terça-feira, 10 de dezembro de 2019

OS SETE com fotos

OS SETE (com fotos)
CAROLINA ROSA
Os nomes não foram escolhidos ao acaso ou na procura de uma conjugação particularmente harmoniosa, mas por serem os das avós, materna e paterna.
 Brasileira de naturalidade, nascida no centro histórico do Rio de Janeiro, Rua 7 de Setembro, em fevereiro de 1912, perdeu oito anos depois, no regresso definitivo a Gondomar, o bonito sotaque carioca, aprendido no colégio, sem perder nunca o afeto nostálgico pela Pátria grande. 
Criança de uma beleza delicada, pele muito branca, cabelo escuro e olhos imensos, sonhadora e alegre, via-se como a "morgada", com direitos de primogenitura no coração do "Papá". Sabia que ele nunca lhe dizia "não", quando os seus belos olhos verdes, parecidos com os dele, se enchiam de lágrimas.
Em São Cosme não havia externato, perto de casa como no Rio, e, terminado o ciclo primário, para continuar estudos, a solução achada foi um colégio no Porto, que já não se sabe qual foi, mas só podia ser excelente, porque o pai, em tudo, escolhia sempre o que houvesse de melhor, mas onde não ficou por muitos anos.. Com queixas e lamentos conseguiu, por fim, que o Papá a retirasse de lá. Enviava cartas pungentes, pintando o ambiente de um seleto internato, com as cores do inferno, ou de um campo de concentração juvenil. Saiu, a tempo de, gozar, por uns meses. do seu convívio quotidiano, ao ritmo de vida livre e movimentado da Vila Maria, onde novo bébé era esperado. Recebia lições de piano, lia os bons autores e dedicava-se a enfeitar os altares da Igreja e a obras pias, no que foi, afinal, a precursora da própria mãe, então mais ocupada em tarefas familiares e sociais. .
 Para além da prosa delirantemente excessiva, dirigida ao pai (deduz-se que na abertura materna aos seus pedidos de regresso a casa não confiava, de todo), terá escrito sobre o seu desaparecimento? Talvez sim, poemas, à semelhança do irmão António. Só os dele chegaram até nós, único testemunho de época, surpreendentemente realista na descrição de um quotidiano sofrido, que só o tempo foi, de algum modo, suavizando. Porém, as marcas profundas ficaram, fazendo a diferença no percurso de cada um, e mais ainda no de Carolina, que nunca se  nunca se recomporia inteiramente do abalo. Ficou-lhe um sentido trágico da vida, do amor e da morte, um gosto pelo excesso, visível nos seus sonetos românticos, inspirados um Florbela, mestre espiritual de todas as jovens poetisas daquela geração. Os versos perderam-se quase todos, quando os seus livros, onde tinha por hábito deixá-los escritos numa folha onde houvesse espaço em branco, foram , todos, deitados ao lixo, como causa suposta do desequilíbrio emocional e depressão, que os médicos lhe diagnosticavam. Gesto anacrónico, bárbaro, que custa a crer ter sido perpetrado pelo um irmão, o quase médico, o mais próximo em idade e, também, sempre, no relacionamento relacionamento, em parceria com o marido. Restam dois sonetos, salvos pela Mariazinha, talvez copiados da pagina de um dos romances que, muitas vezes, lhe emprestava, e conservados numa gaveta pela habitual guardiã dos tesouros afetivos da familia, (que só não soube conservar os seus,poemas segundo ela, tão bons que até os confundia com os autenticamente saídos da pena de Espanca ...). E, assim, bastante mais abundantes são as epístolas da colegial Carolina, tão  cómicas, roçando pelo seu tom desmesurado, a caricatura, num português infantil e rudimentar, do que as inspiradas composições poéticas da idade madura.. 
O seu sentimento de orfandade também a levou, ao reforço da prática religiosa, Era a única a acompanhar a mãe em ações de voluntariado. Durante a guerra foi enfermeira da Cruz Vermelha, com diploma oficial e louvores obtidos, de que há notícia em jornais portuenses. Sabe-se que, mais tarde, chegava a vender jóias suas para ajudar gente dos bairros pobres do Porto e Gondomar... Excessivamente caritativa, até pelos elevados padrões maternos... Chegou a pensar na vida conventual, que a Mãe, curiosamente, não encorajou, pelo contrário, tratou de a casar, com 17 ou 18 anos, com um jovem muito católico, solista do coro da Igreja de Gondomar, dono de uma voz assombrosa e de muito boa figura. - Serafim Caetano Pereira - sendo que o Pereira não é o mesmo da família da Gandra. Parentesco não havia. Perfeita sintonia também não houve pela vida fora, embora ele a admirasse e apreciasse uma súbita e inesperada tendência para trajar, luxuosamente, vestidos  e capelines vistosos, seguindo o último figurino. Não havia na vila de Gondomar senhora que pudesse rivalizar com ela. Serafim, politicamente conservador e militante monárquico, sentia-se bem ao lado de uma figura aristocrática, sabendo que formava um belo casal. 
Só mais tarde, já os dois filhos eram jovens, na casa dos vinte anos, haveria de descurar, excessivamente, a aparência, e os 11 netos jamais a puderam ver ou imaginar como foi no seu tempo de feliz anfitriã e patrona de boas causas. As festas que dava eram famosas, animadas pela seu entusiasmo juvenil, tocando piano ou cantando com uma bela voz. A presença de padres, seminaristas, gente da igreja foi engrossando, os lanches tornaram-se cada vez mais populares, e, contudo, não resistiram a críticas veladas, mexericos de terra pequena. Serafim, que sempre vira com bons olhos a franca hospitalidade da sua sala de visitas, acabou por ser sensível ao falatório, foi fazendo pressão para pôr termo às benignas tertúlias  já enraízadas na agenda dos convivas  e, em breve, para Carolina, os dias de risos, música e boa mesa e companhia se foram volvendo em rotina solitária, O fim das festas foi o início de uma época negra, agitada por crises de neurastenia.O escape  passou a ser o aumento da frequência das idas ao Porto, ora para cuidar dos seus pobres, ora, apenas, para lanchar na Ateneia, por vezes com a Mariazinha, um hábito que já tinha muitos anos, desde os tempos em que a irmã deixara o colégio, e não fora interrompido pelo seu casamento com o João. Ambas eram leitoras fiéis da romancista portuense Aurora Jardim, uma mulher lindíssima, sempre impecavelmente vestida, com quem se cruzavam, de vez em quando, na pastelaria, sem terem jamais ousado dirigir-lhe a palavra, coisa que as boas maneiras não autorizavam










MANUEL JOAQUIM

O primeiro dos rapazes recebeu, também o nome dos avós, Manuel (ramo Aguiar) e Joaquim (ramo Barboza). Era loiríssimo, com olhos de um azul muito claro, e o mais irrequieto dos sete, o mais criativo, para o melhor, lado que felizmente se foi acentuando à medida que crescia, e para o pior, na infância e na adolescência prolongada. Um líder, um chefe de tribo, orador inspirado e convincente, imaginativo artífice de partidas medonhas, que executava ou mandava executar com infalível eficiência. De facto, a sua lenda negra não ficava muito aquém da realidade. e, assim, naturalmente, tudo o que de insólito acontecia já na escola primária era atribuído aos Aguiar. A cidadã exemplar, que, não obstante. era a mãe dos pequenos malfeitores, passava pelo suplício de reconhecer agravos,  indemnizar eventuais vítimas e castigar, severamente, os infratores. Incorrigíveis, qualquer que fosse a natureza, muito variável, dos desatinos - urinar nos tinteiros, ou, pior ainda, defecar nos trombones da banda de música, partir com fisgas os vidros da vizinhança (modalidade em que brilhava o aparentemente pacato António Maria, um campeão de pontaria), explodir laboratórios de química, (a mais catastrófica  experiência do José, recordista absoluto de expulsões do colégio).


Manuel Aguiar conseguia compatibilizar estas atividades marginais com outras mais do agrado de sua mãe - a poesia, o teatro amador e, sobretudo, um impecável curriculum académico, desde a primeira classe ao último ano do curso de medicina, quase completado na Universidade de Coimbra.
Como dramaturgo a sua obra, mais representada e celebrada foi uma comédia musical, ou, segundo o cartaz "revista humorística  de usos e costumes regionais"  intitulada "O Nabo" - uma co-autoria com os colegas Abílio Brochado, Mário de Castro e Bismark de Melo, e música de Damião de Almeida e Domingos Monteiro. Estrondoso sucesso, comemorado 24 depois, num  grande almoço, que reuniu, no Monte Crasto, a relembrar, nostalgicamente, a brilhante geração académica de 1933. Ausentes Bismark de Melo e José de Aguiar (um dos atores de "O Nabo" e então já emigrado nas Américas) mandaram mensagens. Já formados, professores, juízes. A Manuel ainda faltava o Dr. O cursos que viria a levar a bom termo, política social e ciências afins, seriam concluídos bastante mais tarde, quando era um especialista nos domínios da previdência ou segurança social. Na década de 30. desistira da formatura no último ano para casar com a paixão da sua vida, uma conterrânea, rapariga de forte personalidade, inteligente e bonita. Perfeita, escolha, mas, aparentemente, não haveria necessidade de tanta pressa. Muitos filhos bonitos - sete. Dois deles seriam os últimos  a morrer  de tuberculose. Ao  menino que se chamava António dedicou na lápide de mármore do jazigo, uma quadra que me ficou sempre na memória, porque é afinal a história da passagem de gerações pela vida 
"Dorme, filho. Em tua graça
Uma virtude consigo
No breve instante que passa
Eu irei dormir contigo" 
A pequena Margarida, de olhos tão azuis como os seus, é recordada numa outra quadra singela, que fala da cor dos céus. Margarida Clara, se chamou a irmã nascida logo depois (todas as filhas eram Claras, como o mãe, uma também de olhos muito azuis, a Manuela Clara

Durante a vida, que o levou para outros terrenos, a sua vocação de médico perdurou - era consultado pela família próxima em caso de doença e mantinha as amizades de quantos médicos famosos do Porto tinham sido colegas em Coimbra, que tratavam os irmãos e os sobrinhos completamente de graça numa gama infinita de especialidades... De Coimbra ficou. também a paixão futebolística pela Académica. Era uma dor de cabeça constante para os portistas da família,  em que ele era a única exceção


























ANTÓNIO MARIA
Foi buscar os nomes aos Pais António e  Maria. O mais parecido com o Pai, um menino moreno, de grandes olhos verdes e serenos.
Era aparentemente menino exemplar, pacato, de falar pausado, não muito menos irónico do que os que falavam mais alto, capaz de se acantonar rezar o terço, virtuosamente, enquanto os irmãos se batiam à sua volta, impressionando a Mamã, que o olhava como um pequeno santo em crescimento  e grande capacidade de observação. Qualidades que o tornavam o grande favorito da mamã, embora, na verdade, não fosse rapaz acima de toda a suspeita. Distinguia-se dos manos nos meios do que nos fins - na prática continuada de ilícitos e contravenções próprias da idade. De uma coisa, pelo menos, era invariavelmente o principal responsável; no apedrejamento repetido dos vidros da vizinhança. Era o tal que, de fisga na mão, não falhava o objetivo. Um campeão da pontaria. O pai pagava a faturas  em dobro, para aplacar a vizinhança (ou porque gostava de pagar tudo fartamente) e castigava-o, tal como aos manos, sem condescendência.. Não foi por falta de punição que  não tiveram emenda - eram mesmo resistentes...Nas meninas, o pai nunca  tocou, como dizia o ditado, "nem com uma flor". Ficavam, para o efeito, nas mãos da mãe, nesses tampos remansosos de casada, ainda muito"passa-culpas".
António Maria depressa de converteu num bonito rapaz, muito dado à poesia e ao romance (na literatura como na vida quotidiana). Terminado o liceu, sem mácula de expulsões no "curriculum", não quis continuar e, talvez por conselho ou influência do tio Alexandre entrou na função pública e, durante décadas correu o continente e ilhas (a bela Ilha da Madeira) como tesoureiro da Fazenda Pública. Em Santo Tirso se apaixonou pela futura mulher, uma lindíssima rapariga de fulgurantes olhos verdes, Maria Antónia Godinho do Amaral, sobrinha dos donos da pensão familiar, onde aí morava, que lhe asseguraria uma descendência de rara beleza, três raparigas, e um rapaz parecido com ele. Em Gondomar terminou, como desejava, a sua carreira. Aposentou-se cedo, dedicou-se aos negócio e enriqueceu. Foi o único!  Sempre amável, bem humorado, fleumático, muito chique nos seus fatos completos, que não dispensavam o colete, chapéu na cabeça e sapatos italianos (dir-se-ia sempre os mesmos, coisa que se explica, porque quando gostava de um modelo, comprava logo, pelo menos, dois ou três pares iguais). No dia do seu funeral, a dona da pastelaria que frequentava todos os dias, dizia, melancolicamente: "morreu o último verdadeiro senhor de Gondomar". Tinha mais de 80 anos, e mantinha o seu ar não só jovial, mas verdadeiramente jovem, o seu humor subtil, o seu belo sorriso, que podia ser benignamente trocista de uma forma muito subtil.
Testemunho da filha Madalena Maria


O meu pai, António Maria Barbosa Aguiar, nasceu às 13h do dia 15 de janeiro de 1915, na casa dos avós maternos Joaquim e Carolina, em S. Cosme - Gondomar. Foi batizado com os nomes do pai e da mãe e foram padrinhos o seu tio paterno Augusto Pereira Aguiar e a sua tia materna Rozaura Mendes Barbosa. Foi o  terceiro filho de seus pais, que tiveram oito, quatro dos quais nasceram no Rio de Janeiro
Em pequeno era chamado de Tintinho e diz-se que era muito sossegado, tranquilo, paciente. Tão paciente que sempre que os colares da irmã  Giginha se emaranhavam ela corria a pedir-lhe ajuda.
Poucos meses depois de fazer 11 anos assistiu à morte repentina do pai, o que afectou toda a família. Os três rapazes da família  viraram uma dor de cabeça constante para a mãe e para os tios maternos Alexandre e Rozaura que nunca desistiram de os educar e de lhes indicar um emprego com futuro.
Foi para a função pública, para Tesoureiro da Fazenda Pública. À época era função de prestígio e o salário era bom. Andou por S. João da Madeira, Mangualde, Funchal e Sto Tirso onde encontrou a mulher com quem se casou, Maria Antónia  Godinho do Amaral. Também ela orfã de pai, vivia com os avós maternos e com três tias solteironas.
Para poder progredir na carreira foi  para Reguengos de Monsaraz em 20 de maio de 1943 onde arranjou alojamento. Ele com 28 anos e ela com 22 casaram em 28 de agosto de 1943 no santuário  de Nossa Senhora da Assunção, em Sto Tirso. Foram para Reguengos, mas era muito longe, para lá chegar era preciso ais dum dia. Então em 28 de dezembro de 1944  vieram para Paços de Ferreira, onde nasceu a primeira filha, Inês Maria, em 30 de julho de 1945 e que faleceu em  S. Cosme Gondomar em 15 de maio de 1989. Mudaram-se para Castro Daire em 5 de setembro de 1949,  onde ficaram até julho de 1955. De lá vieram nascer ao Porto, no hospital  da Ordem Terceira da Santissima Trindade , os filhos Madalena Maria em 16 de junho de 1951, Antonio Alexandre em 31 de março de 1953 e que faleceu em 25 de outubro de 2017 e Maria da Conceição  em 24 de agosto de 1954. Em julho de 1955, então  já com os quatro filhos mudaram-se para Fafe. O sonho dele era voltar à sua terra natal. E conseguiu-o, em 6 de dezembro de 1966, onde ficou até se aposentar em 1978.
O meu pai era um homem muito inteligente, com extraordinário dote para os negócios,  muito honesto e com um sentido de humor fóra de série.
A minha mãe diria que os defeitos dele seriam ser um homem que vivia para trabalhar e gostar de ter amantes.



Notas: 1- eu apesar de ter nascido no Porto, fui registada em Castro Daire. O conservador, já velhinho era amigo do meu pai e registou-me como Madalena Maria do Amaral Barbosa D'Aguiar. Portanto o meu apelido é tal como o dos nossos antepassados. 
2 - o nosso avô não  teve nenhum filho nem neto com o seu nome. Mas com muito orgulho, eu dei o seu nome ao meu primogénito, seu bisneto













































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JOSÉ AUGUSTO


JOSÉ AUGUSTO
Depois de contemplados avós e pais, chegou a vez dos tios:José (Barboza Ramos)  e Augusto (Aguiar) legarem o nome a mais um filho brasileiro, um rapaz vivaço, moreno, de enormes e incisivos olhos esverdeados, mais franzino do que os irmãos, e cedo deixando antever que seria o mais excêntrico dos excêntricos, talvez o mais inteligente, mas, sem dúvida, o mais genuinamente radical, o indomável... Em criança, muito gabarola, faceta amenizada, mas nunca totalmente perdida, numa tendência para exagerar as crónicas - ou não, porque algumas por inverosímeis que fossem, correspondiam à realidade. Era um revolucionário nato, laico e republicano (na voz do povo "foram as bençãos do padrinho", José Barboza, o famoso polemista, advogado, deputado e, por fim, magistrado e juiz conselheiro), Já o chamámos um "santo laico", porque não havia alma mais genuinamente cristã do que a sua. Já aos 14 ou 15 anos dava aos amigos pobres a sua melhor roupa, para horror da cristianíssima mãe. Memorável, o caso da doação de um sobretudo, bom e caro,  comprado por ela e que ele nunca usava A mamã quis saber porquê. Resposta pronta: "Dei-o a um amigo, que não tinha nenhuml"
 - Está bem, mas porque não lhe deste sobretudo velho?"
 - Mas porque havia de lhe deixar o velho? Em que é que eu sou mais do que ele?"


Assim foi sempre pela vida fora. Enquanto a irmã Carolina cuidava dos pobres do Barredo, ele convivia, mais perto, com os do Vinhal, Os irmãos troçavas, chamavam-lhe "o rei do Vinhal", onde era, de facto muito popular. O seu feito maior foi ter organizado, aí, cursos de explicações" gratuitos, onde ele se improvisou em mestre principal, com a ajuda de vários voluntários, arrastados pelo seu entusiasmo.  Ao que dizem, berrava imenso com os colegas/discípulos, quando não acertavam nas soluções, mas teve sucesso, os seus  alunos passaram todos. Ele, porém, chumbou. Sabe-se lá porquê.   Não terá ficado muito abalado, nunca perseguia nem fortuna nem reconhecimento. Foi sempre um despreocupado boémio, para grande preocupação da mãe. Muitas namoradas, nenhum casamento. A certa altura, decidiu partir para longe, tornar-se o único emigrante da sua geração, primeiro no Rio de Janeiro, depois, com as facilidades de um passaporte brasileiro, em Nova York.  Converteu.se no nosso fabuloso "tio das Américas", sempre feliz por nos acolher num pequeno, e muito bem situado 44º andar, com vista para o Hudson, a poucos minutos dos teatros da Broadway. Cada vez mais excêntrico, com o seu círculo de amigos predominantemente judeus, brasileiros e chineses. Podia ter feito fortuna, coisa para que, definitivamente, não tinha vocação, como "diamond setter" e "designer." de apreciado talento, Fazia, simplesmente dinheiro, que distribuía, generosamente. Um alegre e exuberante "santo laico



















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AUGUSTO
O José Augusto era afilhado do tio José. Chegara a vez do Tio Augusto ser o padrinho, e, assim, levou igualmente o seu nome, o quinto filho, mais um natural do Rio. De todos, o mais bonito, o mais doce e sorridente. Morreu, com menos de um ano,  nos braços da mãe, fechando os imensos olhos azuis e dizendo a palavra "mamã". De pneumonia...Ela nunca deixou que o esquecessem. Contou a sua breve história, de geração em geração. Ficou na memória, no seu retrato lindo de eterno bébé.




MARIA ANTÓNIA


MARIA ANTÓNIA  














Concebida no Brasil, nascida em São Cosme, a menina que tinha um olho de cada cor, um azul e um verde, parecença física com a avó Carolina -  que, na velhice se acentuou, assim como o feitio imperial - e cujo nome voltava a homenagear mãe e pai, no feminino. Impulsiva, aérea, divertida, dotada para a música, as letras e as artes dramáticas, dons que, devidamente aproveitados,como modo de vida em palcos de teatro, a teriam feito mais feliz do que a vida doméstica. Desde criança, manifestou relutância em entrar na divisão grande da casa, chamada "cozinha", de bom grado frequentada pelas manas, que se tornaram muito prendadas no capítulo da culinária, cujos segredos aprendiam com a cozinheira de serviço,  sempre excelente, qualquer que fosse o nome e a idade. Quando, após muito penar no Colégio da Esperança e de muito namorar, casos múltiplos, às vezes simultâneos, ligeiros e breves, casou com o disputado viúvo e poeta de Avintes, não sabia nem sequer fazer um chá. Foi ele que, tendo-se ela sentido mal, durante a primeira gravidez, na casa de Espinho, teve de se encarregar da sua preparação...
Indomável, à maneira do irmão Zé, como ele generosa e completamente descuidada em matéria de dinheiro, deixando o poupado e sensato marido, em demanda difícil e constante do equilíbrio das finanças conjugais. Ao contrário do irmão, um "hippie" (cada vez mais, depois da meia idade) no trajar, vestia-se bem, com um gosto requintado  na escolha de modelos e de cores, como quem compõe uma obra de arte, um retrato para a posteridade. Sempre manteve essa mestria na combinação de cambiantes, ao longo dos quase 99 anos de vida. Linha Chanel, nos sapatos e saias e casacos, sem pôr de lado os italianos. Perfumes e cremes La Prairie (um problema quando, não os cremes, mas os perfume da marca  quase desapareceram do mercado) Cuidada e chique, em toda a paleta de cores, com uma predileção pelo amarelo. Para o casamento de um afilhado gastou de 600 contos num conjunto de vestido e casaco, vistosamente amarelo. liso e solar
Duas filhas, Maria Manuela (esteve para ser Maria João ou Maria Manuel) e Maria Madalena, como a tia materna, nessa altura gravemente doente e que teve, por isso, teve direito a perpetuar nome


GLÓRIA DOROTEIA

A primeira menina da fase pós-brasileira, era uma beleza muito morena, de expressivos olhos garços - definitivamente "olhos de Aguiar", que conserva, com o brilho da juventude aos 97 anos. Ousada nas decisões e nos impulsos, que comandaram o seu percurso, era boa cavaleira e nadadora, sem grande paciência para lições de piano. No campo musical, compensava a omissão com uma voz maravilhosa. A mamã, nas festas obrigava-a cantar, invariavelmente, a "Avé Maria" de Gounod, embora preferisse fados ou cançonetas em espanhol, a condizer com a transformação do batismal Glória  Doroteia, de uma pompa antiga, no "saleroso" Lola ou Lolita pelo qual sempre foi conhecida, socialmente. Uma paixão duradoura dos 15 aos 40 pelo Eduardo, colega dos irmãos mais velhos, ou seja, uns dez anos mais velho do que ela. De muito boas famílias, o pai era, como notário de Gomdomar, o sucessor direto do avô Mendes Barboza, a mãe a herdeira da "Casa da Torre", em Rio Tinto, um solar, com graciosa capela e santos seiscentistas, que, na tradição gótica dos castelos ingleses, até tinha fantasma residente, um "ghost", benigno.  Não foi, como seria de esperar, um namoro pacífico, mas, bem pelo contrário, tenazmente combatido pela mamã. Faltava ao jovem, em absoluto, o pendor ou a prática religiosa, tinha fama e proveito como boémio e cabulão (formou-se, na verdade,  depois dos trinta anos). um notável desportista, fazia furor em natação e desportos náuticos, passava horas Douro acima e abaixo num barco seu, que partilhava com os amigos, O namoro, cheio de peripécias, de obstáculos e cumplicidades dava, só por si, um romance de costumes portugueses do final dos anos 30 e o casamento, também. O engenheiro de minas Eduardo´Fonseca andou de terra em terra, pelo Portugal mais profundo e mais desconhecido, no extremo norte interior ao Alentejo, sempre com a lolita ao lado, pronta para todas as aventuras e com os meninos, três, um primogénito,  Ernesto António (nomes dos avós paterno e materno - as tradições são para manter - que foi batizado na capela na Casa da Torre e duas meninas Maria Eduarda e Maria Alexandra (tributo ao querido tio Alexandre Barboza), O roteiro só terminaria em minas angolanas, em zona de guerra aberta, nos anos 70, nessa altura já a Lolita não o acompanhava, o divórcio acontecera na década anterior e ela estava em vias de casar novamente - com um segundo engenheiro do mesmo ramo, Gustavo Costa Pereira, mais sedentário, todavia, estacionado em Lisboa, à frente de uma empresa mineira












MARIA MADALENA
Enfim, uma Aguiar suave, tranquila, eminentemente sensata. Viria a ser, sem ter tido filhos - um desgosto para o casal harmonioso que formou por meio século com David de Almeida Ribeiro - a autêntica matriarca da família, rodeada da admiração de sucessivas gerações de sobrinhos, que nela viam uma super avó.  Partilhando os genes com os irmãos, pode dizer-se que a Leninha não partilhou o ambiente em que cresceu. Com três meses na data da morte do pai, talvez a precária saúde da mãe, nos meses de depressão e desespero que se seguiram, tenha sido a principal razão para ficar entregue aos cuidados dos tios Hermínia e Alexandre. Tudo foi facilitado pela geografia das moradas, que eram tão próximas que das janelas de uma se podia falar ou acenar mensagens para as da outra. E, embora a mãe teimasse em a ter sempre em sua casa à noite, em convívio com os irmãos, o certo é que a Leninha parecia filha da sereníssima Hermínia e do bondoso Alexandre e prima, a prima bem comportada, dos terríveis manos da Vila Maria.
Apesar de uma saúde mais frágil do que a das robustas irmãs, fez os estudos no colégio Liverpool e foi a única a completar o curso de piano. Muito bonita, com os longos cabelos escuros e os olhos claros, azuis, muitos foram os seus pretendentes gondomarenses, mas o escolhido, foi um portuense, David , que encontrou por acaso nas festas da Senhora do Rosário, no pavilhão da Cruz Branca, onde as meninas de boas famílias providenciavam os lanches ou cafés e, onde, se bem me lembro de ouvir contar, se dançava, também, Maria Madalena  tinha 20 anos, David 15 ou 16 anos mais. A família. era do alto Douro, o pai republicano e sindicalista, legando ao filho uma fama, que se viria a constatar não ter fundamento, de anticlerical, e até também de boémio. Qualquer uma das duas suspeitas, por si só, bastava para o atirar para a lista negra da mamã, Não, porém para a dos tios, sobretudo para a da romântica Tia Hermínia, que foi, durante alguns meses, até a a sobrinha atingir a maioridade, a protetora do noivado secreto. No dia seguinte, a ter, perante a lei o direito de decidir a sua vida, ela não hesitou. Fez a mala e partiu para o Porto. Ao casamento assistiu um reduzido círculo de familiares, e, do lado da noiva, apenas a Mariazinha, o  marido e a Tia Hermínia, Os receios da mamã, que só aceitou uma reconciliação com o casal, passado bastante tempo, talvez mais de ano não se justificaram, de todo. Passaram os, dias, os anos, as décadas como o exemplo de uma perfeita união de amor sem fim. David, homem de trabalho, sabia, igualmente,  divertir-se, em passeios, jantares, teatros, cinemas, corridas de automóveis - um novo membro que se integrou rapidamente na exuberante família Aguiar, participando nas discussões políticas, com posições irredutíveis e no campo contrário ao das antigas previsões - muito à direita, sempre pelos valores tradicionais e conservadores. Muita admiração pelo pai sindicalista, mas do outro lado da situação de classe... Fez,-se com uma pequena unidade industrial de douragem, um empresário muito próspero. Tiveram tudo o que queriam da vida, exceto filhos, mas eram , ambos os mentores e os ídolos de uma multidão de sobrinhos 
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