quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

W148 - OLÍVIA DIAS PECEGUEIRO Uma amiga partiu...






As pessoas doentes não duram para sempre. Nós habituamo-nos ao perigo, como elas se habituam, e começam a acreditar nas suas hipóteses de ir vencendo a adversidade, uma vez atrás da outra. Assim foi com a Olívia, nossa amiga há mais de meio século.
Um pace maker salvou-lhe a vida no último minuto, pela 1ª vez, em meados de 70. Foi operada no hospital Sto António, escapou por pouco. Depois disso, perdemos a conta às substituições de pace maker - os primitivos pouco duravam ou eram já en segunda mão - um negócio esquesito...
Esteve a morrer no princípio deste século, com uma pneumonia e pleuresia, que obrigou a uma melindrosa cirurgia no Hospital de S. João. O Hospital da Feira - muito acima do caos de Gaia, de que ela falava - e o de S João fizeram tº perfeito. Devolveram-na a casa, bem de saúde - milagre. (os milagres têm uma história comprida que contaremos...)
Passaram uns anos, chegamos à semana em curso. A Olívia é chamada a fazer um exame de rotina, numa altura em que passava mal, com noites de insónia provocados por dificuldades respiratórias. No momento em que eu, depois de alimentar os gatos, me preparava pra sair para o combóio, encontrei-me com a Olívia à porta de casa. Muito bem vestida, com um belo casaco peludo que foi da Mª Antónia, e um gorro de lã canadiano, que me pertenceu, chegou, muito pálida, e falando com dificuldade. Explicou que no serviço especializado lhe disseram que o exame correu bem - nenhuma anomalia. Coração com pace maker em perfeito estado!
Mas como foi possível não verem o estado fragilizado em que estava? A dificuldade de respirar e de falar, como eu vi logo depois?
Insólito!
À noite telefonei a saber como estava a Olívia:
Bem, foi a resposta da Mãe.
Jantaram as duas, foram deitar-se. No dia seguinte, a Mãe, não a vendo, entrou no quarto e acho-a sem dar acordo de si. Desorientada telefonou ao João Miguel. Foi ele que chamou o INEM. Tinha ainda sinais de vida, mas não conseguiram salva-la.
O choque e a surpresa com que soube, só a meio da tarde, ligam-se ao facto extraordinário de ela ter sido declarada bem por um serviço de cardiologia, apenas 24 horas antes. Quando já apresentava sintomas de falhas respiratórias. Como é possível, terem negligenciado os sinais?
Na verdade é.
Nos hospitais o 1º e o 4º mundo coexistem.
Coitada da Olívia! Que revolta sentimos. E tristeza e saudade.
Ou nostalgia. Passa o "filme" dos últimos dias, das últimas conversas e tudo ganha uma força nova. Os pequenos factos do quotidiano: aquela aletria, tão boa, de domingo. As "larocas" óptimas, no dia da partida da Docas. O fim de tarde, sentada na cozinha rodeada dos gatos, já quase pela derradeira vez. A pergunta inevitável, ao deitar-se, por volta das 21: "É preciso alguma coisa"? A reposta invariavelmente negativa, porque era eu que deitava os gatos. Assim foi na 2ª feira, depois de fazer as malas...
E, no meu caso, ainda por cima, aquela dúvida: se tivesse, ontem à tarde, ficado por casa e me apercebesse da sua situação teria chamado o INEM ou os bombeiros e tê-la-ia levado a uma urgência? E receber oxigénio, seria a solução, como foi da outra vez?
Não sei...

36 comentários:

Anónimo disse...

Maria Manuela Aguiar disse...
Esta casa está muito vazia sem a Olívia. Foram 50 anos de convívio constante!
Como dizia a Mãe, na capela funerária, ela era uma verdadeira amiga, como só podem ser as pessoas que não têm família para além daquela que adoptam e que, por seu lado, as adoptam, inteiramente.
Ali estavam os meninos com que andou ao colo e que têm agora 40 ou 50 anos.
A Isabelinha, a Rosinha Gayoso, o João Miguel e eu fizemos as leituras.
O Senhor abade teve palavras muito simpáticas. Foi uma despedida significativa, como ela merecia. Muitas flores, porque a Olívia adorava flores.
Levou ramos e ramos a rodea-la.
Em nome dos gatos depus sete, de cores variáveis, e todas com cartões com os nomes de cada um.
Os gatos estão tristes, parece-me.
Mudou a sua rotina e falta-lhes a figura tutelar.
Apesar do trabalho que lhe davam - até porque os cuidava e vigiava minuto a minuto! - creio que lhe deram muito apoio "psicológico".

Anónimo disse...

Maria Manuela Aguiar disse...
A Olívia gostava de fotos e de ser fotografada. Sempre!
E sempre com um gato ao colo. Ía alternando - ora um, ora outro.
Estive a ver o seu albúm com as mais recentes.
Ninguém diria que estava tão doente! Para a idade, estava bem conservada, quase sem rugas.
Extraordinário para quem teve uma vida tão difícil, desde criança.

Nem a mãe, nem eu nos apercebemos da deterioração do seu estado (claro, nunca mais foi a mesma depois da pneumonia e da operação aos pulmões. <e usou pace maker durante mais de 35 anos.
Não se queixava e, ultimamente, recusou, várias vezes, a minha sugestão para consultar o Dr. Mendes. Do outro grande achaque - da gravíssima pneumonia - foi ele que a salvou, obigando ao seu internamento no hospital...
A Xaninha contou no velório que a Olívia disse, na 3ª feira, à D. Irene (que faz limpeza geral duas vezes por semana): "Quando vier, na 5ª feira, já cá não estou".
Fiquei muito impressionada, e com pena de que não nos tivesse dito isso a nós, que chamaríamos um médico.
Mas, em casa lembrei-me de perguntar à D. Irene se tinha sido a 1ª vez que a Olívia profetizava tal coisa e ela respondeu que não.
Por várias vezes se saíu com comentários assim pessimistas.
Sinal de que se sentia mal. E, por fim, teve razão - infelizmente.

Anónimo disse...

Maria manuela Aguiar disse...

Um dos mais inesperados talentos da Olívia era o seu gosto pelos arranjos florais.
Muito mais artista do que a minha mãe, para já nem falar de mim.
Quantas vezes ela própria comprava flores lindas e enfeitava as jarras todas, para nos fazer uma surpresa!
Nunca se esquecia de datas especiais, como os aniversários de vivos e de mortos, por igual.
Mas não se limitava a essas efemérides. Gostava de fazer surpresas. Gostava de dar - era extremamente generosa - demais!
E quando eu lhe dizia que não devia gastar tanto dinheiro, respondia, invariavelmente:
"É um prazer, eu não sou invejosa".
Curiosa a adjectivação. Nunca usava o termo "sumítica" ou !avarenta. Utilizava inveja nesse sentido. Il y a du vrai...

Anónimo disse...

As suas ofertas não se cingiam a ramos de flores. Também oferecia, por exemplo, as primeiras frutas da estação, ou frutas caras, fora de época.
Nesta caso, recorria a outra expressão cifrada:
"bolo"!
Achava graça dizer que estava um bolo na sala de jantar, à nossa espera!

Anónimo disse...

E extravagâncias muito mais importantes: uma bela cadeira com tampo de veludo, baixinha, muito própria para as dimensões da mãe.
Uma estatueta de uma enorme corça, de que a mãe falou, por acaso, em família, hesitando em comprar, ou não. Etc... Etc...
Era particularmente dedicada a minha mãe, a quem fez testamento, há muitos anos.

Docas disse...

fiquei muito triste, com a morte súbita da Olívia.
Esta manhã fui para Santa Apolónia, para apanhar o comboio das 9.30 e ir ao funeral. Perdi o combóio - cheguei 10 minutos atrasada.

Anónimo disse...

Maria Manuela Aguiar disse:
Lembramo-no muito da Tia Rozaura, hoje. E não só porque a Olívia começou a sua vida com a nossa família justamente com a Tia Rozaura, mas também porque o funeral aconteceu, nos dois casos, sob chuva intensa!
Um dilúvio...

Anónimo disse...

Maria Manuela Aguiar disse...
Tão invulgar para a Olívia, que tal como, por ex, a Docas, gostava pouco de variar de indumentária, o aspecto com que a vi pela última vez, quando regressava da consulta do Hospital. Chique!
Com um casaco beige de belo corte, que a Mãe lhe deu, há anos, e ela pouco usou, e um gorro moderníssimo, que eu trouxe do Canadá.
Tinha muita roupa, mas guardada nos armários.
Hoje, levava uma blusa branca lindíssima, de seda bordada, com a qual nuna a tinha visto. E um fato que lhe ofereci e que também ficou na cruzeta...

Anónimo disse...

Maria manuela Aguiar disse...
Em jovem, a Olívia era muito bonita, de olhos azuis e com uma pele muito branca. Parecia inglesa. E bem vestida, tinha um tipo finérrimo.
Quando foi depôr a tribunal, num processo de despejo que o senhorio da Pedreira moveu à Tia Rozaura, mereceu um rasgado elogio do Juiz - pelo seu porte, pouco comum numa empregada doméstica, pelo menos nessa época..
A Tia, aliás, ganhou a acção.

Maria Manuela Aguiar disse...

Esta tarde, no grande convívio da família em Espinho, a Olívia foi muitas vezes recordada.
E alguém contou que a Maria Luís, quando soube da notícia, em Gondomar, chorou, chorou.
Lembrava-se que, no sábado anterior, a Olívia tinha feito uma aletria óptima para ela. E era também uma apreciadora do bolo que a Olívia melhor fazia - o de laranja. São gostos e sabores, pelos quais a nossa amiga de tantos anos fica na história da família, como quereria.
Tinha natural orgulho naquilo em que era perita. Quando recebia um cumprimento, resplandescia!
E, por acaso, no que respeita a essa sua última aletria até a Mãe comentou: "É a melhor que fizeste em toda a tua vida. De agora em diante, usa exactamente esta receita. (um pouco mais de leite e de açucar, na dose certa).

Maria Manuela Aguiar disse...

Entre as coisas em que a Olívia era insuperável contava-se a doçaria de Natal da Tia Rosaura. Sobretudo os "formigos". Ninguém mais sabe combinar, assim, as doses certas de mel, nozes, passas naquela fantástica pasta de pão escura e lisa.
Para mim era o melhor doce do mundo!
Das duas travessas, uma grande, outra pequena, a grande era só para mim!

Uma vez por ano era impossível resistir a essa delícia.
E, depois, não tinha concorrência: a Mãe e a Olívia eram moderadas no consumo de doces e o resto da família não era particularmente tentada pelos formigos. Custava-me a entender...

Maria Manuela Aguiar disse...

Continua a sentir-se aqui em casa o vazio deixado pela Olívia.
Tenho tentado arrumar as suas coisas. Demos os medicamentos, parte das roupas - que possuia em abundância, embora usasse quase sempre a mesma indumentária... - à D.Irene. Guardei as que mais nos fazem lembrar dela, como aquela saia pregueada de xadrês preto e branca, de excelente lã grossa, com a qual passava boa parte do inverno. Uma outra, semelhante, em tons de azul esverdeado.
Recuperei e vou usar um fato de malha cinzento claro, muito bonito que lhe ofereci há mais de 15 anos. A Mãe fez o mesmo em relação a fatos da mesma época. Estão novos...
E há ainda 7 ou 8 vestidos de malha italiana, que passaram anos naquele guarda vestidos e estão na moda.
Já há muitos anos que nem lhe serviam, porque, é claro, engordou na meia idade.
Mas o quarto está como ela o deixou - com os seus retratos, santinhos, terços, albuns de fotografias, apontamentos de receitas culinárias, recortes de jornais.
Será sempre o quarto da Olívia!

Maria Manuela Aguiar disse...

Fotos dos pais dela, nossas e dos gatos...
Os pais morreram há muito e o único irmão e sobrinhos com quem se dava, também. A outra irmã, pelo que ela contava, parecia saída de um filme de terror, de um campo de concentração nazi!
Talvez pela infância tão infeliz, a Olívia nunca quis relacionar-se com ninguém fora do círculo da família Aguiar, que a "adoptou".
Recusou estabelecer relações com um primo rico, um Pessegueiro que é empreiteiro prestigiado e construiu o edifício onde tenho o andar, aqui na R.7. Na altura, ele até veio visitá-la e nós insistimos que o recebesse e convivesse com essa parte respeitável da sua família. Recusou com firmeza. Ninguém foi capaz de a demover. Era extremamente fechada ao "exterior"!

Maria Manuela Aguiar disse...

Fora da casa, o seu contacto limitava-se ao merceeiro, padeiro, varina da R 16, empregados do talho, da lavandaria...
Adorava ir às compras!
Era a sua distracção maior...
Longe vão os tempos em que via horas e horas de telenovelas e noticiários. Até sabia fazer gravações de video...
Depois, desinteressou-se. Preferia ir dormir às 9 da noite,
Passava naquele quarto 13 horas seguidas, mais a sesta.
Penso que se sentia muito fatigada.
com pouca saúde, e cada vez menos.

Maria Manuela Aguiar disse...

Quando era assídua telespectadora conhecia os actores todos, os pormenores de histórias passadas com eles. Gostava de comentar os episódios, colmatava as lacunas e dúvidas que tínhamos. Era a maior especialista - podia ter ido a um concurso de tv sobre esses assuntos.
Por sinal, também adorava concursos!

Maria Manuela Aguiar disse...

Os últimos programas que acompanhou com entusiasmo foram aqueles em que participou a Maria Luís, o concurso de patinagem que ela brilhantemente ganhou na noite de 31 de dezembro.
Na noite de reveillon, a Olívia abria uma excepção e ficava connosco até depois da meia noite. Para ela, uma noitada! Comia as 12 passas e brindava com champanhe. Depois, ía logo para a cama, que já era tarde.
Eu deitava os gatos, naturalmente.
Mesmo sem champanhe, eles partilhavam a nossa restrita festa familiar.

Maria Manuela Aguiar disse...

Muito se fala do amor da Olívia pelos gatos. Mas não esqueço que era também uma apaixonada pelas plantas e flores. E ofereceu-nos algumas das que temos nos jardins - da mãe e meu. A trepadeira, por exemplo, ou um bonito arbusto, que cresce ali perto da porta da minha sala de estar. Várias das roseiras da mãe. Sempre generosa!
No último natal o seu presente foi um daquelas plantas da época, que há em branco e em vermelho (mais até em vermelho, mas a que me deu era branca).

Maria Manuela Aguiar disse...

Tenho no meu mini-jardim plantadas duas glicínias, uma oferecida pela Mãe, outra pela Olívia. Já não sei qual é qual... Só a Olívia saberia. Pois bem: estão agora a florir. em pleno, pela primeira vez!

Maria Manuela Aguiar disse...

Sobre a Olívia, há meses que tinha notas recolhidas em conversa, para este blogue.
A primeira, contada por ela, com muitos pormenores, foi aquela crónica engraçada da ida com a Tia Rozaura à festa de Santa Clara. Compraram uma enorme melância , que a Olívia transportava debaixo de um braço, dando o outro à Tia Rozaura, então já octagenária.
Subiam devagarinho a rua Fernão de Magalhães, quando o Olívia foi empurrada... e lá se foi a melância, desfeita em mil pedaços coloridos!...
Imaginem.. e riam-se, porque apetece!

Maria Manuela Aguiar disse...

Sobre a sua infância, que parecia saída de um romance do Charles Dickens - de tão triste e imprópria de um país do nosso tempo, que foi! - contava que, desde pequena, era obrigada a trabalhar.Ía com o pai apanhar carqueja para os montes.
Juntavam-nos em feixes e traziam-nos até às margens do Douro, ou às bermas da estrada, onde os vendiam para serem levadas para padarias.

Maria Manuela Aguiar disse...

A Avó Olívia tinha parentes para aqueles lados, do Douro.
Foi uma dessas primas, que conheceu a Olívia e percebeu que ela queria sair de casa da irmã que, desde a morte da mãe, 4 anos antes, a tratava mal.
Perguntou à Olívia se queria ir "servir" para Avintes ou Gondomar.
Disse que sim, arriscou e partiu... Ainda esteve em Avintes, em casa da minha Avó, mas logo seguiu para o destino gondomarense, a casa da Tia Rozaura, na Pedreira.
A Maria Póvoas, depois de muitas décadas de dedicado serviço, tinha ido viver com uma sobrinha, de quem era como uma 2ª mãe (a Géninha).
Para ela era, também, uma vida mais confortável. A sobrinha tinha um bom emprego, uma bela casa com jardim, dois filhos, e a Maria era a verdadeira "senhora da casa". Levou com ela a minha preciosa cadela "Chinita", que a adorava!Viveu feliz, até que a irmã Paula, se reformou e foi, também, morar com a filha única. A Paula era terrível - acabou por "expulsar" a irmã - que veio para minha casa, em Lisboa.
Mas, voltemos a esse final dos anos 50: a Olívia foi substituir a Maria, e ficou para sempre!

Maria Manuela Aguiar disse...

Tão malvada era a irmã - de quem nem o nome sei, porque a Olívia nem dizia o seu nome gostava de dizer... - que ela teve de sair sem nada, despojada da sua pequena herança, descalça e apenas com a roupa que trazia no corpo.
Foi a minha Avó de Avintes quem lhe deu o essencial, a começar por sapatos, para seguir viagem e chegar com melhor apresentação ao seu emprego!

Maria Manuela Aguiar disse...

A vida, na casa da Pedreira, era, comparativamente, paradisíaca: muito trabalho, porque a casa era grande e o terreno à volta, também, e só havia um jornaleiro, de vez em quando, para a ajudar, tirando as ervas, fazendo as podas...
Mas ela gostava, e era bem tratada. Afeiçoou-se à Tia Rozaura, à minha Mãe (já não moravamos lá, mas as visitas eram frequentes), e à família: a Lecas, eu própria, os meninos da Xaninha, da Meira...

Maria Manuela Aguiar disse...

Não era uma casa luxuosa, como a Villa Maria - onde, claro, passou muitos dias, acompanhando a "patroa", nas visitas - nem uma casa farta, como a da Avó Olívia.
A tia Rozaura, viúva, sem pensão nem segurança social, levava uma vida económica e ensinou-lhe a arte de poupar - em que, porém, ao contrário da Maria, a Olívia nunca foi discípula voluntária...
Cozinhava no grande fogão de ferro, que funcionava com bolas de carvão, armazenadas no andar de baixo, coisas simples: sopas, guizados, arroz - muito apurado - de frango, de bacalhau, aletria, tapioca, com muita canela...
Os sabores daquela cozinha simples, são inesquecíveis...
Muitos dos produtos eram de casa e de uma pequena quinta, muito bonita (a "Passagem") - batatas, legumes, fruta, que havia em quantidade e variedade. Foi com essa boa dieta que a tia Rozaura chegou ao ano do seucentenário...
E a Olívia não, porque tinha mazelas, que lhe ficaram da infância...

Maria Manuela Aguiar disse...

A Olívia ía ao Porto muitas vezes, de electrico, com ou sem a Tia Rozaura . Dava uma ajuda à minha Mãe, levava os meninos da Xaninha, a passarem a tarde.
Depois, a tia Rozaura começou a ficar lá, por umas semanas. Meses. A Olívia andava cá e lá.
Por fim, ficaram as duas, a morar.
Quando mudamos para Espinho, para uma casa maior, onde tinham quartos melhores, vieram, naturalmente!

Maria Manuela Aguiar disse...

Até é verdade que a Olívia ganhou o melhor quarto daquele simpático andar da rua 16: era o único que, tal como a sala de jantar e a cozinha, tinha uma fabulosa vista de mar! E muita luz, espaço!

Maria Manuela Aguiar disse...

Por sinal, aqui na casa da Rua 7, o mesmo se pode dizer. Já doente do coração, coube-lhe o quarto do res-do-chão, com vista para a R.7- também o único com vista para o mar, se se puser a cabeça fora da janela...

Maria Manuela Aguiar disse...

Última nota desse apontamento, que não mais poderá ser completado por ela, pela sua óptima memória:
Tinha 19 anos, quando veio para Gondomar, em 25 de Janeiro de 1955.
Esteve connosco 55 anos, mais alguns dias!

Docas disse...

Hoje passei umas horas largas a digitalizar fotografias antigas da Olívia - para preparar uma pequena fotobiografia, mas, como o computador fixo, desde a avaria geral de domingo, não me deixa entrar no blogue, tenho de adiar o projecto.
De qualquer modo, o visionamento de um percurso de vida, visto na imagem, levou-me a confirmar impressões, que creio correctas.
Depois de uma infância penosa, de uma adolescência dramática, em que foi maltratada pela irmã mais velha, tudo começou a melhorar.
Na Tia Rozaura encontrou uma amiga(aliás, chamava-lhe, nestes últimos anos, carinhosamente, ao contar as suas histórias, "a Tia Rozaurinha!).
Depois, isso aconteceu também connosco, sobretudo, com a minha mãe.
A fase que passou no Porto foi, certamente, a mais feliz: a época de ouro! A mãe tratava-a como alguém muito especial, ouvia as suas opiniões - davam-se como "Deus com os anjos".
As fotos desse tempo mostram uma Olívia alegre e confiante!
A 1ª fase de vida em Espinho - no apartamento da R 16, onde tinha o tal quarto soalheiro e bonito, com o mar à vista - foi semelhante.
Apesar da doença, a meio da década de 70, o problema cardíaco, o pace-maker, o rosto fala de ânimo e boa disposição. Era mesmo muito mimada!
Mas as coisas mudaram para pior,não sei precisar quando, na casa da R 7.
Não tem nada a ver com o lugar - antes com alguma incompatibilidade com a mãe.
A mistura de muitos medicamentos com um ou dois copos de vinho, a lentidão que daí resultava, a confusão entre isso e a natural degradação da saúde, irritavam muitas vezes a temperamental Mª Antónia, que é pessoa de 8 ou 80...
Apesar de ser amiga da Olívia, tratava-a mais como empregada, agora, depois que já não era, do que quando ela era, de facto, sua empregada!
Quer dizer: pela doença, que se agravava constantemente, pelas discussões, de quando em vez, o fim foi uma época de declínio. (quase sempre é, para uma generalidade de pessoas...).
Apesar de parecer mais jovem do que era, quase sem rugas, as fotos mostram-na mais triste, mais gorda, mais descuidada.
O factor que mais pesou na falta de mais apoio da minha parte e da parte da mãe, foi o ela não se queixar, nem de sintomas, nem de nada. Em vez de ser tratada como uma velhinha doente, era tratada como pessoa normal.
Se a "salvei", na outra grande crise, ao obriga-la a consultar o Dr. Mendes, foi porque me confidenciou que "não tinha força nas pernas".
Claro que fiquei alarmadísima!
Mas a regra era guardar tudo para si. Questão de feitio...
Na crise fatal, não disse nada!
Este era o quadro real:
Nunca teve falta de cuidados, quado se percebia que não estava bem...

Docas disse...

Talvez por isso, a Olívia era uma fã de hospitais.
O Santo António, primeiro, o hospital da Feira, depois, pareciam ser, para ela, hoteis cinco estrelas, ou "spas". Não tanto, acho eu, pelas instalações, porque aqui em casa as dela eram melhores, mas pela atenção e cuidados recebidos!
Na Feira, eu visitava-a todos os dias, para lhe levar bolachas, fruta, roupa lavada... E fiquei muito bem impressionada com o funcionamento e os bons cuidados desse hospital moderno, com ar "europeu"!

Docas disse...

Nem sei se ela se apercebia de que a sua vida por um fio...
Teve de ser operada aos pulmões - para o que foi preciso transferência para o S. João, no Porto, por causa das complicações do pace-maker.
Na transição, chegou a estar cá em casa dois ou três dias, com garrafas de oxigénio no quarto.
Valeu muito, na altura, a vizinha do lado - da casa que é agora a minha - a Fernandinha, que é "voluntária" das ligas de amigos dos hospitais.
A Mª Antónia entra "em paranóia", quando se trata de ter, por exemplo, garrafas de oxigénio num compartimento do seu "castelo", onde reina como senhora absoluta.
Mas, vá lá, aguentou...

Docas disse...

Dessa vez, tudo se conjugou pelo melhor.
Conseguimos um bom relacionamento pessoal com a médica da Feira. No S. João, ajudou-a muito uma médica amiga da Lé e da Isabelinha.
Uma sorte!
Melhorou, melhorou... mas nunca mais foi a mesma. Ficou muito debilitada. Lenta de reacções, sempre fatigada, desinteressada do mundo à volta. Não via TV, não ouvia rádio - excepto o terço.
Ela que, noutros tempos, estava sempre "em cima do acontecimento" e devorava telenovelas brasileiras.
Ainda assim, vi-a, às vezes, a ler jornais e revistas!

Docas disse...

Demos à D. Irene sacos de remédios, que a OLívia deixou - que tomava ou coleccionava. De alguns tinha meia dúzia de caixas!
Uma verdadeira farmácia, a que, às vezes, numa emergência, recorríamos. Tinha tudo, alcool, mercúrio, betadim, hirudoid, voltaren, aspirina, benuron, mucinum, modurectic, U L-250, adalat, vitaminas, sresstab, lanoxim. E os tal calmante, receitado pelo médico do coração, o "morfex. E stugeron forte (record de caixas!) - nem sei ao que se destinava.

E também muitos óculos e aparelhos auditivos. Eram caríssimos e davam pouco resultado. O último, comprado em fins de 2009, custou perto de 100euros - sem comparticipação da segurança social. Comparticipei eu, com parte dessa verba.
É positivamente indecente, que alguém com uma pequena pensão tenha de gastar tanto, para poder ouvir. Sem o aparelho, a Olívia era completamente surda!

Docas disse...

E roupa!
Tinha tanta, tanta!
A D. Irene levou sacadas de roupa!
10, 15, talvez mais!
A Mãe e eu recuperamos vários fatos, casacos e vestidos que lhe tínhamos dado, há muitos anos, que são lindos e estão como novos...
Lavados a seco, parecem saídos de uma boutique do século XXI, embora sejam da década de 60, 70, 80 do século passado...

Usa-los é uma maneira de a lembrar.

Anónimo disse...

Ontem, tivemos muitas visitas, quase todas mais interessadas em acompanhar o lanche com um copo de vinho verde, ou uma taça de "champanhe", do que nos meus bules de chá. O "champanhe" de ontem era ainda oferecido pela Olívia. Uma última garrafa que ficou no frigorífico!
Quantas vezes ela trazia o presente e dizia:
"É para as visitas".

Maria Manuela Aguiar disse...

Quando a Mãe vai ao quarto da Olívia, sai de lá a chorar...
E os gatos também sentem a falta - é o que parece. Assim pensa a D. Irene. Também acho, embora uns mais do que outros. O Jão-Jão mudou de "personalidade". Quase abandonou os telhados. Vai pelas suas 4 patas para dentro da Cabana e passa lá as tardes. Ele, que era o mais vadio de todos e consumia a Olívia, que o chamava, de 5 em 5 minutos, depois que anoitecia. Apesar de lhe manifestar grande confiança: "Ele volta, sabe os caminhos". R voltava... Foi um dos que nunca "sumiram" durante 3 dias seguidos.
Por 3 dias andaram desaparecidos: o Deco, a Seta e a Tita. Tê-los-ão presos, tentando rouba-los?
Não se entende porquê - são gatos bonitos, mas de rua. Excepto a Tita, que é uma "Lady", como diz a minha mãe, e mansa demais!
O mandarim, esse, andava nas noitadas regularmente, por óbvia malandrisse. Ou seja, a perseguir as gatas. Voltava cheio de arranhões e mazelas. De uma das vezes, quase lhe arrancaram a cauda... Muito afligiu a Olívia, de início, enquanto jovem, Já acalmou há anos!