
Carolina Rosa Barbosa Aguiar Caetano Pereira, nasceu no dia 25 de Fevereiro de 1912 no Rio de Janeiro.
Carolina era a Avó materna. Rosa a paterna.
Os pais moravam, então, no centro da cidade, na rua 7 de Setembro, bem perto da Joalharia Aguiar, situada na principal rua de comércio, a Rua do Ouvidor. Muitos dos estabelecimentos pertenciam a portugueses. Ainda hoje há memória e vestígios desse tempo aureo. Passei lá algumas vezes, sempre tentando imaginar como seria, nessa era distante, como aí viveram a jovem Avó Maria e o apaixonado marido - o Avô que não pudemos conhecer.
A menina era lindíssima e trouxe grande felicidade ao casal.
Na primeira fotografia, está ao colo do Pai - muito visivelmente orgulhoso - no assento de trás de um vistoso carro de época, descapotável.
A Lininha tinha os olhos claros e imensos de Aguiar e uma enorme vivacidade. Foi sempre a favorita do "Papá", num relacionamento de perfeito entendimento, que nunca se desfez.
A fase feliz, muito feliz, da sua vida foi a da infância, na cidade maravilhosa, reinando sobre os irmãos, que iam acrescentando a família, ano a ano, com o seu "direito de primogenitura".
Frequentou um colégio Lindley, um externato, claro, porque o Pai, ainda mais do que a Mãe, não queria apartar-se dela.
Quando regressou a Portugal, falava "à brasileira". Nunca mais lá foi, ao país tropical, mas não o esqueceu. Considerava-se, mesmo, brasileira, ou, na melhor das hipóteses, luso-brasileira, mas com mais de metade do coração do outro lado do oceano. Todos a ouvimos cantar - e com que voz!... - o "luar do sertão" e outras suavíssimas modinhas, que lhe lembravam o paraíso perdido.
No Porto, viu-se internada num Colégio (o da Esperança, onde estiveram as irmãs mais novas?). Era a solução natural, porque em Gondomar, na altura, não havia estabelecimentos à altura... Detestou! Há cartas lancinantes, radicais, excessivas (um traço do seu temperamento que tantos desgostos lhe haveria de causar , mais tarde), a queixar-se, a pedir socorro. Ao Pai, naturalmente. E tanto insistiu e persistiu, que ele, vendo-a triste e desenraízada nas "lonjuras" do Porto, saudosa da sua "Vila Maria", acabou por aceitar, não o regresso definitivo a casa, com aulas particulares, como ela pedia, mas a frequência de um externato, o "Joana d' Arc", completada pelo curso do Conservatório de mùsica .
Era a mais religiosa, a mais sensível, a mais vocacionada para as boas obras e o "voluntariado", como agora diríamos ( uma vocação que a própria Mãe descobriria, em si, depois que ficou viúva e que, dos irmãos, partilhava apenas com o José Augusto, o extraordinário Tio Zé).
A morte do Pai, quando tinha 14 anos, deixou-a destroçada. Foi um choque que a Mãe, também ela inconsolável, viúva aos 36 anos, com 7 filhos, entre os 14 anos e os dois meses de idade, não soube atenuar ou compensar.
A ninguém , o Avô António fez tanta falta!
Se ele não tivesse desaparecido, se tivesse podido continuar a apoiá-la, a filha Lina teria tido um percurso completamente diferente.
Teria não só tido, na vida, o melhor, espiritualmente - não do ponto de vista material, que lhe importava bem menos, e que, aliás, não lhe faltou - mas teria, sobretudo, dado à família e à sociedade o seu melhor. E o seu melhor era fantástico!
Em generosidade, e em talento, igualmente!
Das centenas de poemas que escreveu, restam apenas os dois que aqui estão reproduzidos. Salvos, por puro acaso, pela irmã Maria Antónia - a minha Mãe. Achou-os bonitos e guardou-os.
Vou dizer em que singulares circunstâncias: a Tia Lina lia muito, livros de poesia, ou romances.. E utilizava uma das páginas em branco, de cada um dos exemplares, para deixar os seus pensamentos ou sonetos - uma prática singular... Muitas vezes emprestava os livros às irmãs, às amigas. Foi em alguns desses romances emprestados que a Mª Antónia resolveu copiar a contribuição original da Lininha. Uma sorte!
Eis três pequenas quadras soltas:
Se os meu olhos te incomodam
Quando estou na tua frente,
Hei-de arranca-los um dia,
Para te amar cegamente
Se me deixares, eu digo
O contrário a toda a gente.
E neste mundo de enganos
Fala verdade quem mente.
Afirmas que a vida é breve.
Mentira! A vida é comprida.
Cabe nela amor eterno
E ainda sobeja vida...
Há apenas mais um soneto:
Eu amo os olhos tristes de gazela
E o silêncio nostálgico do mar.
A chuva branda, a rir e a cantar
E o meigo cintilar de cada estrela.
Eu amo a luz, tão dolorida e bela
No silêncio da tarde a agonizar
E o vento, sem repouso, que, a chorar,
A sua dor fantástica revela.
Mas, acima de todos os fulgores
Eu amo esses teus olhos sonhadores
- gotas de mel em límpidas opalas!
E ao vento, à chuva, à onda murmurante,
Prefiro o sortlégio perturbante
Da música, sem par, das tuas falas...
E este poema, com um "final feliz":
Rosas murchas, são murchas, são sequinhas
Como as folhas que morrem no outono
E que andam, tristemente, ao abandono,
Correndo pelo céu sem andorinhas
Rosas murchas, imagens denegridas
De tanto sonho e dor, tanta alegria
E aos sentimentais da litania
Lembrando o ardor ditoso de outras vidas
São estes pobres versos que eu te mando.
Nada valem, eu sei, mas quando os leias
Quebra da minha dor as mil cadeias,
Sorri de compaixão, de quando em quando.
A cinza de uma flor é sempre flor
E o seu sorriso, que eu procuro
Em místicos jardins, os do futuro,
Talvez façam florir rosas de amor!
Tudo o mais foi queimado na fogueira...
Incrível, em pleno século XX, mas verdade. Terá sido, porventura, para destruir os livros, não os sonetos. Não sei. A literatura terá sido considerada subversiva, ou depressiva, ou coisa parecida. Inexplicável, a revelar absoluta incomprensão da sua maneira de ser
E não por culpa de ninguém, em particular. Começou por não a compreender a própria Mãe, que a induziu a casar cedo demais. Faltava, para a compreender, o Pai! A sua Lininha era uma personalidade complexa e difícil - de extremos. Alegre, jovial, extrovertida, sociável. Ou infeliz, agreste, agressiva. Muito magra. Ou, num período seguinte, gordíssima. Moderna, com os fatos mais elegantes, quando de bem com a vida, um vulto negro e lúgrube, em caso contrário...
É pena que os netos não tenham visto a verdadeira Carolina Aguiar: a que sabia ser compassiva e bem humorada, a que gostava de música, de flores, de crianças, a grande anfitriã de belas festas na Vila Maria, senhora de uma beleza e um porte, que deslumbrava a genteda sua geração!
Para eles, apesar da devoção que lhes dedicava, foi sempre uma velha triste, (mal) vestida de preto...
A propósito da sua tendência para a filantropia, é de lembrar o curso de enfermagem, que tirou, durante a guerra, na Cruz Vermelha (um curso, diga-se, muito bem frequentado, pelas meninas de boa familia do Porto). Segundo a minha mãe, a Tia Lina foi a melhor do curso! E o Tio Serafim achava muito bem. Encorajava-a. Gostava de a ver vestida pelo último figurino!
Foram anos bons. Olhamos as fotos dos passeios de fim de semana, com irmãos e cunhados, e só vemos rostos sorridentes. Eu estava lá, em várias dessas animadas excursões e sei que traduziam uma verdade dos estados de alma.
Porque mudaram as coisas depois? Pergunta sem resposta.
Sempre adorei esta Tia. Acho sempre me apercebi da sua essencial singularidade. E ela sempre me tratou maravilhosamente. Comigo nunca se zangou! Defendia-nos, a mim e à Lecas, do conservadorismo dos nossos pais! Não se ralava com o barulho que fazíamos, com as cantilenas repetitivas da Lecas, com as minhas asneiras.
Íamos para casa dela - quando morava no 2º andar da Vila Maria - brincar com o Tónio e o Mário, ás vezes com o Nestó também. Tudo nos era permitido. Até usar os chapéus de côco e os fraques do Avô, guardados nos armários do "quarto grande". E ela ria!
Vou ouvir, para sempre, o som das suas gargalhadas.












