segunda-feira, 19 de outubro de 2009

W135 - TIA ROZAURA faria 130 anos!

Hoje festajaria os seus 130 anos!
Adormeceu, serenamente, para sempre, no dia 1 de Janeiro de 1979, o ano em que completava o centenário.
Estava já de cama e "ausente", desde há algum tempo - não muito...
Despedi-me, ao princípio da tarde, porque tinha de regressar a Lisboa. A Maria Póvoas ficou com a Avó Olívia e a Endora, em Espinho. Estava no meu 1º Governo. Era Secretária de Estado do Trabalho no Governo de Mota Pinto, e estava preocupada com vários "dossiers". E nada fazia prever o súbito agravamento de saúde da Tia Rozaura. Mas mal cheguei a casa, na Av Uruguai, recebi um telefonema, com a triste notícia. Regressei imediatamente de combóio.
Sei que a última coisa que lhe disse foi: "Olhe, Tia Rosaura, pus o seu anel!"
Gostava muito que usassemos as jóias que nos dava, não que as guardássemos no cofre, e aquele era o anel que ela própria mais usou, ao longo da vida: simples e bonito como ela - com um pequeno rubí no meio de dois brilhantes. Já tão gasto que acabei por o guardar mesmo, mais tarde, porque o rubí se soltava, e não quis reforçar a estrutura e alterar o "design". É uma relíquia. A Tia olhou, mas sem reacção. Não parecia sofrer, mas estava triste...

O funeral saíu da Vila Maria, no dia seguinte. Chovia torrencialmente, quando o cortejo funebre deixou a Igreja, a caminho do cemitério, ali ao lado. Um temporal!
Só me lembro do comentário da Meira: "A Tia Rosaura ficaria muito ralada se soubesse que ficamos tão encharcados para a acompanhar à sepultura. Nunca quis, na vida, ser incómoda para ninguém".
Tinha razão, pragmática e sensata como era...
A Tia Rozaura era alguém de muito especial! Na perspicácia, e até no aspeto, fazia lembrar a Miss Marple, interpretada por aquela famosa actriz inglesa já bastante gordinha nesta fase da carreira - não a outra, com ar frágil e recatado. (Não me ocorre o nome delas). Tal como a Jane Marple, nada lhe escapava. Estava atenta a tudo. Lia o jornal, de ponta a ponta. Via televisão, em doses substanciais. No tempo restante, tricotava verdadeiras obras de arte. Depois dos 90, até aos 95 ou 96 anos, continuava a ver na perfeição. Deixou-nos algumas sumptuosas colchas de crochet, como a derradeira, com a qual a retratei. Nesta foto.
A partir de então, por insistência nossa, para não se esforçar demais, entretinha-se com pequenos panos bordados e cercaduras de renda. E, também, a produzir, em quantidade, simples meias de lã ou carapins (para dormir), que oferecia a toda a gente.
Aos 98 econservava a memória e a boa disposição. Deu, em 1977, uma queda grave (provocada por um AVC não detectedo? Talvez..,) e foi lentamente, muito lentamente, perdendo qualidades, perdendo o seu imenso gosto por viver...
A Tia Rozaura que lembrámos é a espantosa velhinha de olhar penetrante, pronta a contar histórias antigas ou a dizer graças, com acutilância e sentido de humor.
A Olívia, em sua memória, enfeitou a casa de flores amarelas - coroas de rei amarelas. A Mãe até se recordou de um ditado, desses que a Tia Rosaura repetia, quotidianamente. Qualquer coisa como: "quando vejo o amarelo logo me desvelo".
Vive, na nossa memória, a Tia Rosaura!










6 comentários:

Anónimo disse...

Maria Manuela Aguiar disse

A Tia Rozaura tinha uma série de chapeus, uns de verão, outros de inverno, todos muito simples e discretos, como este em que aparece na foto, no dia do meu casamento.
Por acaso, eram os que me assentavam melhor. Todos!
Levei um deles a uma missa na Sé do Porto, aquando da visita dos príncipes de Gales.

Anónimo disse...

A Tia Rozaura foi perdendo os dentes, como acontece a muita gente e aos 70 anos estava praticamente desdentada.
Mas resistiu à sugestão de pôr dentadura postiça, porque achou que pelo pouco tempo que lhe restava de vida, não valia a pena fazer esse investimento pesado para o seu equilibrado mas pequeno orçamento.
Não sabia que ainda tinha pela frente 30 anos...
De qualquer forma, comia bem, com muito apetite, e de tudo.
Ficou célebre aquele jantar em que em competição com a minha Mãe engoliu 13 pêssego, perdendo apenas por dois... Sem sombra de receio de indigestão.
passou-se isto em Latino Coelho, na década de 70, isto é, com cerca de 90 anos!

Anónimo disse...

Maria Manuela Aguiar disse

A Tia Rozaura sempre tratou a sobrinha e afilhada Mª Antónia como uma filha e foi retribuida, o que me parece ser coisa mais rara...
Para a Madalena e para mim também estava perfeitamente equiparada às Avós: nem mais, nem menos. Mais próxima, certamente, porque primeiro vivemos em sua casa e,depois, veio viver para a nossa.
E recordo-a com a mesma tristeza com que sinto a falta da Avó Maria, do Avô Manuel...
Uma incomparável contadora de histórias, que em nós encontrava a audiência ideal.
O seu único handicap era a falta de mobilidade - em casa movia-se perfeitamente, mas as caminhadas estavam fora de hipótese (penso nos últimos 15 ou 20 anos, a partir aí dos 80 anos). Gostava de estar no seu ambiente caseiro, de ver televisão e de ouvir rádio, de ler, de conversar.
O contrário da Avó Maria, sempre relativamente ágil e disposta a sair de casa para fora, e, de preferência, para longe!
Por isso, as Avós, à vez, estiveram por temporadas no meu apartamento da Av do Uruguai, enqunto a Tia Rosaura nunca lá foi. Para ver, por exemplo, as sua mobílias: a mesa da sala de jantar (que era a da casa da Bisavó Carolina!), a sua grande cama de mogno. o guarda vestidos...
Suponho que viu as fotografias!
E que fiou contente por as ver na família, bem cuidadas. Tinha essa preocupação - o instinto e o gosto da conservação, no melhor sentido.
Deixou-nos muitas relíqias, que procuramos manter para entregar a quem tenha a mesma paixão pelo que é nosso, por muitas gerações...

Anónimo disse...

Maria manuela disse
Estou com sono e a dar erros demais como relíquias sem "U"...
Usei este termo, porque era caro à Tia - escreveu-o, por exemplo, em envelopes onde guardava postais e apontamentos dos Pais.

Maria Manuela Aguiar disse...

Reparem que, em segundo plano, nesta última foto da Tia Rozaura está a lindissima Inês!
Poucas fotos dela há no meu casamento, porque se zangou com o fotógrafo, e ele, por vingança, destruiu aquelas em que estava com o Tó Zé.
Já não me lembro dos pormenores. De qualquer modo, foi uma pena

Maria Manuela Aguiar disse...

Hoje, ao jantar, a mãe e eu falámos de relógios a acabamos de acordo sobre uma preferência pelos de caixa alta. Pensei no da sala dos avós de Avintes, que era muito simples, como eu gosto, A caixa de linhas rectas, sem floreados, o sistema de pesos, a máquina com os seus números grandes bem visíveis, tudo harmonioso, incluindo o som.
Esse era o que me atría na infância.
No caso da mãe, era o da tia Rozaura. Mais pequeno, infinitamente mais gracioso, com um pêndulo onde saltitava uma menina de vestido azul..
Também ainda tenho dele uma imagem, mas um pouco vaga. Estava num canto da sala de visitas, onde a Lecas e eu passavamos pouco tempo, em ocasíões raras. A mãe, pelo contrário, era, em pequena, uma grande frequentadora. Lembra-se da Maria a contar-lhe histórias sobre a menina do vestido azul!