quarta-feira, 31 de março de 2010

W157 - APONTAMENTOS DA TIA LOLA 1938

A festa da Lólita
No mesmo caderno, com uma letra de adolescente, muito mais pequena do que a actual, mas já muito desenhada e assertiva, uma nota da Tia Lola sobre uma festa por ela organizada, na qualidade de autora de um guião para teatro.
As talentosas e empreendedoras manas Aguiar...

"Festa promovida só por meninas de Gondomar"

As que tomam parte na festa
Maria Ernestina Fonseca, Maria dos Anjos Faustino, Glória Doroteia Barbosa Aguiar, Maria da Graça, Rosa Armandina Rocha, Maria da Conceição Rocha, Beatriz Fernandes Domingos, Maria Antónia Barbosa Aguiar, Amélia Gracinda Aguiar, Marília Brochado,Julieta Brochado, Esmeralda de Moura, Eugénia Pinto Coelho, Hiponina Monteiro, Rosita Castro Paciència, Cecília Oliveira, Hermínia Oliveira, Olímpia Coelho, Sara Teixeira, Maria Amélia Teixeira.
Secção das pequenas (mais 19 nomes)

Alguns números acompanhados ao piano por: Carolina Rosa Barbosa Aguiar.
Resto da música a cargo de: Tertuliano de Moura Monteiro
Sua junta de músicos

A escritora

Glória Aguiar (Lólita)
2-VI -38 Porto Colégio de Nossa Senhora da Esperança

52 comentários:

Maria Manuela Aguiar disse...

E onde andará o escrito da escritora?

Maria Manuela Aguiar disse...

Tia Lola disse:
Não me lembro da festa.

Anónimo disse...

Lolita disse
Lembro-me só que cantei sozinha no palco, com um vestido azul de organdi. Sempre a mesma música, que a mamã mandava: A canção de Maria.
Bateram-me muitas palmas.

Anónimo disse...

Mª Antónia disse

O meu vestido era de organdi cor de rosa.
Recitei uns versos do meu irmão Manuel, dedicados a Gondomar.

Anónimo disse...

Mª Antónia disse

Gondomar, terra bendita,
Rincão formoso e fecundo
A nossa terra bendita
Não tem, não, igual no mundo

E o nosso Crasto frondoso
Erguendo-se magestoso
Da terra que nos foi mãe
No sino da Igreja -além -
Trindades ouço tocar

Como é linda a minha terra
Como é linda a verde serra
Como é lindo Gondomar!

Eram estes os versos do Manuel - incompletos, tenho de encontra-los...

Anónimo disse...

Mª Antónia disse

Gondomar, terra bendita,
Rincão formoso e fecundo
A nossa terra bendita
Não tem, não, igual no mundo

E o nosso Crasto frondoso
Erguendo-se magestoso
Da terra que nos foi mãe
No sino da Igreja -além -
Trindades ouço tocar

Como é linda a minha terra
Como é linda a verde serra
Como é lindo Gondomar!

Eram estes os versos do Manuel - incompletos, tenho de encontra-los...

Anónimo disse...

Eu usei no palco os meus primeiros sapatos de tacão.
O vestido de organdi era todo rodado, cinta franzida, folho na gola, como era moda.

Depois toquei uma valsa de Chopin - nº9 - de cor, sem pauta.
E ainda recitei a canção do mondelo de robles Monteiro e Amélia rey Colaço.
Lembro-me que tinha de trocar as mãos - impressionava imenso a plateia.
Fui muito aplaudida!

Anónimo disse...

A minha mãe foi a produtora, a ensaiadora foi a prima Irene, casada com o primo Agustinho, que era médico.
Quando nos visitava vinha a cavalo, que deixava preso à entrada, nas colunas do terraço.
Os meus irmãos atavam latas vazias no rabo do cavalo, soltavam a arreata e deixavam -no, desesperado, a galopar por ali fora, destruindo as culturas por onde passavam, até ao mirante do fundo. Nós deliravamos de alegria!

Quando o primo ia embora, depois de apanhado o animal, a mamã dava uma sova aos meninos.
Mas eles nunca desistiam...

Anónimo disse...

Mª Antónia disse

A produtora foi a minha Mãe, a ensaiadora a prima Irene, casada com o primo Agostinho, que era o nosso médico.
O Sr. Germano José de Castro era o outro ensaidor.
Numa das cenas, eu era a criada, a Redopiana.
A Marília Montenegro, filha da professora, era a dona da casa.
A Tia Lola era uma visita.
O papel principal era o das criadas, eu e a Hiponina, a Serena.

A visita tinha tirado o chapeu, com o respectivo alfinete e eu dizia à Serena: Anda, senta-te, enquanto elas conversam, lá dentro.
Sentava-me e picava-me no alfinete do chapéu. Fazia um espalhafato e toda a gente achava graça.
Fui muito aplaudida!

Maria Manuela Aguiar disse...

Mª Antónia disse

O primo Raul, pai da Fernanda Lobão, e o primo Hernâni, gostavam muito de mim.
Faziam-me repetir o que eu dizia, quando me picava na cena do alfinete... Ficou célebre, essa representação.

Anónimo disse...

Mª Antónia disse

O primo Agostinho, quando nos visitava, vinha a cavalo e atava a arreata à entrada da escada, nas colunas.
Os meus irmãos iam logo atar latas vazias à cauda do cavalo, soltavam-no e deixavam-no cavalgar todo o terreno, até ao mirante do fundo, destruindo tudo na passagem.
Para nós, era um grande espectáculo, ríamos à gargalhada!
Quando o primo saía, depois de recuperado o assustado animal, a Mamã dava uma sova em cada menino e repreendia quem andava às gargalhadas, as meninas...
Mas, na vez seguinte, todos recomeçavamos!

Maria Manuela Aguiar disse...

Na próxima vinda a Espinho, a Tia Lola vai ter uma bela surpresa: as sua correspondência com a irmã Mariazinha, a partir das primeiras minas por onde andou, com o marido engenheiro, Rebordelo, Bejanca, Arcos de Valdevez...
Providencial, a tendência da mãe para guardar este tipo de documentação, que quase toda a gente deita fora. Das que ela escreveu, nessa altura, não resta uma... salvaram-se as que lhe escreveram a ela. As que agora vamos divulgar, estavam na mesma caixa de cartolina branca, onde apareceram versos e referência às festas e teatros das meninas Aguiar.

Maria Manuela Aguiar disse...

Uma das primeiras cartas é ainda do tempo do colégio - 12 -10 -1938. A Mariazinha já estava em casa, completado o 5º ano do liceu.

(...)Escreve para o colégio ou então, quando o criado tiver de vir cá trazer qualquer coisa, manda-a no embrulho, ou no fundo da cesta; conforme fôr o objecto."
(coisas de outro século - encomendas e recados levados por um criado, em cestos - e devia gastar o dia inteiro, para se deslocar de Gondomar ao Porto, uma distância de pouco mais de 10 quilómetros!).

Maria Manuela Aguiar disse...

Seguidamente, elogia a nova directora e depois dá notícias sobre as mudanças que transformam a vida do colégio, já diferente do que a irmã frequentou no ano anterior...
"Estudo português e francês e creio que piano. Por estes dias, devo mudar de lavor. Está tudo bastante modificado, Agora só temos 50 m, de aula, e, no fim de cada, temos 10 m. para passearmos no claustro. As pensionistas que quiserem estudar piano ou trabalhos, pagam por fóra. está tudo mais caro. Ao "lunch" dão pão com manteiga. Ao meio dia há sempre sobremesa."
(naquele tempo as diletantes meninas, que não queriam fazer carreira universitária, podiam escolher as disciplinas "à la carte". Assim, a minha mãe fez o 5º ano "singulares" - isto é com exames finais apenas às matérias escolhidas. No caso dela, línguas, história, geografia, desenho- -aquilo de que gostava!).

Maria Manuela Aguiar disse...

As primeiras impressões nem sempre se confirmam. Neste mesmo ano, a Lólita seria expulsa do colégio em guerra aberta com a directora e por causa de uma prosa panfletária em que denunciva a péssima qualidade da gastronomia da instituição...

Maria Manuela Aguiar disse...

(...) "Estão cá muitas raparigas de novo, principalmente externas. Ainda não estamos alistadas na "mocidade portugesa", mas dizem-me andar a tratar disso. Parece também haver exposição êste ano. Disse-me a Srª Dona Beatriz que qualquer dia íamos aí fazer um magusto.
Sabes quem está a dormir na tua cama? A Mª Benedita. Também está muito gorda. Dizem estar na moda o ser gorda."

Maria Manuela Aguiar disse...

Estou na mesa da Srª D. Beatriz. Estou no mesmo lugar e em frente a mim está a Roque e as outras 3 são novas. São engraçadíssimas. Só com os braços ocupam a mesa tôda, a partir a carne, parecem carniceiros, a beber parecem porcos, vem a comida para a mesa, dizem que nunca comeram, que não gostam. A Srº D. Beatriz faz elas comerem, põem-se a chorar, enfim... pouco civilizadas".

Maria Manuela Aguiar disse...

Em 1943 está na Bejanca.
Uma das cartas é de 9 de junho desse ano: o dia em que eu fazia um ano, e é-me dirigida:
"Parabéns à menina, por completar o seu ano, com muitos beijos da Nónó"
(pelo visto, eu chamava-lhe assim!).

"Diz ao teu Papá que lhe envio também os parabéns pelos seus 25 anos, embora vão já com atraso de três dias!
Então a Mamã não se resolve a escrever-me?"

"E essa visita dos Papás, quando se realiza? Pede-lhes muito para te trazerem cá, agora no S. João, porque o Papá nesse dia não trabalha e pede-lhes também para vires cá passar 15 dias comigo."

E continua...

Foi certamente a 1ª carta que me dirigiram, ainda que eu fosse a interposta pessoa para pedidos e recados, é claro!

Maria Manuela Aguiar disse...

Agora falam as duas manas dos tempos do colégio:
A tal Dona Beatriz ainda hoje desperta boas memórias. Repartia o bife a que tinha direito com uma ou outra. A Avó queixava-se de que a Mariazinha era fraquinha e precisava de alimentação especial. por isso, acabou na mesa da directora, D. Maria Luísa Minchin Navega. Era chiquíssima e ria-se quando via a Mariazinha. Uma sobrinha, Mia Navega, lindíssima, alta e elegante, morreu nova com uma "overdose".
De castigo, mandavam-na de pé, para a porta da directora. A Mlle Isaura castigou-a porque não estava a falar francês, como era obrigatório no recreio.
Uma das vezes, a D. Luisa mandou-a entrar e sentar-se (teve pena da menina fraquinha...) e quis saber a razão do castigo. Outra vez, foi por dar uma bofetada na Olímpia e por dizer um palavrão. Havia um grupo que só usava palavrões - todas muito finas! A Miriam, Mª Irene Amaral Teixeira, a mª Assunção Nunes de Matos...
Gostava também muito da Mª Laura Horta, filha do Dr. Urgel Horta. Conviveu com o Mário, mais tarde, porque a filha casou com um médico assistente dele.
Telefonava-me sempre para nos encontrarmos antes de ir para a reunião e sentavamo-nos na 1ª fila, na missa da capela.

Anónimo disse...

Maria Antónia disse

Morreram com o tifo, várias amigas. Mª José Pizarro, Odete Santos, Mª da Conceição Marinho, linda e, tal como a Odete, filha única. Estive constipada, na enfermaria, com elas. Acho que até bebi água pelo mesmo copo. Sobrevivi, sem contágio...
Outra, a Aurélia Moreira, morreu tuberculosa. Era de Avintes, tocava piano comigo a duas mãos, no colégio. Eramos as duas melhores alunas.
Morava perto dos meus sogros, na rua que vai para o rio.

Anónimo disse...

Mari Antónia disse

Nessa rua morava a costureira "Balalaica", que era muito engraçada. Contava muitas histórias e foi ela quem me apresentou a Mãe da Aurélia. Pediu-me para tocar no piano algumas músicas. O piano nunca mais fora aberta, desde a morte da Aurélia.
Não tenho a certeza, mas parece-me que o João teve uma paixãozita por ela.

Anónimo disse...

Lolita disse

Quantas vezes subi ou desci essa rua com a Manela ao colo. Vinhamos a pé de S. Cosme, e, depois, de barco, de Gramido.
Chamavamos a barqueira, aos brados:
Oh Barqueira!
Chegaram a vir nessa excursão de Gondomar a Mamã, a Tia Rosaura, a Maria Póvoas.

Maria Manuela Aguiar disse...

Maria Antónia disse

A Balalaica contou-me que a barqueira tinha comentado: "o Joãozinho Patrão casou com uma mulher parecida com a primeira".
Podia ser paracida com a falecida, mas era muito mais pequena.
A outra era alta!

Maria Manuela Aguiar disse...

Da Bejanca, 13 de Agosto de 1943

(...) Repara no cãozinho que esta ao lado dela. è o célebre "tabú", a alegria da casa qu vocês nem chegaram a conhecer. Mostra à Lena.
Amanhã lá vamos todos à Serra da Estrela... Seduz-me muito mais ir de amanhã a oito a Espinho!"
(...) Vais ao casamento do Tónio? Então ela vai "chic"?(...)
(...)A Mª Ernestina está a fazer-me coisas muito bonitas para o menino, sabes? Está a fazer uma ceira acolchoada (...) Diz que depois vem para cá olhar por mim, quando ele nascer e eu tiver vindo de Viseu. Andam todos satisfeitos com o primeiro sobrinho e neto. A Mº Ernestina é muito boa rapariga. Queriam que eu fosse ter o menino a Gondomar, mas eu prefiro aqui, pois sempre vejo o meu Homem mais vezes.(...) A Lena já arranjou um namorado? Os Tónios ficaram bem nos exames? Não cheguei a saber. A Lina está aí satisfeita e mais distraída? Aposto que já nem tem o olho grande, nem a espinha a tremer, nem a cabeça a latejar, emfim... as manias dela!
E a Manela? Fiquei admirada de ela ter o mesmo hábito que eu de dizer "á bem".

Maria Manuela Aguiar disse...

De Rebordelo , para onde foi depois da Bejanca, em 1 de Abril de 1944:

(...) Envio uma fotografia do Nestó para vós, e as outras farás o favor de entregar uma à Lininha e outra ao Manuel. Nós estamos fixes e o Nestó cada vez mais bonito. Na 4ª feira caíu abaixo da cama. Foi de noite. Deitei-o na nossa cama a dar-lhe de mamar e adormeci e só acordei com o chôro dele. Felizmente não se magoou, foi só um galito. Temos dado muitos passeios. No domingo fomos passar o dia à beira rio. Uns de automóvel, outros a cavalo e os mais fracos de burrico.. Foi um dia bem passado. Levamos uma grafonola e bailamos um bom bocado. Na 4ª feira fomos a Chaves. Fui à modista mandar fazer dois vestidos. No regresso apanhamos muita chuva, porque o automóvel é aberto. Mas graças a Deus não fez mal nenhum ao Nestinho, nem se constipou. Tem sempre muita saúde."

Maria Manuela Aguiar disse...

De Espinho, em 2 de Fev. 1947
(Para a irmã Maria, como as demais):

Escreve-me e diz-me como está a Lecas. Ela ainda tem febre? O Nestó está sempre a falar nelas. (...)
Que me dizes da Lena?
Quando é que ela casa?... Ainda não tem noivo?
(...) A Docas cada vez está mais senhora do seu nariz. É uma mandona e ralha com todos, mas leva nas ventinhas...Está uma bolinha cada vez mais engraçada. O Nestó, o homem do costume... Todo ajuizado, quando não faz disparates. Hoje, domingo, tem estado um dia invernoso, mas o Eduardo, com aquela paciência só dele, tem andado às escondidinhas com os filhos e agora está a fazer-lhes aviões. Vai lá dentro uma risota com os três.
Sabes, estou a fazer umas calças compridas para andar na bicicleta. Quando fôr para Rio Tinto, depois estou sempre aí caída. (...) Quando me virem de calças é que vai ser um espanto, mas aclimatam-se.

Maria Manuela Aguiar disse...

Arcos? (sem data)

Fiquei satisfeita por me dizeres que a Lecas gostou das chancas minhotas e a Manela também. Vou ver se levo as da Manela, quando fôr no Natal. Sabes que é só em dia de feira, e a feira é agora na próxima quarta. Nós vamos na quinta para Gondomar.
Hoje andou aqui o Margarido no "hurricane". Com muitas voltas, mas não conseguiu dar connosco e a Chana ficou nervosa de ver o avião tão baixo, parecia tolinha.
Então vós ides ou não a Gondomar?

Maria Manuela Aguiar disse...

Paços, 6 de Maio de 1945

Participo-te que prepares as malotas e que marches para cá, o mais depressa possível, pois, como o Eduardo já te comunicou, devemos sair de cá por todo este mês. Convém, pois, resolveres, mas sem hesitações, e vires na próxima semana. Como sabes, nada precisas de trazer, a não ser o berço da menina. A Manela pode dormir no divan, encostado à vossa cama. Traz contigo a Rosa, para olhar por elas.
Nós hoje fômos os quatro dar um grande passeio a uma povoação chamada Pêgás. Parece que até fez bem à constipação da menina.
(...) Vocês na 6ª feira chegaram bem? A Manela como se portou?

Maria Manuela Aguiar disse...

Arcos? (sem data)

Recebi hoje de manhã, três cartas, uma tua, outra da Lina, outra da Lena. Cá vos espero a todos no domingo. Logo que ouça apitos de automóvel, descerei à estrada. Vou matar para esse dia o Senhor Martins, que é um cabritinho muito engraçado. A Lena pede-me para lhe arranjar um, mas que não conte com ele para domingo, pois só se compram em dias de feira e a feira é só na quarta. Depois, estes cabritos abatem meio por meio, pois vêm de mamar e não comem quasi nada. Eu estou a dar leitinho ao meu, para o conservar gordinho até sábado.
(...) Então tendes-vos fartado de gozar! Isso é que foi uma rica prenda de anos que o David deu à Lena.(...)
Se no domingo estiver um dia lindo, pensamos ir almoçar à Senhora do Castelo, que é um alto monte donde se desfruta uma paisagem magnífica! Até o Bom Jesus de Braga se vê de lá e vão os carros mesmo até acima.
(...) Então foste conhecer Chaves? A grande cidade, onde eu tantas vezes fui tomar um "banho de civilização", quando descia da serra de Rebordelo!
Envio este coletito à Manela. Se não lhe servir, manda-mo, que fica para a Eduarda e eu faço-lhe outro.
Vai às cores, foi para aproveitar bocados de lã. É uma insignificância, mas fará geito para trazer por cima de um vestido de verão. Vai perfumado com diamante negro. (...)

Maria Manuela Aguiar disse...

Porto, 18-X-38
(do colégio, para a Mariazinha

(...) Pede à Mamã para me mandar dinheiro para a prenda da directora, mas tem de estar cá antes de sábado. O criado que venha cá trazer o cesto de roupa e juntamente que traga o dinheiro. Também preciso de linho para fazer uma toalha de chá e algodões, mas a Srª D. Beatriz diz que se a Mamã quiser que compra e, depois, dá a conta. Acho melhor assim, pois ela escolhe as cores, que já está habituada.
Domingo, vem cá. Vê se a Esmeralda também vem. No domingo passado não veio cá ninguém. Fiquei e estou muito zangada, pois esperava a tua visita.
No sábado passado, fomos ao cinema, ao Trindade, ver "Os fidalgos da casa mourisca", com a Srª D. Beatriz. Fui eu, a Olímpia, a Mª Benedita, a Gabão e a Mª Mendes. Aí, no magusto, certamente só depois dos fiéis.

Maria Manuela Aguiar disse...

Arcos?

Ontem cá cheguei muito maçada e as minhas filhas já dormiam. A estas horas está o meu filho no Circo. As tuas também foram? Isso seria a pândega completa para o Nestó. A Docas diz que antes queria ir ver a Tia Giginha do que ir ao Circo. Vê lá a amizade.
Envio-te essa foto e é a única que tenho. Achas bem? Não mostres ao João, senão será o fim do mundo. O Eduardo traz uma na carteira e gosta muito dela.
Vós podieis vir cá na véspera de Ano Novo consoar connosco e trazias as duas Lécas. Depois íamos ao Reveillon, que é uma coisinha modesta. Arranja-se a dormirdes todos aqui em casa, mas, no entanto, terás de avisar uns dias antes. A Julieta podia vir também. Resolve e escreve a dizer alguma coisa.
Escrevo-te só em meia folha, porque não tenho mais cá em casa e estou só. A criada saiu e o Eduardo saiu também com as pequenas.(...)

Maria Manuela Aguiar disse...

A que foto se referirá a Tia Lola?
Será uma, muito espectacular, em que aparece de ombros nús? Esteve exposta no fotógrafo (Foto Vieira - Santa Catarina) durante anos!
Uma verdadeira vedeta de Holliwood.
Lembro-me bem!
Esse era também o fotógrafo de jogadores do FCP, alguns dos quais partilharam, durante bastante tempo, o expositor com a Tia lola.
Para mim, era uma dupla atracção! Para mim

Maria Manuela Aguiar disse...

??? (sem data)

Recebi ontem a tua carta e impressionou-me a morte do filhito da Mª Emília.
(...) Com respeito a criada, não sei, eu posso ver, mas parece-me que não há nada por aqui.
(...) Então esse São João, que tal? Faço ideia o que vós farreaste! Foste com a Lena? Vi as quadras do João no jornal, que estão muito bem, e uma do Nézinho, creio, tinha o nome de Margarida Clara.
Vais passar o mês todo de Julho a Felgueiras? E Vizela e Espinho?
Antes que me esqueça. A receita daquele rolo de carne, eu vou explicar-te, pois ele não tem receita. Foi uma coisa da minha cabeça, e faço-o de duas maneiras: A princípio fazia-o como a massa das larocas. Farinha desfeita em água e ovos batidos e ía no tabuleiro ao forno. Depois de cozido, deitava-se o picado dentro e enrolava-se. Mas agora faço-o como o rolo doce, mas sem açúcar. Compreendes? Por exemplo: 5 ovos. As claras batidas em nuvem e junta-se depois as gemas e 5 colheres de farinha e um pouco de sal, ao paladar. Bate-se muito bem e vai ao forno. Quando estiver cozido, deita-se o picado e enrola-se.
A Mamã escreveu-me há dias e está aborrecida contigo por teres ido para Avintes e teres levado a Manela, Deixaste-a só, não devias fazer assim. Está habituada a ter sempre a Manela.
(...) A Julieta escreveu-me há dias e dizia-me que andava a planear um passeio a Vilafonche, no automóvel do namorado.
(...) A Docas andou a ensinar-me a nadar, mas não consigo, tenho o rabo muito pesado e vou para fundo! Ontem fômos ao cinema ver "Sedução" com a Ingrid Bergman. Gostei muito. Temos agora muitos passeios planeados de bicicleta.
(...) A Docas há dias esteve adoentada e ficou um dia de cama e só queria estar com o retrato da tia Giginha ao pé dela.
A Manela ficou boa? E a Lecas como está?

Maria Manuela Aguiar disse...

Eis uma pista para adivinhar onde a Tia escrevia a carta: a referência a Vilafonche. O pior é que nunca ouvi falar dessa urbe!
Há que perguntar à Autora!

Maria Manuela Aguiar disse...

Uma outra carta que seleccionei, porque retrata a época!
Não tem data, mas suponho que é escrita dos Arcos. Lembro-me de ter tido as bexigas nela referidas, mas não sei que idade tinha...
A pormenorização das fatiotas é uma delícia!
E a escassez de telefones, que coisa engraçada de imaginar no tempo da vulgarização dos telemóveis, até por criancinhas da primária... Só os Avós de Avintes já tinham instalado essa alta tecnologia!

Maria Manuela Aguiar disse...

(...) As pequenas ficaram com
algumas marcas das bexigas? Quem me dera vê-las, mas não sei quando será. Provavelmente não vamos aí na Páscoa, por isso se vós não vierdes, não nos veremos tão cedo. Já sabes que eu não deixo a Pardócas, por nada deste mundo e, no entanto, ela enche-se de alegria quando lhe prometo deixa-la ir até aí. Deixa tu vir a Manela ou a Lecas passar aqui um mês.
(...) Tu, como tens telefone em casa da tua sogra, podias, quando me escreveres, marcar um dia e uma hora, que eu esperava o telefonema no posto 2, que é o café.
Estou a fazer uma toilete preta, saia plissada e bolero com mangas a três quartos e blusa de bretanha de seda branca, cheia de rendinhas e de manga comprida, ficando a manga da blusa a ver-se a sair do bolero. Está bonito.
Quando os dias estiverem mais bonitos combinamos encontrarmo-nos em Braga e eu com esta indumentária para tu apreciares. Eu levo o Nestó e tu a Manela, depois noutra ocasião levarei a Docas e tu a Lécas e vamo-nos vendo todos. A Chani é que ainda está uma selvagenzinha para sair a passear. Mas em compensação está cada vez mais linda. Tem uma cor de boneca, sempre muito corada. A Docas tem uma boneca espanhola. Tem dois palmos e meio e custou 60 escudos.Já escolheu o nome sem ninguém lho indicar - Mª Joana.

Maria Manuela Aguiar disse...

Em 12 de Março de 1952, o relato da chegada à mina de Mirandela. Como conta, um autêntico choque de ruralidade...

Anónimo disse...

Docas disse

Lembro-me muito bem dessa viagem entre Rio Tinto e a Freixeda, num grande carro preto, com o Tio Gustavo e o Tavinho. Achava o Tavinho uma beleza, com a sua boininha preta. Há fotografias da chegada à Freixeda.
Tinha eu 6 anos.
Foi o Tio Gustavo que aliciou o meu pai para ir trabalhar com ele nessas minas.
Isso mudou, por completo, as nossas vidas.
Pena o pai não ter ficado no Porto, com o seu emprego de funcionário público. Não teríamos andado de serra em serra...Tudo teria sido diferente. E certamente melhor.

Maria Manuela Aguiar disse...

"Deixa-me dizer-te que isto é horrível e terrível. nem fazes uma pequena ideia! Que saudades das nossas idas ao Porto! Não poderei aqui suportar muito tempo, sem dar uma saltada aí. Tenciono ir no dia 1 de Maio, mas até lá irá parecer-me uma eternidade! Para azar caiu-me a porcelana de um dente e o peor é doer-me.
(...)
Sabes que saimos na 2ª feira de Rio tinto e só aqui chegamos às 7h da tarde. Tivemos dois furos pelo caminho, e um em plena serra. Tivemos de estar duas horas à espera que passasse o primeiro carro. Quando almoçamos eram 5h da tarde, em Murça. mirandela é uma vila muito bonita e com movimento.
Eu vim aqui encontrar tudo muito diferente daquilo que o Eduardo pintava. Não há nada, falta-me tudo e vejo-me e desejo-me para dar de comer a todos, principalmente a um engenheiro que está aqui e com quem faço um pouco de cerimónia, está visto. aqui não há absolutamente nada, apenas se vende vinho. Até o sal tenho de mandar vie de Mirandela.
Quando tiver as fotografias que tiramos mando.

Maria Manuela Aguiar disse...

Dias depois, o estado de espírito é completamente diferente!
Vamos ler a próxima carta datada de 24 de Março.

Maria Manuela Aguiar disse...

Estou a escrever-te de Mirandela, sentada à mesa de uma confeitaria que é uma imundice, mas voltada para a ponte onde passa o rio Tua, que é um encanto. Isto é bonitinho. Ontem á noite, viemos aqui ao cinema no automóvel do Engenheiro que vive em nossa casa, é viuvo e tem um filhote de 7 anos, sou eu que cuido dele. Tenho muita lida com estes hóspedes e estou muito mais magra, mas também me tenho divertido muito.
Fomos a Macedo de Cavaleiros e Bragança, mas de jeep, foi um pagode. Os miudos ficaram em casa, fomos só os graúdos. Fomos de manhã e regressamos à noite. Estivemos nas minas de França, que é mesmo na fronteira. Cantamos todo o caminho, até ficarmos roucos. Andar de Jeep é a coisa mais engraçada que existe, nem imaginas. Qause todas as noites vamos para casa de uns parolos (mas que tem grafonola) e dançamos muito. No sábado quando nos deitamos eram 3h da manhã. Eu faço uma toilette, como se fosse para o Casino. Tenho necessidade de parecer bem, para mim mesma, doutro modo enlouqueço nesta solidão. É uma aldeia medonha, a nossa Freixeda, embora tenha os seus encantos. Os miudos andam muito bem. A professora é boa rapariga, dou-me bem com ela. A dactilógrafa não vale nenhum e é uma parola.
Então o Senhor Capela morreu? Era tão boa pessoa, mas foi melhor assim, pois devia ter um grande sofrimento."

Maria Manuela Aguiar disse...

Uma referència à morte do meu Bisavô Capela, que,realmente, esteve muito mal, durante muito tempo - um cancro na língua, incurável, apesar das temporadas que passou no IPO, em Lisboa.
Era um senhor com ar distinto, ao contrário da bisavó Joaquina, filha de um farmaceutico da terra, mas com um ar de matriarca de aldeia... na terminologia da Tia Lola: uma parola! Gordíssima!
Apesar de ter então 10 anos, mal me lembro de uma conversa com o Bisavô - não creio que ele gostasse particularmente de crianças. Recordo muito melhor o senhor Gonçalves, vizinho dos meus Avós, qu se fartava de brincar comigo do que esse antepassado.
Mas tenho ideia de o ver, muito bem vestido, olhos muito azuis, ainda saudável, ágil, elegante... De pé, junto à janela, na sala de jantar, em Avintes.
Infelizmente, a imagem mais nítida é mesmo a dele no caixão, na casa da Gândara.
Foram buscar-me ao colégio, a mim e à Lecas. Ficamos tristes, claro. Nunca nos tinha sequer ralhado. Mantivemos apenas um distante relacionamento, "cerimonioso", digamos... Mas tinhamos respeito e admiração pelo seu porte sereno e imponente. Como toda a gente, creio. A tia Lola parecia gostar dele.
Sei que era muito inteligente, um empresário hábil e sério. Sei agora, não em 1952.

Maria Manuela Aguiar disse...

Outra carta da mesma época, sem data

(...) a nossa ida a Gondomar, desta vez, dá-me bastante trabalho, pois vou deixar as roupas e tudo de mais importância em casa da D. Soledad, por causa dos ladrões, esses patifes!
(...) Depois, na 2ª feira queria que fosses comigo ao Porto, pois tenciono ir fazer uma permanente. Estou com uma cabeleira indecente e fora de moda...
Desta vez vai aí haver muito
"gaguejamento", pois vou de fato novo fazer do dito verdadeiro - muito "chic"!...
As Manelas continuam boas? O João ficou bem do braço? (...)

PS
Com respeito à nossa ida para África, descança, que eu mal lá chegue, arranjo logo um emprego para o João, para vós irdes para lá também. Adeus, até sábado.

Maria Manuela Aguiar disse...

Voltemos uns anos atrás: 1947 (7 de Fevereiro).
A Tia Lola e família estão em Espinho, nesta casa da Rua 7, então pertença dos meus bisavós (ramo Fernandes Capela), Na ordem do dia: o namoro da irmã Lena com o futuro cunhado David. Para a poder abordar sem conhecimento da mãe, a carta é enviada para o emprego do cunhado João...

Maria Manuela Aguiar disse...

"Para poder falar-te mais à vontade e sem receio da Mamã se aborrecer dos meus "modernismos" resolvi escrever para o João.
(...) Vem cá. Nós ainda não sabemos quando saimos. Parece que o Engº Freire garantiu ao Eduardo que iríamos para Rio Tinto durante todo este mês, mas não sei. Também duvido que a Avó do João vos deixe vir para aqui morar. Ela disse-me que quer alugar a casa só de verão.
Como vão os preparativos da Lena? Eles sempre tencionam casar em Maio? Como vão arranjar isso, estando a Mamã tão renitente? Mas sempre lhe chegaram a falar em alguma coisa? E então as culpadas sou eu e tu? Também não está mal, mas eu nem sequer o conheço.
(...) estou mestra em pedalar, mas a maior parte das vezes sózinha, pois o Eduardo nem sempre me pode acompanhar e eu já me aborrece andar com a Olímpia. Ainda na 4ª feira fui à estação de Esmoriz, vê-lo passar de comboio.
A Lecas já está boa de todo? Coitadinha, como ela esteve tão doente. E a Manela já está boa? A Guida e o Né já fizeram a operação?
O Tó e a Docas, felizmente até hoje, têm andado magníficos. O Nestó, mesmo com estes temporais, todos os dias sai com o Pai. A Docas só vai com a creada à loja e ao domingo saimos os quatro. Ela está muito engraçada. Já assobia.
O Nestó todas as noites reza pela prima Lecas. Não é preciso ninguém dizer-lhe nada. Ouviu dizer que a Lecas estava doente. Agora, logo, certamente vai rezar pela Manela." (...)

Maria Manuela Aguiar disse...

Doenças da Lecas e minha, quais seriam? Não sei... a minha mais ligeira, decerto, como era a regra. No entanto, a hepatite da Lecas, que deneneraria, aconteceu anos depois, quando ela tinha dez ou onze anos.
Do casamento da Tia Lena e da infrutífera, mas absoluta, oposição da Avó Maria. guardo memórias.
Enganou-se a Avó - foi um casamento feliz!

Anónimo disse...

Lólita disse...

Vilafonche é uma povoação dos Arcos.

Anónimo disse...

Chana disse...

Em Vilafonche, a casa tinha uma grande rampa entre a entrada e o portão e um dia o Nestó tentou levar-me no carrinho de bébé para a rua, mas não conseguiu segurar o carro e eu fui bater com a mão esquerda na parede, junto ao portão. Lembro-me perfeitamente. Teria menos de um ano? Dizem que é impossível ter recordações antes de um ano. Será que se enganam?

Anónimo disse...

Chana disse

Também me lembro de um grande incêndio - é outra das memórias mais antigas.
Não sei que idade teria, mas era muito pequena.

Anónimo disse...

Outra das recordações mais antigas é a de um grande incêndio em Vilafonche.
Que idade teria?

Anónimo disse...

Lólita disse

Já tinhas mais de um ano.
A casa era mesmo em frente à nossa, na rua da Valeta.

Anónimo disse...

Quando o Nestó tinha um mês fomos para S. Mamede de Ribatua - Mina da Escarvada.
Da estação para a mina, fui a cavalo, com a alcofa do menino.
O Eduardo a pé, ao lado, porque tinha medo dos cavalos...
De lá é que fomos, depois , para Rebordelo.
Só estivemos dois meses na Escarvada e meia dúzia de meses em Rebordelo.