quarta-feira, 31 de março de 2010

W156 - VERSOS Maria Antónia 1938

SONHO
Sonhei que te ouvia. Silencioso,
Olhos fixos nos meus me contemplavas
E eu li no teu olhar ditoso
A tradução plena de que amavas.

Paraste de tocar. Vieste a meu lado
A tua boca a minha procurou...
Mas esse beijo, amor, beijo sagrado
Não vai além de um sonho que findou...

E sonhei - oh, meu amor! - que com carinho
Nos teus braços me enlaçaste, com ardor
E dentro de ti, ouvi, muito baixinho,

Teu coração confessar-me o seu amor!...
Em sobressalto despertei. E vi no meu caminho
Duas cruzes - a da ilusão, e a da eterna dor!
8.5.38
Maria Antónia

Para além desse soneto, no caderno apenas mais uns versos - e várias composições literárias , em boa prosa!

TANGO

Foi numa noite branca de luar,
Dançando o tango,à luz branca da lua
Que a minha mão ardente, a palpitar
Pousou, de leve, a medo, sobre a tua.

Desde esse dia, a vida foi um sonho,
Erguida a Deus, em prece agradecida,
Amei-o tanto, tanto, que suponho
Que se ama, assim, só uma vez na vida.

Era tal minha alegria,
Nada a podia ofuscar,
Minha doida fantasia
Por céus e mundos corria.
Passava a vida a cantar.
Mas um dia, triste dia,
Ele foi p'ra não voltar,
Eu que tanto lhe queria,
Nunca mais tive alegria,
Passo os dias a chorar
E hoje o tango
É o meu amigo
Só nele encontro
Calma e abrigo.
Por esse ingrato
Tudo sofri,
Meu querido tango
Só te amo a ti!...

(provavelmente do mesmo ano de 1938)

8 comentários:

Maria Manuela Aguiar disse...

Menina de 14 ou 15 anos... Para a idade, nada mal!
Em todo o caso, as duas primeiras quadras deste "Tango" são bem estruturadas, a revelar sensibilidade e sensualidade despertas - parecem de uma poetisa adulta.
Depois, não se percebe o porquê da lenga-lenda dissonante.

Maria Manuela Aguiar disse...

Da caixinha, uma carta da mãe para o irmão António - coisa rara. O normal é encontrarmos uma larga colecção das cartas recebidas, porque a Mª Antónia era uma coleccionadora metódica. Ninguém, na sua geração, fez outro tanto com as cartas dela, ou de outrém... Porque é que esta voltou à origem?
Pode ter-se esquecido de a enviar,
pode tê-la recuperado, quando o irmão, ainda solteiro, voltou à Villa Maria, e a deixou à vista, numa secretária - ou no caixote do lixo. Não vamos saber isso nunca.

Maria Manuela Aguiar disse...

Do Porto, a 4 de Março de 1938

(...) "Faço idéia a desordem que aí não irá, todos pouco mais ou menos novos e amigos de se divertir! Sendo tu o mais novo, eles já não o são muito. Então encontras no teu quarto roupa desconhecida, boa limpeza, não haja dúvida! Há criadas? Ou és tu que arrumas o quarto? É o que me está a parecer, para ele estar assim tão arranjado. Tudo isso deve ser divertido.
O rádio quanto custou? Que marca é? Há aí muitas raparigas? A terra é bonita? Divertiste-te muito no carnaval?
Nós divertimo-nos bastante. Fomos no domingo e na terça ao cinema. Na terça esteve mais animado, jogou-se muitissimo. Estivemos com a Amélia e com a Mª da Graça no camarote. Foi um pagode. Mas hoje já estamos fechadas no convento. As férias deviam ser infinitas.(...)
Fiquei muito contente com a tua carta, por ela ser muito grande. Sempre que possas escreve-nos assim. Responde-me a tudo.
Recomendei-te à Amélita e ela, do mesmo modo, me pediu para te dar cumprimentos. Continua em Matosinhos, se lhe escreveres é para lá. Falei com ela, como pedias, e ela respondeu-me que receberia com muito prazer as tuas cartas."

Maria Manuela Aguiar disse...

Como estou a transcrever as cartas ao acaso, conforme as encontro, só agora me dei conta de que a carta em que o Tio relata o seu carnaval e alude à beleza das meninas madeirenses é a resposta a esta inquérito cerrado da da mana Maria!
Mas não deu resposta a todos os quesitos - eram demais. Pena porque gostaria de saber a marca do rádio, por exemplo!
E quem seria a Amelita? Uma das primas de Matosinhos? Vou averiguar.
A mãe, já então mostrando a sua veia casamenteira, ainda faz uma última recomendação ao irmão, em P.S.
"Esquecia-me de te dizer que a Amélinha faz anos no dia 1 de Abril".

Maria Manuela Aguiar disse...

A carta do Tio Tónio está transcrita em comentário à mensagem sobre as suas quadras de S. João.

Maria Manuela Aguiar disse...

Acho estas cartas muito reveladoras, tanto das pequenas coisas de um quotidiano de tempos perdidos - a importância de ter um simples rádio, o gozo de uma mera ida ao cinema, a "jogar" as brincadeiras de carnaval do alto de um camarote de teatro - como de estados de alma, e da mentalidade das meninas de colégios internos, que se sentiam encerradas num convento. (e o Colégio da Esperança nem sequer era um colégio de freiras!).

Maria Manuela Aguiar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Maria Manuela Aguiar disse...

A correspondência mostra também a amizade e camaradagem entre os irmãos Aguiar, apesar da diferença de idades, de temperamentos, de vocações...
O Tio Tónio, no seu relacionamento com as manas mais novas, parece estar a meio caminho entre o irmão e o pai, que não tinham já!