domingo, 31 de agosto de 2008

P5 f - JO TIO JOSÉS AUGUSTO for ever young


O O FOREVER YOUNG
O nosso tio Ze´nunca envelheceu no sentido em que as pessoas envelhecem, aos 80 anos. Sempre feliz e divertido com as nossas visitas, insistia em nos convidar, todos os dias, para grandes jantares no Ibéria (o Sr. João era um amigo) ou no cabana Carioca, que era perto de casa. Marisco em quantidade era um "must". E bom vinho! E como era conversador! Tinha uma memória fantástica. Ria das suas próprias histórias... E nunca falou de doenças, mesmo quando estava muito doente. No hospital, dizia a todos que a sobrinha Manuela estava a chegar. Mas só cheguei no dia seguinte ao da sua partida. Eu já não o vi. Ele viu-me. Já muito mal, confundiu-me com uma amiga, que o foi visitar... Contou-me isso o Sr. João (o do restaurante Ibéria) que o acompanhou nessa fase. Foi naqueles dias tristes a melhor notícia que me poderia dar !

26 comentários:

Anónimo disse...

Docas comenta: O meu tio Zé da América era uma pessoa extravagante no vestuário.Desinteressado de valores materiais. E um óptimo profissional, que podia ter feito fortuna.
Um dia confessou-me que só trabalhava de manhã e não queria mais clientes do que aqueles que tinha arranjado quando chegou a NY .Eram três judeus riquissímos, muito amigos dele,para quem fazia lóias assinadas "José Aguiar".Assinatura que era uma referência de qualidade nos EUA.
Só quando vinha a Portugal. ou quando tinha visitas de amigos ou família ,é que trabalhava mais umas horas para poder oferecer grandes almoçaradas ou jantaradas.Felicíssimo por dar! Na companhia dele, pobre ou rico, ninguém pagava nada.
Ele morava no 40º andar, com uma vista fantástica sobre o rio Hudson.

Anónimo disse...

O tio Zé era imcomparável e inimitável! Generoso demais! Nunca disse "não" a um pedido de ajuda.Recebeu em casa verdadeiros "sem abrigo", como aquela brasileira que encontrou na Penn Station a chorar, em cima de uma mala... Parece telenovela, mas é verdade! Essa, eu até a conheci- mais tarde,muito mais tarde, foi casada com um americano, professor de uma universidade
Sempre considerei o tio Zé uma espécie de santo "laico",prticante,da forma mais espontânea, de todas as virtudes cristãs, mas irreverente, iconoclasta. Lembram-se dos primeiros calendários que mandou de NY? Destinavam-se a chocar o povo, como as esculturas do Cutileiro...Efeito conseguido!
Mais se distiguia da Madre Teresa de Calcutá por gostar de beber uns copos de bom vinho e de desafinar umas canções.Restaurantes e bares, pela noite fora, eram a sua ideia de divertimento.
Mas já nos seus tempos de juventude, em Gondomar, dava aos rapazes pobres as suas melhores roupas, se lhe pedissem,e quando a mãe descobria as dádivas e protestava:"Porque não deste o casaco velho?" , ele respondia, inevitavelmente," porque ele não é menos do que eu". Para ele,era isso que fazia sentido. E sempre foi!Obrigada tio Zé, por ter sido assim. Um orgulho para a família.
A assídua visitante de NY Manela

Anónimo disse...

O tio Zé (como eu ) viajava sempre com uma única mala de roupa, de tamanho mínimo. E, quando estava de regresso a NY, ficava muito consumido com as ofertas que era obrigado a transportar. Um dia, em casa da Manela, antes da iminente partida para o aeroporto, apareceu a minha mãe, trazendo-lhe, de presente,uma camisola de algodão, às risquinhas,muito bem embrulhada, é claro. O tio Zé abre o embrulho, acha bonita a camisola, mas diz: " Lolita, agradeço imenso, mas já não cabe na mala. Vais dá-la ao Nestó.Eu levo comigo o cartão de parabéns, que é uma boa recordação".
A minha mãe insistiu, insistiu, mas ele era muito teimoso (como eu), deixou aprenda e levou o cartão. Como eu o compreendo! A sobrinha(e afilhada) Docas

Anónimo disse...

Manela disse: Tenho uma vaga lembrança do episódio, e confirmo os comentários da Docas sobre as suas semelhanças com o padrinho, pelo menos nos referidos aspectos... Nunca me poderei esquecer do dia em que chegou a Genebra, para passar um mês de férias, sem mala alguma: apenas com um saco minúsculo, onde trazia pouco mais do que a pasta de dentes.Eu estava a fazer um curso no Instituto da OIT. Fui esperá-la com um colega paquistanês. O homem nem queria acreditar que ela não trazia mais pertences com ela! Numa paquistanesa seria impensável...E em qualquer portuguesa "normal"também. Mas nós,na família, estamos cheios de excêntrcos...E são todos estimáveis.Ps: A Docas fartou-se de comprar roupa nova lá na Suiça- a OIT era um espaço muito "social" ela apresentou-se sempre "chiquérrima".(uma surpresa para quem a conhece...). Fez um enorme sucesso! O curso era frequentado por 34 homens e eu - a única mulher. Sinal dos tempos. Corria o ano de 1986, um pouco antes de maio.

Anónimo disse...

Manela disse:Ainda sobre o tema da teimosia, outra história do tio Zé, esta com nova protagonista- a Manuela Aguiar, minha afilhada.Fui aos EU, em missão da UEO, e levei-a comigo. Durante os dez dias em que andei pelas bases militares americanas, deixei-a, naturalmente, no apartamento do tio. Apesar de serem ambos muito teimosos ,deram-se lindamente, discutindo, de forma amigável, o tempo todo. Quando cheguei e saímos para jantar, começou a disputa logo à esquina do prédio: Ele achava que era mais perto ir em frente, ela queria virar à esquerda. Eu resolvi prontamente a questão, dando razão ao tio (2-1...). Como é evidente, para quem conhece aquela cidade, e o seu traçado geométrico, era indiferente seguir um ou outro dos caminhos...

Anónimo disse...

O tio Zé não pensava regressar a Portugal.Apesar de ser muito ligado à família, mesmo à gente mais ou menos desconhecida, da nova geração - que identificava como o "filho ou neto de A ou B",transferindo, automaticamente,a estima de uns para outros - gostava de NY, do seu apartamento, da vida que ali levava. Mas, estranhamente,na última vez que falámos, ao telefone, participou-me que ia voltar, deixando o apartamento a uma brasileira ( a da história da mala, na penn station...).Fiquei encantada! Convidei-o a vir para o meu andar de Espinho- ou para outro, que então tinha em Quintã, Gondomar, onde estaria mais próximo da maioria da família, sobretudo do irmão António. Sentir-se-ia doente? Não era pessoa para se queixar... Ou terá tido um pressentimento de um fim próximo? Não sei. Sei que teria vindo e nós queríamos que viesse. Manela

Anónimo disse...

-Vem aí o Tio Zé da América - dizia o papá.
-Ena!!!- diziam os sete manos em coro.
-Papá ele vai trazer presentes, e eu vou apalpar-lhe o "molete", que é muito macio e fofinho!-dizia a Lélé
Era com esta alegria que recebia o tio Zé da América...que saudades!

P.S. Atenção que o "molete" era a sua careca fantástica, nada de confusões.

Anónimo disse...

Docas disse:O tio Manuel vinha, muitas vezes, a Lisboa e convidava-me para almoçar. Contava-me, então, muitas histórias antigas da família. Eis uma delas, sobre o tio Zé: A pedido de uns amigos, sem posses para pagar explicações, converteu-se, ele próprio, em professor.(andavam todos no mesmo ano...)Dava aulas num rez do chão e gritava tanto com os "alunos", que o alarido se ouvia no 1º andar.Mas aprenderam a lição! Os alunos passaram todos. Conseguiram, depois, empregos em bancos,etc...Quem "chumbou" foi o mestre...

Anónimo disse...

O "Tio Zé da América", como nós lhe chamávamos. Era uma pessoa fantástica... Sempre que cá vinha lá tinha de haver uma visita ao "foguetão(????)"... e o tio sempre com as sua calças com suspensórios e sapato de tacão!!!
Era adorável... Não me posso esquecer da minha 1ª ida a NY, em que fiquei nesse já falado 40º andar... Foi o cicerone perfeito. Todos os dias tinha um programa para mim: uma visita ao Central Park, uma ida a um museu, um passeio à Estátua da Liberdade, Torres Gémeas, Empire State, etc.…
Nos 15 dias que com ele privei, fiquei a conhecê-lo melhor e ouvi umas quantas histórias dos manos “Aguiar”-incluindo a minha avó - bem divertidas… E o "Cabana Carioca, ah!"
Saudades "Tio Zé da América"
Manelinha - kika

Anónimo disse...

Docas disse:
O meu Padrinho, Tio Zé, dava-nos a sua amizade, o seu apoio total se precisassemos de dinheiro - ajudou imenso a sua irmã e minha mãe, apesar de não ser rico, ganhava o que queria como criador de jóias - ofereceu-se para me ensinar a arte, levando-me para a América, convidou-me para longas visitas ao Oriente - Japão, Taiwan... - mas não era de dar presentes aos afilhados , em ocasiões especiais. como a Páscoa. Dava, quando calhava. Eu também tendo a ser assim...
Guardo duas jóias, oferecidas por ele.
Um coração de ouro, platina e brilhantes, que representa o mapa dos Estados brasileiros e foi executado por ele mesmo. É o que eu uso sempre, ao pescoço, desde essa data!
1954! Com a seguinte inscrição:
"À Docas
Páecoa de 1954
Mil beijos
do Padrinho amigo
José
Rio, 1955"
E, mais tarde, numa visita que fiz ao tio Zé, em Nova York, disse-me:
Sou teu Padrinho, mas nunca te deu nada. Tenho aqui uma pulseira dada por um cliente que me ficou a dever e, então, quero que fiques com ela - é de ouro, com uns pequenos diamantes.

Anónimo disse...

Docas disse:
Estive com ele em Nova York só por duas vezes - e durante uns 3 dias.
Muito pouco!
Levou-me aos almoços e jantares nos seu restaurantes preferidos, como fazía a toda a gente.
Fiquei no apartamento, no 42º andar.
Quando lá estavamos, não trabalhava para nos mostrar a cidade, mas um dia teve de ir entregar uma encomenda a um dos 3 judeus de quem aceitava pedidos de colaboração.
Antes, vi-o a completar a peça.
A bancada onde tinha os instrumentos de trabalho e onde trabalhava era o único sítio da casa que estava arrumadíssimo!
Sentado num banco, de calções, tronco nú, porque a casa estava muito aquecida - era inverno - com uns grandes óculos de lentes de aumento, muito concentrado, com uma habilidade de mãos extraordinária. Já mencionei, julgo, que tudo o que ele assinava era particularmente valioso!
Finda a obra, fomos os dois ao escritório do joalheiro judeu.
Ele gostava muito de apresentar as sobrinhas portuguesas: "É muito bonita, não é? É minha sobrinha e afilhada!"
Disse-o lá e dizia-o, por todo o lado, aos seus conhecidos.

Anónimo disse...

Docas disse:
Hoje, fomos comprar cartões de parabéns para a minha Mãe, que, parece-me, aprecia mais os cartões a preceito do que os próprios presentes, elá nos lembrámos do Tio Zé e dos postais e calendários, muito "ousados", que no 1º Natal na América mandou para a Avó (que ficou chocadíssima e lhe ralhou muito...) e para as irmãs, que acharam muita graça.
Depois, passou a mandar postais da cidade, e coisas mais conservadoras ou convencionais ...
No Natal não se esquecia nunca de enviar os seus votos, já com anjinhos, Virgens Marias ou presépios - talvez sentisse mais saudades.

Anónimo disse...

Docas disse:
Um desses cartões ligeiramente indecorosos, suponho que o enviado à Tia Lena, mostrava um Pai Natal de cuja pilinha, visível entre o vermelho da vestimenta, saíam, em catadupa, bolinhas festivas, muito coloridas

Anónimo disse...

Docas disse:
Para a Avó, chegou uma encomenda com um calendário, em que apareciam umas mulheres despidas de roupa.
A Avó ficou zandadíssima.
Conto-nos, exclamando: "Este meu filho é mesmo tolo!"
De volta, retribuiu com santinhos para o pecador...
Ele parecia desprendido da família, mas não era. Guardava tudo, como se de relíquias se tratasse!

Maria Manuela Aguiar disse...

É verdade!
Quando o João Miguel e eu fomos desfazer o andar do Tio, depois que morreu, encontrámos os Santos da Avó por todo o lado.
Até parecia um senhor muito religioso!
Guardei para mim o seu S. José.
Havia Nª Sª do Rosário, Igreja de S. Cosme, etc. etc.
E as nossas cartas e postais!

Maria Manuela Aguiar disse...

A memória tem destas coisas: em conversa com a Docas sobre os joalheiros judeus, de quem o Tio Zé gostava tanto - e que gostavam tanto dele... - lembrei-me de um curioso episódio, de que me tinha esquecido completamente.
Também numa das primeiras vezes que fui a Nova York, sem compromissos políticos, o Tio Zé teve de infringir a regra de nunca trabalhar quando tinha visitas, para resolver um problema surgido com uma jóia, que não estava terminada. A colocação de uma das pedras preciosas num colar muito grande e vistoso não lhes agradava - nem ao amigo judeu, nem ao Tio Zé. Eu acompanhei-o e estava no gabinete do joalheiro a assistir à conversa. E, com a minha curiosidade e gosto por jóias, em particular por aquela que estava em questão, e que era muito bonita, resolvi dar o meu palpite: "Se fosse eu encaixava-a aqui".
Begginer's luck!
Os dois peritos ficaram encantados com a sugestão.
Resolvi-lhes o problema bicudo.
Se calhar, devia era ter mudado de profissão, até porque a minha era menos interessante ...
Ainda hoje registo a infinita surpresa e contentamento daquele momento em que eles olharam para mim, espantados. Tão espantados como eu...
Coisa semelhante me aconteceu no Zaire, quando, na "Amicale Sportive Kinoise", joguei bowling, pela 1ª vez na vida. Derrubei os "mecos " todos! Nem sei como se chamam tecnicamente...
Para guardar o sabor da vitória, nunca mais joguei bowling, e também nunca mais participei em sessões colectivas de design de jóias...

Maria Manuela Aguiar disse...

A Docas e eu, ao escrever no blogue sobre o Tio Zé, que ambas achamos uma pessoa maravilhosa, com qualidades inegualáveis e defeitos esplêndidos, que o tornavam ainda mais singular, sentimos que a sua vida foi solitária, foi dura, foi triste. Ele era resistente, não era um desistente. Acabou por tirar partido das menos boas cicustâncias da imigração, e por ajudar muitos outros imigrantes.
Acabou por ser excepcional numa arte tão rara, como o design e execução de jóias. Por fazer amigos, entre gente boa dos "guettos" da América: judeus, chineses, brasileiros...
Amigos "WASP" não tinha nenhum!...
Porque é que um homem assim precisa de deixar o País e de suportar tantos anos de exílio?
Longe da família, que adorava.
Do País e da cidade, onde poderia, do nosso ponto de vista, ter sido muito mais feliz.
Uma pergunta que muitos podem fazer neste País de emigração imparável e iremediável...
O Tio Zé não quis voltar, nem mesmo quando se reformou. Acho que se sentia integrado, à sua maneira, naquela louca cidade de NY. Acho que sentia não ter o seu lugar em Portugal.
Nem sequer quis a sua parte na herança dos Pais. Creio que a deixou aos netos do Tio Manuel - os filhos da Margarida.
Só quando já não tinha tempo para viver me disse, numa última conversa longa pelo telefone, que estava a preparar o regresso. e eu tinha um apartamento à espera dele. Incitei-o a vir!
Foi internado no hospital, poucos dias depois, e aí morreu. (na época de Natal).
Já não puderam operá-lo:
o cancro no cérebro espalhara-se, em demasiadas metástases.
Mas não teve, graças a Deus, sofrimento físico, nessa última fase! Esteve intermitentemente consciente, e sempre um pouco confuso. Já devia ver muito mal e ficou convencido que eu o cheguei a visitar, nos seus últimos dias. Ainda bem. Para ele, estive lá. Confortei-o! Estou imensamente grata à senhora (quem seria?) com quem ele me confundiu!
O Adriano Seabra da Veiga, nosso Cônsul honorário em Connecticut, meu amigo e famoso cirurgião, fez a ponte com os médicos que o tratavam em NY, e foi-nos dando notícias - infelizmente, más.

Maria Manuela Aguiar disse...

Depois, foi também o Adriano quem tratou, através de uma funerária e do consulado, de tudo o que foi preciso para ser repatriado .
Foi cremado e as cinzas vieram, numa caixinha para Gondomar. Estão no jazigo do Tio António.
Foi a 1ª pessoa da família a ser cremada, o 1º Gondomarense a ser enterrado nessas condições. Para o abade da terra, que era então um padre muito antipático, foi uma 1ª experiência. E, vá lá, aceitou-a bem...
Tanto pioneirismo teria agradado ao Tio Zé. Disso, não temos dúvidas!

Maria Manuela Aguiar disse...

Hoje, dia dos seus anos, é tempo de falar de um Tio Zé bem vivo na nossa memória!

Anónimo disse...

Docas disse:
Não sei se sou a única afilhada do Tio Zé. Não conheço outra ou outro.
E acho que muito bem escolheram os meus pais, quando o escolheram a ele para essa função.
Se um padrinho deve servir de exemplo e modelo, ele foi o melhor, porque vivia mais para ajudar do que para pensar em si!
Coisas fúteis e vãs, como dinheiro e sucesso material não lhe interessavam nada. E era um artista!
Se um padrinho serve para nos valer, quando temos problemas, ninguém mais capaz do que ele!
Por acaso, nunca precisei, mas sabia que sempre poderia contar, se precisasse. Iria ao fim do mundo, por mim, pela família, pelos amigos.
Aliás, parece-me que saí a ele, no aspecto de não gostar de depender de ninguém.
Ao longo da vida, ele apoiou muita gente, mas, para si próprio, nunca pediu auxílio a ninguémE deve ter atravessado fases bem difíceis, até se sair tão bem em NY.

Maria Manuela Aguiar disse...

Bem verdade, Docas, o que dizes.
No Brasil, as coisas não lhe correram bem e não teve quem o compreendesse e apoiasse. Mas nunca pensou em desistir, em voltar, pedindo ajuda à família. A Avó teria feito o possível para o ver de regresso, suponho eu,
mas ele não queria. Não queria ser pesado a ninguém.
Não sei como foi parar a NY.
Como brasileiro tinha mais facilidade de obter visto de residência - isso disse-mo ele.
Mas porque se lançaria na arte de joalharia? Onde aprendeu?
Não em Portugal, acho que não no Brasil...
Ligações da famélia ao sector da joalharia houve-as, mas sempre na parte comercial, empresarial.
Não eram ourives, compravam e vendiam jóias. Eram joalheiros, nesta acepção. O Avô e os Tios Augusto e João, entretanto já todos falecidos.
Mistérios que ficam, para sempre...
É preciso fazer perguntas aos mais velhos, enquanto os temos entre nós.
De qualquer modo, ele era um homem de muitos talentos - excepto para cantar.
Cantava como a Docas e eu...

Maria Manuela Aguiar disse...

Convivi diariamente com o Tio Zé nos primeiros anos de vida. Ele´, solteiro como nunca deixou de ser, e a minha mãe, casada, com o marido e as duas meninas, eram os únicos filhos da Avó maria, que continuavam a viver com ela, na sua casa, grande demais para ela só.
A ideia que guardo dele desse tempo é a de um Tio sempre muito apressado, a entrar e sair de casa, constantemente.
Um sinal curioso dessa impaciência, de que não me esqueci, era o facto, muito repetido, de ele deitar água fria na sopa, quando a achava demasiado quente, em vez de esperar que arrefecesse, como toda a gente...
E a Avó nãao achava graça nenhuma, o que despertava o espírito de contradição do caríssimo tio. Acho eu!

Maria Manuela Aguiar disse...

Outra história inesquecível desses anos, que precederam a partida do Tio Zé para o Brasil, foi a do ladrão que nunca foi encontrado.
Ouviu-se um ruído muito suspeito, à noite, ao serão, e o Tio Zé foi buscar a sua pistola. chamou o meu pai e traçou o plano de caça ao invasor. O meu pai ficaria de guarda ao portão da entrada, para impedir a fuga, enquanto ele batia o terreno atrás, numa mais arriscada missão de busca e perseguição armada. Em vão! Se havia ladrão deixou-se ficar num recanto escuro, até o perigo passar...
Nos dias seguintes, o meu pai, um "ajudante" muito pouco voluntário, contava que deixou o portão escancarado para facilitar a saída do intruso, sem danos de maior para ninguém...
Perante uma hipotética siituação, dois estilos de resposta bem diversos...

Anónimo disse...

Maria Antónia disse:
Não foi exactamente assim que as coisas se passaram - o relato falha nalguns pormenores. Eu estava lá e posso dar a versão autêntica.
A primeira confusão resulta de uma outra história de ladrões, passada anos antes, com o meu irmão Tónio. Ele é que era o homem das espingardas, com uma pontaria afinada. Desde pequeno que era famoso pela pontaria. Com as suas grandes fisgas, partia os vidros da vizinhança. Treinou muito.
Herdou os talentos do Pai, que era caçador. Uma noite, ouviu-se um ruído suspeito, a Mamã chamou-o, a dizer que andava um ladrão a rondae a casa. Ele pegou numa arma, viu o invasor e disparou para as pernas. E, claro, acertou-lhe, porque ele deixou o rasto de um fio de sangue, na fuga. Deve ter sido ferimento ligeiro, tratado numa tasca ou na Farmácia do Souto...
O Zé nunca usava armas de fogo - usava um pau, nada mais. Um pauzinho...

Anónimo disse...

Maria Antónia disse:
Quando o Tónio voltou disse : "Pronto, Mamã, está resolvido o assunto!"
Mas, quando se viu o sangue, no dia seguinte, a Mamã ficou muito compungida...
Acho que o ladrão deve ter resolvido o seu problema na tasca do Souto, com aguardente. Nunca se soube mais nada.
O do Zé foi avistado por ele, quando chegou a casa, às 2.00 ou 3.00 da manhã. Entrou pé ante pé, como sempre, para não acordar a mãe e veio bater à porta do nosso quarto, a chamar: "João, João, depressa, venha! Anda um ladrão no quintal, ali perto do motor".
O João não queria ir... "O teu irmão é tolo!"
Eu insisti: "Tens de ir, não podes deixar o meu irmão sozinho"
Ele foi. Em pijama. Nem o roupão quis pôr.
Voltou pouco depois a dizer: "Caí. Magoei-me. E não vi ladrão nenhum!"
Passado algum tempo, aparece o Zé:
"Então, João, porque é que veio para dentro?
E ele respondeu: "Caí, rachei a cabeça!"
E o Zé lá foi deitar-se. Tinha ido até ao fundo do terreno, sozinho, como fez, muitas vezes, apenas com um pauzinho na mão.
Era destemido...
Uma noite, apanhou, finalmente, um gatuno e deu-lhe uma sova. Mas não era gatuno - era o criado, que vinha a chegar, de madrugada, e gritava, gritava, mas, no escuro, não conseguia ser reconhecido.

Anónimo disse...

Maria Antónia disse:
Em pequenito, o Zé era muito gabarola e inventava histórias incríveis: "HOJE FUI À CAÇA E MATEI UM LEÃO!"
E o Manuel, que passava o tempo a implicar com ele, provocava-o, imediatamente:
"Zé, vi agora um leão debaixo da tua cama!".
E O Zé, cheio de medo começava a gritar:
Mamã, está um leão aqui no quarto!"

A Mamã ficava zangadíssima. Ía lá acima separá-los, um para cada quarto.
Às vezes estavam engalfinhados, os dois, e o Tónio, sempre à parte, muito tranquilo, a rezar o terço...
O Manuel e o Tónio repartiam os dois quartos, que tinham comunicação, e que ficavam ao lado do "quarto grande", que tinha sido o dos meus Pais, mas era, então o de hóspedes.
O Zé ficava longe, num dos quartos virados a sul...
As meninas no andar de baixo, baixo, com a Mamã.