num self +erto do cinema e, depois, foi tempo de cultura. Longa visita ao Louvre, Mona Lisa, Vénus de Milo, Votória de Samotrácia. pirâmides do Egipto, um túmulo autêntico de Faraó...
Chegámos à noite à cité e fomos jantar as três e mais a Eduarda a Gentillym num restaurante, Passámos ao sítio onde existiu a casa da M.me Curie (já demolida)

"2ª feira.
Dormimos as duas no apartamento. Estivemos em arrumações,. Encontrámos uns escritos do PadreMário, dentro de uma revista. Estivemos, de novo, em Gentilly, em frente à Casa de Portugal. Fomos a um café, onde a Manela respondeu a uma carta do Manel, que tinha recebido. Acabámos por almoçar num bar da Cité.
A Eduarda levou-me de carro até à estação de Austerlitz. A Manela ficou e vai esperar pela Docas, que chega às 5.00 de comboio
Na carruagem em que vou está o actor Jean Pierre Casset, mas no meu compartimento são 4 velhos, que já estão a dormir.
Dois parolos portugueses quiseram meter conversa, mas não estou para os aturar.
Em Bordéus, entrou uma canadiana, muito simpática, conversámos (mal) em francês. Em Irun, atrelei-me ao 1º grupo de portugueses. Vim numa carruagem, que o carregador espanhos me arranjou. - despediu-se, estendendo-me a mão - com um dinamarquês (muito chique), com uma filha de 12 anos. Falámos francês, e à noite, fartámo-nos de rir, os três, porque avariámos uma cadeira para fazer cama.
Na fronteira, não me abriram mala nenhuma e Villar Formoso, nem à ida, nem na volta.. Os portugueses que entraram em Paris, foram mandados da 1ª para a 2ª classe. Em Irun, tornaram a entrar na 1ª, com mais 3 de botas grossas e linguagem ordinária . car----, filho da p---. O que vale é o dinamarquèss não entender...
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LECAS
Depois de nos faltar uma filha, nunca mais se esquece. Tenta-se viver como se pode, mas o coração está sangrando constantemente e nunca mais se é a mesma pessoa

VERSOS PARA A MEI MEI

FORMATURA DA MARIA DO SAMEIRO

Deu-te Deus essa fé determinada
Dos que sabem seus sonhos realizar
Que nasce em ti, em cada madrugada
A Estrela que brilha em teu olhar

Esse teu ar esbelto e elegante
Esse andar airoso de gazela
Teu olhar sereno e confiante
Sejam eco da tua Boa Estrela


Espinho, Março 1988
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Resposta à Nita
  verão 1978

E das arribas do mar
agradeço a atenção
Bem quis logo responder, 
mas não tinha a direção

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23 - 8 - 79
O postalzinho da "praxe" 
cá chegou, muito obrigada
Agora espero a visita 
Dessa minha "sobrinhada"

Para a Nita, Sameiro, Rosário, Lisa e Paulo
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1982
A saudade quando veio
veio mesmo para ficar
aqui no meio do peito, 
fazendo rir e chorar

Saudade fica comigo,
porque já me acostumei
Não fujas de mim saudade
 - de uma vida que te dei
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Eu tinha umas tranças loiras
E tão loiras eram elas
passando em campo de espigas
eu parecia uma delas.

Saltando muros e leiras
Na pressa com que corria
Voaram as tranças loiras 
E só por isso me ria

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Perverso, inconstante mar
revolto do meu ser
Vagas em fúria
na porcela tenebrosa

Ao longe o meu olhar perdido 
na imensidão deste mar revolto
Vem-me a lembrança daquele louco amor
que agora é minha solidão
Pediste ao mar para me falar de ti 

 ou
Ao longe, o meuolhar perdido na imensidão
deste mar em fúria, revolto como eu.
Vem-me à lembrança aquele louco amor
que enche agora a minha solidão

Pediste ao mar para me falar de ti

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(Para o João)

Há tantos anos que não te vejo, que já nem me lembro bem da tua cara. Apesar dos retratos que tenho espalhados por toda a casa.
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(Para a Lecas)
Minha adorada, luz da minha vida
A noite inteira conversei contigo
Num pranto de saudade infinda
destruí minha alma

LECAS
Depois de nos faltar uma filha, nunca mais se esquece. Tenta-se viver como se pode, mas o coração está sangrando constantemente e nunca mais se é a mesma pessoa
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 Turbilhão de amores que me deixou presa
Insatisfeito amor minha alma perturbando
Sempre na procura de um amor melhor

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Em noite longas de dor e sofrimento. 
meus olhos já cansados de chorar
Eu peço a Deus que me dê alento
E me deixe contigo conversar

A minha adorada, minha confidente, 
Conversei contigo, solucei meu pranto,
De saudade infinda, que no peito trago
A noite inteira falei e tu falaste

Compus outrora poemas desmembrados
sem conseguir dizer o que queria
mas agora, passados muitos anos.
 a sós contigo  (já conseguiria?)
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Agora, recordo a chorar
as pedrinhas da calçada
que já não volto a pisar. 
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Ainda tocam trindades na Igreja de São Cosme. Ouvi tocar a primeira carreira para a missa das 7, uma hora antes da missa. !/4 de hora antes,  2ª carreira e, depois, picou para a missa.
Fez-me muitas saudades, ouvir tocar para a Missa. Pareceu-me ouvir a voz da minha mãe a dizer: "Meninas, vamos embora, já tocou a segunda carreira".
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Tenho saudades de pedir a benção à minha Mãe e minha Tia
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Vila Maria
Apesar de sentir a falta do nosso Pai, eu e os meus irmãos éramos felizes e não sabíamos. A única falta nas nossas vidas (ainda tão jovens) era aquele lugar na mesa da grande sala de jantar, o do Papá (como a nossa Mãe dizia)ocupado pelo meu irmão António agora


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Agradeço à Nossa Senhora
A VIDA
Fátima, 26-4-86
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Agradecer, agradeço esta paz diferente, que sinto em Fátima, como se fosse, em cada ano, a primeira vez. E, neste constante turbilhão de sentimentos, que me invade, sinto-me, aqui em Fátima, mais benevolente e compassiva são só três dias de "tratamento", mas já é bom para o meu espírito cansado e atormentado.
Parece que renasci, aqui, hoje.
Fátima, 27- 4 - 89
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Compus outrora uns poemas desmembrados
sem conseguir dizer o que queria
e hoje, volvidos tantos anos, 
não sei se era verdade ou se mentia...
quando dizia , amor, quanto te amava,
que era capaz de morrer por ti
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 (A Manela)

Corria veloz. cheia de energia
ceifando flores do belo jardim.
Protestos e ralhos. Como elea se ria...
São minhas as flores, são todas para mim...

Manelinha, mas isso é maldade,
dizia-lhe alguèm, decerto era eu.
Intervinha a Avó, ar de cumplicidade, 
São dela, claro, foi Deus que lhas deu

É muito inteligente, não trecisas ralhar
Um anjo a menina e só eu a entendo. 
Só a Avó  a sabia levar

E aquele anjo, menina vestida de anjo, de asas partidas, cabelo em desalinho, laçarote perdido, ia para a procissão
Eu peço a Deus para te acompanhar
O tempo vai passando e a saudade fica connosco pela vida fora
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Nos 50 anos da Manela

Tempestade traz bonança
o passado traz saudade,
 a vida é sempre esperança,
 busca da felicidade

Passa um ano, entra a saudade
mil beijos para ti, meu bem
a maior felicidade 
te deseja sempre a mãe

Espinho, 8-6-92

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De todos os sentimentos humanos, nenhum mais natural do que o amor pela Terra, pelo vale, ou pelo bairro onde crescemos. A nossa Terra aviva-nos as recordações mais familiares (íntimas), mexe com as nossas emoções mais profundas. Tudo o que faz parte dela, pertece-nos, em alguma medida, e, decerto forma, nós fazemos parte dela também, tal como a folha pertence à árvore.
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Saudade, palavra amarga e doce. Saudades da minha linda terra, S Cosme de Gondomar, onde imperam os grandes artistas de filigrana de ouro. Saudades do meu Monte Crasto majestoso, donde em noites de luar (esse luar ímpar das noites de Natal, que eu guardo na minha memória e recordo comovida), se abrangia toda a minha terra, banhada de um manto de prata. Saudades daquela prenda do menino Jesus, que a minha querida Mãe, com tanto amor e carinho, pòs debaixo do meu travesseiro: uma linda pulseira de prata, toda feita de margaridas, que ainda hoje guardo, com todo o meu amor. Saudades da minha mocidade, dos meus amores, das minhas ilusões, dos meus tempos de colégio, de minha casa, do meu jardim cheio de flores, do meu piano, meu confidente, o meu piano, que escutou tantas histórias de amor,
Saudades da minha Terra, a minha casa, os meus Natais...
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Não posso olhar para a nossa casa, a casa da minha Mãe, sufoco de saudades, e as recordações são tantas! Festas de Natal, os risos das crianças, o cheiro das rabanadas, o cheiro da minha adorada casa. Tantas Páscoas = o compasso!), casamentos,  E, de repente, pela minha cabeça passava a minha meninice, adolescência, as nossas gargalhadas - eramos sete - as repimendas da nossa querida Mãe. "meninas (a minha irm-a Lolita e eu passávamos a vida a rir):não se riam tão alto, não é bonito". Além disso, Muito riso, pouco siso"
Dentro daquelas paredes guarda-se a história das nossas vidas, meus irmãos, minha Mãe, quantas alegrias, quanto amor, e quantas tristezas também!
Parece mentira que tanta história caiba dentro daquela adorada casa, Desci aquelas escadas para me casar na Igreja da minha Terra. Deois, e a história continua, ali nasceram as minhas filhas. Mais risos, mais gargalhadas. tudo se repete. é a nova geração!
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Compasso na minha Terra
Corações cantando almas em flor, flores em casa e no jardim também. Vem o compasso - é Deus , é amor. Pela aldeia fora campaínhas a tocar. Flores desfolhadas e "verde" pelo chão, Aí vem o compasso, aí vem a Cruz a chegar.
Pojeiras onde os criados da minha Mãe iam buscar verdes para pôr no chão - fora do portão, do portão até ao terraço e pelas escadas acima, o percurso que, no domingo de Páscoa fazia o cortejo do compasso.
Alguns anos antes, íamos com a Nucha buscar fetos e verdes ao Barroco. Tão lindo! Era um vale entre a Gândra e Pevidal

Mês de maio

Mês de maio, minha aldeia tão linda,tão florida. Ao entardecer subíamos o Monte Crasto, para as novenas do "mês de Maria". Eu toco o pequenino órgão do coro da capela de Santo Izidoro. no Crasto, a Lolita e outras raparigas, como nós, cantam coisas tão belas!

23-2 - 74   PORTO (um sábado)
Primavera nos jardins, primavera nas casas e nas pessoas, sim, porque entrou também a primavera nos corações de cada um. Minha terra tão linda, estás perdida, mas eu encontro-te, minha raínha. Minha terra  coroada de mimosas, A tua coroa é o Crasto. Sala de visitas das gentes de Gondomar e de tantas outras. Minha terra, berço de todos os meus... Não é a minha vida que vou passar ao papel, -são várias vidas, porque terei de lembrar antepassados e contemporâneos
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Oh, meu Gondomar, minha linda terra
Tu que embalaste o meu 1º amor
Porque não levar-te presa nos meus braços
oh, meu Gondomat, para onde eu for?

Encantamento que nunca esqueci
roseiral em flor desse meu jardim
tanta rosa murcha pelo chão caída.
mas tanto botão a abrir para mim...

Gondomar, meu berço, capital do mundo
És a minha casa, és o meu jardim
Foste tu que viste os meus primeiros passos
E irás guardar-me, ao chegar ao fim. 
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Procuro-me e não me encontro
E fico parada assim
A chorar, meu Deus, porquê?
Por ter saudades de mim!
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E o tempo passava
O tempo corria
Eu já não chorava
Apenas sofria

Andava à procura de um sonho vivido
Num lindo castelo entre árvores e flores
Perdida, encontrei-me num mundo perdido
Meus ais, meus queixumes, meus loucos amores.
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Gondomar, ponto final
do mundo tão grande assim
Mas para mim e, afinal, 
a terra maior
deste nosso Portugal

Meu Crasto bendito
Mimosas em flor, Minha Terra
Novenas de Maio
quando era menina
Festas de S Izidoro
Música no coreto do Monteiro...
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Sonhos meus, audaciosos, inquietantes, insatisfeitos - como eu, uma insatisfeita - sonhos belso de um amor quase perfeito. Mais de uma vez desci o Crasto num voo pleno de graça e leveza. Senti mesmo os pés a levantarem-se do solo e voei acima daqueles queridos pinheirais, eucaliptos e mimosas, voava em direção a minha casa...
Mas fiquei diferente, sim, depois que perdia minha querida filha. Ela era a minha alegria e a minha vida, era minha e roubaram-ma. Fique perdida num deserto, fiquei sozinha, Que me perdoem todos os que ficaram comigo, ficaram muitos, ficámos todos , menos ela. Que me perdoem, mas eu fiquei sozinha.
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Não sou bonita, nem feia, sou simpática, fui sempre muito simpática (isto não é narcisismo...). É verdade. E fui em tempos, há muitos anos, uma rapariga 
interessante, pequena, bastante pequena, mas cheia de saúde, extuante de vida, vida e alegria, que transbordava por todos os poros do meu corpo. Diziam até que eu tinha muita graça, aquela graça natural de uma rapariga que da vida só queria a vida e nada mais. E o fulcro da vida era o amor. De uma sensibilidade doentia, muito sincera, expansiva e nada egoísta. 
LECAS
Depois de nos faltar uma filha, nunca mais se esquece. Tenta-se viver como se pode, mas o coração está sangrando constantemente e nunca mais se é a mesma pessoa

A minha Mãe e a minha Tia diziam: "Quem muito dorme, pouco aprende (ou seja. é estúpido)
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A minha Mãe recitava:
Minha terra tem coqueiros
onde canta o sabiá
As aves que cá gorgeiam
não gorgeiam com
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12-6-93 ESPINHO
Pmtem fui a Gondomar ao baptizado do António, filho da Ana e do Tozinho. Lindo baptizado, maravilhoso jantar em casa dos pais da Ana em S Cosme.
Qie saudades da minha linda Terra, que saudades da minha Mãe, da minha querida casa, dos meus irmãos todos (quando éramos jovens), do terço rezado à volta da mesa, depois do jantar - as criadas e o criado, à porta da cozinha, a rezar connosco), que saudades de mim, meu Deus! Tantas saudades de tudo, que nem me cabem no coração. E chor, choro, por tudo o que eu tive e perdi. Oh minha terra,(onde se vê o céu), meus verdes campos, meu lindo Monte Crasto.
18-5-93 ESPINHO
Daqui do meu sofá, na minha sala virada para o jardim, a partir da porta larga - de parede a parede - vejo um retalho pequeníssimo do jardim da minha casa (pensando) no jardim da casa da minha Mãe, da nossa querida casa.
O meu jardim, o meu roseiral,, as minhas adoradas rosas, que parecem as nossas rosas, minha Mãe!A trepadeira vermelha que sobe pela parede, junto ao poço, (e tem ao lado uma japoneira) está coberta de flores e todas as outras mais parecem rir-se para mim.

19-8-93, quinta-feira  
UM DIA
Levantei-me às 9/2. Está um dia de sol e calor. O João passou por mim nas escadas e disse: "bom dia" (mais para dentro do que para fora). A Plívia foi às compras de "cara" amarrada, aliás, como anda sempre.
Vou tomar o meu chuveiro e vou ao café, Talvez encontre a Leninha, (que está cá, a passar uns dias no apartamento do pai). Porque aqui em casa, não há conversa. Não há agora, nem houve nunca, só discussões. Sofro muito, mas só Deus sabe porque sofro, nem eu   
27 Set 94
TITA
Hoje tenho-me lembrado todo o dia da Tita, minha querida cadelinha, que morreu há mais de um ano.
Mas hoje vejo-a sentadinha no sofá, tão pequenina (era uma yorshire terrier). Não gostava que ninguém se sentasse perto, queria o sofá todo para ela.
Sabia quando eu estreava uns sapatos, farejava-me os pés.
29 - 3- 95
LENA E DAVID
Gosto de encontrara a Lena e o David (ao domingo), em casa do Mário. Já vamos tendo tão pouco tempo para nos encontrarmos, munha querida irmã. temos de aproveitar as ocasiões que se proporcionam para nos vermos. Está a aproximar-se a Páscoa. Que saudades das nossas Páscoas, na nossa casa, que saudades do compasso (com a nossa Mãe, claro), nós, todos or irmãos reunidos, as minhas adoradas filhas, os meus sobrinhos,, os namorados deles, as 
criadas na cozinha, o cheiro dos cozinhados,o saudoso cheiro bom da nossa casa, que cheirava sempre a flores, o nosso jardim, aquele paraíso, como a minha mãe dizia

LECAS
Minha Lecas, minha filha, a coisa mais linda que eu fiz e criei, na minha vida. Nem as rosas, as flores do meu jardim. Minha querida filha, valeu a pena viver e sofrer, só para te ter, a ti.
Tristes prenda sque te dou, minha adorada filha, padre nosso e flores. Tu que gostavas tanto de vestidos, de sa+patos, de pequenos chocolates.

ESQUEMA de BIOGRAFIA 4 partes
1ª - nascimento e vida em família
2ª internamento no colégio
3ª regresso a casa aos 18 anos: namoros
4ª  - casamento e peripécias seguintes

(quem não se enfeita, por si se enjeita)

FORMATURA DA MARIA DO SAMEIRO

Deu-te Deus essa fé determinada
Dos que sabem seus sonhos realizar
Que nasce em ti, em cada madrugada
A Estrela que brilha em teu olhar

Esse teu ar esbelto e elegante
Esse andar airoso de gazela
Teu olhar sereno e confiante
Sejam eco da tua Boa Estrela


Espinho, Março 1988
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Resposta à Nita
  verão 1978

E das arribas do mar
agradeço a atenção
Bem quis logo responder, 
mas não tinha a direção

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23 - 8 - 79
O postalzinho da "praxe" 
cá chegou, muito obrigada
Agora espero a visita 
Dessa minha "sobrinhada"

Para a Nita, Sameiro, Rosário, Lisa e Paulo
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1982
A saudade quando veio
veio mesmo para ficar
aqui no meio do peito, 
fazendo rir e chorar

Saudade fica comigo,
porque já me acostumei
Não fujas de mim saudade
 - de uma vida que te dei
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Eu tinha umas tranças loiras
E tão loiras eram elas
passando em campo de espigas
eu parecia uma delas.

Saltando muros e leiras
Na pressa com que corria
Voaram as tranças loiras 
E só por isso me ria

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Perverso, inconstante mar
revolto do meu ser
Vagas em fúria
na porcela tenebrosa

Ao longe o meu olhar perdido 
na imensidão deste mar revolto
Vem-me a lembrança daquele louco amor
que agora é minha solidão
Pediste ao mar para me falar de ti 

 ou
Ao longe, o meuolhar perdido na imensidão
deste mar em fúria, revolto como eu.
Vem-me à lembrança aquele louco amor
que enche agora a minha solidão

Pediste ao mar para me falar de ti

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(Para o João)

Há tantos anos que não te vejo, que já nem me lembro bem da tua cara. Apesar dos retratos que tenho espalhados por toda a casa.
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(Para a Lecas)
Minha adorada, luz da minha vida
A noite inteira conversei contigo
Num pranto de saudade infinda
destruí minha alma

LECAS
Depois de nos faltar uma filha, nunca mais se esquece. Tenta-se viver como se pode, mas o coração está sangrando constantemente e nunca mais se é a mesma pessoa
,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
 Turbilhão de amores que me deixou presa
Insatisfeito amor minha alma perturbando
Sempre na procura de um amor melhor

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Em noite longas de dor e sofrimento. 
meus olhos já cansados de chorar
Eu peço a Deus que me dê alento
E me deixe contigo conversar

A minha adorada, minha confidente, 
Conversei contigo, solucei meu pranto,
De saudade infinda, que no peito trago
A noite inteira falei e tu falaste

Compus outrora poemas desmembrados
sem conseguir dizer o que queria
mas agora, passados muitos anos.
 a sós contigo  (já conseguiria?)
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A CASINHA DA PEDREIRA
Queria voltar a ver
as camélias a florir,
as laranjas a crescer.

Queria voltar a ter 
na minha mão pintaínhos 
acabados de nascer

Queria voltar a ver
o jardim, a capoeira,
a horta - querida Maria - 
que te enchia de canseira

Limonete ao fim da escada
Alecrim pro's ramos bentos
toda uma festa, a ramada
a casinha, tão modesta,
com o nicho e a cantareira...

Agora, recordo a chorar
as pedrinhas da calçada
que já não volto a pisar. 
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Ainda tocam trindades na Igreja de São Cosme. Ouvi tocar a primeira carreira para a missa das 7, uma hora antes da missa. !/4 de hora antes,  2ª carreira e, depois, picou para a missa.
Fez-me muitas saudades, ouvir tocar para a Missa. Pareceu-me ouvir a voz da minha mãe a dizer: "Meninas, vamos embora, já tocou a segunda carreira".
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Tenho saudades de pedir a benção à minha Mãe e minha Tia. 
A minha Mãe dizia: a água lava tudo, só não lava as más acções.
Quando não se lembrava do nome das pessoas, chamava Francisca e Francisco - a toda a gente...
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Vila Maria
Apesar de sentir a falta do nosso Pai, eu e os meus irmãos éramos felizes e não sabíamos. A única falta nas nossas vidas (ainda tão jovens) era aquele lugar na mesa da grande sala de jantar, o do Papá (como a nossa Mãe dizia)ocupado pelo meu irmão António agora


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Agradeço à Nossa Senhora
A VIDA
Fátima, 26-4-86
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Agradecer, agradeço esta paz diferente, que sinto em Fátima, como se fosse, em cada ano, a primeira vez. E, neste constante turbilhão de sentimentos, que me invade, sinto-me, aqui em Fátima, mais benevolente e compassiva são só três dias de "tratamento", mas já é bom para o meu espírito cansado e atormentado.
Parece que renasci, aqui, hoje.
Fátima, 27- 4 - 89
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Compus outrora uns poemas desmembrados
sem conseguir dizer o que queria
e hoje, volvidos tantos anos, 
não sei se era verdade ou se mentia...
quando dizia , amor, quanto te amava,
que era capaz de morrer por ti
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 (A Manela)

Corria veloz. cheia de energia
ceifando flores do belo jardim.
Protestos e ralhos. Como elea se ria...
São minhas as flores, são todas para mim...

Manelinha, mas isso é maldade,
dizia-lhe alguèm, decerto era eu.
Intervinha a Avó, ar de cumplicidade, 
São dela, claro, foi Deus que lhas deu

É muito inteligente, não trecisas ralhar
Um anjo a menina e só eu a entendo. 
Só a Avó  a sabia levar

E aquele anjo, menina vestida de anjo, de asas partidas, cabelo em desalinho, laçarote perdido, ia para a procissão
Eu peço a Deus para te acompanhar
O tempo vai passando e a saudade fica connosco pela vida fora
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Nos 50 anos da Manela

Tempestade traz bonança
o passado traz saudade,
 a vida é sempre esperança,
 busca da felicidade

Passa um ano, entra a saudade
mil beijos para ti, meu bem
a maior felicidade 
te deseja sempre a mãe

Espinho, 8-6-92

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De todos os sentimentos humanos, nenhum mais natural do que o amor pela Terra, pelo vale, ou pelo bairro onde crescemos. A nossa Terra aviva-nos as recordações mais familiares (íntimas), mexe com as nossas emoções mais profundas. Tudo o que faz parte dela, pertece-nos, em alguma medida, e, decerto forma, nós fazemos parte dela também, tal como a folha pertence à árvore.
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Saudade, palavra amarga e doce. Saudades da minha linda terra, S Cosme de Gondomar, onde imperam os grandes artistas de filigrana de ouro. Saudades do meu Monte Crasto majestoso, donde em noites de luar (esse luar ímpar das noites de Natal, que eu guardo na minha memória e recordo comovida), se abrangia toda a minha terra, banhada de um manto de prata. Saudades daquela prenda do menino Jesus, que a minha querida Mãe, com tanto amor e carinho, pòs debaixo do meu travesseiro: uma linda pulseira de prata, toda feita de margaridas, que ainda hoje guardo, com todo o meu amor. Saudades da minha mocidade, dos meus amores, das minhas ilusões, dos meus tempos de colégio, de minha casa, do meu jardim cheio de flores, do meu piano, meu confidente, o meu piano, que escutou tantas histórias de amor,
Saudades da minha Terra, a minha casa, os meus Natais...~

22 - 7 - -92
Um sonho
Eu vinha de cima, a chegar a casa, e vi a entrar na minha porta a minha Tia, a minha Mãe e várias crianças. Cumprimentei a minha Tia, dei-lhe dois beijos, e ela abraçou-me. A minha Mãe estava mais adiante. Dentro não era a minha casa de Espinho, era aquela sala antiga, muito grande, com um quarto à esquerda, uma porta em frente à porta da rua, que dava para dois quartos interiores, à esquerda do corredor a cozinha e a sala de jantar, ao fundo, com porta e janela para o quintal. Cumprimentei também a minha Mãe, dei-lhe dois beijos, ela também me abraçou. Numa alcofa estava uma criança muito linda e elas disseram-me as duas: "é a Marta, a Martinha, vai ver que é bonita". Aproximei-me, uma dizia: "é parecida com o Avô" (o meu Pai) e eu chamei a Manela, peguei na menina e os olhos eram tão azuis, tão azuis (como eu nunca vi, ou antes, devia ter visto, deviam ter sido assim os olhos do meu irmão Manuel). A criança era lindíssima e era tal e qual este retrato do meu irmão (Manuel), que eu tenho aqui no quarto. Entretanto, a minha Mãe sentou-se numa cadeira e encostou-se a uma mesa, com a mão na cabeça. Eu perguntei : "O que tem a Mamã"? "Estou com azia",  e eu virei-me para a Olívia e mandei-a fazer um cházinho
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Não posso olhar para a nossa casa, a casa da minha Mãe, sufoco de saudades, e as recordações são tantas! Festas de Natal, os risos das crianças, o cheiro das rabanadas, o cheiro da minha adorada casa. Tantas Páscoas = o compasso!), casamentos,  E, de repente, pela minha cabeça passava a minha meninice, adolescência, as nossas gargalhadas - eramos sete - as repimendas da nossa querida Mãe. "meninas (a minha irm-a Lolita e eu passávamos a vida a rir):não se riam tão alto, não é bonito". Além disso, Muito riso, pouco siso"
Dentro daquelas paredes guarda-se a história das nossas vidas, meus irmãos, minha Mãe, quantas alegrias, quanto amor, e quantas tristezas também!
Parece mentira que tanta história caiba dentro daquela adorada casa, Desci aquelas escadas para me casar na Igreja da minha Terra. Deois, e a história continua, ali nasceram as minhas filhas. Mais risos, mais gargalhadas. tudo se repete. é a nova geração!
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Compasso na minha Terra
Corações cantando almas em flor, flores em casa e no jardim também. Vem o compasso - é Deus , é amor. Pela aldeia fora campaínhas a tocar. Flores desfolhadas e "verde" pelo chão, Aí vem o compasso, aí vem a Cruz a chegar.
Pojeiras onde os criados da minha Mãe iam buscar verdes para pôr no chão - fora do portão, do portão até ao terraço e pelas escadas acima, o percurso que, no domingo de Páscoa fazia o cortejo do compasso.
Alguns anos antes, íamos com a Nucha buscar fetos e verdes ao Barroco. Tão lindo! Era um vale entre a Gândra e Pevidal

Mês de maio

Mês de maio, minha aldeia tão linda,tão florida. Ao entardecer subíamos o Monte Crasto, para as novenas do "mês de Maria". Eu toco o pequenino órgão do coro da capela de Santo Izidoro. no Crasto, a Lolita e outras raparigas, como nós, cantam coisas tão belas!

23-2 - 74   PORTO (um sábado)
Primavera nos jardins, primavera nas casas e nas pessoas, sim, porque entrou também a primavera nos corações de cada um. Minha terra tão linda, estás perdida, mas eu encontro-te, minha raínha. Minha terra  coroada de mimosas, A tua coroa é o Crasto. Sala de visitas das gentes de Gondomar e de tantas outras. Minha terra, berço de todos os meus... Não é a minha vida que vou passar ao papel, -são várias vidas, porque terei de lembrar antepassados e contemporâneos
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Oh, meu Gondomar, minha linda terra
Tu que embalaste o meu 1º amor
Porque não levar-te presa nos meus braços
oh, meu Gondomat, para onde eu for?

Encantamento que nunca esqueci
roseiral em flor desse meu jardim
tanta rosa murcha pelo chão caída.
mas tanto botão a abrir para mim...

Gondomar, meu berço, capital do mundo
És a minha casa, és o meu jardim
Foste tu que viste os meus primeiros passos
E irás guardar-me, ao chegar ao fim. 
-----------------------------------------------------------------
Procuro-me e não me encontro
E fico parada assim
A chorar, meu Deus, porquê?
Por ter saudades de mim!
-----------------------------------------------
E o tempo passava
O tempo corria
Eu já não chorava
Apenas sofria

Andava à procura de um sonho vivido
Num lindo castelo entre árvores e flores
Perdida, encontrei-me num mundo perdido
Meus ais, meus queixumes, meus loucos amores.
--------------------------------------------------------------
Gondomar, ponto final
do mundo tão grande assim
Mas para mim e, afinal, 
a terra maior
deste nosso Portugal

Meu Crasto bendito
Mimosas em flor, Minha Terra
Novenas de Maio
quando era menina
Festas de S Izidoro
Música no coreto do Monteiro...
----------------------------------------------
Sonhos meus, audaciosos, inquietantes, insatisfeitos - como eu, uma insatisfeita - sonhos belso de um amor quase perfeito. Mais de uma vez desci o Crasto num voo pleno de graça e leveza. Senti mesmo os pés a levantarem-se do solo e voei acima daqueles queridos pinheirais, eucaliptos e mimosas, voava em direção a minha casa...
Mas fiquei diferente, sim, depois que perdia minha querida filha. Ela era a minha alegria e a minha vida, era minha e roubaram-ma. Fique perdida num deserto, fiquei sozinha, Que me perdoem todos os que ficaram comigo, ficaram muitos, ficámos todos , menos ela. Que me perdoem, mas eu fiquei sozinha.
-------------------------------------
Não sou bonita, nem feia, sou simpática, fui sempre muito simpática (isto não é narcisismo...). É verdade. E fui em tempos, há muitos anos, uma rapariga 
interessante, pequena, bastante pequena, mas cheia de saúde, extuante de vida, vida e alegria, que transbordava por todos os poros do meu corpo. Diziam até que eu tinha muita graça, aquela graça natural de uma rapariga que da vida só queria a vida e nada mais. E o fulcro da vida era o amor. De uma sensibilidade doentia, muito sincera, expansiva e nada egoísta. 
LECAS
Depois de nos faltar uma filha, nunca mais se esquece. Tenta-se viver como se pode, mas o coração está sangrando constantemente e nunca mais se é a mesma pessoa

A minha Mãe e a minha Tia diziam: "Quem muito dorme, pouco aprende (ou seja. é estúpido)
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A minha Mãe recitava:
Minha terra tem coqueiros
onde canta o sabiá
As aves que cá gorgeiam
não gorgeiam com
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12-6-93 ESPINHO
Ontem fui a Gondomar ao baptizado do António, filho da Ana e do Tozinho. Lindo baptizado, maravilhoso jantar em casa dos pais da Ana em S Cosme.
Que saudades da minha linda Terra, que saudades da minha Mãe, da minha querida casa, dos meus irmãos todos (quando éramos jovens), do terço rezado à volta da mesa, depois do jantar - as criadas e o criado, à porta da cozinha, a rezar connosco), que saudades de mim, meu Deus! Tantas saudades de tudo, que nem me cabem no coração. E chor, choro, por tudo o que eu tive e perdi. Oh minha terra,(onde se vê o céu), meus verdes campos, meu lindo Monte Crasto.
18-5-93 ESPINHO
Daqui do meu sofá, na minha sala virada para o jardim, a partir da porta larga - de parede a parede - vejo um retalho pequeníssimo do jardim da minha casa (pensando) no jardim da casa da minha Mãe, da nossa querida casa.
O meu jardim, o meu roseiral,, as minhas adoradas rosas, que parecem as nossas rosas, minha Mãe!A trepadeira vermelha que sobe pela parede, junto ao poço, (e tem ao lado uma japoneira) está coberta de flores e todas as outras mais parecem rir-se para mim.

19-8-93, quinta-feira  
UM DIA
Levantei-me às 9/2. Está um dia de sol e calor. O João passou por mim nas escadas e disse: "bom dia" (mais para dentro do que para fora). A Plívia foi às compras de "cara" amarrada, aliás, como anda sempre.
Vou tomar o meu chuveiro e vou ao café, Talvez encontre a Leninha, (que está cá, a passar uns dias no apartamento do pai). Porque aqui em casa, não há conversa. Não há agora, nem houve nunca, só discussões. Sofro muito, mas só Deus sabe porque sofro, nem eu   
27 Set 94
TITA
Hoje tenho-me lembrado todo o dia da Tita, minha querida cadelinha, que morreu há mais de um ano.
Mas hoje vejo-a sentadinha no sofá, tão pequenina (era uma yorshire terrier). Não gostava que ninguém se sentasse perto, queria o sofá todo para ela.
Sabia quando eu estreava uns sapatos, farejava-me os pés.
29 - 3- 95
LENA E DAVID
Gosto de encontrara a Lena e o David (ao domingo), em casa do Mário. Já vamos tendo tão pouco tempo para nos encontrarmos, munha querida irmã. temos de aproveitar as ocasiões que se proporcionam para nos vermos. Está a aproximar-se a Páscoa. Que saudades das nossas Páscoas, na nossa casa, que saudades do compasso (com a nossa Mãe, claro), nós, todos or irmãos reunidos, as minhas adoradas filhas, os meus sobrinhos,, os namorados deles, as 
criadas na cozinha, o cheiro dos cozinhados,o saudoso cheiro bom da nossa casa, que cheirava sempre a flores, o nosso jardim, aquele paraíso, como a minha mãe dizia

LECAS
Minha Lecas, minha filha, a coisa mais linda que eu fiz e criei, na minha vida. Nem as rosas, as flores do meu jardim. Minha querida filha, valeu a pena viver e sofrer, só para te ter, a ti.
Tristes prenda sque te dou, minha adorada filha, padre nosso e flores. Tu que gostavas tanto de vestidos, de sa+patos, de pequenos chocolates.

ESQUEMA de BIOGRAFIA 4 partes
1ª - nascimento e vida em família
2ª internamento no colégio
3ª regresso a casa aos 18 anos: namoros
4ª  - casamento e peripécias seguintes

(quem não se enfeita, por si se enjeita)

31-8-94
A Manela foi ontem para Lisboa de carro, (Peugeot), sozinha,  e hoje, de manhã cedo partia para a Turquia, a esta hoara ainda vai a voar, São 4 horas. da tarde. Esteve aqui em Espinho 3 semanas e por acaso com um tempo ótimo de praia. Esteve também cá, no andar da Manela,  a Terezinha, Helder e Tozinho - que está um encanto - uns 15 dias. Foram ontem à tarde embora, para Gondomar, ficámos sozinhos, e com muitas saudades.Estou muito trista, também, porque a Lélé foi fazer e tem de ser operada ao útero. Deus a proteja. 

23-9-94
A Maria do Carmo esteve cá 4 dias. Vinha para passar 15 e sentiu-se mal da bronquite, de que já sofre há muitos anos e de uma hérnia no estómago, que também já tem há muito tempo. Estou muito triste por isso e porque a Terezinha também vinha para aqui com o menino, para casa da manela,  e agora a manela resolveu alugar o andar e eu fico sem a companhia deles.
A Maria do Carmo vinha cá 2 ou 3 vezes por ano, mas a viagem é muito longa, faz um grande sacrifício, coitada. É uma grande amiga Assim, eu vou ficando mais pobre (não de dinheiro, mas de dinheiro também, porque os juros vão descendo e eu vivo dos juros) mas de amizades verdadeiras, que tanta falta me fazem. Sinto-me muito abalada e desanimada.

28-4-93
Viagem para Fátima no nosso carro, eu e o João
Matos cheios de verdura, os pinheiros com as suas "crescências" e um mar de juventude. Campo enfeitados de ( /...?) irradia, alegria e jardins cobertos  de flores variadas, parecem cascatas ali...para receber a primavera. Há ainda as maias a quebrar o verde das matas, essas flores tão lindas , que alegram os olhos e aquecem o coração. As flores amarelas encantam-me. O céu está carregado de nuvens brancas, o sol espreita, de vez em quando e vai adoçando a viagem. Chove, de longe a lomge. Não gosto de viagens com chuva. Com todas as viagens (aliás, como na nossa vida), não há conversa -2 ou 3 palavras de Espinho a Fátima e estamos agora a parar num bar da Mealhada.para tomar um cafézinho. O João enganou-se, passou o bar e teve de dr meter o carro em marcha atrás, mais adiante.E parou um carro da polícia mesmo ao nosso lado.. Foi manobra perigosa, esteve prestes a pagar multa, mas lá nos deixaram em paz (o João alegou que tinha tomado um diurético...), Ameaçaram-no de ficar sem carta na próxima transgressão. Agora continuamos a nossa viagem, atravessamos a serra (de Lousã?). Continua o céu cinzento, com abertas de azul, de vez em quando. Há uma cordilheira à nossa frente e do lado esquerdo, a bordar o horizonte.A auto-estrada permite-nos ir a 120, o que para o João é uma grande aventura.. Os matos dos dois lados da estrada continuam cobertos de maias. Que lindo! É para alegrar o cinzento do céu .Estamos a 20 km de Leiria, portanto já perto de Fátima. A paisagem é bonita, mas quanto mais lindas eram aos caminhos por onde eu vinha há 30 , há 50 anos?
A 1ª vez que vim a Fátima com a minha Mãe e a Mª Ernestina, irmã do Eduardo, tinha 17 anos.
Uma grande chuvada e estamos a 16 km de Fátima, avista-se ao longe uma povoação, deve ser Vila Nova de Ourém. Já se Vêem as características desta região, os muros de pedrinhas  - como há em Fátima. Aqui e ali um campito verde, verde tão verde e fresco,parece um tapete de entrada em Fátima
Estamos em Fátima. A chuva parou, deu lugar ao sol, lá fora e no meu coração.


Espinho, 24 de Abril de 1996 
Vai fazer no próximo domingo 3 semanas que o meu querido João foi para o céu. Meu amigo, meu companheiro de 55 anos. Foi no dia de Páscoa, às 8 e meia da noite no dia 7 de Abril de 1996,
Está em  Gondomar, ao pé da nossa Lecas. Mas como tem sido difícil para mim sofrer sozinha tão grande desgosto, não tenho com quem desabafar e isto é uma tortura enorme. Tento resistir, mas preferia ir para perto dele e da nossa Filha.

12 de Maio
João e Lecas quero ir para perto de vós, vinde buscar-me, não tenho nada que fazer aqui. A Manela tem a vida dela e eu vivo sozinha, (esta criada que vive aqui em casa não é ninguém)
Não posso sofrer asim , quero ir embora, descansar perto de vós. Pedi a Deus por mim. João, meu companheiro, meu amigo, tu tinhas tantos cuidados comigo, e agora deixaste-me sozinha. Eu dasabafava contigo e agora não tenho com quem falar. Sofro atrozmente de saudades e solidão. Que mal nós aproveitámos ou vivemos  o nosso tempo juntos, João.. Tudo o que eu fazia era para ti, João. Queria um piano para que tu me ouvisses tocar. Agora já não quero. Fiz o meu jardim para tu veres. Vestia-me bem para tu olhares para mim. Lembras-te como antes de estriar uma roupa te perguntava se me ficava bem? E tu sabias como ninguém aconselhar-me, eu acreditava, piamente, no que dizias. Agora já nada me interessa, acabou tudo para mim.Eu não posso, não sei viver sem ti. Triste primavera, triste sol e até as flores do meus jardim são tristes. 



Espinho, 1 de Junho de 1995
Já quase  de manhã o meu João esteve sentado na cama , em frente à minha. Eu estava para me deitar (sonho ou realidade?) e ele abraçou-me, sentou-me ao colo dele e falava não sei de quê, duma gaveta que precisava de ser levada, mas falava e ia-me puxando para o colo dele e eu abracei-o também. E acordei, ou ele foi embora?

3 de Junho de 1996
Cada pessoa tem a sua casa exatamente para poder sofrer e chorar sozinha.Meu querido João eu ando perdida e perdida por esta casa sem te ver e pergunto. para onde foste sem mim? Tu que não ias a parte nenhuma sem me dizer, para onde foste  sem me dizer? E deixaste-me aqui, assim, desesperada, Eu morro de saudades tuas.

5 de Junho de 1998
Meu João, meu amor, grande partida me fizeste, naquele dia de Páscoa, 7 de Abril, ao jantar. Tínhamos chegado de Gondomat às 7, tu foste ao Café Vieira tomar o teu cafezinho e chegaste atrasado para o jantar. Eu e a Manela já estávamos à mesa e tu chegaste, sentaste-te em frente a mim, comeste a sopa e ias continuar, quando eu, conversando contigo, te disse que tinha a cara muito vermelha e inchada do calor dos aquecimentos em casa do Mário (eu costumo ficar
 assim com o calor). Tu, querido, olhaste para mim e ias dizer qualquer coisa. Já não disseste. A cabeça caiu lentamente para a frente e tu, meu amigo e companheiro de 56 anos,  partiste e deixaste-me sozinha. Quem me dera ter ido contigo. As minhas lágrimas são de saudade e desepero, eu não sei viver sem ti!. Agora, só agora sei que tudo o que eu fazia era para ti, João. Todos os vestidos que eu comprava, quando eu cantava nas festas da família, as flores do nosso jardim, os móveis para a nossa casa, tudo era para ti, meu querido João. Eu queria que tu gostasses do que eu gostava.. Amanhã, dia 6, fazias 78 anos.e, no dia 7, faz dois meses que me deixaste!
Oh, João, como é possivel eu não falar mais contigo e tinha tantas coisas para te dizer, como disse quando era mais nova (éramos mais novos). Mas que eu queria agora, ainda, dizer-te outra vez.
João, leva-me para o pé de ti e da nossa Lecas, meu amor, chama por mim,  este mundo não tem interesse nenhum para mim. Nem estes dias esplendorosos de sol, nem o meu jardim cheio de flores, nada, já não há nada que me faça ficar aqui. Sinto-me sozinha e abandonada num mundo desconhecido, João, vem-me buscar!

9 de Junho de 1996
Dia dos anos, 54 anos, da Manela. Está na Venezuela, em Caracas, eu estou aqui, com as minhas recordações. Meu querido João, os dias estão cheios de sol, mas tão tristes para mim! Acabou tudo desde que me deixaste, mas que amargura de vida!

11 de Junho de 1998
Meu João, eu morro cheia de saudades tuas, não posso viver assim, porque me deixaste? Eu não posso nem quero viver sem ti. Preciso de ir para perto de ti e da  nossa Lecas.

15 de Junho
Pode-se morrer de saudade e eu acho que vou morrer Já há mais de dois meses, meu amor, que te foste embora. E eu sentada no meu maplesinto que tu estás ao meu lado, sentado no teu maple, e eu  viro a cabeça e vou falar contigo. João, como posso viver assim? Durante o dia, de vez em quando,estou a pensar: logo quando o João chegar eu pergunto-lhe isto ou aquilo.
Ouço os teus passos a subir a escada, ouço o meter a chave, ouço-te a tossir. e morro, aos poucos, de saudades. Como ficou tudo vazio á minha volta

20 Junho
Esta noite sonhei contigo, Em casa da minha Mãe, em Gondomar., no nosso quarto de inverno, (onde nasceu a nossa Lecas), o quarto azul. Tu estavas a chegar a casa (do emprego, cansado), agarraste-me atrás da porta e deste-me muitos beijos e dosseste-me que já tinhas muitas saudades minhas.
Tínhamos em casa da minha Mãe outro quarto, de verão, no andar de cima (chamávamos-lhe "o quarto de hóspedes", foi onde nasceu a Manela.

21 de Junho
Meu querido João, eu dizia até agora "feliz de quem fica cá", mas já não penso assim. Agora sei verdadeiramente que quem é verdadeiramente que feliz é quem parte. Por isso peço-te para me chamares, eu quero partir.

22 de Junho
João passo os dias a chorar, nem sei como tenho tantas lágrimas nos meus olhos. Estamos no verão, eu continuo sozinha, a Manela veio, mas já foi outra vez, ficou só uma noite. Está um sol a brilhar e um céu azul, e é tudo tão triste, Como o mundo ficou diferente, meu companheiro, eu até  acho, meu companheiro, que estou a viver noutro mundo. João anda.me buscar.

14 de Julho
João meu amor, que saudades da tua voz, dos teus passos, de te ouvir subir as escadas, meter a chave à porta e dizer :"Sou eu". Que saudades, joão,  de te ouvir chamar por mim. Quem me chama és tu, ou o meu irmão Zé, que está aí no céu contigo, desde o dia de Natal 24  - 12- 95, pobre e querido Zé, tão meu amigo também. Meu querido João, tenho saudades de te  ouvir tossir, andar à noite no corredor,  até de fumar o cigarro (que tão mal te fazia),, Até tenho saudades das nossa zangas, das nossa "guerras"!

11-12 96
João, meu amor, vem aí o Natal, só quero dizer-te: o meu mundo desabou em cima de mim. Mas que deserto é este?

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