terça-feira, 10 de dezembro de 2019

A FAMÍLIA MATERNA (verão 2019)

3 - OS MENDES BARBOZA E OS FERREIRA RAMOS
O único forasteiro foi esse avô de porte aristocrático, JOAQUIM MENDES BARBOZA, vindo de um norte não muito longínquo, natural de Santa Maria Madalena de Paredes, filho de António Mendes e de Joaquina Roza Coelho Barboza, Estudara no seminário, que depressa trocaria pelo ensino das Leis. Veio a ser o primeiro tabelião de Gondomar. A secretária onde trabalhava ainda ali existe, na casa de uma bisneta chamada Maria Madalena.




 Em 2 de maio de 1870, aos 30 anos, casou na capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em São Cosme, com CAROLINA FERREIRA RAMOS. A noiva, quatro anos mais nova, teve por madrinha a irmã Joanna, outra das voluntariosas e lindas e bonitas filhas de Anna Pereira  (cujos pais, José Pereira e Thereza d' Almeida, eram ambos oriundos de São Cosme) e de Joaquim Ferreira Ramos, (filho de Francisco Ferreira Ramos e de Catharina Alves, de Valbom). De Francisco e de Catharina, mais nada se sabe. 






O filho, JOAQUIM FERREIRA RAMOS era um abastado comerciante, ou não teria podido comprar, aquando da mudança de Valbom para São Cosme, a quinta da Bela Vista e a sua casa apalaçada. De ANNA PEREIRA há uma única fotografia, em traje de lavradeira rica, de chapéu preto e lenço de seda, ignorando- se o foi, de verdade - ou se estava fantasiada para o entrudo, como então era comum (há vários retratos das netas. com trajes minhotos, de Viana e dos bisnetos, também, um deles, rapazinho, também vestido de vianesa...). Contudo, o pormenor de estar de livro aberto na mão, apontará para a primeira hipótese, assim como a lenda das "Alexandras", ligada a heranças e ambição de terras, "maxime" a uma antepassada que queria impor marido rico à filha,  e, não o conseguindo, pois a menina tinha outra opção em vista, praticamente, quase sequestrada dentro de portas, até ao dia em que, ajudada por criados de coração romântico e solidário, e pelo pároco, escapou de, manhã cedo, para a Igreja, e casou, apressadamente, com a benção de Deus, mas não com a da mãe. Esta, suspeitando do que se passava ( a filha levara-lhe à cama, ela própria, bandeja do pequeno almoço, mas não fora ouvida nem vista depois de não ter vindo recolher a bandeja), também correu para o templo. Chegou tarde demais e, em incontrolada fúria, restou-lhe apedrejar o cortejo nupcial, já de saída, a atravessar o adro...




  


De Joaquim, marido de Anna, também há um só retrato, em idade mais avançada. Um senhor distinto, de olhos claros, e uma extraordinária parecença com o que terá sido o mais atraente e brilhante dos seus bisnetos, Manuel Joaquim, legatário dos cristalinos olhos azuis e do nome, que coincidia com o do avô minhoto, o eterno enamorado de Carolina. Este não teria, segundo o registo chegado até nós, sido, de início, muito bem recebido na Quinta da Bela Vista  - nada de apedrejamentos, é certo, no mais brando meio de uma burguesia comercial. Educação, boas maneiras e  ascendência ainda não contavam tanto, todavia, como haveres materiais, em que o recém-chegado tabelião, era parco... Belo rapaz, letrado e amável, encantou Carolina, que não desistiu do seu amor, na melhor tradição das "Alexandras". Rapidamente, porém, se converteriam às suas virtudes, como toda a sociedade gondomarense. Tanto as  memórias das filhas, como a monografia do Concelho de Gondomar, escrita Camilo de Oliveira, de quem era próximo, o apresentam do mesmo modo, que se pode sintetizar numa palavra: um senhor exemplar! O cidadão, o profissional, o homem de família. Foi longo e feliz o casamento com Carolina, a elegante jovem, depois de oito vezes grávida (a última das quais já quase na casa dos 50 para dar à luz Maria da Conceição)  a imponente matriarca, em caráter e temperamento, forte e determinada, mas mais comedida do que as temíveis avós. Um pequeno episódio (e sãotão poucos e fragmentados os diálogos concretos que a narrativa oral trouxe até nós...), será revelador da permanente vontade  e facilidade de concórdia na vida do casal: num tempo em que os apelidos dados aos recém nascidos eram de livre escolha de quem os registava, os quatro primeiros rapazes receberam apenas os do pai (Mendes Barboza). Só quando estava à espera do quinto, Carolina se deu conta disso e comentou: "Os meus filhos não têm o meu nome!". Não ocorrera ao marido, que a tratava carinhosamente por "mamã", ter isso especial relevância para ela..  Daí em diante, não só reparou a omissão, como tratou de colocar  o apelido da mulher no último lugar, no nosso sistema, o comummente dominante. Os quatro filhos mais novos são, portanto, Barboza Ramos... Foi na vila que o acolheu, personalidade central, sempre discreto e confiável, dando de si, nas muitas fotografias em que perdura, a imagem da pessoa serena e gentil, que, de facto, era para com ricos e pobres.  








 "Um santo!", nas palavras da filha Rozaura (Barboza Ramos). Rozaura: nome, que se distingue pela raridade, escolhido por ele - porque andava a ler, por altura altura do seu nascimento, um romance de cavalaria com o longo título de "Retiro de Cuidados e Vida de Carlos, e Rozaura". Essa simples alusão, dá-nos a conhecer gosto pela leitura, e uma faceta romântica. Podemos imaginá-lo ao serão, enquanto Carolina bordava peças de enxoval (e muitos bordados primorosos chegaram, em perfeito estado de conservação, ao século XXI) sentado em cadeirões de pau canto e palhinha, ainda agora bem conservado, à luz de um candeeiro de "abat jour" de vidro branco e translúcido  (igualmente resistente ao tempo), a saborear as 352 densas páginas daquela escrita antiga e de não fácil decifração para as novas gerações). A saga que lhe ocupava as horas livres começa auspiciosamente  numa madrugada ( "Rompia a aurora..." , continua em longas narrativas de guerras, conflitos e  mil e um obstáculos que vão adiando a união dos jovens, só alcançada no final feliz, com a etnográfica descrição do cortejo nupcial em direção à Igreja: "levando a Marqueza Rozaura da mão e Dom Manrique a Carlos ao lado direitto e assistiao ao seu recebimento e quando voltaram por quantas ruas passarao choviam infinitas flores das janelas, com repetidos vivas. Cedo com sua espoza Rozaura para Rezzo virao. Laus Deo".
 Rozaura Barboza Ramos não teria tão vistoso casamento, nem iria para Rezzo, quedar-se- ia por Gondomar, também feliz, com um viúvo muito amável, chamado Manuel Marques. O pesado livro de capas de couro ser-lhe -ia, mais tarde, dado como presente, que legaria a sua afilhada Maria Antónia, diligente guardadora de quaisquer preciosidades de valor afetivo..
Joaquim Mendes Barboza, o grande leitor de romances,era monárquico regenerador e dedicado homem de família, contudo, com as origens (Bitarães. Penafiel, Paredes), parece ele ter mantido escassos contactos. Talvez os pais, em 1970, tivessem já falecido. Certo é que deles não há memória nas crónicas familiares, nem de outros parentes, com a exceção de um sobrinho, que era Visconde de Paredes (ou um dos filhos do Visconde) e namorou a filha mais nova, Maria da Conceição. Vinha, garboso e galante, a cavalo, namoravam no mirante, mas ela, após alguma hesitação, preferiu o "brasileiro" António Carlos, que, segundo disse muitas vezes, a olhava, apaixonado, com uns grandes e expressivos olhos verdes, como jamais vira outros.
Os demais antepassados de Maria Antónia têm, invariavelmente, raízes fundas em Gondomar, a (então) pacata vila que recebera, antes da fundação do reino de Portugal,  o nome de um rei godo. Do lado paterno, os Pereira e Aguiar da Gandra, do materno, os bisavós Anna e Joaquim, da Quinta da Bela Vista, (quinta na geração seguinte, vendida a estranhos, não se sabe ao certo quando, mas largas décadas antes da sua demolição, durante os mandatos autárquicos do Major Valentim, que terá manobrado no sentido de a "desclassificar" pela retirada do selo protetor de património de interesse público)
Alguns dos numerosos irmãos de Carolina, seguiram as pisadas do pai, e, com a sua vocação empresarial, enriqueceram, caso de  MANUEL GUEDES (Ferreira Ramos), que dá o nome à praça do Município em Gondomar, e ANTÓNIO FERREIRA RAMOS, emigrado para o Brasil, onde lançou com um Salgado Zenha, (decerto antepassado do que ficou na história da nossa democracia), uma sociedade próspera, a "Ramos e Zenha". Desse Tio gostava muito a Maria da Conceição (que viria a ser Maria Aguiar). Com ele manteve correspondência assídua e trocou retratos, seguindo o seu percurso e o dos filhos, que ocupam várias páginas num gracioso álbum de capa de veludo arroxeado. Este António casou com Carolina Silveira Martins, (irmã do Governador do Rio Grande do Sul, que se notabilizou nos primeiros anos da República brasileira). e tornou-se um verdadeiro patriarca de incontável descendência, hoje espalhada pelo sul do Brasil, de Bagé, onde morou, a São Paulo, e aos confins do Uruguai.






 Desses inúmeros primos que, separados pelo oceano, se desconhecem, só dois se encontrariam, um dia, em fins do século XX, em Brasília, os primos Maria Manuela Aguiar, Vice-Presidente da Assembleia da República Portuguesa, e Sá Azambuja, Senador da República Federativa do Brasil, ambos descendentes diretos, e no mesmo grau, de Anna e Joaquim..
Um outro ANTÓNIO FERREIRA RAMOS era filho de Manuel Guedes, e também muito próximo da prima direita Maria da Conceição. A vida levou-o para longe, embora um longe menos longínquo,  (Lisboa), depois do casamento com uma filha de Ramalho Ortigão, de quem descendem todos os Ortigão Ramos, Foi, entre outros empreendimentos, proprietário do teatro que é hoje o São Luís e, tal como o pai, um benfeitor da terra mátria. Camilo de Oliveira, nas memórias de Gondomar, lembra que instituiu bolsas de estudos, em igual quantidade e montante para rapazes e raparigas. A instrução feminina foi uma das causas republicanas, defendida pelo movimento feminista, e, também por muitos homens, companheiros de crenças revolucionárias, como este gondomarense, genro de Ramalho.
Manuel Guedes, conhecido pelo republicanismo militante, não cheou a ver o fim do regime monárquico, mas o seu nome continuava presente, e foi dado, nos alvores do novo regime, à Praça onde tivera, antes de se fixar no Porto, uma loja comercial, no casarão, de azulejos, que ainda lá está, em frente à Câmara - o que, infelizmente, se não pode dizer da Vila Maria, ou da Quinta da Boavista, da qual resta um pequeno lago de pedra, transplantado para junto da capela do Monte Crasto, a crer numa história contada, no café do Castro, num dia da comunhão solene de uma Joana do século XXI, por um simpático velhinho anónimo, que se gabava de ter frequentado a propriedade.
Os filhos de Carolina e Joaquim afastaram-se do mundo de atividades empresariais, que tinha feito a fortuna de avós e parentes.Tal como o pa,i enveredaram, quase todos, por carreiras do funcionalismo público, os três mais velhos, Alberto, António e Alexandre e o mais novo, José Barbosa Ramos, advogado e deputado pelo Porto, que acabaria por ingressar na magistratura judicial.  Em vez de servir o Estado, AMÉRICO dedicou-se ao serviço de Deus, e foi um padre bondoso e querido dos paroquianos. Temperamentalmente, o mais próximo do pai....



ALEXANDRE MENDES BARBOZA começou como Secretário da Administração e, mais tarde, foi Administrador do Concelho. Sempre envolvido na vida cultural de São Cosme, esteve entre os fundadores do Clube Gondomarense e pertenceu aos seus executivos, Era alto, bonito e elegante, apreciador de teatro, assíduo frequentador do Sá da Bandeira e das tertúlias da "Brasileira". E, ocasionalmente, poeta, também, embora dos seus versos só uma quadra tenha sido conservada pela sobrinha Maria Antónia:

"Morre um afeto, outro nasce
Passa um desejo, outro vem
Depois de um sonho, outro sonho
De tantos que a vida tem"

Afetos femininos não lhe terão faltado na juventude, era, entre os seus elegantes irmãos, o mais bem parecido...










Casou com HERMÍNIA, senhora alegre e recatada, que aceitava, como boa, a sua constante intervenção cívica e cultural. Um só grande desgosto na vida a dois, a morte da única filha, ainda pequenina. Ambos gostavam de crianças  e dedicaram-se aos sobrinhos, filhos da irmã/cunhada Maria, que tão cedo enviuvou - sobretudo, à mais nova, Maria Madalena,orfã de pai com apenas 3 meses. Foi criada mais com eles do que com a própria mãe. O convívio era facilitado por morarem em frente à Vila Maria. O ambiente de concórdia e serenidade do seu lar, de tal modo moldou o espírito da pequena Madalena e o seu modo de estar na vida, que nem se diria parte do grupo dos buliçosos irmãos e irmãs Barbosa  Aguiar. Parecia filha da Tia Hermínia, na sua postura sereníssima, na dedicação a todos os animais, em geral, e a gatinhos, em especial.



Deste tio falecido pouco depois de acabar a 2ª Grande Guerra, mal se lembram os sobrinhos netos. Republicano e laico, embora tolerante, pois os opositores começavam na família mais íntima, sempre procurou moderar os ímpetos de excessiva generosidade com que a irmã Maria enchia as caixas de peditórios da igreja, não com muito sucesso. Maria Aguiar não fora acostumada, durante o casamento, a preocupações de economizar em coisa alguma, e muito menos nas dádivas à paróquia....Para surpresa geral, reconciliou.se com a fé da infância à beira da morte e pediu que lhe chamassem um padre para uma última confissão. Chamado pela amiga, Senhora Dona Maria Aguiar, acorreu, de imediato o Abade Andrade, irmão do Bispo do Poro Dom Florentino. Com ele ficou longamente, em confissão e em conversa, e foi ele que ouviu as suas últimas palavras. Saiu do quarto, comovido, e disse à família ali reunida . "Acaba de morrer um santo". Os amigos republicanos e laicos, (laicos como ele fora até aos momentos derradeiros), e anti-clericais, diriam o mesmo, de outra forma. Talvez: "morreu um justo". Os sobrinhos Aguiar  choravam a partida do segundo pai
 Igualmente republicano, mas mais revolucionário no campo da luta, era ANTÓNIO, o anarquista, que foi, várias vezes, preso no Aljube, e, durante o consulado de Sidónio, degredado em Angola. O degredo foi, porém, não só uma pausa nas escaramuças políticas, como oportunidade de conhecer paisagens, gente e costumes, com os quais se deu bem, e de se lançar em negócios razoavelmente rentáveis. Que ramo de negócios? Lá não se sabe, cá, após o retorno, parece ter investido num "café - concerto", onde terá falhado a aventura empresarial.




Voltou a um emprego de funcionário... e continuou frequentador do meio, onde recrutava as companheiras espanholas, a última das quais, Teresita, lhe sobreviveu.








. Também ALBERTO MENDES BARBOZA esteve preso no Aljube, ainda rapaz solteiro, Casou com a simpática ZARITA, foi um mais pacato pai de família - pai de um médico e sogro de um pintor, Mário Ferreira, casado com a sua linda e inteligente filha Maria Isabel (Mimi), grande amiga da prima Maria da Conceição de quem era apenas alguns anos mais nova. Mimi teve uma única filha, Maria Laura, que casaria com Luís Aragão, um homem encantador, que foi despachante da Alfândega do Porto, quando esse cargo estava num alto patamar lucrativo e prestigiado. Dois filhos, a lindíssima Anabela (Bebinha) e o Luís. Ficaram famosas as festas que davam em sua casa no Porto, onde as primas Aguiar nunca faltavam .




JOSÉ BARBOSA RAMOS casou com senhora de ilustres famílias beirãs, CELESTINA MESQUITA DE ABREU, a tia Celestina de perfil aparentemente  não muito diverso do da tia Hermínia, a cunhada minhota, também ela de boas famílias (antiga aluna interna de bons colégios de freiras porque o pai enviuvara quando ela era menina). Tiveram dois filhos, José Joaquim (Zé Quim) e Celestina (Tininha)  Mesquita d' Abreu Barbosa.. Viviam na casa que fora dos antepassado Carolina e Joaquim, perto da Praça Manuel Guedes e foram sempre companheiros de brincadeira dos primos Barbosa Aguiar, A Tininha será a primeira mulher da família com curso universitário (Farmácia) e exerceu, como diretora e proprietária de uma Farmácia em Valongo. O Zé Quim, licenciou-se em Histórico - Filosóficas e foi Bibliotecário da Universidade de Coimbra. Na geração anterior, o pai distinguira-se, como político, à frente de um jornal de intervenção e como deputado pelo Porto, como advogado e, seguidamente, como Juiz. Fez, na Magistratura, um percurso fulgurante, e acabaria aposentado compulsivamente do Supremo Tribunal de Justiça, onde era o mais jovem Conselheiro de sempre. José Joaquim era um homem inteligemte e culto, com o sentido de humor mordaz, que se atribui aos Barboza, (embora venha , de facto, no ADN dos Ferreira Ramos:::), e imenso "charme", teve mil e uma namoradas até casar com Maria da Luz Biscaia (luzinha), e politicamente levou o progressismo paterno para dentro das fronteiras do PCP (afastando-se, depois da revolução de 74 para o  MDP/CDE e áreas mais compatíveis com a sua irreverência de espírito , não longe do mesmo quadrante ideológico)



 Monárquicos, também os houve na família,, como já foi dito. Caso de AMÉRICO MENDES BARBOZA. Mmonárquico regenerador, como o pai e as irmãs. Rozaura, Glória e Maria da Conceição (de Carolina, a mãe, se ignoram, de facto, as convicções políticas, embora não custe admitir que fosse monárquica, como tendiam a ser as mulheres, mais do que os homens.... Ideologicamente divididos , mas afetivamente unidos, nunca deixaram que isso interferisse na boa relação quotidiana.. Nos anos 30, várias vezes António se refugiou, onde a polícia do regime nunca se lembraria de o procurar, na "Vila Maria" junto da irmã que dava o nome à Vila e era uma cidadã acima de toda a suspeita, catolicíssima e dirigente local da "Obra das Mães". Às criadas dizia:  "Daquele Senhor, que está lá em cima, não se fala a ninguém". E elas não falaram. Nas últimas vezes, esteve ele acompanhado da sua companheira espanhola, a Teresita, e de um cãozinho. Era viúvo já, mas da falecida mulher nada consta - à sua memória mais se  associa a ex-bailarina espanhola e o cão que, no seu funeral (civil, exatamente como quis) ficou sentado no chão, durante o velório, ao lado de um busto da República. Nenhuma das irmãs acompanhou o cortejo fúnebre até ao cemitério. Ficaram a chorar a sua morte, dentro de casa, de portas e janelas fechadas. Um enterro laico era, para aquela geração, uma morte eterna pior do que a morte terrena. Ainda não viam Deus como suficientemente justo para receber nos céus um bom ateu, como hoje  crescentemente se acredita, tanto ou mais do que num Deus concreto...
Das filhas de Carolina, GLÓRIA BARBOZA RAMOS  foi a única que quis continuar estudos, no Porto. Os rapazes seguiram, um para o seminário, todos os outros para os colégios da cidade, embora só um, por sinal, o mais novo. se formasse na Universidade de Coimbra. Para as meninas, o ensino oficial era facultativo - depois do primário, podiam ter, em casa, aulas de piano de língua e "cultura geral", sem grande rigor ou obrigação e  aprendiam as artes domésticas de cozinhar e bordar... Glória terminou, com facilidade, o curso do Magistério na Escola Normal, tornando-se uma pioneira na família. Contudo, não chegou a exercer o cargo de professora - a tuberculose levou-a aos 21 anos. Do Porto, terá trazido, além do diploma, uma doença incurável, a tuberculose. Escolheu ficar em casa, não ir para um sanatório de montanha, como quem vai para o exílio. Rozaura, a irmã mais velha, aceitou trata-la dedicadamente, como faria, anos depois, com o irmão, o bondosíssimo Padre Américo, que morreu com aura de santo entre os paroquianos.

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Glória, ao contrário de Rozaura, era uma rapariga moderna, de uma formosura mais exuberante. Não hesitava em passear, na modesta vila de São Cosme, os seus vestidos citadinos, levando com ela, lado a lado, igualmente alta e chique, Maria, e, atrás, consumida e vigilante, a mana mais baixinha e modesta, com nome de heroína de romance. Paravam os moços de Gondomar, espantados para as ver pisar terra batida como quem caminha em passadeira vermelha e atiravam às meninas piropos e galanteios, a, que, às vezes, horror dos horrores, elas ripostavam (ou melhor, no singular, ripostava Glória, ria Maria, discretamente, e quase chorava a mais conservadora, com o despropósito). Seria a jovem professora "feminista"? Dir-se.ia que sim, fica a dúvida -  as manas não desvendariam o mistério. apenas contaram que era excelente amazona e namorava um primo Lobão. São muitas fotografias que dela nos dão uma imagem de beleza e de  auto-confiança, a coincidir com a opinião transmitida pelas irmãs. Um seu retrato de grandes dimensões, que dominava a galeria dos retratos de casa da irmã Maria, foi muitas vezes emprestado, tal como o piano, para as récitas e peças de teatro da Ala Nuno Álvares, como decoração em palco de salas de visitas, dominadas por imponentes quadros de parede...(incrível a cedência do pesadíssimo piano alemão, "Riese", que fazia o curto trajeto para o Souto em carro de bois, segundo os relatos de Maria Antónia, ela própria executante musical e atriz de várias comédias, que divertiam a boa sociedade Sãocosmense,...).





ROZAURA BARBOZA RAMOS, a incansável enfermeira dos dois irmãos, não pode, por fim, evitar o contágio...  Mas não ficaria a ser tratada em casa -  decisão sua (para poupar mais riscos no círculo próximo) ou dos próprios pais, talvez cada vez mais crentes na solução hospitalar? Resta a dúvida. Partiu para o sanatório do Caramulo, onde ficou por muitos meses. Aí viveria a grande paixão da sua vida, com um médico que lhe retribuia o sentimento, o Dr Manso, ou Amâncio, também ele já atingido pela tuberculose. A doença os reuniu e os acabaria por separar, porque ela curou-se e ele não, pelo menos, nessa fase. Guardou numa caixinha, atadas com uma fita de seda, as cartas que ele lhe escreveu, deixando dito que queria que fossem enterradas com ela. E assim seguiram com ela, para o seu jazigo em São Cosme, sem que ninguém ousasse abri-las e lê-las.




 A Gondomar regressou, pois, saudável, tendo resistido a dietas espantosas, (que incluíam uma dúzia de ovos por dia) e fazendo muitas amigas, sobretudo do sul do país, meninas da alta burguesia, igualmente arrancadas à morte certa pela competência do Dr Manso (ou Amâncio). Com elas se correspondia e, por várias vezes, visitou as melhores amigas nas suas quintas dos arredores de Lisboa. Estava num solar de Benfica, em 1908, aquando do regicídio, e pode assistir, com a anfitriã, às exéquias do Rei D Carlos e do Principe Real Luís Filipe, muito formoso e loiro no caixão, com os vestígios mal disfarçados da bala que lhe atravessou a têmpora. Se monárquica já era, mais intransigente se sentiu. Contudo, o médico beirão era republicano, amigo de Afonso Costa, que, um dia, lhe apresentara durante um passeio na serra, em que aquele político acompanhou um seleto grupo de convidados, doentes já no bom caminho da cura. Desses passeios frequentes há imagens muito bonitas, junto a quedas de águas. Algumas até foram encaixilhadas e chegaram bastante sumidas ao presente. Em nenhuma delas, porém, se vê o famoso Afonso. Certo é que a jovem de Gondomar terá tido uma intensa vida social, entre tempos de repouso forçado, naquela verdadeira "Suiça portuguesa", de que falava com entusiasmo.         . 
 Sobreviveu, rija e saudável, até ao ano em que completaria o seu centenário (1979), Casou, anos mais tarde, já com mais de 30 anos, com o simpático viúvo, funcionário da Contrastaria, MANUEL MARQUES, muito estimado por Maria e António Aguiar, como se comprova pelo convite para ser padrinho da Maria Antónia










 Do primeiro casamento tinha ele um filho já adulto, Armando, de quem todos gostava, mas com quem conviviam pouco. Morava, talvez em Braga, de onde, tal como o pai, era natural. De Braga, ficou famosa nos Natais de Gondomar uma receita regional de "formigos" ou "mexidos", doce delicioso, à base de pão, mel, pinhões e passas, que ninguém fazia tão bem como a Tia Rozaura  - artista incomparável, tanto na cozinha, como nas rendas e bordados, que saiam das sua mãos. Aos 95 anos, terminou uma enorme colcha em crochet, da mais alta complexidade técnica! - e mais teria empreendido, se as sobrinhas não a dissuadissem, receando pela sua saúde, porque exagerava no andamento do trabalho, com receio de morrer e deixar a obra inacabada...
Foi uma velhinha encantadora, com uns olhos vivos e perspicazes, gostava de falar por aforismos e provérbios, e até de usar um "calão" ligeiro, (que escandalizava a irmã e afilhada Maria, incapaz de dizer uma palavra imprópria) . Eram radicalmente diferentes, Maria sempre pronta a sair, a passear, a conviver, a liderar iniciativas e a influenciar o seu círculo social, enquanto Rozaura de bom grado se quedava em casa, tricotando, conversando e lendo (sobretudo jornais, analisados de ponta a ponta), vendo televisão, sempre recatada e serena, embora pudesse fazer comentários certeiros e  ácidos, a quem, perante ela, caía no ridículo ou a quem conseguia  desmascarar jogadas de intriga ou oportunismo,  
Numa pessoa tão prudente, hábil e sábia se estranha a decisão mais errada que tomou na vida e de que haveria de se arrepender: - um segundo casamento, já quase sexagenária,  com um "brasileiro" de torna-viagem. MANUEL LIMA. Revelou-se  homem de mau feitio, que a sua serenidade foi suportando, até que se viu viúva, de novo, e em pior situação financeira, depois da dispendiosa doença que levou o falecido. Com muito sentido prático, hábitos antigos de poupança e o apoio de uma criada dedicadíssima, Maria da Conceição Póvoas, atravessou aqueles tempos em que não existia segurança social, vendendo apenas uma pequena quinta  muito bonita, "a Passagem". Conservou tudo o resto, as "relíquias de família", de que era legatária - móveis, loiças, jóias, bordados, linhos e "bibelots" - contando à afilhada Maria Antónia, a história longa de cada peça.  E com a afilhada, no Porto e, depois, em Espinho, passaria, os últimos trinta anos, sempre uma companhia agradável para várias gerações de sobrinhos, que escutavam as suas histórias. Consigo trouxe recordações, pertences do maior valor afetivo e uma criada fiel, já não a Maria, mas uma  sucessora, chamada Olívia Pessegueiro (mais outro traço distintivo entre irmãs, saber ou não manter o pessoal doméstico, que na Casa da Pedreira ficava décadas e na Villa Maria mudava constantemente)





ROZAURA BARBOZA RAMOS, a incansável enfermeira dos dois irmãos, não pode, por fim, evitar o contágio...  Mas não ficaria a ser tratada em casa -  decisão sua (para poupar mais riscos no círculo próximo) ou dos próprios pais, talvez cada vez mais crentes na solução hospitalar? Resta a dúvida. Partiu para o sanatório do Caramulo, onde ficou por muitos meses. Aí viveria a grande paixão da sua vida, com um médico que lhe retribuia o sentimento, o Dr Manso, ou Amâncio, também ele já atingido pela tuberculose. A doença os reuniu e os acabaria por separar, porque ela curou-se e ele não, pelo menos, nessa fase. Guardou numa caixinha, atadas com uma fita de seda, as cartas que ele lhe escreveu, deixando dito que queria que fossem enterradas com ela. E assim seguiram com ela, para o seu jazigo em São Cosme, sem que ninguém ousasse abri-las e lê-las.




 A Gondomar regressou, pois, saudável, tendo resistido a dietas espantosas, (que incluíam uma dúzia de ovos por dia) e fazendo muitas amigas, sobretudo do sul do país, meninas da alta burguesia, igualmente arrancadas à morte certa pela competência do Dr Manso (ou Amâncio). Com elas se correspondia e, por várias vezes, visitou as melhores amigas nas suas quintas dos arredores de Lisboa. Estava num solar de Benfica, em 1908, aquando do regicídio, e pode assistir, com a anfitriã, às exéquias do Rei D Carlos e do Principe Real Luís Filipe, muito formoso e loiro no caixão, com os vestígios mal disfarçados da bala que lhe atravessou a têmpora. Se monárquica já era, mais intransigente se sentiu. Contudo, o médico beirão era republicano, amigo de Afonso Costa, que, um dia, lhe apresentara durante um passeio na serra, em que aquele político acompanhou um seleto grupo de convidados, doentes já no bom caminho da cura. Desses passeios frequentes há imagens muito bonitas, junto a quedas de águas. Algumas até foram encaixilhadas e chegaram bastante sumidas ao presente. Em nenhuma delas, porém, se vê o famoso Afonso. Certo é que a jovem de Gondomar terá tido uma intensa vida social, entre tempos de repouso forçado, naquela verdadeira "Suiça portuguesa", de que falava com entusiasmo.         . 
 Sobreviveu, rija e saudável, até ao ano em que completaria o seu centenário (1979), Casou, anos mais tarde, já com mais de 30 anos, com o simpático viúvo, funcionário da Contrastaria, MANUEL MARQUES, muito estimado por Maria e António Aguiar, como se comprova pelo convite para ser padrinho da Maria Antónia










 Do primeiro casamento tinha ele um filho já adulto, Armando, de quem todos gostava, mas com quem conviviam pouco. Morava, talvez em Braga, de onde, tal como o pai, era natural. De Braga, ficou famosa nos Natais de Gondomar uma receita regional de "formigos" ou "mexidos", doce delicioso, à base de pão, mel, pinhões e passas, que ninguém fazia tão bem como a Tia Rozaura  - artista incomparável, tanto na cozinha, como nas rendas e bordados, que saiam das sua mãos. Aos 95 anos, terminou uma enorme colcha em crochet, da mais alta complexidade técnica! - e mais teria empreendido, se as sobrinhas não a dissuadissem, receando pela sua saúde, porque exagerava no andamento do trabalho, com receio de morrer e deixar a obra inacabada...
Foi uma velhinha encantadora, com uns olhos vivos e perspicazes, gostava de falar por aforismos e provérbios, e até de usar um "calão" ligeiro, (que escandalizava a irmã e afilhada Maria, incapaz de dizer uma palavra imprópria) . Eram radicalmente diferentes, Maria sempre pronta a sair, a passear, a conviver, a liderar iniciativas e a influenciar o seu círculo social, enquanto Rozaura de bom grado se quedava em casa, tricotando, conversando e lendo (sobretudo jornais, analisados de ponta a ponta), vendo televisão, sempre recatada e serena, embora pudesse fazer comentários certeiros e  ácidos, a quem, perante ela, caía no ridículo ou a quem conseguia  desmascarar jogadas de intriga ou oportunismo,  
Numa pessoa tão prudente, hábil e sábia se estranha a decisão mais errada que tomou na vida e de que haveria de se arrepender: - um segundo casamento, já quase sexagenária,  com um "brasileiro" de torna-viagem. MANUEL LIMA. Revelou-se  homem de mau feitio, que a sua serenidade foi suportando, até que se viu viúva, de novo, e em pior situação financeira, depois da dispendiosa doença que levou o falecido. Com muito sentido prático, hábitos antigos de poupança e o apoio de uma criada dedicadíssima, Maria da Conceição Póvoas, atravessou aqueles tempos em que não existia segurança social, vendendo apenas uma pequena quinta  muito bonita, "a Passagem". Conservou tudo o resto, as "relíquias de família", de que era legatária - móveis, loiças, jóias, bordados, linhos e "bibelots" - contando à afilhada Maria Antónia, a história longa de cada peça.  E com a afilhada, no Porto e, depois, em Espinho, passaria, os últimos trinta anos, sempre uma companhia agradável para várias gerações de sobrinhos, que escutavam as suas histórias. Consigo trouxe recordações, pertences do maior valor afetivo e uma criada fiel, já não a Maria, mas uma  sucessora, chamada Olívia Pessegueiro (mais outro traço distintivo entre irmãs, saber ou não manter o pessoal doméstico, que na Casa da Pedreira ficava décadas e na Villa Maria mudava constantemente)

Três irmãs com sorte tão diferente...A que mais parecia querer fazer com o seu futuro, e ousou partira para a grande cidade (ir para o Porto seria, então, quase como ir para o estrangeiro), havia de partir tão cedo de uma vida que parecia ter tudo para lhe dar - vemo-la, com os pais, como a menina dileta nos retratos, elegante nas festas e piqueniques no Castro, com alegres grupos de amigos e parentes, sempre com predominância da componente feminina... Sabemos que cavalgava a égua que o pai comprara não só por desporto e prazer, mas para se deslocar em serviço, fora de São Cosme (também o pai gostava de animais, ficou conhecida a sua ligação a um cão grande, chamado Diu, que o acompanhou na velhice e surge, tranquilo, em muitas fotos de família). E até que não queria dar aulas na escola. A tragédia da sua morte foi muito sentida, Glória era a filha do prestigiado tabelião  e de gente com tradições na terra, mas brilhava com luz própria, pela cultura e pela beleza. Chegou às páginas dos jornais de então, guardadas cuidadosamente, embora sem datas precisas, nem indicação do título do jornal.
"Gondomar, 25  -Falleceu hontem, na primavera da vida, quando tudo lhe sorria, com a idade de 21 anos, a Srª D. Glória Mendes Barbosa, gentil e adorada filha do digno tabelião deste concelho Sr Joaquim Mendes Barbosa.Era uma menina simpática, prendada e de finas qualidades de educação. Aos seus pais, que a adoravam, e aos irmãos Alexandre Mendes Barbosa, secretário da administração deste concelho e Américo Barbosa, abbade de Gondalães e a restante família enlutada os nosso profundos sentimentos. O seu enterro realiza-se amanhã, à 9.00, na Paroquial igreja de Gondomar".
A mais ousada das raparigas, e parece, ter sido, realmente, especial - "adorada", como diz e repete o periodista.. Mais determinada, mais intelectual, mais bonita do que as suas bonitas irmãs. Mulher pensante e atuante, admirada e querida. O namorado dedicava-lhe inspirados poemas. Era o centro de um grupo alegre de jovens, de que os irmãos faziam parte. Um seleto círculo, ou, como diriam então, "a fina flor" da vila.
 Para a irmã Rozaura, a mesma doença que a vitimou por pouco não lhe abriria as portas de um destino  bem mais glamoroso do que o que lhe veio a caber em sorte -, ao lado do sempre lembrado médico a quem devia a cura. Poderia ter tido fortuna e prestígio social, a par dos afetos - tudo o que a afilhada MARIA DA CONCEIÇÃO iria encontrar no casamento com António Carlos
Não surpreende, assim, o facto de ser Rozaura, nos recortes de jornais, que se conservaram nos baús de recordações, ser a menos citada, não obstante o peso que manteve, no círculo familiar e a popularidade de que gozava entre irmãos, cunhados e sobrinhos, à medida que avançava nos anos, até ao do seu centenário.
Na verdade, as senhoras, são mencionadas, quase sempre, apenas, como "mulheres dos seus maridos". ou "mães dos seus filhos", até nas colunas sociais. Assim surge a matriarca Carolina, a propósito de uma simples festa:
"Passou no último domingo o aniversário natalício da Srº D. Carolina Ramos Barbosa, esposa do estimado e bemquisto notário local, Sr Joaquim Mendes Barbosa. Por esse motivo vieram a esta vila seu filho, Sr Dr José Barbosa Ramos, novel advogado e ilustre director e proprietário do semanário local "O Progresso de Gondomar" e o Sr Deolindo Oliveira, collaborador do mesmo periódico".
A formatura desse filho José merecera, aliás, pouco antes, destaque semelhante. 
"Estiveram domingo último nesta vila os nossos conterrâneos Camilo Martins de Oliveira, António Barbosa , Thomaz Pessoa e César de Moura, do Porto, que vieram assistir a um lauto jantar "offerecido, pelo novo bacharel dr José Barbosa Ramos, festejando a conclusão recente da sua formatura em direito.
Escusado será dizermos que o jantar decorreu no meio da mais franca e eloquente cordialidade e com immenso enthusiasmo. Ao jantar, além dos cavalheiros citados assistiu a família do novo bacharel, que partilhou a alegria da festa. Assistiu mais ao jantar o nosso patrício António Pereira de Aguiar, antigo companheiro da vida escolar do sr dr José ramos Barbosa".
A pequena notícia oferece-nos o colorido da celebração de um feito, então, relativamente raro, como era uma formatura coimbrã... De menor interesse etnográfico. mas muito mais interessante para a reconstituição do mosaico de relacionamentos familiares é o facto de salientar a presença de um ilustre "patrício" (forma, porventura, de designar, um expatriado no Brasil...) António Aguiar, que tinha sido companheiro de escola do novo jurista. Um dado novo, que, por um lado, nos mostra como, já então, o jovem emigrante no Rio era considerado figura grada da vila e nela mantinha, em férias certamente frequentes, uma rede de contactos com pessoas e instituições. E deixa-nos a dúvida: seria nesse jantar que primeiramente conversou com Maria, ou foi convidado, não como colega de José, dos bancos da escola, mas já como namorado da futura mulher?
 As famílias Barbosa Ramos e Aguiar não teriam sido íntimas, anteriormente, mas já houvera, pelo menos, um outro romance (que, porém, não terminou no altar), entre Alexandre e uma irmã de António Carlos, (Florinda?), muito engraçada e, segundo esse tio disse à Maria Antónia, quando jovem parecidíssima com ela. 
Difícil na única fotografia coletiva existente da família Pereira de Aguiar, um retrato de dezenas de figurantes, entre pais, filhos, noras e genros e criadas, reconhecê-la e avaliar a semelhança de traços. Nesse ano, ainda António Carlos não tinha partido para o Brasil, mas já estaria  a fazer as malas, o que situa a fotografia em 1895 ou 1896..
 Maria casaria com ele, já homem de posses e cultura acima da média, nas vésperas da revolução republicana,

OS AGUIAR  -  SOB O SIGNO DA DIVERSIDADE

De diversidade se pode falar, a seu propósito, em diversos sentidos. Antes de mais, num confronto com o outro lado da família. Enquanto nos Barboza e nos Ferreira Ramos há uma memória que os traz até nós, com a marca de uma acentuada homogeneidade  não só de classe social, de fortuna ou profissão (com predominância de comerciantes, empresários, funcionários públicos, professores, médicos, advogados, que se irá acentuando nas novas gerações), como de intervenção cívica, para além das fissuras ideológicas, nos Aguiar encontramos precisamente o oposto. Os 15 filhos do casal Rosa Pereira e Manuel de Aguiar, que chegaram à idade adulta (não havendo qualquer indício de que outros terão desaparecido em crianças, como então era comum)  distinguiam-se mais pelas diferenças do que pelas parecenças e tiveram destinos também muito distintos... Maria, a mãe de Maria Antónia, dizia que nunca vira família que, nesse aspeto, se comparasse aquela.
A ascendência de Rosa Pereira  é a que está melhor estudada, ao longo de mais de 300 anos, graças a um ilustre primo Maia, professor catedrático e especialista de genealogia, descendente direto de um segundo casamento de Anna Pereira, a mãe de Rosa. São, surpreendentemente, 300 anos de enraizamento em Gondomar!  Mas deles só se conhecem o grau e os nomes,com  apelidos vários. Alguns desses antepassados ter-se-iam dedicado à arte que põe no mapa a vila de Gondomar - a ourivesaria. Numa imprecisa  crónica destaca-se a vaga memória de uma parente, que foi a primeira mulher de Camilo Castelo Branco, e de um Bispo, figura ainda mais nebulosa.
De Manuel de Aguiar, a longa lista de avoengos está por investigar. O pai, Miguel Aguiar e as gerações imediatamente anteriores eram, provavelmente, também, dali.
O casal vivia a sul de São Cosme, na Gândra, num casarão de pedra à face da estrada, com extenso jardim nas traseiras. Aí brincou essa prole numerosa, crianças engraçadas e alegres, com certeza, porque a vivacidade e a extroversão são as qualidades mais comuns aos Aguiar que se mantiveram no nosso círculo de convivência, levando a supor, que os demais, nesse aspeto, não fossem tão diferentes com eram em tudo o mais. Um valor que parece ter resistido em família tão propensa a clivagens de fortuna e infortúnio como à  solidariedade, que levou uns a valerem, fraternalmente, aos outros. Conhecem-se muitos exemplos: o de Augusto que, ao ficar, em partilhas, com a casa da Gândra, manteve a irmã solteira Guiomar e uma outra, casada com um Camilo no amplorés do chão da casa grande, Ou o de João e de António, que, no Rio, tentaram, em vão, dar modo de vida ao boémio Alberto (Alberto, talvez nem o nome pode ser dado por exato...); e, na geração seguinte, os sete Aguiar Saraiva, que, tendo ficado órfãos e empobrecidos, quando uns eram muito jovens e os outros ainda crianças, se uniram, os mais velhos ajudando a bem educar os mais novos, recuperando, todos, o estatuto social e o nível de vida que fora o dos pais.
Se é certo, que sempre procuraram ajudar-se mutuamente, não pode, porém, negar-se que a história da  família se fez e transmitiu com acento tónico nos ricos, que dos fracos praticamente  não reza... Aqueles criaram , com certeza,um círculo mais íntima de convivência
João e Augusto, o mais mais novo, António Carlos, e uma só das raparigas, Amélia. terão sido os favorecidos com o "toque de Midas".
E  Gracinda Aguiar Saraiva, casou com homem rico, ainda que, depois, o casal tenha conhecido oscilações de fortuna. Dos outros, ficaram  os nomes e a imagem em retratos coletivos...
João fez-se um homem muito elegante. Não se sabe a idade com que partiu para o Brasil, se aí tinha parentes ou conterrâneos que o apoiassem, nem como afrontou os primeiros tempos, quase sempre os mais difíceis em qualquer trajetória de emigração
António, sim, contou certamente com a sua ajuda, ao menos no início de uma carreira meteórica, tê-lo-a introduzido nos círculos que frequentava na sociedade e incentivado a valorizar-se pela cultura, pois ele mesmo prezava esse lado da  caminhada, não a limitando aos aspetos materiais, com que muitos dos emigrantes dessa época se contentaria. Era assíduo conviva nos meios portugueses, o seu nome consta, pelo menos, entre os associados do Real Gabinete de Leitura do Rio de Janeiro, então já uma instituição florescente e prestigiada, que acolhera a novel Academia Brasileira de Letras na sua sede, e possui, ainda hoje, a segunda maior biblioteca do Brasil, que é não só das mais valiosas como das mais belas. Contudo, foi com uma brasileira que casou - Judith Andrade da Cruz Ferreira, jovem encantadora, da burguesia carioca, que viria a ser, a partir de 1910, a melhor amiga da cunhada Maria. Se algum dia ele alimentara um projeto de retorno às origens, o amor por uma brasileira radicou-o lá, definitivamente lá.
Os filhos de Judith e João aparecem em muitas fotografias com os tios e primos portugueses. Os homens enveredaram pelos negócios, pela política (houve entre eles, segundo as memórias de Maria Antónia vários senadores e deputados) e pela diplomacia. Com Portugal não mantiveram ligações. Sabe-se que o mais velho, João, como o pai, nasceu em 1903 e terá casado com Mariette Veronese, dando origem ao ramo Veronese de Aguiar.
 Maria e Judith, mesmo depois de separadas pelo Atlântico, trocaram correspondência a vida inteira. O contacto perdeu-se entre os mais novos, só retomado no período breve em que José Augusto, um dos "meninos brasileiros"de Maria e António, morou no Rio de Janeiro. Há algumas fotos dele com algumas primas Aguiar, todas lindas e com traços fisionómicos que por generalização (excessiva, evidentemente) se atribuem aos Aguiar - morenas de olhos grandes e claros... 
Augusto Pereira de Aguiar teria  quase a mesma idade de João. Era altíssimo e, talvez, o mais parecido com o pai, um belo homem loiro, com olhos azuis.  sorriso fácil, invariavelmente bem disposto, Como João e António, era dono de uma joalharia - a dele na emblemática Rua das Flores, as dos dois expatriados na não menos emblemática Rua do Ouvidor no Rio de Janeiro . O negócio prosperou e ele podia e gostava de viver bem. Sempre impecavelmente vestido, (gostava de usar rosas frescas na lapela), frequentava tertúlias e teatros portuenses. Melómano, quis que as filhas  do seu casamento com Leonor, Aurora, Lucinda  e Leonor estudassem nos melhores colégios e no Conservatório de Música. Uma quarta menina morreu tuberculosa. Maria Antónia não a conheceu, e nem do nome se lembrava, só de ouvir dizer que era linda,
Leonor (Nucha) terminou brilhantemente o curso do Conservatório, mas não fez carreira artística, Casou cedo, passou a dar aulas particulares de piano e foi professora das primas, Maria Antónia, Glória (Lolita) e Madalena, todas bastantes mais novas. 
 Maria Antónia guardava do Tio augusto as melhores recordações. Visitavam-no muitas vezes na casa da família, na Gandra, que ele tinha remodelado e mobilado luxuosamente. Do jardim há uma única fotografia em que vê a mãe Rosa Pereira com 3 pequenos netos não identificados e, em primeiro plano, o filho António à conversa com um irmão, (que não é Augusto) ou um amigo. O jardim teria sido, tal como a edificação antiga, modificado ou o roseiral já existiria? A sua paixão por rosas, partilhada pelo irmão António Carlos, pode ter sido inspirada lelos pais
Segundo Maria Antónia na meia idade o Tio Augusto era gordo e verdadeiramente imponente, uma figura semelhante ao Rei Dom Carlos, e com olhos espantosos e pestanas muito longas, que impressionavam as sobrinhas, crianças, no meio das quais era imensamente popular, por ser divertido e generoso.
Teve negócios com o Brasil, para onde exportava por intermédio dos irmãos emigrados, sem nunca se deixar atrair pela emigração. Já a filha Lucinda morou lá, mas por poucos anos, com o marido, Homero Figueiredo, que era farmacêutico e foi dono de uma Farmácia no Porto "naquela rua que vai da Sé para a Batalha, passando pelo antigo Governo Civil", nas palavras da Maria Antónia, que lá passava muitas tardes, feliz porque Lucinda, sua madrinha de batismo, lhe dava quantidades enormes dos bolos e doces. Às vezes, tinha a companhia de uma criança da mesma idade, Fernando Figueiredo, sobrinhos de Homero, que viria a ser seu médico e grande amigo.. 
 ALBERTO, outro dos irmãos mais velhos, partiu para o Brasil, possivelmente na companhia de João,É uma figura enigmática. Não se ficou pela cidade, sumia no interior, com paradeiro incerto, ele próprio muito incerto. Casado ou não, teve vários filhos, um dos quais foi recolhido e educado pelos irmãos, frequentando bons colégios. Aparecia, de longe a longe, com aspeto que desgostava a família e ficava por pouco tempo. Perdida a paciência, João e António desistiram de tentar salvá-lo. A mais persistente protetora era a cunhada Maria. Por sua intercessão, António mandava-o comprar fatos apresentáveis e alojava-o em casa. Um dia, disse adeus e não voltou mais. O filho que cresceu no Rio, foi empregado de confiança do Tio António que, quando começou a preparar o regresso a Portugal, com ausências mais prolongadas, o deixou a gerir todos os empreendimentos, com as mais inesperadas e dramáticas consequências. Seria , então, um homem de vinte e muitos anos, quando a primogénita dos Barbosa Aguiar, Carolona, andava ppelos sete ou oito anos,
AMÉLIA é a única mulher Aguiar da sua geração que permanece como figura lendária, pela força de caráter e por riqueza ganha em domínios onde nenhum antepassado se terá aventurado antes: estaleiros de barcos, frota pesqueira...  E uma frase, a única que ficou para a posteridade, revela, em sínteses perfeita, um percurso feminino extraordinário "Deus castigou-me com saúde, filhos e dinheiro" Tudo teve em abundância!.Supõe-se que nos favores divinos incluiria um marido discreto, cujo nome se conseguiu desvendar numa pequena notícia da imprensa - o Sr Oliveira Aguiar. Seria um primo ou parente ou uma coincidência num apelido não muito comum, mas nem por isso propriamente raro? Mais provável é o parentesco, mas não está provado.
Uma fotografia do espólio de Maria Aguiar, amarelada e riscada (estrago atribuído a um dos seus imparáveis meninos, que espalhavam terror infantil e destruição à sua volta...), tem no centro uma senhora alta e forte, bem vestida, de rosto determinado, rodeada de adolescentes e crianças, será a única imagem que possuímos (se for ela...). É a matriarca dos Aguiar de Matosinhos, com os quais se perderam laços de relacionamento familiar. A migração de Amélia para Matosinhos, embora interna e próxima, produziu, neste aspeto, efeitos não muito diferentes dos da à emigração brasileira de João e Alberto.


GRACINDA  AGUIAR SARAIVA (Saraiva, apelido do marido), teve sete filhos, como a cunhada Maria. Amigas, comadres, Maria e António eram os padrinhos de batismo de António Aguiar Saraiva. A madrinha tinha-o em grande estima, dizia que ele era mais parecido com o padrinho do que qualquer dos seus filhos! O cunhado Saraiva, foi grande empresário, mas atravessou altos e baixos, num percurso muito acidentado  e morreu, novo ainda, num dos pontos mais baixos, deixando a viúva e os órfãos em péssima situação. Só o celebrado "espírito solidário dos Aguiar permitiu, não só a alguns, mas a todos, subirem, a pulso, até ao nível mais alto dos tempos do pai, onde souberam permanecer o resto das suas vidas..No princípio foram as irmãs mais velhas, raparigas de uns  20 antes, se tanto, a procurar empregos (dando explicações, ou como precetoras, num círculo social onde tinham relações de amizade, lembrando novelas inglesas oitocentistas) para dar educação aos  irmãos, alguns andavam ainda na escola primária. Uma história que terminou coletivamente  bem. Eram inteligentes, trabalhadores e bafejados por um instinto empresarial certeiro, que os levou em frente e para cima, invariavelmente. Sem complexos, sem marcas de passadas dificuldades, num regresso ao mundo de onde vinham, como paradigmas de sociabilidade, sentido de humor, extroversão. Morenos e atraentes, com os olhos luminosos, em geral claros, sempre expressivos, que traziam no ADN, capazes de uma boa gargalhada e de um humor cortante, mas temperado de um pendor diplomático, que era em alguns muito acentuado. Facilmente faziam amigos em todas as categorias sociais.
 De uma multidão de parentes Aguiar, da sua geração, foi sobretudo  com estes que conviveram intimamente em Gondomar e no Porto. e Maria Antónia seria a que com eles foi mantendo pela vida fora um relacionamento constante - com todos, e mais ainda com a Cristina e a Belita, mesmo depois de Cristina ter ido para a Alemanha e Belita para  Lisboa, ambas com maridos alemães. Também com António, empresário importador de máquinas e material de escrita e de fotografia - canetas Monblanc, rolos de filme Adox, uma marca germânica, há muito desaparecida dos mercados. Empregava  sempre vendedores alemães, que, a seu ver, tinham melhor aceitação junto dos clientes do que os naturais do burgo.aumentando a aceitação e a venda dos produtos (nessa época, os estrangeiros rareavam e a sua presença era notada e desejada, sobretudo se fossem obviamente diferentes, muito loiros. A irmã, CRISTINA FERNANDA AGUIAR SARAIVA, era a gerente. "public relations" e acabaria por casar com um desses profissionais promissores, Ernst Lamb, jovem que cumpriria as promessas, e seria, logo nos anos 70, a diretor da Zeiss (e, seguidamente, da Rodenstock), levando a encantadora Cristina para Wiesbaden, e, depois, para uma pequena,  bem traçada, arrumadinha cidade de Aalen (perfeita para postais turísticos e monótona para morar), não longe de Estugarda. Lá viveu, com um marido que a adorava e por quem ela se deixava, melancolicamente adorar, sempre pouco apreciadora de uma certa rigidez e conservadorismo daquela mini sociedade germânica. Na verdade, não é coisa natural um mulher que gosta da sua carreira voltar a um reduto de dona de casa e mulher, Frau Lamb. E pior ainda na tradução alemã, não só linguística mas também sociológica, "Hausfrau". num meio geográfico e humano  que sentia avesso.Mostrar há  Morreu, durante uma visita a Munique,( cidade grande e festiva, católica e quase latina, onde se sentia mais  à vontade) com um enfarte de miocárdio" como o Tio António e com a mesma idade
Ernst era um homem encantador, do meu ponto de vista. Falava um português excelente, tinha estado no Brasil, antes de vir para o Porto, gostava de música, em particular de ópera, de fotografia, de futebol e, no tempo da revolução, acompanhava o PREC lisboeta, apaixonadamente. Não nos faltavam temas de conversa divertida, Sem ser germanicamente loiro ou particularmente formoso, tinha uma caraterística comum a quase todos os compatriotas que conheci de perto. - aceitam muito bem qualquer estrangeiro, desde que lhes pareça, digamos, igual a eles (ou quase), fazendo as mais triviais coisas do quotidiano exatamente como eles fazem. IA mim, não me custa nada - gosto da língua, da gente e das suas peculiaridades, de vinho do Reno, de salsichas, bifes tártaros e peixe cru. Na família Aguiar Saraiva não havia mais ninguém de quem se pudesse dizer o mesmo, pelo que eu para ele era a a pessoa mais popular da família e passei repetidas e felizes férias com eles.
A Cristina reconhecia o seu brilho intelectual e profissional, contudo, por muito que gostasse dele, sempre me pareceu que achar excessiva a sua dedicação e sentir-se enclausurada num magnífico andar com varandas amplas, quais jardins suspensos da Babilónia, cheias de belas plantas, que cuidava com prazer. Viajava bastante, mas sempre na mesma companhia (a dele), ela que era tão expansiva e tinha um enorme círculo de amizades do Porto ao Alto Minho. Só um mês por ano vivia a seu modo, na vinda, sozinha, a Portugal , aproveitando uma das longas ausências do marido no Japão e outros mercados do Extremo-Oriente. Eram 30 dias de movimentação imparável, almoçava e jantava  no seu roteiro  de afetos, Porto, Espinho, Vila do Conde, Póvoa, Cerveira. Lisboa. A sede da campanha de visitas era a sua velha casa da Rua Santa Catarina, onde continuavam os irmãos solteiros, Rosinha e Manuel, um apartamento acolhedor, cheio de antiguidades e móveis confortáveis, o oposto das simetrias e do conforto modernista do seu lar germânico. De qualquer modo, não parava um minuto, não podia perder um minuto daquela breve e esplêndida  liberdade. 
Na verdade, não era aquela competentíssima "relações públicas", tão extrovertida, bem pensante e bem falante (mais noutras línguas do que em alemão, aprendido à pressa, por necessidade), que podia ajustar-se ao perfil exigido por Ernst, de esposa doméstica para executivo de multinacional em ascensão. Er hatte eine hausfrau heiraten wollen...Ou, em alternativa ter feito carreira, embora menos meteórica, em terras portuguesas, onde ela melhor escaparia ao seu cerco tendencialmente obsessivo, numa sociedade, onde sempre seria figura preponderante, pelo seu espírito, graça e simpatia 
BELITA AGUIAR SARAIVA SCHMIDT teve com Walter Heinz Karl Schmidt, história que a coloca quase nas antípodas daquela irmã.. Walter era outro tipo de alemão, de famílias da alta burguesia, impressionantemente alto (quase dois metros), muito bonito, em traços nórdicos - podia ser um vicking gentil e elegante. E também um exemplo de tolerância - o pai, finda a guerra, em 45, apenas porque era diretor na função pública, foi internado num campo de concentração russo e aí morreu. A família ficou sem nada, ajudou-os uma criada ucraniana. Walter, que era moderadamente conservador, centro-direita, nunca manifestava sentimentos ant-russos, mas tinha um declarada simpatia por tudo o que era ucraniano. O seu lema, era certamente, o de valorizar mais o o bom do que o mau, nas memórias, como no seu dia a dia. Inteligente, mostrava discretamente um sentido de humor, que costuma acompanhar essa qualidade, sem nunca ser mordaz. Um dia em que comíamos, num jantar ligeiro, em família, salsichas (alemãs de origem certificada), eu disse, no meu alemão rudimentar, "wurste", à maneira de Estrasburgo, ao que ele replicou: "Oh, a Manuela agora até já fala alemão com sotaque regional".
Prosperaram no ramo das importações (da Alemanha, é claro), desde máquinas pesadas a lápis, viviam num privilegiado recanto da Lapa lisboeta, e nos tempos do PREC passeavam, perigosamente, de Jaguar pelas ruas da capital em fúria. Um dia em que me deram boleia para o Ministério do Trabalho, ele perguntou-me se  não serai arriscado levar-me até à porta naquele veículo capitalista, mas eu disse que não e sobrevivi ao desafio. 
A Belita nunca foi uma "Hausfrau" - tinha criadas, no plural, para as artes doméstica e era uma associada da empresa familiar, onde fazia a parte de contabilidade, aproveitando experiência dos anos em que trabalhou no Porto, com os irmãos. Depois do choque da morte do Walter, doze anos mais novo, celebrou os 101 anos, bonita e lúcida, impecavelmente penteada e vestida. Como a prima Maria Antónia, que, porém, não chegaria a festejar os 99 - muito interessada em questões da política, mas de uma direita muito mais centrista. Influência do Walter? Maria Antónia, pelo contrário, não acompanhava a moderação social-democrata do marido...Foi a primeira mulher da família a inscrever-se num partido (o PPM), subscreveu a candidatura à presidência do General Kaúlza de Arriaga e votou sempre no CDS. Todavia, era admiradora confessa de Mário Soares e das suas famosas presidências abertas (com o seu "quê" de régio, a motivá-la), e detestava Donald Trump, como um nazi gordo de melenas alaranjadas e Bolsonaro, como homem perigosamente inculto



 ANTÓNIO CARLOS , o pai de Maria Antónia, era o mais novo, nascido a11 de fevereiro de 1988. Muito bonito, baixinho, esperto, bom aluno. sempre cuidadoso  com a roupa e a apresentação, competitivo, sem ser agressivo ou egocêntrico, era ambicioso e determinado, como provou ao emigrar com 16 anos, respondendo ao convite de João, então já lançado em altos voos no Rio de Janeiro. Dos seus primeiros anos, não há episódios que tenha transmitido à descendência. Pela ligação que cultivou, muito para além do círculo familiar, com amigos de infância e com a terra, a sua atualidade e progresso, ou falta dele, é a imagem daquele género de emigrante, que, como dizia Jaime Cortesão, leva a Pátria consigo. Cruzava, com regularidade, o Atlântico, para vir passar férias em São Cosme. É por recortes de jornal, não por relatos orais, que tomámos conhecimento de que não faltava na época da caça - desporto que, aparentemente, o entusiasmava mais em Gondomar do que no Rio, certamente porque ali tinha os melhores companheiros para caçadas e convívios. Muito  provavelmente, misturava prazer e trabalho, pois manteriam negócios de exportação/importação com o irmão Augusto, o joalheiro, no Porto (nenhum deles começou como artífice, eram todos empresários, que conheciam bem o meio, sendo de terra de ourives e afins...).
Terá começado tão rápida ascensão empresarial, provavelmente na joalharia de João, com quem aprendeu os segredos de a bem gerir. A diferença de idades era substancial, a relação foi, decerto, mais do que fraterna, quase paternal/filial. Não se sabe se terá sido sócio do irmão, mas com pouco mais de 20 anos, já tinha o seu prórprio estabelecimento, e aos 28, na altura em que se terá enamorado da futura mulher, era um homem  extremamente rico. Onde e quando se iniciou o romance?
 Por uma pequena nota na coluna social de um periódico gondomarense apercebemo-nos da sua presença no jantar de formatura em Direito do futuro cunhado José Barboza Ramos. A notícia comprova que nesse ano (1908?) já era figura grada na vila, pois é um dos poucos nomes em destaque, na festa que reuniu a família e numerosos amigos do homenageado. Aí se menciona ainda que ele e José tinham sido colegas de estudos. Este dado tanto nos permite aventar um anterior convivido com a pequena Maria, dez anos mais nova, (contas feitas, menina de 6 anos quando ele emigrou...), como, pelo contrário, imaginar que a tivesse encontrado nesse jantar convivial, onde  terá brilhado pelo seu invariável bom humor e cordialidade e, assim, chamado a atenção da formosa irmã do novo doutor e sido, ele próprio, atraído pela sua graça e desenvoltura de rapariga moderna e chique. ,
Suposições, apenas. Maria Aguiar teria respondido, mas a pergunta não lhe foi feita. Gostava de falar do passado, conversas longas de que se perdeu a riqueza de infinitos pormenores deixando impressões vagas de de ambientes, situações, pessoas.... Do período inicial de namoro, uma pequena confidência indicia que ele era, então, o mais apaixonado. Na primeira despedida, depois de ficarem noivos, ficou e vê-la afastar-se, desolado pela separação de tantos meses em perspetiva, e ela foi em frente, rindo ao lado de Rozaura. Por um gesto de ombros, António Carlos julgou que ela chorava e apressou-se a  segui-la, para a consolar, prolongando ou reiniciando a despedida (gesto em que os portugueses de todos os tempos são useiros). Não a viu em lágrimas, que não havia para ver, e a surpreendida Maria terá  discretamente atenuado os sinais de boa disposição. Contava o episódio com aquele riso brando e ligeiramente irónico dos Barboza, rino de si própria, menina e moça...Não tinha, decerto, aos 20 anos, muita pressa de subir ao altar, sabendo que se seguia uma separação da família inteira do outro lado do mar, ainda que  junto a um homem dedicado e generoso, que lhe oferecia uma vida na alta sociedade da mais maravilhosa cidade do mundo  e todas as viagens que quisesse para  reencontros de férias na terra-mãe.  Achava-o amável e divertido, para além  de bonito, com as suas feições perfeitas e sorriso fácil nos olhos muito claros, muito grandes, verdes, os mais fascinantes que jamais vira. Alguns filhos e netos herda-los-iam, contudo sempre um pouco àquem dos dele.." Os olhos são o espelha da alma", dizia muitas vezes. Também a impressionava o seu caráter, que a levava, e bem como o futuro provou, a acreditar no que lhe prometia, e a sua cultura, ou "ilustração", palavra que usava mais, Todavia, o grande amor veio depois, em crescendo, num convívio, em que até os momentos piores, como a morte de Augustinho, (o quinto filho, que não resistiu a uma pneumonia aos oito meses) serviu sempre  para unir, Discordâncias pequenas também as houve, mas em conversas em que não se  alterava o tom de voz. Era um homem calmo e cordato, dentro e fora de casa. Com a mulher, o desagrado manifestava-se, geralmente, em silêncio, numa expressão mais fechada, ou indiretamente, em mensagens subtis, a avaliar por um dos casos mais curiosos, confidenciada pela (já então) Avó Maria à neta favorita, (que era eu...), no meio de sorrisos, entre trocistas e melancólicos, a revelar, passado tanto tempo, uma notória falta de arrependimento... Acabava de chegar ao Rio a moda dos cabelos curtos, a acompanhar a altura dos vestidos, e Maria, já senhora de quase trinta anos, sentiu-se tentada a cumprir a moda, cortou os seus longos e grossos cabelos castanhos, muito curtos, com uma franjinha a cobrir a testa alta. Passou, de seguida, por um atelier de fotografia, a tirar um retrato, muito bem vestida, de fato escuro, flor ao peito, raposas cruzadas no regaço, anéis de brilhantes nos dedos, sem mais jóias ostensivas, apenas um um broche a fechar o vestido rente ao pescoço. Encomendou uma dúzia de exemplares e partiu, satisfeita, para mansão de Santa Teresa. O marido não se mostrou deslumbrado pela modernidade do visual, não fez grandes comentários. Algum tempo depois, já Maria recolhera as fotos encomendadas, já as enviara por cartas para a família de Gondomar, quando foi preparar malas para mais uma viagem e encontrou, na mala do marido, um pacote com doze, precisamente doze, fotografias dele, alardeando um ar bastante crispado. Era a resposta aos seus doze retratos, de cabeleira drasticamente reduzida por tesoura de mestre. E a expressão que António exibia naquelas imagens, era, evidentemente, a que não tinha querido revelar face a face, no dia em que terá sofrido desgosto grande...Como as fotos não eram assim tão más, não as deitou fora e ainda existem, até em álbuns de família. 
No Rio, correu célere uma década feliz, depois do casamento, celebrado na Igreja de São Cosme, em 10 de setembro de 1910.. O casamento fora festa íntima, ao que informa uma pequena notícia da imprensa local, que volta a evidenciar a proximidade mantida por António com a gente e a terra, (como se nem residisse num longínquo país das Américas, a sua condição de expatriado não é mencionada...), assim como o estatuto da família da noiva, medido pelos cargos dos  parentes masculinos
 A notícia, de 12 de setembro, tem por t título "Consórcio" : "Realizou-se no sábado passado na egreja paroquial d' esta villa o enlace matrimonial do nosso presado amigo e conterraneo Sr António Aguiar com a Srª D Maria da Conceição Barbosa Ramos, gentil filha do estimado notário local Sr Joaquim Mendes Barbosa e irmã dos nossos amigos Srs António, Alberto e Américo, abbade de Gondalães e dos Srs Alexandre Mendes Barbosa, digno secretário da Administração, e Dr José Barbosa Ramos, novel advogado e diretor de "O Progresso de Gondomar".
Lançou a benção o irmão da noiva, rev abade de Gondalães, Américo Barbosa. A cerimónia revestiu caráter íntimo, assistindo pessoas de família dos dois simpáticos nubentes, .Aos cônjuges, dotados dos mais preclaros dotes de espírito e primorosa educação, desejamos um futuro ridentíssimo". O recorte não permite identificar o periódico -  certo é que não se trata de "O Progresso", que referiria a noiva como irmã do diretor.."O Progresso" obviamente também noticiou,talvez mais destacadamente, mas não se achou vestígio dele
Porquê um festa íntima? E porque não há fotografias da cerimónia? Haveria luto ainda recente numa das famílias? É uma hipótese...
 O retrato oficial foi tirado no Porto, dias mais tarde, em estúdio, e até se conhecem vicissitudes do transporte dos trajes nupciais, ao cuidado de uma criada bastante inepta... O fraque do noivo chegou ligeiramente amachucado e ele, exigentíssimo com pormenores, ficou, coisa rara, zangado (ignora-se se a criada terá conseguido arrepiar caminho para continuar ao serviço, duradouramente). Enfim, foi preciso arranjar um ferro de engomar e dar o toque necessário à perfeição. Logo depois,, novo motivo de irritação. Maria Aguiar era muito alta, mais do que o marido e o artista fotógrafo sugeriu que ele subisse a um banquinho disfarçado nas dobras do vestido nupcial. Sugestão recebida pelo noivo, com indignação. Tanta, que nem ele, nem ela, conseguiriam recuperar o sorriso, como, a rir-se, contaria meio século mais tarde.. E, assim, a imagem não espelha a autêntica alegria daquele sábado,10 de setembro, data em que, décadas decorridas, haveriam de nascer, um neto e uma bisneta..
A lua de mel, começada no norte, continuou em Lisboa, onde passaram alguns dias num excelente hotel, o Franqueforte do Rossio (há muito desaparecido), e, depois, durante a travessia do oceano, rumo ao Brasil, em paquete de luxo. Nos primeiros dias, ondas alterosas retiveram a maioria dos passageiros nas cabines. Ambos "bons marinheiros", resistentes à intempérie, Maria e António foram companhia constante na mesa do comandante, com quem fizeram amizade.. 
Foi, porém, uma lua de mel por alguns históricos momentos, agitada, porque coincidiu, na capital do Reino de Portugal, com os últimos dias da Monarquia e os primeiros da República.. Em Lisboa, no Franqueforte do Rossio (cerca do edifício da posteriormente famosa pastelaria Suiça), estavam, precisamente, a 5 de outubro. Uma bala atravessou a janela do quarto, sem lhes causar dano, para além do susto (bala guardada como macabro troféu, por um casal de monárquicos, que muitos dos netos ainda tiveram na mão...). Infelizmente, o cozinheiro do hotel foi atingido e morreu. Que ambiente para dois monárquicos deixarem o país, na incerteza do destino da revolução indesejada e temendo pela sorte de todos os que ficavam, numa família dividida entre os dois lados da contenda, que de Lisboa  chegaria o norte. Os postais e as cartas sucediam-se, mas as noticias eram sempre apenas de dias passados....
A primeira morada no Rio era no centro, na Rua 7 de Setembro, próxima da Joalharia Aguiar, no nº 3 da Rua do Ouvidor. A rua elegante, onde Maria, Judith e as amigas fariam, compras e tomariam o  chá da tarde, e, à noite, jantavam. muitas vezes, jantariam com os maridos em restaurantes cosmopolitas, onde reencontravam os sabores dos trópicos e da Europa..António Carlos relacionava-se com a mesma facilidade com portugueses, brasileiros, italianos. Italianos, sem dúvida, era o sócio perpétuo nº 3579 da "Crosse Rossa" ("avendo elargito a benefício dell' Associazione la somma de Lire cento"  - Roma, 4 li maggio de 1917)
No Rio de Janeiro viveriam, assim durante uma década muito feliz, entre a cidade e a montanha, e com muitas travessias do oceano, só interrompidas em alguns períodos da grande guerra, quando o risco de ataque inimigo se tornou real. Sobre o marido, traçava o retrato de um homem bom, sociável, e permanentemente bem disposto, que a adorava e adorava a sua numerosa família, 8 filhos em 16 anos de casamento... e mais teriam sido se não tivesse morrido, quando ela ia nos 36 anos e a última filha nos 3 meses. Quem sabe, longe dos 15 do casal Aguiar Pereira? ... Impensável, hoje, mas, então, a  vida era outra. Não faltavam criadas para o serviço e "babás" para os meninos, que viajavam sempre com eles na 1ª classe dos navios. Os meninos eram terríveis, corriam pelo convés e conseguiam atirar à água tudo o que estivesse à mão, como as almofadas das cadeiras...
 Os Aguiar ricos são assim -  não hesitam em gastar largamente o dinheiro bem ganho. Em casas esplêndidas (como a casa do Tio João, da Rua de Payssandú, a da Gandra, herdada dos pais e remodelada e remobilada  luxuosamente pelo Tio Augusto, a Villa Maria dos Barbosa Aguiar, ou, na geração seguinte, as de alguns dos Aguiar Saraiva, na Foz do Porto ou na Lapa, em Lisboa). Investiam, gostosamente, em conforto no dia a dia, em roupas, em viagens, em festas. Eram generosos com os empregados e solidários com os familiares menos afortunados, e, alguns, dados a causas e a beneficência. António, por exemplo. à cunhada Rozaura, agradecia a infinita paciência com que, tantas vezes, se encarregava de entreter e controlar os seus irrequietos filhos, oferecendo jóias valiosas, anéis e brincos de safiras e diamantes.
Contudo, daquelas descrições da mãe e avó para a filhos e netos (sobretudo a netas), construímos mais um estereótipo do que o homem real  - o do emigrante de "torna viagem", com fortuna rápida e honesta, refinado e cosmopolita. Nas vindas a Portugal, aproveitava para viajar pela Europa e, talvez, também pelo médio Oriente, onde terá comprado a carpete persa do pavão azul, que se conservou no centro da sala de visitas, com os passos de várias gerações de descendentes a dar-lhe "patine".
É em pequenos pormenores que vamos conseguindo vislumbrar a pessoa, com os gostos e os hábitos adquiridos em outras paragens, sob céu com outras estrelas - como tomar diariamente duches frios ou  nadar pela manhã num tanque com dimensão de piscina, em água gelada. e tomar, de seguida, invariavelmente  um pequeno almoço de frutas variadas. E excentricidades, uma das quais, engraçada e inofensiva, era quebrar a loiça nas romarias de Gondomar. Uma mania, que se tornou conhecida e muito popular entre feirantes. Logo que  o avistavam, as vendedoras de cântaros e vasos, desatavam numa  gritaria: "Senhor Aguiar, venha aqui partir a minha louça!".(em São Cosme não se dizia "loiça"). E ele lá ia, varrer com vigorosas bengaladas, uma das tendas, pagando principescamente, os estragos. Restam ainda muitas das bengalas de castão de prata ou ouro, com que executava o ato.






































Na  VILA MARIA
A data exata em que a família se mudou para a nova casa não é conhecida. Com certeza, não  antes de 1924. São poucas as fotos que existem desses primeiros tempos, fotos de amador muito imperfeito, (tirados por um dos meninos mais velhos, então nos seus 10 ou 12 anos?) não por profissional, mostrando que ainda se vivia a fase de transição, a preceder uma espécie de "inauguração oficial",  que nunca aconteceria. O jardim de rosas já crescia, no ano de 1925, quando vemos o pai e as duas meninas quase "gémeas", Mariazinha e Lolita, no meio dos canteiros, Tudo o mais parecia ainda mais longe de uma normal maturação, mas os anos de António Carlos na Villa Maria foram breves (dois apenas?), mas memoráveis - as portas sempre abertas ao  movimento incessante de amigos e parentes, a grandes convívios nos salões e  nos jardins, em mesas e cadeiras de um verde escuro, a combinar com o das venezianas, contra o rosa forte das paredes. Frondosa já a árvore das laranjas amargas, que viria a ser imponente, e dava frutos enormes, que, porém, esgotavam  a utilidade na sua estética, pois ninguém  queria. saborear, Dizia Maria Antónia que o pai a plantara só para "fazer partidas" aos companheiros de tertúlia. oferecendo-lhes um cesto de magnífico aspeto só com essas laranjas intragáveis, ou com algumas misturadas com as doces...  Mais um traço  do seu feitio divertido, que joga bem com aquela mania de partir loiça, sem causar dano a ninguém, ele que era tão contido na linguagem, até nos círculos masculinos de conversa  e mais ainda no ambiente familiar. Só a viúva, já muito velhinha, relataria, sempre com humor, algumas pequenas zangas ou discordâncias, que dava a entender, subtilmente, sem expressar recriminações (como aconteceu daquela vez que ela dançou no salão de um navio com o famoso Chaby Pinheiro - talvez mais do que uma vez na mesma noite...) 
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   (Maria Antonia: Éramos felizes sem saber)
  A Vila Maria era, na meia década de 20 um pequeno mundo, de fronteiras geometricamente traçadas entre propriedades dos vizinhos, onde  cresciam as flores, as árvores, as crianças,cumprindo  os sonhos de um casal  .
 Mariazinha, a sexta das crianças, era suficientemente pequena, quando a família se instalou na Vila Maria, para não se lembrar de ter habitado qualquer outro lugar. E do Pai não guardou muitas recordações - algumas,  de um dia em que ele colheu morangos numa bonita cesta, e a mandou leva-los para os  seus padrinhos, (os tios Marques), na companhia de uma criada, ou de outro em que colherem e comerem fruta no quintal, o pai, ela e a irmã Lolita. E de diálogos jocosos, em que ele chamava à Lolita, tão morena como ele, a sua "molequinha". Ao que ela respondia: "O Papá é o meu molequinho". A mais viva recordação é, porém, a da sua morte trágica, súbita, (enfarte do miocárdio, aos 46 anos...). Estranhou vê-lo, na sala de visitas, naquela caixa estreita, imóvel, de olhos fechados, e, quando o tocou na face, sentiu-o gelado, tentou acordá-lo, sem conseguir. Estava horrorizada. Quando vieram buscar o caixão para iniciar o cortejo fúnebre. o filho Manuel  deitou-se por cima da urna, para os impedir de levar o Pai. Foi preciso tratar dele primeiro.
Do funeral sabe-se mais pelas notícias de jornais, do que por testemunhos da família, naturalmente mais focada as memórias da sua vida.
A "ORDEM" escreve:  "faleceu o Snr António d' Aguiar, opulento e estimado capitalista, nosso amigo e assinante de "A Ordem". Contava 46 anos e  faleceu repentinamente na manhã do dia 10 do corrente. Teve um funeral muito concorrido , celebrando missa de corpo presente o rev Manuel Coelho.. O extinto gosava de geral estima  e porisso o seu falecimento foi muito sentido, (...)
A SOMBRA DA CRUZA 
"Inesperadamente, quando parecia ainda ter longa vida, pois era bastante novo, faleceu na passada semana o nosso querido amigo e assinante Snr António Carlos Barbosa Aguiar. Depois duma viagem recente  que fez ultimamente ao Brazil. a sua saúde ficou de tal  maneira abalada que d' ahi resultou quase repentinamente a sua morte. Deixou imersa na mais amarga saudade a sua ex-ma esposa  e filhinhos. O seu funeral que foi excecionalmente concorrido, realizou-se no passado domingo, ma Igreja desta vila, organisando-se vários turnos durante o percurso. (...)
O título do jornal não está anotado no recorte. Erro, de algum modo, significativo é a inclusão do apelido da mulher (Barbosa) no nome de António Carlos Pereira de Aguiar - sinal do seu entrosamento com a família da mulher que era perfeito....
Outra constatação inesperada é pertencer ao jornal " A voz de Gondomar" (republicano). o mais completo obituário, um artigo de quase página inteira  sobre um conhecido monárquico, (embora fosse cunhado e íntimo amigo de alguns dos mais interventivos republicanos do concelho). Convicto nos princípios, tolerante também com os dos outros...
"Mais um bom que desapareceu do scenario tumultuoso da vida ungido da recordação saudosa de todos os que o conheceram  e chorado pela dor angustiosa e percuciente da família que estremeceu e idolatrou, António Aguiar, o saudoso e querido amigo que sacrificou a mocidade ao trabalho para conquistar a independência de que usufruia; o lutador austero e persistente que, quási criança ainda, abandonava a Pátria, e com a Pátria a família, para, em terras distantes e pisando o doloroso trilho do "struggle for life" , onde as ambições se entrechocam, consolidar no trabalho a garantia do seu futuro e a dos seus, acaba de tombar, sacudido pela crueldade brutal de uma "angina pectoris", que desapiedadamente o arrancou de um lar que era todo o seu enlevo (...)
Espírito de eleição consagrado ao culto da família, a que lega o inapreciável tesouro dum nome digno como poucos e o exemplo salutar duma vida impoluta, António Aguiar soubera impor-se à admiração e à amizade sincera de quantos com ele privaram, pela intensidade dos sentimentos afetivos  em que vibrava a sua alma e pela galharda afabilidade do seu trato em que se espelhava toda a nobreza de um carácter nobre e honrada. Era um justo, de quem pode dizer-se que desceu à vala fria do cemitério sem uma única inimizade a empanar-lhe o brilho suave da sua chorada memória".
O funeral do saudoso extinto, que se celebrou na matriz desta vila em 10 do corrente, foi bem uma demonstração imponente da consternação provocada pelo seu desaparecimento  e uma grandiosa homenagem de sagração póstuma tributada às suas virtudes e à sua memória  pelos muitos amigos de António Aguiar , que os possuía em todas as classes sociais".
Na última parte da notícia são mencionados os turnos, em que os amigos se revezaram no transporte da urna entre a Vila Maria e a igreja matriz. Vale a pena transcrever a listagem, porque nela estão os familiares mais próximos, os amigos que eram presença constante de uma casa, sempre cheia de visitas, de festas. ou os companheiros de um associativismo local, a que dava generosa contribuição:
1.º turno - António e Alberto Mendes Barbosa, o irmão Augusto Aguiar, José e Damião de Oliveira Aguiar (sobrinhos?) e Saúl Fonseca e Sousa
2.º. - Mário Ferreira (sobrinho, casado com Isabel Barbosa, "Mimi"), Adelino Garrido, Manuel Martins dos Santos, Camilo de Oliveira (o escritor e autor da monografia do Concelho de Gondomar), Alberto Martins de Moura e Artur Cabral Borges
3.º Manuel Ribeiro de Almeida, Vicente Gaspar Vieira, Doutor Agostinho de Sousa Pinto, José Coelho das Neves Junior, José de Sousa Santos e Manuel Coelho das Neves
4.º - José Marques dos Santos, Avelino Martins da Silva, António Coelho da Silva, Manuel Martins de Castro Neves, Joaquim Martins Rosas e Abílio Ferreira da Costa.
5.º -Membros do Club Gondomarense, de que o finado era sócio
6.º - Sócios do Club de Caçadores, a que o extinto também pertencia.
7.º -  Bombeiros Voluntários de Gondomar e João Pereira, criado do extinto.
8. - º (no percurso da Igreja para o cemitério) - Dr António Ribeiro Seixas, Dr Manuel Nunes Pereira, José Ribeiro Borges da Cunha, Eduardo Kock, Serafim Rosas e Francisco Herculano Novais de França. (talvez primo, porque França é um dos apelidos na árvore genealógica de Rosa Pereira).
Um outro registo revelador de pertença a um círculo mais íntimo é o das coroas fúnebres, colocadas junto ao ataúde: "Club Gondomarense, última homenagem", "Último adeus de Maria Irmínia Barbosa e Alexandre Mendes Barbosa; "Útimo adeus de Rozaura Barboza Marques e Manuel Marques"; Saudades de José Martins das Neves e família"; "Saudade eterna e último beijo de tua esposa"; "Último adeus de sua irmã Amélia Aguiar e esposo": Sentida saudade de seu tio João Moreira dos Santos e Maria Gomes Bessa";"Último adeus de seus cunhados Maria Celestina de Abreu Mesquita Barbosa e José Barbosa Ramos";"Eterna saudade de seus filhos": "último adeus de seu amigo Dr Agostinho Emílio de Sousa Pinto".
Pela notícia, que termina apresentando condolências "à desolada viúva, Ex.ma Srnª D Maria Barbosa Aguiar e a seus filhinhos", sabemos ainda que a chave do caixão foi entregue ao Ex.mo Snr Dr José Barbosa Ramos, distinção que lhe coube certamente como cunhado e juiz ilustre....
Comoção no ambiente familiar e em toda a Vila de Gondomar, onde era, como transparece nos jornais,  pessoa muito querida, dos grandes e dos pequenos, dos ricos e dos pobres. A essa sua forma de viver, e conviver devemos a imagem, que perdura, dos Aguiar como exemplos de extrema dedicação à família, de  franqueza, de generosidade espontânea, quase a parecer excessiva, e de alegria comunicativa. Alguns laivos de excentricidade, também, terreno em que em que, todavia, seria ultrapassado pelos cunhados Barbosa. (criam-se, assim, "estereótipos dos "Aguiar" e dos "Barbosa", nos quais mal se enquadram muitos dos que levavam ou levam esse nome, de um aristocrata minhoto que nada tinha de excêntrico...).
Em 1926, a Mariazinha com seis anos, a Lolita com quatro. (ou a mais nova, Madalena, apenas seis meses), não podiam entender o que acontecera, mas viam mãe, vestida de preto, caída em depressão e prantos, cada vez mais ausente nas devoções da igreja. Um dos rapazes, o terceiro mais velho, António Maria, deixou-nos (aos 10 ou 11 anos), nos seus versos simples, de criança, testemunho único de um sentir comungado por todos dentro das paredes da Vila Maria:

Meu Pai?
"Quem te levou, meu Pai?!... Quem te levou?
Para esse mundo assim tão azulado.
Responde...sim. Teu filho, um desgraçado
Para quem a tua ausência já chegou

Para esse mundo sem fim, quem te arrastou?
Partiste!... Fiquei só! Desventurado
Pede a Deus a quem por ti tenho rogado,
 embora infeliz.., para quem tudo se quebrou.

Partiste, morreu tudo neste mundo...
E minha Mãe, oh Pai, sempre a chorar
E eu choro, desde o dia em que, moribundo, 

Te segurei... morreste Pai... Agora, então,
Depois de tudo, me vês, sempre a chorar,
Chorará eternamente, Senhor, meu coração!"

Terá sido o primeiro a encontrar o pai. agonizante? Talvez, pois não seria normal ser uma criança a segurá-lo, a dar-lhe apoio se os adultos ali estivessem...
Tudo mudou, mas continuou. A mãe, senhora elegante e mundana, divertida e compassiva,  transformava-se, a pouco e pouco, numa líder severa e enérgica, dentro e fora de casa, entregue às tarefas de educar sete filhos, não muito fáceis, e, cada vez mais, às boas causas na paróquia e na terra (aos pobres, aos doentes, aos presos, não raras vezes, intercedendo por eles, ajudando as famílias ou dando emprego a ex-presidiários -  pequenos ladrões, alguns dos quais não perdiam hábitos velhos, nem mesmo em relação à benfeitora...Levava criancinhas ao batismo e promovendo casamentos a partir  de persistentes e pagãs "uniões de facto"...). A Vila Maria era quase um prolongamento da residência paroquial, frequentada no dia a dia por padres e seminaristas, hospedaria de luxo para as freiras que passavam por São Cosme, ou para recém-chegadas professoras primárias, até que achassem morada definitiva.Também a organização de festejos religiosos era ali programada, e executadas tarefas variadas, como a fabricação, em massa, de flores de papel para os andores das procissões e os carros alegóricos, ou o ensaio de grupos corais, reunidos à volta do piano. Filhos e netos eram incitados a colaborar, uns mais renitentes do que outros....
Apesar das profundas marcas que a partida do pai provocara no ambiente famíliar, Maria Antónia sempre se sentiu protegida e feliz dentro da Vila Maria e, muito mais tarde deixaria escrito num apontamento (dos muitos que se vão, agora, encontrados, em folhas soltas) "éramos felizes e não sabíamos").. A natureza alegre e despreocupada impôs-se ao luto, de que ficou para sempre um eco,  Alexandre, foi para os meninos órfãos, um autêntico pai, muito presente, muito marcante, para a viúva, o mais amigo dos irmãos, o mais próximo, e não só porque vivia em frente, do outro lado da rua. A sua filha única tinha morrido bébé, anos antes. A afilhada Maria Madalena ocupou esse vazio -  praticamente vivia com eles os tios, Hermínia e Alexandre, embora a Mãe não a deixasse nunca pernoitar fora Era, para rapazes e raparigas a figura tutelar.masculina, sempre mais compreensivo do que a mãe se tornara - mais dialogante, generoso e divertido (o pai tinha sido com as meninas, invariavelmente gentil, nunca as castigou, isso ficava da responsabilidade da mulher, já com os meninos, tais eram os desmandos, que lhes aplicava os corretivos usuais na época...).
Em Alexandre a irmã tinha um conselheiro, um gestor competente de negócios propriedades e títulos da bolsa, que eram parte substancial da herança indivisa. Excetuavam-se  da sua influência as coisas da igreja -  foi sempre em vão que ele, republicano e laico, tentou moderar impulsos beneméritos e oferendas, que considerava largamente  excessivos, para as obras da paróquia....). 
Presença constante, desde os tempos do regresso do Brasil,  era a da irmã Rozaura, casada, sem filhos, com  um homem, o "tio Marques" igualmente muito dedicado aos pequenos Aguiar, e, em particular, afilhada, Maria Antónia. Moravam a curta distância, uns minutos a pé, por caminhos rústicos e lindos, no lugar chamado "a  Pedreira"
.A "casa da Pedreira" de tão boas memórias para a Mariazinha!. Ali, ela era especial e única, não tinha de repartir atenções, com mais seis crianças. E, entre os seus escritos, que vão sendo descobertos,, há um que lhe é dedicado. 
A CASINHA DA PEDREIRA
Queria voltar a ver
as camélias a florir,
as laranjas a crescer.

Queria voltar a ter 
na minha mão pintaínhos 
acabados de nascer

Queria voltar a ver
o jardim, a capoeira,
a horta - querida Maria - 
que se enchia de canseira

Limonete ao fim da escada
Alecrim pro's ramos bentos
toda uma festa, a ramada
a casinha, tão modesta,
com o nicho e a cantareira...

Na comparação com a "Vila Maria", a "Casa da Pedreira" era modesta, embora pequena não fosse.Teria sido uma antiga sede de quinta, com um grande portão e um átrio espaçoso de pedra. O piso de baixo era de terra batida, servia de adega, de casa da lenha, de arrumação. As escadas de acesso ao patamar superior eram de pedra, assim como as outras duas que davam, numa extremidade da casa, para as salas e, e, na outra, para a cozinha. O primeiro andar dividia-se em quartos espaçosos, ao todo oito divisões. Salas e os quartos de dormir e a sala de jantar, com mobílias antigas, muitas de casa dos pais (terá siso a filha mais conservadora). A cozinha, sim, era pequena e escura, um absoluto contraste com a da Vila Maria. A criada era a Maria Póvoas, que cozinhava muito bem e tinha tempo para tudo, até para cultivar a horta e tratar das galinhas e das flores.
As janelas de guilhotina, do primeiro andar, eram encimadas por vitrais coloridos, muito bonitos, e davam para o Largo da Pedreira, para um comprido tanque comunitário, constantemente ocupado por grupos ruidosos de lavadeiras e, do outro lado, casinhas térreas, de ourives que trabalhavam filigrana de portas abertas. A casa, com certeza,completamente alterada, ainda existirá... Não assim a Vila Maria, que o município quis conservar, mas sem avançar para a compra (que a família teria feito, por metade do preço de venda a particulares) e que o novo proprietário, homem ganancioso, de vistas curtas, mandou demolir à pressa, antes que lhe fosse atribuída a classificação que António Maria Aguiar andava a tentar conseguir.  Erro a todos os títulos, porque a casa com o terreno circundante teria sido de fácil utilização para turismo, a mais evidente, ou para uma clínica ou um Museu, até para um centro comercial, ou condomínio de luxo, se soubessem aproveitar o enorme espaço que ladeia o edifício de época, em construções, com uma moderna compatibilização arquitetonica. O aventureiro faliu, o terreno , anos e anos depois, continua à espera de destino, no entretanto serve de parque de estacionamento (cumpriu-se a profecia de que tocar naquela casa era igual a maldição, traria  desgraça e morte)...
A casa que já só vive na memória, ficava dentro do jardim, a uma distância de 30 metros da rua principal, formando um largo ladeado de roseirais simétricos, num plano superior cerca de uma metro, bordejado a granito, à volta da casa passeios largos,, que permitiam fazer gincanas com os carros, como as que algumas vezes se organizaram. De cada lado do portão de ferro as japoneiras, de camélias cor-de-rosa. No extremo norte, à face da estrada, o mirante (que chamávamos o mirante da frente para o distinguir do mirante que ficava na outra extremidade, e dava, então, para um caminho de terra batida, onde agora é uma escola, perto do auditório de São Cosme. Nos muros do  terraço dessa mirante, caíam os ramos cheios de damascos, enquanto no da frente eram dióspiros que se podiam apanhar à mão., A sul, à face da estrada, o “chalet”, que fora destinado a cavalariça ou garagem, e, depois da morte do Avô, acabou arrendado a vizinhos tranquilos, gente respeitável da terra.
A simetria dos canteiros de rosas terminava  face à entrada principal da casa e ao seu terraço, e nessa vertente, prolongava-se até a pequena "casa do forno e à área em que  o pomar confinava com as vinhas. Do lado do chalet, em frente ao grande vitral da parede sul, começava o pomar, por trás do qual se escondia, num retângulo fechado por muros de granito, a pocilga.. De fora, sem porcos à vista, dir-se.ia uma longa vivenda térrea, discretamente avistada entre muitos troncos e ramos das árvores de frutos. Havia sempre dois porcos e, quando chegava o dia da matança, as meninas eram fechadas na sala, tão longe quanto possível, para não ouvirem os gritos do tenebroso ato sacrificial. Ouviam, mesmo longe ouviam, e recordaram o horror dos sons, sem imagem. Quem vinha executar o ritual era o dono do talho, negociante próspero e homem simpático. pai da Felismina, que era amiga das meninas e, como elas, aluna de piano da prima Nucha. Depois, era dia de comer rojões, esquecendo a sua origem trágica.. 
A carne de porco sobrante era guardada em arcas, antes cuidadosamente limpas com areia e, depois, cheia de quilos e quilos de sal. A mãe conhecia bem a arte de conservar produtos, frutos, por exemplo:  mandava colocar as laranjas em areia, numa grande arca de castanho, ou os dióspiros, embrulhados em papel, em gavetões fechados. 
Do círculo de amigas e colegas das lições de pianos d pequena Mariazinha faziam parte as "Paciências", (simpáticas filhas de um dos antigods proprietários das terras onde se implantou a Vila Maria,) e as irmãs Maria Amélia e a Madalena da Estrela. Não era apelido, mas alcunha -  o pai tinha construído um palacete original, em  forma de... estrela.Antecipando o futuro em alguns anos, poderá, desde já dizer-se que há muitas fotografias do casamento de estadão da Maria Amélia, com quem, depois, perderam contacto. porque foi viver para Viana. Madalena uniu o destino a um rapaz de Avintes, contra um coro de opiniões adversas. Gostava dele, e não quis saber de mais nada. Não se conhece o desfecho, pois também lhe perderam o rasto. A Felismina viria a ser uma rapariga bonita, alta e loira e a primeira a casar, com um Ramos, a quem chamavam o "Ramitos". Contou às colegas das, pormenores surpreendentessobre a noite de núpcias, e deixou um conselho: "Não vale a pena gastarem dinheiro na camisa de noite de núpcias. Não vale mesmo a pena...
Ao longo da divisória com  o terreno do Monteiro ficavam as ramadas com suporte  em bardos,  ocupando metade da quinta agrícola, desde a casa da eira ao mirante do fundo do terreno. Entre as vinhas, havia americano preto e, junto à eira, americano branco (nunca foram cortadas, escaparam ao massacre imposto por lei) e à esquerda, o "Chance la rose", que era reservado para a Avó Maria, grande apreciadora,

Os primeiros bardos eram de moscatel de Hamburgo.
O piso térreo da casa era ocupado por lojas, garrafeira e adega. Do interior, descendo a escada víamos, em frente, a garrafeira, e, passando uma porta verde, a enorme adega, com o lagar e as pipas de vinho.  A Mãe recordava os homens a pisar as uvas, e, no fim do trabalho,  a comer na cozinha, enormes pratos de bacalhau e carne de porco.
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