terça-feira, 10 de dezembro de 2019

JOÃO, AMÉLIA, AUGUSTO e ANTÓNIO PEREIRA DE AGUIAR


 .JOÃO PEREIRA DE AGUIAR

Foi, na última década do século XIX, o primeiro da sua geração a partir para o Brasil, o país para onde, então, quase todos os portugueses emigravam. Ignora-se a data exata em que deixou Gondomar, se foi ao encontro de parentes ou conterrâneos e como decorreu a adaptação ao novo país. Pode, sim, dizer-se que rapidamente se integrou e alcançou um elevado patamar social e económico, como joalheiro, pois em 1896 chamou para junto de si, António, o irmão mais novo e ajudou-o no início de uma ascensão meteórica, Era um homem muito elegante e bem relacionado, introduzi-o nos círculos que frequentava na sociedade, incentivou-o a valorizar-se pela cultura, pois ele mesmo prezava esse lado do seu percurso brasileiro, não a limitando aos aspetos materiais, com que muitos dos emigrantes dessa época se contentava. Era assíduo conviva nos meios portugueses, o seu nome consta, pelo menos, entre os associados do Real Gabinete de Leitura do Rio de Janeiro, uma instituição já florescente e prestigiada, que acolhera, até a Academia Brasileira de Letras na sua sede, e possui, ainda hoje, uma extraordinária biblioteca, atualmente a segunda maior do país, e uma das mais belas do mundo..  Em 1902, casou com Judith Andrade da Cruz Ferreira, uma jovem encantadora, da burguesia carioca, que viria a ser, a partir de 1910, a melhor amiga da cunhada Maria. Se algum dia João alimentara um projeto de retorno às origens, o amor por uma brasileira radicou-o lá, definitivamente lá.
Os filhos de Judith e João aparecem em muitas fotografias com os tios e primos portugueses. Depois que estes regressaram a Gondomar, em 1920 e que António Carlos realizou a sua última viagem ao Rio em 1926, o ano em que veio a falecer, os contactos foram mantidos, durante várias décadas através da correspondência das cunhadas Judith e Maria. Todas essas cartas se perderam e só pelas memórias, não muito precisas, de Maria Antónia se sabe que entre os seus descendentes houve aqueles que continuaram os negócios da família, outros enveredaram pela diplomacia ou por carreiras políticas. Com Portugal não conservaram ligações, perdidas que foram os contactos entre os promos, apenas retomadas por José Augusto, na década de cinquenta, quando viveu, por poucos anos, no seu Rio de Janeiro natal. Há algumas fotos dele com as primas, todas muito bonitas, com aqueles traços que, por generalização (excessiva), se atribuem à maioria dos Aguiar, a tez morena e os grandes olhos claros.
Não se conhecem, sequer os seus nomes, apenas se sabendo que o mais velho, João, como o pai, nasceu em 1903 e veio a casar com Mariette Veronese, dando origem ao ramo Veronese de Aguiar












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AMÉLIA PEREIRA DE AGUIAR
A mais famosa de todas as irmãs, nasceu em São Cosme em 28 de outubro de 1871 e faleceu em Matosinhos em 10 de dezembro de 1945. Foi madrinha a irmã Florinda e padrinho José Martins de Almeida Lopes


A única mulher empresária que se conhece nas gerações passadas, em qualquer dos ramos da família. Talvez em parceria com o marido, que terá sido, em qualquer caso, de muito mais baixo perfil.. A harmonia no casal parece ter imperado sempre, pois deixou à posteridade uma mensagem de felicidade, de pleno contentamento com a vida que Deus lhe deu, numa frase célebre:"Deus castigou-me com muita saúde, muitos filhos e dinheiro"   







Amélia permanece como figura lendária, pela força de caráter e por riqueza ganha em domínios onde nenhum antepassado se terá aventurado antes: estaleiros de barcos, frota pesqueira...  E uma frase, a única que ficou para a posteridade, revela, em sínteses perfeita, um percurso feminino extraordinário "Deus castigou-me com saúde, filhos e dinheiro" Tudo teve em abundância!.Supõe-se que nos favores divinos incluiria um marido discreto, cujo nome se conseguiu desvendar numa pequena notícia da imprensa - o Sr Oliveira Aguiar. Seria um primo ou parente ou uma coincidência num apelido não muito comum, mas nem por isso propriamente raro? Mais provável é o parentesco, mas não está provado.
Uma fotografia do espólio de Maria Aguiar, amarelada e riscada (estrago atribuído a um dos seus imparáveis meninos, que espalhavam terror infantil e destruição à sua volta...), tem no centro uma senhora alta e forte, de escuro vestida e de rosto determinado, rodeada de adolescentes e crianças, que se supõe ser ela...). É a matriarca dos Aguiar de Matosinhos, com os quais se perderam laços de relacionamento familiar. A migração de Amélia para Matosinhos, embora interna e próxima, produziu, neste aspeto,efeitos não muito diferentes dos da à emigração brasileira de João e Alberto.

AUGUSTO PEREIRA DE AGUIAR
Nascido em São Cosme  a 3 de março de 1873 , morreu no Porto a 10 de maio de 1950., afilhado de Violante Pereira dos Santos e de Augusto da Silva, da Boavista


Augusto Pereira de Aguiar teria  quase a mesma idade de João. Era alto e, talvez, o mais parecido com o pai, um belo homem loiro, com olhos azuis. sorriso fácil, invariavelmente bem disposto. Como João e António, era dono de uma joalharia - a dele na emblemática Rua das Flores, as dos dois expatriados na não menos emblemática Rua do Ouvidor no Rio de Janeiro. 
O negócio prosperou e ele podia e gostava de viver bem. Sempre impecavelmente vestido, (usava, frequentemente, rosas frescas na lapela), frequentava tertúlias e teatros portuenses. Melómano, quis que as filhas, Lucinda  e Leonor estudassem nos melhores colégios e no Conservatório de Música. Uma quarta menina morreu tuberculosa. Maria Antónia não se lembrava dela, e nem sequer do nome, só de ouvir dizer que era linda. A Tia Leonor Sá era de Avintes e aí, na casa de família, que ainda existe na Rua 5 de Outubro, nasceu a filha Lucinda, que seria a madrinha da Maria António, mais uma prova da sua proximidade com os Barbosa Aguiar.
Leonor (Nucha) terminou brilhantemente o curso do Conservatório, mas não fez carreira artística. Casou cedo, passou a dar aulas particulares de piano e foi professora das primas, Maria Antónia, Glória (Lolita) e Madalena, todas bastantes mais novas. 
 Maria Antónia guardava do Tio Augusto as melhores recordações. Visitavam-no amiúde na casa da Gandra, que ele tinha remodelado e mobilado. Do jardim há uma única fotografia em que vê a mãe Rosa Pereira com três pequenos netos não identificados e, em primeiro plano, o filho António à conversa com um irmão, (não Augusto, que era muito alto) ou um amigo.

 ANTÓNIO CARLOS PEREIRA DE AGUIAR

Nascido a 11 de fevereiro de 1980, terá sido o mais novo dos irmãos. Muito bonito, baixinho, esperto, bom aluno. sempre cuidadoso  com os seus livros, cadernos, roupa, a apresentação, era determinado, competitivo, mas solidário, ou não fosse um de 15 irmão, numa família unida, e capaz de enfrentar desafios, como provou ao emigrar com 16 anos, respondendo ao chamamento de João, então já lançado em altos voos no Rio de Janeiro.
 Desses primeiros anos, tão longe de Gondomar, não há peripécias que tenham chegado aos ouvidos dos seus descendentes. É de crer que tenha sido recebido em casa do irmão, ainda solteiro, em 1996, e que se tenha sentido confortável e muito animado com a perspetiva de vencer no novo mundo. Muito provavelmente, trabalhou para joão, próspero  proprietário de uma joalharia, Pela ligação que cultivou, muito para além do círculo familiar, com amigos de infância e com a terra, de onde viera, é a perfeita imagem daquele género de emigrante, que, como dizia Jaime Cortesão, "levava a Pátria consigo". Cruzava, com regularidade, o Atlântico, e passava férias em São Cosme. Certamente, não só férias, mas negócios também, inicialmente os do irmão, os seus, à medida que se autonomizava. O mesmo duplo propósito seria o motivo de visitas a outros países, como a França, pois num dos postais que de lá enviou, em 1909, justifica dar tão sintéticas notícias pelos muitos "afazeres" que o ocupavam. Provavelmente, projetos de exportação/importação, de internacionalização de negócios. Na família, a ligação à arte e indústria de ourivesaria, da filigrana, que é o "ex-libris" de Gondomar, vinha de trás - vários antepassados eram dono de estabelecimentos, mas outros teriam sido simples artífices, como foi o caso do pai de sua avó Anna Pereira de França, que , por sua vez, casou em segundas núpcias com um ourives  muito rico, O marido de Rosa, a filha primogénita, Manuel Aguiar, era igualmente ourives e com os proventos da profissão (fabricante ou comerciante) comprou a sua casa da Gandra e criou os 15 filhos, Deles, pelo menos três foram, não industriais mas proprietários de elegantes joalharias e fizeram fortuna, num tempo propício aos negócios do ouro, que abundava no Brasil e tinha em São Cosme uma repercussão dourada...    .
 Sem dados concretos em que nos possamos basear, é de pôr a hipótese. muito plausível. de João, que casara em 1902, com uma jovem da alta burguesia do dinheiro, se ter  concentrado, crescentemente, em outros negócios,
 António Carlos, passou, se não passara já, a morar em sua própria casa. Tinha 22 anos e seis de experiência de trabalho comum com o irmão, que nele, e bem, depositava inteira confiança. Ter-lhe-á, então, oferecido sociedade, e, poucos anos depois, trespassado a sua parte na Joalharia Aguiar da Rua do Ouvidor?
Não há notícia de visitas de João a Gondomar. Ou não apreciava as longas viagens marítimas, ou preferia dar ao irmão a oportunidade de matar saudades da Gandra, fazendo-o intermediário dos seus negócios, que envolveriam, também Augusto, o dono da Joalharia Aguiar da Rua das Flores,.Sinais seguros da especial ligação desse trio de irmãos há-os, no convívio que se sabe ter sempre existido, e na correspondência trocada entre Augusto e os sobrinhos do Rio, ainda em 1930, e entre Judith e Maria até aos anos 50 ou 60)
É por recortes da imprensa de Gondomar, não por relatos orais, que tomámos conhecimento de que António Aguiar não faltava na época da caça - desporto que, pelo visto,, o entusiasmava mais em São Cosme do que no Rio,  porque ali tinha, evidentemente, os melhores companheiros para passeatas e convívios. Como alegre e sociável jovem que era, juntava trabalho e diversão, também em Portugal, relações familiares como de trabalho com Augusto, o joalheiro, no Porto (aparentemente, nenhum deles começou como artífice, eram todos empresários, nascidos  nesa meca da ourivesaria portuguesa, que era a sua terra...).
Terá começado tão rápida ascensão empresarial, provavelmente na joalharia de João, com quem aprendeu os segredos de a bem gerir. A diferença de idades era substancial, a relação foi, decerto, mais do que fraterna, quase paternal/filial. Não se sabe se terá sido sócio do irmão. Certo é que, com pouco mais de 20 anos, já tinha o seu próprio estabelecimento, e aos 28, na altura em que se terá enamorado da futura mulher, era um homem muito abastado. Milionário antes de atingir os 30, com que casou,
Onde e quando se iniciou o romance?
 Por uma pequena nota na coluna social de um periódico gondomarense apercebemo-nos da sua presença no jantar de formatura em Direito do futuro cunhado José Barboza Ramos. A notícia comprova que nesse ano (1908?) já era figura grada na vila, pois é um dos poucos nomes em destaque, na festa que reuniu a família e numerosos amigos do homenageado. Aí se menciona ainda que ele e José tinham sido colegas de estudos. Este dado tanto nos permite aventar um anterior convivido com a pequena Maria, dez anos mais nova, (contas feitas, menina de 6 anos quando ele emigrou...), como, pelo contrário, imaginar que a tivesse encontrado nesse jantar convivial, onde decerto brilhou pelo seu invariável bom humor e cordialidade, assim chamando a atenção da formosa irmã do novel doutor, E terá sido, ele próprio, atraído pela sua graça e desenvoltura de rapariga moderna e chique. ,
Suposições, apenas. Maria Aguiar teria respondido, mas a pergunta não lhe foi feita. Gostava de falar do passado, conversas longas de que se perdeu a riqueza de infinitos pormenores, deixando, em seu lugar, impressões vagas de ambientes, situações, pessoas...
Outra hipótese plausível de um primeiro encontro entre ambos, a que muitos se seguiriam, é ter acontecido em casa de parentes, os Lopes, os Mais, os Lobão, convivas habituais dos Ferreira Ramos, primos afastados, mas que aparecem em todas as fotografias de festas e piqueniques no Monte Crasto. Ora os Maia eram, também primos da dos Pereira de Aguiar, pelo ramo Pereira, indo buscar ascendência comum dos Pereira de França e da avoenga Ana Pereira. Para além de muitas outras, já no puro domínio da imaginação, mas que podem bem ter ocorrido: no cenário de uma récita no teatro, das festas da Senhora do Rosário, de uma simples missa na Igreja, mas sempre na presença de alguém que pudesse fazer as apresentações, pois com estranhos as meninas não falavam.
Do período inicial de namoro, uma pequena confidência indicia que ele era, então, o mais apaixonado. Na primeira despedida, depois de ficarem noivos, ficou e vê-la afastar-se, desolado pela separação de tantos meses em perspetiva, e ela foi em frente, rindo ao lado de Rozaura. Por um gesto de ombros, António Carlos julgou que ela chorava e apressou-se a  segui-la, para a consolar, prolongando ou reiniciando a despedida (gesto em que os portugueses de todos os tempos são useiros). Não a viu em lágrimas, que não havia para ver, e a surpreendida Maria terá  discretamente atenuado os sinais de boa disposição. Contava o episódio com aquele riso brando e ligeiramente irónico dos Barboza, rindo de si própria, menina e moça...Não tinha, compreensivelmente, aos 20 anos, muita pressa de subir ao altar, sabendo que teria de separar-se da família inteira, para viver do outro lado do mar, ainda que  junto a um homem dedicado e generoso, que lhe oferecia um futuro de amor, conforto e abastança na mais maravilhosa cidade do mundo ,e, coisa de vital importância,  as viagens que quisesse para reencontros de férias em Gondomar. Não emigrava sem certezas de voltar...E achava-o insinuante e divertido, para além de bonito, com as suas feições perfeitas e sorriso fácil, olhos muito claros, muito grandes, verdes, os mais fascinantes que jamais vira. Alguns filhos e netos herda-los-iam, contudo, segundo ela, sempre um pouco àquem dos dele.." Os olhos são o espelha da alma", dizia muitas vezes. Também a impressionava o seu caráter, que a levava, e bem, como viu ao longo de anos, a acreditar no que lhe prometia. E a sua cultura, ou "ilustração", palavra que usava preferencialmente, Todavia, da sua parte, o grande amor terá ido em crescendo, num convívio, em que até os momentos piores, como a morte de Augustinho, (o quinto filho, falecido de uma pneumonia aos oito meses) serviu sempre  para unir, Discordâncias pequenas também as houve, certamente, mas em conversas em que não se  alterava o tom de voz.





 Era um homem calmo e cordato, dentro e fora de casa. Com a mulher, o desagrado manifestava-se, geralmente, em silêncio, numa expressão mais fechada, ou indiretamente, em mensagens subtis, a avaliar por um dos casos mais curiosos, confidenciada pela (já então) Avó Maria à neta favorita, (que era eu...), no meio de sorrisos, entre trocistas e melancólicos, a revelar, passado tanto tempo, uma notória falta de arrependimento... Acabava de chegar ao Rio a moda dos penteados curtos, a acompanhar a altura dos vestidos, que ia encurtando. igualmente, e Maria, já senhora de quase trinta anos, sentiu-se tentada a cumprir a moda, cortou a sua longa e esplendorosa cabeleira castanha. substituída por um corte que mal cobria as orelhas, com uma franjinha a cobrir a testa alta. Passou, de seguida, por um atelier de fotografia, a tirar um retrato, muito bem vestida, de fato escuro, flor ao peito, raposas cruzadas no regaço, anéis de brilhantes nos dedos, sem mais jóias ostensivas, apenas um broche a fechar o vestido rente ao pescoço. Encomendou uma dúzia de exemplares e partiu, satisfeita, para mansão de Santa Teresa. O marido não se mostrou deslumbrado pela modernidade do visual, não avançou grandes comentários. Algum tempo depois, já Maria recolhera as fotos encomendadas, já as enviara por cartas para a família de Gondomar, foi preparar malas para mais uma viagem e encontrou, numa delas, um insólito pacote com doze, precisamente doze, fotografias dele, alardeando um ar bastante crispado. Era a resposta aos seus doze retratos, de penteado drasticamente cortado por tesoura de mestre. E a expressão que António exibia naquelas imagens, era, evidentemente, a que não tinha querido revelar face a face, no dia em que terá sofrido desgosto grande...Como as fotos não eram assim tão más, não se deitaram fora e ainda existem, até em álbuns de família. 
No Rio, correu célere uma década feliz, depois do casamento, celebrado na Igreja de São Cosme, em 10 de setembro de 1910.. O casamento fora festa íntima, ao que informa uma pequena notícia da imprensa local, que volta a evidenciar a proximidade mantida por António com a gente e a terra, (como se nem residisse num longínquo país das Américas, a sua condição de expatriado não é mencionada...), assim como o estatuto da família da noiva, medido pelos cargos dos  parentes masculinos
 A notícia, de 12 de setembro, tem por t título "Consórcio" : "Realizou-se no sábado passado na egreja paroquial d' esta villa o enlace matrimonial do nosso presado amigo e conterraneo Sr António Aguiar com a Srª D Maria da Conceição Barbosa Ramos, gentil filha do estimado notário local Sr Joaquim Mendes Barbosa e irmã dos nossos amigos Srs António, Alberto e Américo, abbade de Gondalães e dos Srs Alexandre Mendes Barbosa, digno secretário da Administração, e Dr José Barbosa Ramos, novel advogado e diretor de "O Progresso de Gondomar".
Lançou a benção o irmão da noiva, rev abade de Gondalães, Américo Barbosa. A cerimónia revestiu caráter íntimo, assistindo pessoas de família dos dois simpáticos nubentes, .Aos cônjuges, dotados dos mais preclaros dotes de espírito e primorosa educação, desejamos um futuro ridentíssimo".
O recorte não permite identificar o periódico -  certo é que não se trata de "O Progresso", que referiria a noiva como irmã do diretor.."O Progresso"  , decerto, terá  noticiado, talvez mais destacadamente, mas não se achou vestígio dele
Porquê um festa íntima? E porque não há fotografias da cerimónia? Estaria uma das famílias em luto recente? l..
 O retrato oficial foi tirado no Porto, dias mais tarde, em estúdio, e até se conhecem vicissitudes do transporte dos trajes nupciais, ao cuidado de uma criada bastante descuidada... O fraque do noivo chegou ligeiramente amachucado e ele, exigentíssimo, um perfeccionista, ficou, coisa rara, zangado (ignora-se se a criada terá conseguido justificar-se, arrepiar caminho  e continuar ao serviço, duradouramente). Enfim, foi preciso alguém trazer um ferro de engomar e dar o toque necessário à perfeição. Logo depois...novo motivo de irritação. Maria Aguiar era alta, mais do que o marido e o artista fotógrafo sugeriu que ele subisse a um banquinho disfarçado nas dobras do vestido nupcial. Sugestão recebida pelo noivo, com indignação. Tanta, que nem ele, nem ela, conseguiriam recuperar o sorriso, como, a rir-se, ela confidenciaria, meio século mais tarde..
E, assim, a imagem não espelha a autêntica festa daquele sábado,10 de setembro, data em que, décadas decorridas, haveriam de nascer, o neto António José, no chamado "quarto grande" da Vila Maria e a bisneta Ana, no Algarve (prematuramente, durante  férias dos pais)
Em lua de mel, percorreram o país, desde o norte até Lisboa, onde os esperava o imprevisto de uma revolução. Alojados no Hotel Franqueforte, no Rossio, (há muito desaparecido do lugar onde também já não existe a pastelaria Suiça), estavam em pleno teatro de operações, nos históricos últimos dias da Monarquia e os primeiros da República... Ambos monárquicos declarados (uma das recordações de António Carlos, conservada para a posteridade, era o gozo com que repetia o "slogan de época "Talassa, passa, Buíça chiça!") sofreram, angustiados, a agitação das ruas e do país e partiriam incertos do futuro de uma revolução indesejada, temendo a sorte de todos os que ficavam da segurança de familiares, sem lhes poder valer. Que drama para os dois jovens, terem de partir, temendo pela sorte de todos os que ficavam, divididos dos dois lados da contenda, que de Lisboa chagaria ao Porto e a São Cosme. Os postais e as cartas sucediam-se , mas eram sempre notícias ultrapassadas, fraco sossego. De facto, ninguém correria mais perigos do que eles mesmos, ali, no Rossio, convertido em centro de toroteios, naqueles dias  a 5 e 6 de outubro.
 Uma bala atravessou a janela do quarto do Franqueforte, sem lhes causar dano, para além do susto (bala guardada como macabro troféu, que muitos dos netos ainda tiveram na mão...). O cozinheiro do hotel foi atingido e morreu.
Alguma agitação sacudiu também o paquete de luxo em que estavam em rota para o Rio de Janeiro. A jovem noiva estreou-se em travessias do oceano, com o espetáculo de ondas alterosas no percurso até à primeira paragem no porto do Funchal. Revelou-se uma excelente "marinheira", à semelhança do marido, Com a maioria dos passageiros remetidos ao recolhimento nas cabines por fortes enjouos,  Maria e António fora a assídua e agradável companhia do Comandante, com quem fizeram amizade. E, sem mais percalços desembarcaram no Rio e foram habitar a casa que António cuidadosamente preparara para receber a noiva, na Rua 7 de Setembro, não muito longe da Rua do Ouvidor, no 63, onde se situava a Joalharia Aguiar . Era a rua elegante da cidade do Rio, onde se situavamas melhores lojas, confeitarias, restaurantes, vida diurna, vida noturna...À tarde, Maria e Judith aí se encontravam com amigas, para fazerem compras ou para lancharem, à noite aí reuniam, muitas vezes, na companhia dos maridos.
António Carlos relacionava-se, com a mesma facilidade, com conterrâneos, com brasileiros, com italianos - seguramente com italianos, pois era o sócio perpétuo nº 3579 da "Crosse Rossa" ("avendo elargito a beneficio dell' Associazione la somma de Lire cento" , desde 4 de maio de 1917. É o que consta de uma certidão que Maria Antónia salvou de extravio e mandou emoldurar
No Rio de Janeiro viveriam durante uma década feliz, com muitas travessias do oceano, só interrompidas em alguns períodos da grande guerra, quando o risco de ataque inimigo se agravou, entre 1914/1918.
Há uma carta do Joaquim Mendes Barboza para a filha Maria de 15 de outubro de 1918, que alude ao fim desse período em que ficaram privados de visitas, ao dizer, em PS: "Lembro-te que deve estar afugentado o perigo dos submarinos dos scelerados alemães". Um óbvio convite  a que voltem depressa.
Sobre o marido, Maria traçava o retrato de um homem bom, muito sociável, bem disposto fora e dentro de sua casa, e que a adorava e se revia na sua numerosa família, 8 filhos em 16 anos de casamento... e mais teriam sido se não tivesse morrido, quando ela ia nos 36 anos e a última filha nos 2 meses. Quem sabe, não muito longe dos 15 do casal Aguiar Pereira, que lhe serviria de paradigma? ... Impensável, hoje, mas, então, as facilidades eram grandes. Não faltavam criadas para o serviço e as "babás" dos meninos, Pelo menos uma viajava com eles, na 1ª classe dos navios. E trabalho não lhe faltava. Os meninos eram terríveis, corriam pelo convés e conseguiam atirar à água tudo o que estivesse à mão, como as almofadas das cadeiras, talheres, guadanapos... Mais livres ficavam os pais para as distrações a bordo. Maria Aguiar fazia sucesso. António Carlos só não gostou de a ver dançar vezes demais com Chaby Pinheiro, ator, e o mais famoso dos passageiros nessa travessia...  Maria estranhou o acesso de ciúmes, sem cena de ciúmes, mas, para ela  evidente. Estranhou, sem ponta de sentimento de culpa sempre ausente do relato. Achou-o deslocado e divertido. Tirando esse "senão", tudo o mais era festa!.
 Os Aguiar ricos são assim -  não hesitam em gastar largamente o dinheiro bem ganho. Gostam de casas grandes (como a casa do Tio João, da Rua de Payssandú, a da Gandra, herdada dos pais e remodelada e remobilada pelo Tio Augusto, a Villa Maria dos Barbosa Aguiar, ou, na geração seguinte, as de alguns dos Aguiar Saraiva, no Porto, na Boavista, na Foz, ou na Lapa, em Lisboa). Investiam não só em negócios, mas também em receções, em viagens, em roupas (António Aguiar, mesmo quando viajava sozinho para Paris sabia comprar vestidos lindíssimos , última moda, para as meninas). Todos eram generosos com os empregados e solidários com os parentes menos afortunados, e, alguns, dados a causas e a beneficência, sempre gratos por favores e prontos a retribuir em dobro. António à cunhada Rozaura, agradecia a infinita paciência com que, tantas vezes, se encarregava de entreter e controlar os seus inquietantes filhos, com jóias, anéis, brincos, que ela haveria de deixar, em testamento, à Mariazinha.
Contudo, daquelas descrições da mãe e avó para a filhos e netos (sobretudo a netas), se construiu mais um estereótipo do que um homem real  - o emigrante de "torna viagem", com fortuna rápida e honesta, refinado e cosmopolita. Era sabido que, nas vindas a Portugal, aproveitava para andar pela Europa e, talvez, também, pelo médio Oriente, onde terá comprado a carpete persa do pavão azul, que se conservou no centro da sala de visitas, sob os passos de várias gerações de descendentes. Viagens, que contudo, pelo menos algumas, eram também de trabalho - assim indicia uma mensagem, enviado num postal de França, em que se desculpa de não escrever mais, por força dos "muitos afazeres" - quais não diz, mas deduz-se).
É, sobretudo, em pequenos pormenores que se vai vislumbrando uma pessoa especial, com gostos e hábitos adquiridos em outras latitudes, sob céu de outras estrelas. Começava o dia a nadar num tanque com dimensão de piscina, em água gelada. tomava duches frios numa casa de banho com sete janelas panorâmicas, e, depois, o pequeno almoço composto essencialmente de frutas variadas. Entre as suas excentricidades, uma das mais curiosas, era o prazer helénico de quebrar a loiça, nomeadamente nas romarias de Gondomar. Mania, que se tornou conhecida e muito popular entre feirantes. Logo que o avistavam, as vendedoras de cântaros e vasos, desatavam numa  gritaria: "Senhor Aguiar, venha aqui partir a minha louça!". E ele lá ia, varrer com vigorosas bengaladas, uma das tendas, pagando principescamente os estragos. Restam ainda muitas das bengalas de castão de prata ou ouro, com que executava o ato.
A sua relação carinhosa e invariavelmente amável com a mulher adivinha-se num simples episódio, que ela descrevia apenas porque o achara raro e engraçado, sem tirar dele o significado que lhe damos. Com ela, como por esse caso se vê, não levantava a voz, mesmo quando ela, por exceção à regra, lhe deu um grande desgosto. O desgosto provocado por um inesperado corte da sua farta cabeleira, em favor de um muito moderno "look"de repas sobre a testa e altura de cabelo que mal cobria as orelhas. Sem pressentir o que ele iria sentir, muito contente consigo própria e a sua nova aparência, passou do salão de beleza para o estúdio de um fotógrafo onde tirou um retrato, encomendando 12 cópias que queria enviar para São Cosme. O marido olhou-a, com certeza estupefacto, e não disse uma palavra de censura, mas foi, depois, tirar, também ele, uma fotografia no mesmo estúdio, com um ar muito carrancudo! Mandou fazer 12 cópias e colocou-as dentro de uma mala de viagem, onde, mais cedo ou mais tarde, a mulher as iria encontrar. Encontrou e compreendeu a mensagem, sem, por seu lado a comentar. Terá sido a coisa mais próxima de uma crise conjugal na sua vida de 16 anos em comum....)

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  (O marido não se mostrou deslumbrado pela modernidade do visual, não fez grandes comentários. Algum tempo depois, já Maria recolhera as fotos encomendadas, já as enviara por cartas para a família de Gondomar, quando foi preparar malas para mais uma viagem e encontrou, na mala do marido, um pacote com doze, precisamente doze, fotografias dele, alardeando um ar bastante crispado. Era a resposta aos seus doze retratos, de cabeleira drasticamente reduzida por tesoura de mestre. E a expressão que António exibia naquelas imagens, era, evidentemente, a que não tinha querido revelar face a face, no dia em que terá sofrido desgosto grande...Como as fotos não eram assim tão más, não as deitou fora e ainda existem, até em álbuns de família).

No Brasil, Maria Aguiar viveu, como reconhecia no nostálgico balanço final dos 80 ou 90 anos, a sua década dourada, Logo depois do casamento, celebrado na Igreja de São Cosme, em 10 de setembro de 1910.. O casamento fora festa íntima, ao que informa uma pequena notícia da imprensa local, que volta a evidenciar a proximidade mantida por António com a gente e a terra, (como se nem residisse num longínquo país das Américas, a sua condição de expatriado não é mencionada...), assim como o estatuto da família da noiva, medido pelos cargos dos  parentes masculinos
 A notícia, de 12 de setembro, tem por  título "Consórcio" : "Realizou-se no sábado passado na egreja paroquial d' esta villa o enlace matrimonial do nosso presado amigo e conterraneo Sr António Aguiar com a Srª D Maria da Conceição Barbosa Ramos, gentil filha do estimado notário local Sr Joaquim Mendes Barbosa e irmã dos nossos amigos Srs António, Alberto e Américo, abbade de Gondalães e dos Srs Alexandre Mendes Barbosa, digno secretário da Administração, e Dr José Barbosa Ramos, novel advogado e diretor de "O Progresso de Gondomar".
Lançou a benção o irmão da noiva, rev abade de Gondalães, Américo Barbosa. A cerimónia revestiu caráter íntimo, assistindo pessoas de família dos dois simpáticos nubentes, .Aos cônjuges, dotados dos mais preclaros dotes de espírito e primorosa educação, desejamos um futuro ridentíssimo". O recorte não permite identificar o periódico -  certo é que não se trata de "O Progresso", que referiria a noiva como irmã do diretor.."O Progresso" obviamente também noticiou,talvez mais destacadamente, mas não se achou vestígio dele
Porquê um festa íntima? E porque não existem fotografias da cerimónia? Haveria luto ainda recente numa das famílias? É uma hipótese...
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 ANTÓNIO CARLOS PEREIRA DE AGUIAR
O  pai de Maria Antónia, nascido a 11 de fevereiro de 1980, terá sido o mais novo dos irmãos. Muito bonito, baixinho, esperto, bom aluno. sempre cuidadoso  com a roupa e a apresentação, competitivo, sem ser agressivo ou egocêntrico, era ambicioso e determinado, como provou ao emigrar com 16 anos, respondendo ao convite de João, então já lançado em altos voos no Rio de Janeiro.
 Dos seus primeiros anos, não há episódios que tenha transmitido à descendência. Pela ligação que cultivou, muito para além do círculo familiar, com amigos de infância e com a terra, a sua atualidade e progresso, ou falta dele, é a imagem daquele género de emigrante, que, como dizia Jaime Cortesão, leva a Pátria consigo. Cruzava, com regularidade, o Atlântico, para vir passar férias em São Cosme. É por recortes de jornal, não por relatos orais, que tomámos conhecimento de que não faltava na época da caça - desporto que, aparentemente, o entusiasmava mais em Gondomar do que no Rio, certamente porque ali tinha os melhores companheiros para caçadas e convívios. Muito  provavelmente, misturava prazer e trabalho, pois manteriam negócios de exportação/importação com o irmão Augusto, o joalheiro, no Porto (nenhum deles começou como artífice, eram todos empresários, que conheciam bem o meio, sendo de terra de ourives e afins...).
Terá começado tão rápida ascensão empresarial, provavelmente na joalharia de João, com quem aprendeu os segredos de a bem gerir. A diferença de idades era substancial, a relação foi, decerto, mais do que fraterna, quase paternal/filial. Não se sabe se terá sido sócio do irmão, mas com pouco mais de 20 anos, já tinha o seu prórprio estabelecimento, e aos 28, na altura em que se terá enamorado da futura mulher, era um homem  extremamente rico. Onde e quando se iniciou o romance?
 Por uma pequena nota na coluna social de um periódico gondomarense apercebemo-nos da sua presença no jantar de formatura em Direito do futuro cunhado José Barboza Ramos. A notícia comprova que nesse ano (1908?) já era figura grada na vila, pois é um dos poucos nomes em destaque, na festa que reuniu a família e numerosos amigos do homenageado. Aí se menciona ainda que ele e José tinham sido colegas de estudos. Este dado tanto nos permite aventar um anterior convivido com a pequena Maria, dez anos mais nova, (contas feitas, menina de 6 anos quando ele emigrou...), como, pelo contrário, imaginar que a tivesse encontrado nesse jantar convivial, onde  terá brilhado pelo seu invariável bom humor e cordialidade e, assim, chamado a atenção da formosa irmã do novo doutor e sido, ele próprio, atraído pela sua graça e desenvoltura de rapariga moderna e chique. ,
Suposições, apenas. Maria Aguiar teria respondido, mas a pergunta não lhe foi feita. Gostava de falar do passado, conversas longas de que se perdeu a riqueza de infinitos pormenores deixando impressões vagas de de ambientes, situações, pessoas.... Do período inicial de namoro, uma pequena confidência indicia que ele era, então, o mais apaixonado. Na primeira despedida, depois de ficarem noivos, ficou e vê-la afastar-se, desolado pela separação de tantos meses em perspetiva, e ela foi em frente, rindo ao lado de Rozaura. Por um gesto de ombros, António Carlos julgou que ela chorava e apressou-se a  segui-la, para a consolar, prolongando ou reiniciando a despedida (gesto em que os portugueses de todos os tempos são useiros). Não a viu em lágrimas, que não havia para ver, e a surpreendida Maria terá  discretamente atenuado os sinais de boa disposição. Contava o episódio com aquele riso brando e ligeiramente irónico dos Barboza, rino de si própria, menina e moça...Não tinha, decerto, aos 20 anos, muita pressa de subir ao altar, sabendo que se seguia uma separação da família inteira do outro lado do mar, ainda que  junto a um homem dedicado e generoso, que lhe oferecia uma vida na alta sociedade da mais maravilhosa cidade do mundo  e todas as viagens que quisesse para  reencontros de férias na terra-mãe.  Achava-o amável e divertido, para além  de bonito, com as suas feições perfeitas e sorriso fácil nos olhos muito claros, muito grandes, verdes, os mais fascinantes que jamais vira. Alguns filhos e netos herda-los-iam, contudo sempre um pouco àquem dos dele.." Os olhos são o espelha da alma", dizia muitas vezes. Também a impressionava o seu caráter, que a levava, e bem como o futuro provou, a acreditar no que lhe prometia, e a sua cultura, ou "ilustração", palavra que usava mais, Todavia, o grande amor veio depois, em crescendo, num convívio, em que até os momentos piores, como a morte de Augustinho, (o quinto filho, que não resistiu a uma pneumonia aos oito meses) serviu sempre  para unir, Discordâncias pequenas também as houve, mas em conversas em que não se  alterava o tom de voz. Era um homem calmo e cordato, dentro e fora de casa. Com a mulher, o desagrado manifestava-se, geralmente, em silêncio, numa expressão mais fechada, ou indiretamente, em mensagens subtis, a avaliar por um dos casos mais curiosos, confidenciada pela (já então) Avó Maria à neta favorita, (que era eu...), no meio de sorrisos, entre trocistas e melancólicos, a revelar, passado tanto tempo, uma notória falta de arrependimento... Acabava de chegar ao Rio a moda dos cabelos curtos, a acompanhar a altura dos vestidos, e Maria, já senhora de quase trinta anos, sentiu-se tentada a cumprir a moda, cortou os seus longos e grossos cabelos castanhos, muito curtos, com uma franjinha a cobrir a testa alta. Passou, de seguida, por um atelier de fotografia, a tirar um retrato, muito bem vestida, de fato escuro, flor ao peito, raposas cruzadas no regaço, anéis de brilhantes nos dedos, sem mais jóias ostensivas, apenas um um broche a fechar o vestido rente ao pescoço. Encomendou uma dúzia de exemplares e partiu, satisfeita, para mansão de Santa Teresa. O marido não se mostrou deslumbrado pela modernidade do visual, não fez grandes comentários. Algum tempo depois, já Maria recolhera as fotos encomendadas, já as enviara por cartas para a família de Gondomar, quando foi preparar malas para mais uma viagem e encontrou, na mala do marido, um pacote com doze, precisamente doze, fotografias dele, alardeando um ar bastante crispado. Era a resposta aos seus doze retratos, de cabeleira drasticamente reduzida por tesoura de mestre. E a expressão que António exibia naquelas imagens, era, evidentemente, a que não tinha querido revelar face a face, no dia em que terá sofrido desgosto grande...Como as fotos não eram assim tão más, não as deitou fora e ainda existem, até em álbuns de família. 
No Rio, correu célere uma década feliz, depois do casamento, celebrado na Igreja de São Cosme, em 10 de setembro de 1910.. O casamento fora festa íntima, ao que informa uma pequena notícia da imprensa local, que volta a evidenciar a proximidade mantida por António com a gente e a terra, (como se nem residisse num longínquo país das Américas, a sua condição de expatriado não é mencionada...), assim como o estatuto da família da noiva, medido pelos cargos dos  parentes masculinos
 A notícia, de 12 de setembro, tem por t título "Consórcio" : "Realizou-se no sábado passado na egreja paroquial d' esta villa o enlace matrimonial do nosso presado amigo e conterraneo Sr António Aguiar com a Srª D Maria da Conceição Barbosa Ramos, gentil filha do estimado notário local Sr Joaquim Mendes Barbosa e irmã dos nossos amigos Srs António, Alberto e Américo, abbade de Gondalães e dos Srs Alexandre Mendes Barbosa, digno secretário da Administração, e Dr José Barbosa Ramos, novel advogado e diretor de "O Progresso de Gondomar".
Lançou a benção o irmão da noiva, rev abade de Gondalães, Américo Barbosa. A cerimónia revestiu caráter íntimo, assistindo pessoas de família dos dois simpáticos nubentes, .Aos cônjuges, dotados dos mais preclaros dotes de espírito e primorosa educação, desejamos um futuro ridentíssimo". O recorte não permite identificar o periódico -  certo é que não se trata de "O Progresso", que referiria a noiva como irmã do diretor.."O Progresso" obviamente também noticiou,talvez mais destacadamente, mas não se achou vestígio dele
Porquê um festa íntima? E porque não há fotografias da cerimónia? Haveria luto ainda recente numa das famílias? É uma hipótese...
 O retrato oficial foi tirado no Porto, dias mais tarde, em estúdio, e até se conhecem vicissitudes do transporte dos trajes nupciais, ao cuidado de uma criada bastante inepta... O fraque do noivo chegou ligeiramente amachucado e ele, exigentíssimo com pormenores, ficou, coisa rara, zangado (ignora-se se a criada terá conseguido arrepiar caminho para continuar ao serviço, duradouramente). Enfim, foi preciso arranjar um ferro de engomar e dar o toque necessário à perfeição. Logo depois,, novo motivo de irritação. Maria Aguiar era muito alta, mais do que o marido e o artista fotógrafo sugeriu que ele subisse a um banquinho disfarçado nas dobras do vestido nupcial. Sugestão recebida pelo noivo, com indignação. Tanta, que nem ele, nem ela, conseguiriam recuperar o sorriso, como, a rir-se, contaria meio século mais tarde.. E, assim, a imagem não espelha a autêntica alegria daquele sábado,10 de setembro, data em que, décadas decorridas, haveriam de nascer, um neto e uma bisneta..
A lua de mel, começada no norte, continuou em Lisboa, onde passaram alguns dias num excelente hotel, o Franqueforte do Rossio (há muito desaparecido), e, depois, durante a travessia do oceano, rumo ao Brasil, em paquete de luxo. Nos primeiros dias, ondas alterosas retiveram a maioria dos passageiros nas cabines. Ambos "bons marinheiros", resistentes à intempérie, Maria e António foram companhia constante na mesa do comandante, com quem fizeram amizade.. 
Foi, porém, uma lua de mel por alguns históricos momentos, agitada, porque coincidiu, na capital do Reino de Portugal, com os últimos dias da Monarquia e os primeiros da República.. Em Lisboa, no Frankforte do Rossio (cerca do edifício da posteriormente famosa pastelaria Suiça), estavam, precisamente, a 5 de outubro. Uma bala atravessou a janela do quarto, sem lhes causar dano, para além do susto (bala guardada como macabro troféu, por um casal de monárquicos, que muitos dos netos ainda tiveram na mão...). Infelizmente, o cozinheiro do hotel foi atingido e morreu. Que ambiente para dois monárquicos deixarem o país, na incerteza do destino da revolução indesejada e temendo pela sorte de todos os que ficavam, numa família dividida entre os dois lados da contenda, que de Lisboa  chegaria o norte. Os postais e as cartas sucediam-se, mas as noticias eram sempre apenas de dias passados....
A primeira morada no Rio era no centro, na Rua 7 de Setembro, próxima da Joalharia Aguiar, no nº 3 da Rua do Ouvidor. A rua elegante, onde Maria, Judith e as amigas fariam, compras e tomariam o  chá da tarde, e, à noite, jantavam. muitas vezes, jantariam com os maridos em restaurantes cosmopolitas, onde reencontravam os sabores dos trópicos e da Europa..António Carlos relacionava-se com a mesma facilidade com portugueses, brasileiros, italianos. Italianos, sem dúvida, era o sócio perpétuo nº 3579 da "Crosse Rossa" ("avendo elargito a benefício dell' Associazione la somma de Lire cento"  - Roma, 4 li maggio de 1917)
No Rio de Janeiro viveriam, assim durante uma década muito feliz, entre a cidade e a montanha, e com muitas travessias do oceano, só interrompidas em alguns períodos da grande guerra, quando o risco de ataque inimigo se tornou real. Sobre o marido, traçava o retrato de um homem bom, sociável, e permanentemente bem disposto, que a adorava e adorava a sua numerosa família, 8 filhos em 16 anos de casamento... e mais teriam sido se não tivesse morrido, quando ela ia nos 36 anos e a última filha nos 3 meses. Quem sabe, longe dos 15 do casal Aguiar Pereira? ... Impensável, hoje, mas, então, a  vida era outra. Não faltavam criadas para o serviço e "babás" para os meninos, que viajavam sempre com eles na 1ª classe dos navios. Os meninos eram terríveis, corriam pelo convés e conseguiam atirar à água tudo o que estivesse à mão, como as almofadas das cadeiras...
 Os Aguiar ricos são assim -  não hesitam em gastar largamente o dinheiro bem ganho. Em casas esplêndidas (como a casa do Tio João, da Rua de Payssandú, a da Gandra, herdada dos pais e remodelada e remobilada  luxuosamente pelo Tio Augusto, a Villa Maria dos Barbosa Aguiar, ou, na geração seguinte, as de alguns dos Aguiar Saraiva, na Foz do Porto ou na Lapa, em Lisboa). Investiam, gostosamente, em conforto no dia a dia, em roupas, em viagens, em festas. Eram generosos com os empregados e solidários com os familiares menos afortunados, e, alguns, dados a causas e a beneficência. António, por exemplo. à cunhada Rozaura, agradecia a infinita paciência com que, tantas vezes, se encarregava de entreter e controlar os seus irrequietos filhos, oferecendo jóias valiosas, anéis e brincos de safiras e diamantes.
Contudo, daquelas descrições da mãe e avó para a filhos e netos (sobretudo a netas), construímos mais um estereótipo do que o homem real  - o do emigrante de "torna viagem", com fortuna rápida e honesta, refinado e cosmopolita. Nas vindas a Portugal, aproveitava para viajar pela Europa e, talvez, também pelo médio Oriente, onde terá comprado a carpete persa do pavão azul, que se conservou no centro da sala de visitas, com os passos de várias gerações de descendentes a dar-lhe "patine".
É em pequenos pormenores que vamos conseguindo vislumbrar a pessoa, com os gostos e os hábitos adquiridos em outras paragens, sob céu com outras estrelas - como tomar diariamente duches frios ou  nadar pela manhã num tanque com dimensão de piscina, em água gelada. e tomar, de seguida, invariavelmente  um pequeno almoço de frutas variadas. E excentricidades, uma das quais, engraçada e inofensiva, era quebrar a loiça nas romarias de Gondomar. Uma mania, que se tornou conhecida e muito popular entre feirantes. Logo que  o avistavam, as vendedoras de cântaros e vasos, desatavam numa  gritaria: "Senhor Aguiar, venha aqui partir a minha louça!".(em São Cosme não se dizia "loiça"). E ele lá ia, varrer com vigorosas bengaladas, uma das tendas, pagando principescamente, os estragos. Restam ainda muitas das bengalas de castão de prata ou ouro, com que executava o ato.



























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