quinta-feira, 21 de novembro de 2019



                              OS AVÓS MARIA e  ANTÓNIO CARLOS AGUIAR
Como se conheceram os Avós? E quando? A correspondência trocada entre ambos, em postais que atravessaram o oceano,
 desde 1908, comprova que, nesse ano, já estavam noivos, ou não poderiam usar as ternas expressões com que trocavam
 saudades, assim, abertamente, sem qualquer  preocupação de sigilo.
Até receber do primo Hernâni  um manancial de informações sobre a família da Gandra, os Lopes e Maia e até, também, os
 Aguiar Pereira,  a resposta era só do domínio das hipóteses mais fantasiosas. Passou a ser de probabilidade, apontando para
 variadas pontes entre os familiares mais próximos dos noivos, os da Gandra, onde crescera o Avô,  e os de Quintã, onde vivia
 a Avó Maria  e um dos ramos dos Lopes.
O que parecia distanciar as famílias de ambos, mais do que a geografia local, era o suposto  - e inverídico -  facto de girarem
 em diferentes círculos sociais gondomarenses, sem que se vislumbrasse nas fotografias existentes e nas memórias dos
 Barbosa Ramos a presença de qualquer dos 15 Pereira  de Aguiar antes do começo do namoro e de ser muito parcial depois
 (com João, Augusto, Gracinda e seus descendentes). Minha Mãe falava dos Lopes e dos Maia, dos Nogueira e dos Lobão, 
como parentes maternos. Ora, afinal eram tios e primos do lado paterno...
Guilherme da Silva Maia, avô de Hernâni, já em 1894/95, quando estudava no colégio de Amarante, se correspondia com
Alexandre e José Barbosa, estudantes em colégios do Porto, no tom jocoso, que se podem permitir "velhos! amigos, Ele
 veio a casar com Antónia, filha de Violante Pereira Moreira dos Santos, a meia-irmã da bisavó Rosa Pereira. Por uma
 notícia de jornal de 1908  (os recortes raramente são datados, pelo que pode ter sido num ano anterior...) sobre a festa
 de formatura em Direito de José Barbosa,
 regista-se a presença de António Aguiar (já noivo de Maria), com a menção de que tinha estudado (na escola, no liceu)
 com o novel licenciado.
Muito elucidativas são algumas fotos do álbum da Avó Maria, com o seu grupo de amigos mais próximos, sobretudo uma
 delas, de 1904 - de excelente qualidade, que resistiu ao passar do tempo e em que todos os figurantes estão identificados.
Ora na imagem quase só, encontrámos jovens das famílias Pereira (Lopes, Nogueira) e Barbosa:
As filhas da tia- avó Violante, Amélia (que casaria com José Lopes Vieira)  e Antónia, (que seria a mulher de José da Silva
 Maia). Flórida (nas vésperas do casamento com Américo Nogueira), Maria Judith Lopes (futura mulher de Raul Lobão) 
Maria (a mais jovem, então com 16 ou 17 anos), Glória, (que a tuberculose levaria aos 21 anos e era, segundo diziam 
as irmãs, namorada de António Lobão) e os manos Alexandre Mendes Barbosa e José Barbosa Ramos.
E se entre os Barbosa Ramos não consta que tivesse havido ligação à ourivesaria, já entre os Lopes, Pereira, Aguiar
 e Nogueira, sim, quase  todos os homens, na geração dos pais e alguns na dos filhos, estavam ligados a essa arte e
 indústria dominantes em Gondomar.
 Cada um desses ramos da família fala da sua "casa da Gandra". .De facto três casas diferentes :
 - a de Rosa Pereira e Manuel de Aguiar ( que talvez tivesse pertencido aos pais dele);
 - a de Violante Moreira dos Santos, que fora de seu pai e de Anna Pereira, e seria herdade pela filha Violante Moreira
 dos Santos Lopes, casada com José Martins de Almeida Lopes; 
 - a de António Castro Nogueira e sua mulher Maria Martins das Neves.
Todos ourives, parentes e compadres (João Moreira dos Santos foi padrinho de quatro  dos Pereira de Aguiar, seus netos
 por afinidadea filha Violante de alguns outros, Manuel de Aguiar de, pelo menos, um dos filhos  de António de Castro 
Nogueira, cujo filho Américo casou com Flórida, filha de Violante e José Lopes... 
Convívio diário e grande intimidade num quadro de vizinhança. Ora, embora não se possua nem imagens nem relatos 
sobre os Pereira de Aguiar, antes do noivado de Maria e António, não se pode excluir o conhecimento mútuo. Afinal, 
eles eram família próxima ou amigos dos melhores amigos dos Barbosa
 Ramos. E até consta que Alexandre Barbosa se teria enamorado de uma bonita menina Pereira de  Aguiar - não se
 sabe exatamente qual ...
António Carlos vivia longe, no Rio de Janeiro, mas fazia visitas muito frequentes à terra, e permanecendo, provavelmente,
 por períodos alargados. Com o seu feitio comunicativo, mantinha-se próximo do grupo dos antigos companheiros, como 
eram Guilherme Maia, muito próximo dos Pereira de Aguiar e dos Lopes, assim como de José Barbosa Ramos, irmão de
 Maria. Não é difícil imagina-lo em passeios e piqueniques no Castro, semelhantes ao eternizado na foto de 1904, sem
 igual benefício de estarem guardados em
 imagens, para memória futura.
Partira para o Brasil aos 16 anos, era Maria uma criança de apenas 6. Quando terá começado a ver nela o seu ideal
 de mulher? 
E como olhava ela  aquele Aguiar cosmopolita, em permanente vaivém sobre o Atlântico, homem sociável, com "mundo"
 e já cercado de uma aura de sucesso?
Aparentemente, depressa correspondeu às suas atenções, pois é sabido que namorava um primo Mendes Barboza,
 de Paredes. e se desinteressou dele, preferindo o gentil e polido "emigrante". Nas suas próprias palavras, que as netas
 fixaram com precisão, achava-o muito "ilustrado", para além de bonito, com enormes e expressivos olhos verdes, E, como 
gostava de dizer, "os olhos são o espelho da alma"...
Podemos, assim, apenas constatar que, em data incerta, anterior a 1908 - ano a partir do qual há elucidativa correspondência
 entre ambos - se apaixonaram. 
A primeira notícia da imprensa gondomarense em que aparece o nome do Avô António Aguiar terá sido a referente à festa
 de formatura de José Barbosa Ramos, futuro cunhado. Não é, porém, tratado ,como noivo da irmã (o namoro já era 
coisa assente, mas ainda não oficializada), mas sim como seu colega de estudos, e pessoa grada da terra, É,
 significativamente, um dos poucos nomes destacados num evento que reuniu numerosos familiares e amigos.
Há, contudo, uma pequena confidência da Avó Aguiar a uma das suas netas, sobre o início de namoro -  "pré- história" do
 grande e feliz romance com o Avô -  na fase em que tinha terminado namoro com o aristocrático primo de Paredes e estava
 livre para assumir um novo compromisso, mas ainda não muito segura dos seus sentimentos pelo conterrâneo -  permite 
afirmar, que nesse tempo, ele estava já apaixonado, sem ser inteiramente correspondido..
Falamos do ano em que o Avó, durante umas férias em São Cosme, se lhe "declarou" e ela, à partida, o aceitou, e da primeira
de várias despedidas, nas vésperas de ele regressar ao Brasil. Talvez o cenário fosse a Gandra, ou um encantador lugar do 
Barroco, onde se encontravam (nºao a sós, evidentemente), porque foi ele que se quedou a vê-la afastar-se, desolado pela 
perspetiva de meses de separação. Seguiu ela em frente, no seu passo ligeiro, o vestido comprido, roçando, graciosamente,
o chão, acompanhada pela mana Rozaura, em amena troca de impressões. A amargura de dizer adeus ainda não  lhe pesava
 ainda no coração. Mas, por um seu gesto de ombros, António, que não tirava os olhos do seu vulto esguio  e, a  cada momento,
 mais distante, julgou que ela chorava. Correu na sua direção, para a consolar, com uma última palavra ou um último entrelaçar
 de mãos. Não a viu em lágrimas, que não havia para ver, e Maria disfarçou,
discretamente, a serena disposição... 
Meio século depois, ainda contava o caso com aquele sorriso brando e irónico dos Barbosa (que podia, em certas 
circunstâncias, ser bem mais irónico do que brando....), rindo de si própria, menina e moça! Não teria, então, aos 18 19 anos,
 pressa em subir ao altar, o que significaria ir para tão longe dfamília, nos trópicos sul americanos... Não que o atravessar 
mares a assustasse, a ela que sempre se deleitou com viagens, longas ou breves, até aos seus 90 anos de idade. E António
 dava-lhe a certeza de um vaivém transoceânico, nos primeiros anos, e de um regresso definitivo, a  Gondomar, no médio 
prazo. 
É pela leitura de pequenos textos de postais de correio que, hoje, podemos acompanhar o crescendo de uma paixão sem
 fim. O primeiro postal que conhecemos é de janeiro de 1908, e permite-nos situar o mencionado "quid pro quo", no ano 
anterior, ou, porventura, mesmo antes.
 António escrevia de Rio Grande, onde o vapor o deixara, sendo de presumir ter passado o Natal de 1907 na Gandra, em
 família. 
Ou será que mantinha negócios em regiões tão distantes do Rio?  Indicações nesse sentido, não as há, da parte da Avó, que, todavia, sempre foi bastante vaga no respeitante a questões de trabalho ou empresariais. Não era ângulo que lhe interessasse.
 Música, poesia, até mesmo política, sim, finanças, não....  
O tratamento, nesse princípio de ano é, ainda, relativamente formal, embora ele já se permita um "Querida Maria".:
Querida Maria 
Acabo de chegar à terra do bom churrasco, onde tenciono demorar-me até 13 do corrente. O vapor sai de tarde, se eu
 tiver tempo, ainda te escrevo uma cartinha. Saudades a todos os teus. Um abraço do teu António

Dos longos meses entre janeiro e novembro não há informes. ou seja, nada mais de tudo quanto houve se conserva.
Em 7 de novembro, após mais uma temporada, certamente, bem passada em São Cosme, estava ele de regresso
 a casa (na Rua da Quitanda, numa morada que não se alterou até à mudança de estado civil) e dava notícias da Bahia,
 cidade onde, com frequência, aportavam, numa primeira escala da costa americana, muitos dos vapores da carreira
 Europa - Brasil. 
Nesse outono, o relacionamento com Maria atingira já um mais já alto patamar de afeto e confiança mútua. e são,
 naturalmente, mais efusivas  as mensagens. que do verso continua, na sua letra bonita e claramente desenhada, 
sobre a imagem colorida do pavilhão do parque Duque de Caxias:
.

  :
 "A ti, meu amor, envio-te d' aqui o meu coração cheio de saudades. Teu, sempre teu, António"

De São Cosme, em 23 de dezembro, ela manda um simples postal de Boas Festas, retribuindo saudades

Meu Querido António
Que o novo ano  te seja mensageiro de inúmeras felicidades são os meus ardentes votos. Desejo-te festas felizes e
 envio-te o coração repleto de saudades. Tua Maria

1909.é um ano bastante mais documentado, sempre somente através desta espécie de precursor do "twitter", que foi,
para estes noivos de Gondomar, o cartão postal na primeira década de novecentos.
No dia 1 de janeiro, Maria revelava (já muito longe da displicência daquela primeira despedida...), a sua vibração
 sentimental, expressa em linguagem muito terna:

"Acabo de receber os teus lindíssimos postais e a tua adorável missiva. Muito obrigada, meu António.
Cada vez é mais profunda a minha saudade. Hoje já não tenho tempo de escrever carta ao meu amorzinho, 
fa-lo-ei amanhã".
Sobre a imagem de uma rosa, a flor favorita de António (a par de gardénias), diz.lhe: "Com o tempo tudo passa, só o amor                                                                                               que é sincero e dura até à morte. Com muitas saudades, envia-te o seu mais sincero amor, a tua Maria".

No dia 12, após longa carta, desaparecida como todas as demais,, ele agradece um lindo postal, que acaba de receber e,
 a 13,  retribui os votos de boas festas, enquanto veraneia (no verão austral):

"De passagem por Paranaguá, envio-te o coração cheio de saudades e desejo-te felizes festas".

No mês seguinte, no dia 5, Maria, lembra bons momentos de convívio no dileto lugar de Barroco:
"Adorado António:
Acabo de receber a tua resumida missiva. Por motivo que te explicarei, é-me totalmente impossível ser mais extensa
 por este vapor. Deves ter recebido carta minha todas as semanas.
Tenho ido ao teu Barroco, onde tudo é triste sem o meu queridinho, Saudades inúmeras da que jamais deixará de
 adorar-te.  Só tua Maria" 
E, como usavam, por sobre a colorida imagem de uma jovem a disparar flecha certeira, vai uma quadra (de autoria sua ou alheia?):
A saudade é tristeza que conforta
É um gozo especial que faz chorar
É viver uma doce vida morta
Ou ir morrendo na vida, devagar

Cruza-se o postal com o dele, do dia 9, a bordo do "Amazon", onde inscreve sobre o retrato de uma recatada beldade  :
 "É neste  olhar de prece evocadora que a alma humana consegue ver a Deus" 
E no verso, no espaço destinado à escrita apenas:
"Amorzinho
Recebi hoje a tua carta, no próximo vapor, respondo" (Infelizmente, a sina da mencionada carta foi a habitual, sumiu....).
"Saudade" continua a ser a palavra chave nas sintéticas mensagens, que não obstante estarem à mercê de todos os
 olhares, nos vai, dando as subtis transformações sentimentais e a sua expressão, a deixar antever a proximidade do
 casamento. São mais numerosas as dele do que as dela.Talvez Maria compensasse esse défice com mais cartas, 
até porque frequentemente se queixava de falta de notícias detalhadas da parte dele, homem de muitos afazeres e 
poucos tempos livres... Mas, por vezes, também ele acusa
 a falta de assiduidade epistolar, como acontece a 12 de janeiro, quando, num post-sriptum, lhe
 lança um repto: " deixa de ser preguiçosa, Maria, escreve uma cartinha ao teu António"
Em 2 de março, de São Cosme, Maria salienta que, também ela, aguarda missiva :

"Queridinho:
Como tens passado? Espero receber carta tua na próxima quinta-feira. Inúmeras saudades da que sinceramente
 te ama, Só tua Maria".
 E, cercando o retrato de uma beldade de chapéu semi-escondido sob um comprido véu transparente, enuncia mais
 um elevado - e algo enigmático - pensamento: "O amor quanto mais puro e verdadeiro mais incompreensível se torna.
 Saudades da tua Maria"






A10 de março, António dá-lhe conta do seu estado de alma: "Saudade é um arbusto melindroso, que somente no
 jardim da tristeza floresce".
Em certas ocasiões, os postaizinhos servem para anunciar a eminente chegada de notícias mais extensas: "Conta
 com carta do teu António no próximo vapor", anuncia a 28 de abril.
Em meados desse mês, Maria queixava-se do calor europeu -  antes de experimentar o dos trópicos, que, também,
 havia de a apoquentar (a ponto de trocar o Rio de Janeiro pela frescura da montanha, em Teresópolis, nos meses estivais).

"Meu Antoninho
Está hoje muito calor. Saudades inúmeras da tua Maria"
O postal exibe uma criança em fato de banho na praia, a sublinhar a temperatura que fazia, e, sobre ela, reflexão mais
 sentimental:  "Amar e ser amada é uma ventura", Saudades. Até breve, sim?". 

Em maio, António está de malas preparadas para mais um retorno a São Cosme, de onde prosseguiria para França e
 Inglaterra, em missão empresarial. No dia, 8 dá a boa nova:
"Conta com  a última carta do teu António no próximo vapor e, no outro a seguir, no "Amazon Conte", comigo.  
Até breve, teu António.
(O tema do postal não é paisagístico, mostra, muito a propósito, um casal apaixonado, com legenda em francês. língua 
que teria de praticar na estada prevista em Paris.
"Oui, je t'aime beaucoup, de toute mon âme"
"Mon coeur brule pour toi, sa plus ardente flame"

Terá chegado a Gondomar na segunda metade do mês e seguido para França, possivelmente de comboio, em meados
 de junho. De Paris. dá notícias nos dias 21, 24 e 26 de junho. 
 A 21, de Versalhes, depois de uma visita turística ao Palácio, manda apenas "muitas saudades",.
A 24, de Paris  é mais informativo::

 "Meiga Maria
Envio-te um saudozo abraço. Parto na segunda feira para Londres, donde terei tempo para te escrever.Teu António"
O postal caricatura uma parisiense espalhafatosa, de vestido ousadamente curto e chapéu descomunal, que
 sublinha com jocoso comentário:  Dernier chic parisien. Gostas?"





E no dia 26, prestes a atravessar a Mancha, somente um pedido de desculpa:
"Minha Maria
Perdoa-me a falta de cartas minhas. Muito que fazer, Saudades do teu, só teu
António"
A 24, ela agradecia-lhe, para o Hotel...
"Agradeço as tuas notícias e envio-te immensas saudades. Logo escrevo - te. Tua Maria":

De Londres, nada chegou até nós e, por isso, ficámos na ignorância sobre a duração da estada, e no respeitante
 a andanças e impressões da visita. O mesmo se diga sobre o tempo passado em São Cosme. Terá ficado até
 fins de Outubro? Ou regressou ao Rio, pouco depois. para estar, de novo, em Portugal no outono?
A correspondência mostra que faz uma viagem de retorno ao Rio no final de outubro. No dia 8 desse mês, envia, 
em rápida sucessão, dois postais:

"Querida Maria
Tive uma esplêndida viagem. Cheguei no sábado, 6 do corrente, às 2 horas da tarde. No próximo vapor, escrevo-te
 com mais vagar.Muitas saudades do teu António"

E. logo depois, num "em tempo", o segundo cartão:
"Manda-me dizer se recebeste o telegrama que te enviei da Ilha da Madeira, e outro daqui. Saudades para todos do teu António"

No dia 16:
"Maria querida
Até hoje tenho em meu poder três cartas tuas, às quais no próximo vapor respondo. Perdoa.me, meu amorzinho, 
visto não ter tido tempo para tal. O motivo é o trabalho. Saudades muitas do teu António"

De Maria, ao longo deste mês, quatro mensagens:
No dia 5, está na Foz e envia-lhe, simplesmente,  saudades 
A 14, mais saudades para o seu "adorado Antoninho" e, do outro lado, sobre a imagem,  "saudades immensas da tua Maria" 
e a tirada já habitual: "O amor é a harmonia do Universo"
A 16, num postal, retratando uma atraente jovem, anota à margem: "As lágrimas são a alegria da alma e o bálsamo
 do coração". No verso, apenas uma pergunta: 
"Queridinho
Tens passado bem? Immensas saudades da tua Maria"
A 26,  mais um convite à meditação do lado da imagem: " A esperança é a consolação de um pensamento triste". E, no quadrado reservado à escrita,                                           mais prosaicamente,: "Meu Antoninho: Muitas e muitas saudades da tua Maria"
No mês de dezembro, há apenas um postal do Avô, enviado do Rio Grande do Sul:

"Envio-te a photographia do canastro (sublinhado), que me trouxe até aqui, sem novidade"
Maria Antónia contava que o pai era muito cuidadoso na seleção dos vapores em que se deixava transportar, 
sempre nos melhores camarotes, chegando a atrasar partidas para garantir conforto e segurança, quando
 possível, O não o ter feito nesta incursão pelo sul do país, indicia que se tratava de negócios, porventura, 
urgentes. Porém, como parecia ser usual em quem tanto gostava de trabalhar como de ver o mundo à sua
 volta, aproveita para passar o fim de ano em Pelotas, terra antiga, famosa pela sua doçaria com pergaminhos portugueses                                                      e de lá escreve , a 30 de dezembro:
"Desejando-te boas sahidas e melhores entradas do anno novo, envia-te mil saudades, o teu António

 Maria envia, também,um cartão de Boas Festas:
"Meu queridinho
Festas muito alegres e um 1910 recamado de felicidades é o que te deseja a tua Maria"

 



 1910 será o seu ano mágico para ambos. Contudo, no discurso postal de ambos, não é clara a alteração 
qualitativa do relacionamento, embora seja  provável que o noivado estivesse oficializado e a data do 
casamento marcada, desde a última visita dele, no outono de 1909.
Em Janeiro a Avó manda um segundo postal de boas festas, voltando à prática de legendar a imagem
 com a sua caligrafia::
" Amar sinceramente é saldar uma dívida para com o soffrimento" 
Depois, ela terá tardado a dar notícias e a 1 de fevereiro, em postal da Praça Tiradentes do Rio de Janeiro. 
ele indaga, num PS: "Não recebi carta no último vapor. Estarás doente?"
Depreende-se que o ritmo do diálogo epistolar era constante, e qualquer alteração dava lugar a lamentos e preocupações. 
Por altura do seu 30º aniversário, recebe de São Cosme um cartão de flores violetas e "saudades infindas".
 Dias depois, ele promete  "uma carta muito, mas mesmo muito grande" no próximo vapor".
Em março Maria passa férias no Porto, talvez em casa do irmão Alberto, com a sobrinha Mimi (Maria Isabel), 
de quem era, e seria, ao longo da vida, uma grande amiga, 
A 26 noticia que ia voltar nesse dia a S Cosme. "De lá escreverei uma carta ao meu amorzinho" Sobre o retrato
 de uma jovem com as mãos cheias de rosas brancas, manda recado: "Quando vem a carta muito longa?" 
Nos meses seguintes e até fins de agosto não se encontram postais do Rio - perderam-se com certeza, não
 é pensável terem praticamente cessado.  Apenas se conservam três, todos remetidos de Gondomar. No dia 1 de
 junho, a dar conta de uma pequena agenda de viagens:
"Querido António:
Vim hontem do Porto e vou na próxima 6ª feira para Gondalães. Antes de ir escrevo ao meu amorzinho.
E, sobre o retrato de uma donzela: "A esperança é doce e meiga estrella que nos guia nos momentos mais
 dolorosos da vida"

A 11 de junho:
"Adorado António 
Se o vapor tocar na Bahía não te esqueças de ir comer o vatapá
E do outro lado: "A esperança é uma ave doirada que esvoaça no jardim do coração"

Finalmente, no dia 11 de julho: 
Querido António
Ansiosamente, esperando o teu regresso
Sobre a imagem de um ramos de flores brancas: "Nada conheço que mais agradável nos deva ser do que
 uma dedicação sincera" 

De 28 de agosto o último desta série de viajados cartões postais:
Querida Maria
Peço-te que mandes buscar à Gandra uma corrente com chaves que lá deixei em cima da mesa do meu
 quarto e guarda-as. Obrigado e até breve. Teu António

Não há na correspondência qualquer alusão aos preparativos do casamento, previstoe realizado dias 
depois. Não era obviamente matéria de que falassem, sem qualquer privacidade, em cartões postais...
Só as cartas, tantas vezes, por ambos, anunciadas ou pedidas, e, sem dúvida,  escritas, com regularidade, 
nos poderiam dar os pormenores que desconhecemos, Em que data terá  o Avô realizado a sua viagem 
como homem solteiro? Em junho já a Avó Maria antecipava a vinda do noivo, ainda sem saber se o vapor 
em que viria, tocava, ou não, em São Salvador da Bahía. Pela mensagem de 11 de julho, depreende-se 
que a sua chegada estava para breve.   É muito pouco provável que, antes
de setembro, tivesse voltado a atravessar o oceano nos dois sentidos. 
Um facto está comprovado: em fins de agosto pernoitava no seu quarto da casa da Gandra, (com mãe, 
Rosa Pereira, que aí viveria, ainda por vários anos, como se constata por retratos tirados com os netos
 em 1915 e 1916), E lá esqueceu uma corrente de chaves, fazendo questão que Maria (ainda não Aguiar, 
mas quase...) a mandasse buscar e a guardasse. 
Que viagem teria realizado cerca de duas semanas antes do grande dia da cerimónia nupcial? De férias
 não foi, com certeza - negócios, pois! Ou dentro de Portugal, ou, de novo, em Paris, em Londres. Na verdade,
 pode ter ido, apenas, por uns breves dias no Porto, a tratar de assuntos pendentes com o irmão Augusto
 ou outros joalheiros. Hipótese a aventar, pois a Avó Maria contava que, às vezes, ele preferia ficar na rua
 Santa Catarina,  no Grande Hotel do Porto, pertinho da Rua das Flores. ´Gondomar dista pouco mais de 
meia dúzia de quilómetros do centro da cidade, mas, na época, a lentidão dos transportes levava a uma
diferente perspetiva das distâncias... 
Qualquer que tenha sido o destino dessa incursão, não se encontra assinalado num postalzinho.

O CASAMENTO

Uma notícia das colunas sociais de um periódico gondomarense  de 12 de setembro de 1910  dá-nos, 
em primeira e única mão, um sintético relato do acontecimento, com o título: "Consórcio":


  "Realizou-se no sábado passado na egreja paroquial d' esta villa o enlace matrimonial
 do nosso presado amigo e conterraneo Sr António Aguiar com a Srª D Maria da Conceição Barbosa Ramos, gentil filha do estimado notário local Sr Joaquim Mendes Barbosa e irmã dos nossos amigos Srs António, Alberto e Américo, abbade de Gondalães e dos Srs Alexandre Mendes Barbosa, digno secretário da Administração, e Dr José Barbosa Ramos, novel
advogado e diretor de "O Progresso de Gondomar".
Lançou a benção o irmão da noiva, rev abade de Gondalães, Américo Barbosa. A cerimónia revestiu caráter íntimo, assistindo pessoas de família dos dois simpáticos nubentes. Aos
cônjuges, dotados dos mais preclaros dotes de espírito e primorosa educação, desejamos um futuro ridentíssimo".

O recorte não permite identificar o periódico -  não se trata, obviamente, de "O Progresso",
que referiria a noiva como irmã do diretor. (jornal que talvez tenha publicada  matéria mais
 extensa, mas do qual não se acha vestígio).
Porquê um festa íntima? E porque não há fotografias da cerimónia? Estaria uma das famílias
 em luto recente? .
 O retrato oficial foi tirado no Porto, dias mais tarde, em estúdio, e até se contavam vicissitudes
 do transporte dos trajes nupciais, ao cuidado de uma criada um pouco descuidada... O fraque
do noivo chegou ligeiramente amachucado e ele, exigentíssimo, perfeccionista da aparência,
 ficou, coisa rara, zangado (ignora-se se a criada terá conseguido justificar-se, arrepiar caminho
  e continuar ao serviço da casa). Enfim, foi preciso alguém trazer um ferro de engomar e dar o toque necessário à perfeita compostura do traje. Logo depois. novo motivo de irritação. Maria Aguiar era bastante alta, mais do que o marido, com os seus sapatos de tacão e uns centímetros de cabelo e grinalda, e o artista fotógrafo sugeriu que ele subisse a um banquinho disfarçado nas dobras do vestido da noiva. Sugestão recebida pelo noivo, com fria indignação. Tanta, que nem ele, nem ela, conseguiriam recuperar o sorriso, como, a rir-se, retrospetivamente divertida, ela confidenciaria, meio século mais tarde..
E, assim, a imagem não espelha a autêntica alegria da festa daquele sábado,10 de setembro..





Em lua de mel, Maria e António, percorreram o país, desde o norte até Lisboa, onde os
esperava o imprevisto de uma revolução. Alojados no Hotel Franqueforte, no Rossio,
(há muito desaparecido do lugar onde também já não existe a pastelaria Suiça), estavam
 em pleno teatro de operações, nos históricos últimos dias da Monarquia e primeiros da República... Ambos da ala monárquica da família (uma das recordações de António Carlos, conservada para a posteridade, era o gozo com que repetia uma diatribe de época: "Talassa, passa, Buíça chiça!"), sofreram, angustiados, a agitação das ruas e do país, e partiriam, assim, ansiosos e incertos do futuro de uma revolução indesejada, temendo a sorte de todos os que ficavam, amigos, e família dividida dos dois lados da contenda, que de Lisboa chegaria ao
 Porto e a São Cosme. Os postais e as cartas sucederam-se, por certo,  sempre notícias ultrapassadas, fraco sossego. De facto, ninguém correu mais perigos do que eles mesmos,
 ali, no Rossio, convertido em alvo de tiroteios, nos dias  a 5 e 6 de outubro.
 Uma bala atravessou a janela do quarto do hotel, sem lhes causar dano, para além do susto
 (bala guardada como macabro troféu, até este ano de 2019, pela filha Maria Antónia). O cozinheiro do hotel foi atingido por uma outra bala perdida e morreu.
Alguma agitação, não política, mas metereológica, sacudiu também o paquete em que
 estavam em rota para o Rio de Janeiro. A jovem noiva estreou-se no cruzeiro transoceãnico,
 com o espetáculo de ondas alterosas até à primeira paragem, no porto do Funchal.
Revelou-se uma excelente "marinheira", à semelhança do experiente marido, depois de
 uns primeiros pequenos enjoos, e, com a maioria dos passageiros ainda não recuperados
do balançar das ondas, remetidos ao recolhimento nas cabines, Maria e António foram a
assídua e agradável companhia do Comandante, com quem fizeram amizade (cena que
 haveria de se repetir muitas vezes)... Sem mais percalços, depois da Madeira, que a Avó considerava a terra mais bela do mundos, tocaram na Bahia, que achou cidade suja e feia,
e desembarcaram, por fim, no Rio. Não temos notícia disso, mas, com certeza, tinham à sua espera João e Judith e e os sobrinhos ainda meninos pequenos.
Foram habitar a casa que António cuidadosamente preparara para receber a noiva, na Rua
 7 de Setembro, não muito longe da Rua do Ouvidor, onde, no º 63  se situava a Joalharia
Aguiar. Era a rua elegante da cidade do Rio, com as melhores lojas, confeitarias, restaurantes,
 Ou seja, sinónimo de muita animação diurna e noturna, que. em algumas telenovelas da
 "Globo", dessa precisa época, vemos  reconstituída, de uma forma sugestiva. Podemos, a
 partir dessas imagens, imaginar as inseparáveis cunhadas Maria e Judith no lugar das
 bonitas protagonistas de novela. fazendo  compras, lanchando ou, à noite, cobertas de
 sedas e rendas, reunidas na companhia dos maridos. e casais amigos. Entre eles,
conterrâneos, brasileiros, italianos... Italianos, certamente, o Avô era o sócio perpétuo
 nº 3579 da "Crosse Rossa" ("avendo elargito a beneficio dell' Associazione la somma
 de Lire cento"), em 4 de maio de 1917. É o que consta de uma certidão, que Maria
Antónia salvou de extravio, na sua moldura antiga, pendurando-a numa parede de
sua casa em Espinho, onde se mantém
Irmãos, sobrinhos e o amigo Bráz Cunha eram convivência diária. O famoso Sr Cunha,
banqueiro, que viria a ser padrinho da filha Glória (Lolita) até fisicamente era parecido
com o amigo íntimo.
Alfredo, o irmão boémio, aparecia e desaparecia, a intervalos irregulares, e a cunhada
Maria recebia-o sempre, com satisfação, Pelo menos dois dos seus filhos, rapazes,
foram acolhidos pelos tios António e João e educados em bons colégios. Aparecem
nos retratos de família em Santa Teresa, embora não identificados pelos nomes.
No Rio de Janeiro a Avó Maria viveu, como, nostalgicamente, recordava décadas
volvidas, os 10 anos mais felizes da sua vida, com um marido apaixonado, desejoso de
 lhe satisfazer os mais pequenos desejos, sempre a seu lado, numa cidade sem igual em
 belezas naturais.  Ele, homem ocupadíssimo, guardava os tempos livres para a família,
que queria grande e unida, como fora a da sua infância e os filhos nasciam, cada qual o
 mais bonito, ano após ano...
De Gondomar, vila pequena, de uma família também grande e exemplarmente unida, que
gozava de enorme prestígio, embora não de enormes posses -  o pai, o primeiro tabelião ali estabelecido, senhor amabiliíssimo e universalmente estimado, os irmãos, todos reconhecidos
 nas suas carreiras de funcionalismo público  e na sua intervenção cívica e política, e as senhoras respeitabilíssimas, naquele segundo plano que a sociedade patriarcal lhes reservava - via-se Maria, transportada para uma cidade maravilhosa, fervilhante de vida e de distrações, gozando
de tudo quanto a sua nova fortuna lhe podia oferecer num novo mundo.
Não era pessoa de se fechar dentro das paredes de casa, gostava de sair, de passear, (conservou uma agilidade extrordinária até depois dos 90 anos) de música e espetáculos, de convívio social, de admirar o esplendor natural de paisagens exóticas (bendizendo por elas sempre Deus, o criador do Belo no planeta Terra), de frequentar salões de chá e restaurantes, assim como lojas elegantes, obviamente. Nada disso lhe faltou no quotidiano brasileiro, entre 1910 e 1920. Filhos, também não, e pessoal doméstico, quanto fosse preciso, para os tratar. O marido não a queria a esforçar-se-em tarefas caseiras, nem a cansar-se demais com os meninos, que foram sempre "terríveis".
"Se precisas de mais empregadas, tens de as contratar, Maria, não hesites" - o que era feito, sem dificuldade, pois havia-as, com abundância, no mercado de emprego, em regra "negras e muito limpas", como contava a Avó Maria, recordando as repetidas exortações do Avô, sempre preocupado com a sua saúde e tranquilidade, o que bem se compreende, porque, ano após ano, estava ela cuidando de um bebé, ou esperando outro, ou as duas coisas, em simultâneo. Cinco crianças, nessa década de oiro de Brasil. E vinha grávida na última viagem para Leixões, meses após a trágica perda do pequeno Augusto, vítima de uma pneumonia, com um ano e pouco de idade. Lindo, loiro,  com olhos muito azuis, como o Manuel Joaquim. O seu desaparecimento foidesgosto para sempre, que sofreram unidos.
Talvez para uma relação afetiva tão forte e constante, num matrimónio que durou 16 anos, tenha contribuído, de algum modo, a frequente quebra das rotinas, férias de montanha, em Teresópolis, longas e repetidas travessias do Atlântico, em luxuosos camarotes (viagens que só tiveram de espaçar durante a guerra, entre 1916/1918), e diversas separações e reencontros, quando Maria vinha a São Cosme para que aí nascessem os filhos, na casa de seus pais, em Quintã.
Ali ficava a retemperar forças, resguardada, como então era de prudente, para não dizer exagerada, regra, cerca de dois meses, pelo menos, enquanto António ia e voltava do Rio, para a acompanhar no trajeto de regresso. Todas as viagens se realizaram na companhia dele e, depois das crianças, e de uma ama, elemento indispensável para que pudessem gozar, em pleno, o conforto e a convivialidade a bordo.
No Rio de Janeiro nasceram Carolina Rosa (em 1912), José Augusto (1916) e Augusto (1918) e, em Gondomar, Manuel Joaquim (1914), António Maria (1915) e Maria Antónia (1920), esta logo após a última passagem, a do retorno definitivo, nesse ano. E, já depois de radicados em São Cosme, o núcleo aumentou com duas meninas, Glória Doroteia, (1922) e Maria Madalena (1926), que tinha dois meses quando o pai faleceu.
Sobre a sofrida separação em que, por dois ou três meses, permaneceram, cada um de um no
 seu lado do mar Atlântico, por altura dos nascimentos de Manuel e de António Maria, é  elucidativa uma carta de fevereiro de 1915, que ele expede, ainda a bordo do "Alcântara", depois de uma difícil despedida: "... estou ansioso por chegar ao Rio para principiar a receber as tuas cartinhas, meu amor, única consolação que lá posso ter
Tens dado chocolate à Lininha? Dá-lhe de forma que não lhe possa fazer mal e diz-lhe que foi o Papá que lho mandou do Brazil. Fala-lhe muitas vezes em mim, assim como ao Nézinho, para
 eles não me esquecerem"
E termina, já o casamento ia no seu 5º ano, num tom muito semelhante ao dos tempos de noivado:
"Adeus, meu amor, até breve, se Deus quiser".

Em apenas uns curtos parágrafos se auto-retrata, por inteiro, como marido e como pai... tão saudoso já da mulher e dos meninos - para além do recém nascido Antoninho, a Lininha (Carolina), com três anos, e o Nézinho (Manuel), com um ano e tal. Tristíssimo por estar ausente do seu quotidiano durante  escassas semanas e até receoso de que, num tão curto espaço de tempo, o esquecessem!









   






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O receio de ataques inimigos aos paquetes, que cruzavam pacificamente o Atlântico, reteve, como vimos, os Avós
no Brasil,  e não permitiu que José Augusto e Augusto viessem ao mundo na terra dos pais. do mesmo passo,
 obviando a mais dois apartamentos temporários do casal
Há uma carta, escrita, em 15 de outubro de 1918, por pelo bisavô Joaquim à filha Maria, que alude ao fim desse
 período em que se viram privados de férias em família. Fá-lo num convidativo post-scriptum: "Lembro-te que deve
 estar afugentado o perigo dos submarinos dos scelerados alemães". .O apelo foi ouvido, o ritmo das visitas voltaria 
ao normal
A Avó Maria traçava, do marido, um perfil que se coaduna perfeitamente ao que se revela nos escassos  escritos
que sobraram para a posteridade,
 Um homem bom, afetuoso e sociável. Bem disposto, fora e dentro de sua casa, adorava e revia-se  na sua
 família em permanente crescimento, a lindíssima mulher e os 8 filhos... e mais teriam sido se não tivesse morrido,
 quando ela ia nos 36 anos e a última filha nos 2 meses. Quem sabe, não muito longe dos 15 do casal 
Pereira Aguiar, que lhe serviria de paradigma? Impensável, hoje, mas, então, as condições, nas classes média e alta, 
muito diversas. Amas e "babás" ajudavam a tornar mais fácil e aliciante a missão materna e paterna. 
Por sinal, os meninos Barbosa Aguiar eram tão bonitos quanto irrequietos, como se comprova por algumas
 histórias das longas viagens - corriam pelo convés e conseguiam atirar à água o que estivesse ào alcance da mão,
 como as almofadas das cadeiras e tudo o que fosse móvel ou amovível...
.Maria Aguiar continuava esbelta e elegante e fazia sucesso nas festas e convívios. António Carlos gostava
 de a ver serena e admirada. Mas não gostou de a ver dançar, vezes demais com Chaby Pinheiro, o ator, e
 a estrela maior entre os passageiros nessa particular travessia...  Maria estranhou o desusado acesso de ciúmes, 
(sem cena pública nem recriminação privada, é claro, mas ela era sensível aos pequenos sinais. Estranhou, 
odavia, embora sem ponta de  sentimento de culpa.
 Achou a reação dele deslocada, mas, de algum modo, um preito à sua beleza e, nesse aspeto elogiosa e divertida.
. Afinal, o marido era perfeito, uma questão menor não o diminuía a seus olhos.
A esta luz se tem de avaliar o choque de uma súbita viuvez, que transformou a sua vida por completo. E, de tudo,
a falta dele, a solidão e a saudade, o vazio que deixou, foi a verdadeira e fatídica mutação. Com os aspetos económicos,
 os meios que nunca mais seriam tão fartos, a conformação era bem mais fácil. O Avô deixara a parte mais substancial
 da sua fortuna em ações, para além de algumas propriedades, (a Vila Maria, casas no Souto, pinhais...).  
Coube ao irmão Alexandre, gerir essa carteira de ações, o que fez, habilmente, atravessando, quase incólume, 
tempestades nacionais e internacionais financeiras, sem perdas de maior. Maria Aguiar, senhora de grande
 inteligência e cultura, como Jesus Cristo nos versos do Poeta, não sabia nada de finanças -nem queria saber, 
gastando, generosamente, com as boas obras da igreja, a hospitalidades da sua casa, os serviçais. as férias,
 na praia, as curas nas termas, os colégios dos meninos...
Não se habituava a poupar, saíra há muito da casa paterna, onde a moderação imperava e habituara-se à largueza
de mãos do marido, que tudo providenciava.
Os Aguiar ricos eram assim -  não hesitavam em gastar, sobretudo, com a família dinheiro bem ganho.
 Gostavam de casas grandes (como a do Tio João, da Rua de Payssandú, no Flamengo, a da Gandra, herdada
 dos pais e remodelada pelo Tio Augusto, a Villa Maria dos Barbosa Aguiar, ou, na geração seguinte, por exemplo, as
 de alguns dos Aguiar Saraiva, no Porto, na Boavista e na Foz, ou em Lisboa, na Lapa). Investiam não só em negócios,
 mas também em estatuto, em modo de vida, viagens, festas, jóias, roupas
 (António Aguiar, mesmo quando viajava sozinho para Paris sabia  comprar vestidos lindíssimos, última moda, para
 as meninas). Com os empregados eram generosos, e solidários com os parentes menos afortunados, e, alguns, 
dados a causas e a beneficência, sempre gratos por favores e prontos a retribuir em dobro. António à cunhada Rozaura,
 agradecia a infinita paciência com que, tantas vezes, se encarregava de entreter e controlar os seus inquietantes filhos, 
com jóias, anéis, brincos, que ela haveria de deixar, em testamento, à Mariazinha.
Contudo, daquelas descrições da mãe e avó para a filhos e netos (sobretudo a netas), se construiu mais um estereótipo do
que um homem real - o emigrante de "torna viagem", com fortuna rápida e honesta, refinado e cosmopolita. Era sabido que, 
nas vindas a Portugal, aproveitava para correr a Europa central e, talvez, também, pelo médio Oriente, onde terá comprado 
a carpete persa do pavão azul, que se conservou no centro da sala de visitas, sob os passos de várias gerações de
 descendentes. Viagens, que, pelo menos algumas, como a correspondência veio evidenciar eram também de trabalho.
 (vide o postal de França, em que se desculpa de não escrever mais, por força dos "muitos afazeres" - quais não diz, mas 
podemos imaginar).
É, sobretudo, em pequenos pormenores que se vai vislumbrando a pessoa especial que ele foi, com gostos e hábitos
adquiridos em outras latitudes, sob céu de outras estrelas. Começava o dia a nadar num tanque com dimensão de piscina,
 em água gelada. tomava duches frios numa casa de banho com sete janelas panorâmicas, e, depois, o pequeno almoço
 composto fundamentalmente de frutas variadas. 
Entre as suas excentricidades, uma das mais curiosas, era o prazer helénico de quebrar a loiça, nomeadamente nas
 romarias de Gondomar. Mania, que se tornou conhecida e muito popular entre feirantes. Logo que o avistavam, 
as vendedoras de cântaros e vasos, desatavam numa gritaria: "Senhor Aguiar, venha aqui partir a minha louça!".
 E ele lá ia, varrer com vigorosas bengaladas, uma das tendas, pagando, principescamente, os estragos. Restam
 ainda muitas das bengalas de castão de prata ou ouro, com que executava o ato.
A sua relação carinhosa e invariavelmente amável com a mulher adivinha-se num outro episódio do quotidiano,
 que ela descrevia certamente porque o achara raro e engraçado, sem tirar dele o significado que lhe damos. 
Por esse caso se vê, que ele não levantava nunca a voz,  mesmo quando ela, por exceção à regra, lhe dava um
 pequeno desgosto. O desgosto provocado por um inesperado corte da sua farta cabeleira, em favor de um muito
 moderno "look"de repas sobre a testa e altura de cabelo que mal cobria as orelhas. Sem pressentir reação negativa
 muito contente consigo própria e a sua nova aparência, passou do salão de beleza para o estúdio de um fotógrafo onde 
tirou um retrato, encomendando 12 cópias que queria enviar para São Cosme. O marido olhou-a, com certeza estupefacto,
e não disse uma palavra de censura, mas foi, depois, tirar, também ele, uma fotografia no mesmo estúdio, com um ar
 muito carrancudo! Mandou fazer 12 cópias  e colocou-as dentro de uma mala de viagem, onde, mais cedo ou mais tarde, 
a mulher as iria encontrar. 
Encontrou! E compreendeu a mensagem, sem, por seu lado, a comentar. Terá sido a coisa mais próxima de uma crise
 conjugal na sua vida de 16 anos em comum....). Era a resposta aos seus doze retratos, de cabeleira drasticamente 
reduzida por tesoura de mestre e a expressão que António exibia naquelas imagens, era, evidentemente, a que 
não tinha querido revelar face a face, no dia ...
Como as fotos não eram assim tão más, não as deitou fora e ainda existem, em alguns álbuns de família

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