quarta-feira, 5 de novembro de 2008

P19 - OLÍVIA FERNANDES CAPELA


PARADIGMA DO EXERCÍCIO DO PODER NO FEMININO

Olívia Fernandes Capela - Um encanto de Avó

5 de Novembro, dia de aniversário da Avó Olívia, dia de muitas saudades!
O título é uma homenagem à Mulher que foi. À sua força, sagacidade e coragem, que eram enormes. Mas, também, à forma como as punha em acto, no dia a dia. Era amável e discreta. Não fazia alarde das decisões, que tomava. Não se impunha em voz alta. Mas impunha-se!Ao tempo, ficava melhor ao "segundo sexo" actuar assim. Em qualquer caso, o mais importante é saber mandar. E, sobre isso, esta Avó serena e modesta podia dar lições.

A avó nasceu em Oliveira de Azeméis.
Porquê essa terra simpática, onde não temos raízes? Suponho que o Avô Capella, aí começava a sua vida de (então) pequeno empresário, depois de ter rompido, definitivamente, com a família, os Capella da Foz do Sousa, os donos Quinta dos Orfãos.

A razão da desavença terá sido a "teimosia" em casar com a filha de um farmacêutico, a bisavó Joaquina. Não sei se tinham outros planos para o herdeiro, ou se não gostavam, pura e simplesmente, da Senhora. Ela não era para graças. Conheci-a já idosa, gordíssima, como uma típica matriarca de antigamente. As suas palavras eram ordens, o seu ar severo - nada parecida, neste aspecto, com as filhas, sobretudo a simpática e popular Avó Olívia... Curiosamente não me recordo de nada que me tenha dito. Nunca me ralhou, é óbvio, ou lembrar-me-ia. Intimidava-me o suficiente para me comportar bem. Não creio que eu fizesse o seu género, o seu ideal de bisneta. Muito isso, ao tempo, me surpreendia, pois estava habituada a ser um caso de sucesso com os outros ascendentes... Era madrinha da Madalena, que adorava, e a quem dava impressionantes somas de dinheiro, no Natal, Páscoa e aniversário. E a mim, nada! Nem uma caixa de chocolates, ou um mero chocolatinho!

E, como pouco mais sei desta antepassada, aqui fica o registo. É justo acrescentar, porém, que a Avó Olívia venerava a mãe, e que tratou dela, dedicadamente, no fim da vida. Sabendo o que sei hoje, acho que foi vítima de demência senil, ou "Alzeimer".Não reconhecia ninguém. Até à filha perguntava, de vez em quando: "Quem é a senhora?" Uma pena, vê-la assim, porque tinha sido uma mulher inteligente, poderosa, dominadora. Parece -me que se impunha mesmo ao Avô Capella, o que é dizer bastante, já que ele era um homem de muita personalidade, ar imponente, distante e aristocrático. Para além da Mulher, não creio que tenha cedido ou transigido com alguém, em coisa importante. O corte com a sua família foi radical. Entre nós, nunca mais se falou deles...Tiveram duas filhas apenas: Clementina e Olívia.A tia Clementina era "chique", uma senhora magra, elegante, sempre vestida de escuro, porque viúva - sempre a conheci assim. Teve 4 filhos, mas nenhum com o porte dela...A Avó Olívia, mais bonita, mais alta, era muito mais modesta e provinciana a vestir. Porém, o filho, esse, sempre pareceu um galã de cinema. Mesmo em velhinho, só gostava de bons fatos ingleses e de gravatas de seda italianas... "Saía", como se diz, ao Avô Capella - e até também aos Dias Moreira... E foi, desde pequeno, um favorito da Avó Joaquina, e não só!...

A Avó Olívia tinha um ar suave e doce. Era uma diplomata! Jamais lhe passaria pela cabeça distinguir entre as netas. Guardo dela as melhores recordações. Era uma grande amiga, e generosa comigo, como com todo o mundo. A dar, estava no seu elemento!
Podia até ter a sua preferência pela Madalena. E porque não? Era a neta mais bonita, lindíssima! Mais tranquila, mais alegre, sempre a cantar, com uma voz assombrosa. Mas eu sentia que também gostava de mim.

Quem mandava em casa era a Avó. O Avô Manuel aceitava as decisões. Terão tido uma ou outra pequena desavença. O Avô era muito mais poupado. A Avó recebia visitas a toda a hora, ajudava os vizinhos, dava esmolas e comida aos pobres, contribuía, largamente para a Igreja. Tal como a Avó de Gondomar privilegiava o convívio com padres e freiras (tinha uma tia Doroteia, a Madre Capela). Era muito religiosa. Rezava terços e terços, connosco, diariamente. Ainda mais do que a Avó Maria! Assim se manteve sempre.

À medida que os anos avançavam mais unidos ficavam os Avós. Já na última semana de vida, lembro-me do Avô, no quarto do hospital, olhar para nós as duas e a dizer:"Aqui estão os meus dois amores".

A Avó, a quem tanto a Lecas como eu chamávamos "Madrinha", era extraordinariamente inteligente, e tinha mesmo capacidade para gestão, para negócios, um sentido prático das coisas da vida. Se fosse uma mulher de hoje seria, acho, uma empresária de grande sucesso (como foi seu pai, que recomeçou, sem nada, longe de uma família abastada...)

Adaptou-se bem à modernidade. Era condescendente com a evolução dos costumes - e mais em velha do que em nova, o que revela um espírito vivo e jovem. Nesse aspecto nunca envelheceu. Reagiu à adversidade da viuvez. Aceitou, muitas vezes o meu convite para passar temporadas em Lisboa. Era óptima companhia para a Maria e para mim e para a cadela Endora. Tudo estava bem para ela. Adorava os passeios pela costa, por Sintra... Um bom feitio.

E sempre a oferecer presentes, à Maria e a mim, mesmo que não quiséssemos. Estava -lhe nos genes... Lembro-me, por exemplo de um rádio Grundig, que mandou a Maria comprar, na Av. do Uruguai, porque me tinha ouvido dizer que o do meu quarto não era grande máquina....
Outra notável faceta da Avó era a determinação de nunca incomodar os outros com os seus problemas. Não se queixava de nada, nem do passado, nem do presente.
Sei pouco da sua vida de criança ou de jovem. Não contava muitas histórias, ao contrário do Avô Manuel ou da Avó Maria. Deve ter sido uma menina saudável, prendada e feliz. Não era dada à leitura, nem às artes, excepto as domésticas. Cozinhava maravilhosamente! E tinha, como disse, grande argúcia como gestora, com tendência para a liberalidade. Mandava e sabia mandar, ainda que não exteriorizasse, demasiado, o seu real poder de decisão. Muito femininamente!
E era mais de partilhar os bens do que o "poder": mais de dar o peixe do que a cana de pesca, pelo menos no que respeitava ao filho, e às netas, enquanto pequenas. Não dava "mesadas". Dava, caso a caso. Mas, à época, isso era normal... Conheço outros casos na família talvez mais comuns nos homens, porque seria mais comum seres eles a dispor do dinheiro...

Casou aos 16 anos. Um belo romance! Teve o 1º filho aos 18 anos: o meu pai.
Os outros, nascidos já ela ia nos vinte e tal anos, acabaram morrendo todos, com doenças hepáticas. Deve ter sido terrível. Mas nem disso a Avó se queixava!
Do que me apercebi, foi do seu receio de doenças, sobretudo do cancro, que vitimou o Avô Capella. Um cancro na língua. Passou muito tempo em Lisboa, no Instituto de Oncologia, em tratamentos dolorosos, que não resultaram. Mais tarde, durante anos, a Avó recorria aos melhores dentistas do Porto, constantemente, preventivamente, e levava-nos com ela. Mas, de facto, no seu caso, nunca esteve aí o risco.
Aos 81 anos não resistiu a um cancro do esófago. Foi sempre paciente e corajosa. Na última visita que lhe fiz, no quarto do Ordem do Terço, no Porto, sorria o tempo todo, e falava da Endora, então já a viver em Espinho ( a Maria morrera lá em casa, no ano anterior, tratada por ela e pela criada Arminda, e eu, sozinha em Lisboa, não podia ter a cadelinha comigo). Falava da Endora, porque era o tema mais alegre para a ocasião. Não trouxe à conversa nem as dores que sentia nem a certeza da morte próxima. Um exemplo de coragem. E de cuidado e afecto pelos outros. No caso, pela neta. Esteva então no Governo. Um ou dois dias depois recebi o telefonema do meu Pai, muito resignado: "Ela sofria muito. Foi melhor assim. Está com Deus".
O meu Pai era tão católico como a Mãe. Não tinha dúvidas sobre a vida eterna.
A haver céu (eu sou crente, mas não tanto... espero que haja!), a Avó foi, certamente, directa para lá.






















































































18 comentários:

Maria Manuela Aguiar disse...

Hoje esteve aqui o António, antigo caseiro de meus avós, nas terras do Paço.E por um seu pequeno comentário ocasional, confirmei o que penso da relação entre marido e mulher. O António pediu-lhe qualquer coisa e ele disse que sim, mas que fosse pedir antes à Avó Olívia, que também concordaria...
Acho que sabia que ela gostava do exercício do poder de dar. Ele gostava, apenas, de dar.
Outro pormenor: quando o caseiro começou o contrato dizia-lhe" Vê se podes pagar tudo. Se não, não precisas de pagar. Só o que podes". Era assim mesmo o meu Avô! Que bom! Ainda bem que o António me contou isto.

Maria Manuela Aguiar disse...

As últimas fotografias da Avó - ou Madrinha, como lhe chamava - foram tiradas com a Endora, de quem ela gostava tanto. Já na Ordem do Terço, tão consumida com dores, ainda tinha disposição para perguntar o que ela andava a fazer, lá por casa, vigiada pela criada, meia atrasada mental, a Arminda. Uma tola, disléxica e tudo o mais, mas que adorava bichos, gatos ou cães, por igual.
O mais curiosa é que a Madrinha nunca tratava a Endora por "cadela", por considerar o termo ofensivo. Dizia "a tua cãozinha",de brincadeira, mas dizia...

Maria Manuela Aguiar disse...

Uma das mais dramáticas histórias da minha infância passou-se em Avintes e com a Madrinha.
Teria eu uns 5 anos.
Vi, na sala de estar - coisa rara, porque, em regra, tudo o que era de comer ou estava na cozinha ou na sala de jantar - um enorme prato de doces de côco, grande especialidade da Avó, uma
doceira de categoria. Possivelmente o prato estava ali para fugir do meu alcance... Se era por isso, correu tudo ao contrário do previsto.Vi. Entrei. Fui experimentar. Para meu espanto, não só aquele, como todos os outros côcos, estavam queimados na base: pretos! Eu, para prestar serviço, fui buscar uma escova e sabão e lavei-os, todos, sem excepção - E sem resultados... Muito rapidamente, como era meu timbre. A Madrinha apanhou-me a executar a tarefa e, para surpresa da criança que eu era, ficou muito zangada. Não aceitou as minhas explicações e, pela primeira e única vez, até me deu uma palmada. A sensação de injustiça perdura até hoje!
Apesar de agora compreender, que, sendo eu "enfant terrible", a hipótese que surgia como mais provável era a de eu saber que estava a dar cabo da obra. Mas, não. Estava mesmo de boa fé...

Maria Manuela Aguiar disse...

A Madrinha não era apenas especialista de doçaria, mas de culinária em geral. Ofereciam-lhe, muitas vezes, lampreias, ou sável, pescado no Douro, e ela cozinhava-os divinamente.Recordo ainda os sabores.
O pior era quando queria mostrar-nos, à Madalena e a mim, por exemplo, o coelho caseiro, que ia matar para o almoço. Nenhuma de nós queria ver!
Nunca fui capaz de comer um animal "meu conhecido"...
Mas os coelhos eram, também, depois de assados, deliciosos. Para não ter problemas, optava por não confraternizar com eles.
Parece que estou a ver a Madrinha, com um coelhinho branco dependurado pelas orelhas,e nós a olharmos, de longe.

Maria Manuela Aguiar disse...

Nas vésperas das minhas partidas para Coimbra, no início de cada ano lectivo, a Madrinha vinha ao Porto comigo, fazer as compras que eu achasse precisas. Coisas como meias, camisas de noite, blusas, sapatos... A Lecas acompanhava-nos, sempre, para prover às suas necessidades de roupa - invariavelmente maiores do que as minhas.
Não sei o porquê dessa espécie de ritual. Sei que era assim. A Madrinha saía pouco, para fora de Avintes ou de Espinho, mas devia apreciar uma "excursão de compras" para as netas, de longe a longe, por Santo António e Santa Catarina.
Tinha, como já disse, um evidente prazer em "presentear-nos". Para ela, poucas coisas comprava. Andava sempre vestida com simplicidade. Até exagerava... Muito diferente do Avô Manuel, a quem eu oferecia gravatas, que eram altamente apreciadas. Para a Avó, apenas um cachecol, um lenço. Difícil escolher prendas para ela!
Recordo-me que, quando estava
doente, no que seria o derradeiro aniversário, pensei oferecer-lhe um aparelho caro, tipo televisão. E o Pai disse-me: "Não faças isso. Ela vai perceber que achas que está muito doente".
E eu mudei de oferta, para um presente mais vulgar, que não levantasse suspeitas.
De qualquer modo, era uma pessoa que gostava mais de dar do que de receber!

Maria Manuela Aguiar disse...

A morte do meu Avô foi, naturalmente, um momento de viragem na sua vida. Não sei se se entendiam muito, muito bem, em novos. Não sei mesmo, porque não é do meu tempo. Mas em velhos, eram um casal unido e harmonioso. Ela não gostava de cafés, que eram o local favorito do marido. Saía só para a Igreja, e para algumas compras. E para passeios, de carro, aqui ou ali, ou piqueniques - infelizmente, para isto, não podia contar com as netas, ambas avessas a esse
convívio campestre. Ainda fomos, uma ou duas vezes, para pinhais da Barrinha. Estendiam-se as mantas no chão, e todos os petiscos eram óptimos. Mas havia pó, formigas...um desconforto! Do nosso ponto de vista, não do dos velhinhos.
Aliás,não pareciam assim tão velhos, não tinham nada um ar decadente. O Padrinho guardou a agilidade e a força, que lhe davam, aos 80, o aspecto de 60. E a Madrinha, embora com problemas de circulação, de varizes,e coisas parecidas, menos rápida e desportiva, no andar, conservava uma cara bonita, sem muitas rugas, e um espírito vivíssimo.
Por causa dos achaques, não dispensava as termas, no fim do verão - Vizela, Monte Real e outras. Famalicão, também, para tratamento de varizes, com um reputado mágico das medicinas alternativas(?). A Maria Póvoas, também precisava, e, às vezes, lá estagiavam juntas. O Padrinho ia, sempre, porque gostava da terra e dos restaurantes. Algumas vezes fui,com os meus pais, levá-los e trazê-los, de carro. Estava, precisamente em Famalicão, feliz e contente, queixando-se só da falta da minha correspondência menos assídua, nesse ano, quando sofreu o AVC.
Depois do seu desaparecimento, levei, com regularidade, sobretudo nos primeiros tempos, a Avó para Lisboa. Distraía-se, em conversas com a Maria, em brincadeiras com a Endora, ainda novita e a fazer disparates contínuos, a que achavam, as duas, imensa graça, e até em passeios, no meu Peugeot 304, até Sintra, Cascais, Arrábida...
Sempre lembrava, com saudade, o Avô, que nem sequer foi conhecer a minha casa de Lisboa, e que teria apreciado as visitas guiadas aos arredores de Lisboa ainda mais do que a Avó.
Como desperdiçamos oportunidades, não pensando, nunca, que os mais velhos se vão, quando menos esperamos... Que não temos pela frente, para gozar a sua companhia, todo o tempo do mundo (ou todo o nosso próprio tempo).

Maria Manuela Aguiar disse...

A Madrinha fazia muito bom ambiente. Para ela estava tudo bem. A Maria andava encantada - era muito enérgica e hospitaleira. Adorava visitas, naturalmente.
E a Madrinha , sempre a ver o que havia de me oferecer. Lembro-me, por exemplo, de um novo rádio Grundig. Na altura, passava o meu tempo a fazer gravações audio.
Era fácil levar e trazer a Avó, porque quase todos os fins de semana, fazia a viagem de carro, para não deixar a cadelinha abandonada. Ela enjoava, horrivelmente, até que o veterinário lhe receitou um remédio. O que tomam as pessoas, sofredoras do mesmo mal...

Maria Manuela Aguiar disse...

Também o meu Pai se preocupava com a Mãe, depois que enviuvou. Temos fotos de passeios, pela ria de Aveiro, pelo Furadouro, po Ovar. Não sei aonde estão.
Que pena não termos feito o mesmo com o casal!

Maria Manuela Aguiar disse...

Neste aspecto, o meu Avô não era nada bafejado pela sorte... Até na minha festa da "Queima das fitas", em Coimbra, se perdeu de nós. Não chegou a ver-me, de bengala e cartola, embora tivesse assitido ao cortejo. E o que nós, o Manel e eu, o procurámos...
As duas Avós vieram de automóvel, com os meus Pais, e ele, como o carro era pequeno, para não atrapalhar, fez a viagem de combóio. Estávamos à espera, em Coimbra B. Ainda hoje não percebo como nos desencontrámos.
Das Avós, há abundante documentação fotográfica. Dele, nada...

Maria Manuela Aguiar disse...

Outra das coisa que me faz pena, é o ter "cancelado" o último almoço que a Madrinha preparou, para o Padre Leão.
Ele vinha, muitas vezes, visitar-nos, era uma companhia óptima, e um grande amigo e conselheiro. A Madrinha esmerava-se!
Mas era ela que fazia tudo, excepto algumas compras, e, depois, a lavagem de pratos e panelas - únicas tarefas
que a Arminda era capaz de executar, mais ou menos bem...(quando foi, um dia, comprar uma garrafa de vinho, à mercearia do lado, pediu "um litro de vinho branco tinto").
E, por isso, eu, com boa intenção, disse: "A partir de agora, para não ter trabalho, convidamos o Sr. Padre para um restaurante".
E, meu dito, meu feito...
Que disparate, se a refeição já estava pronta. Coisas minhas...

Maria Manuela Aguiar disse...

Está a chegar o dia do aniversário da sua morte. O funeral foi a 13 de Fevereiro, o dia de anos da Isabelinha.
Eu tinha-a visitado no fim de semana, e, nesse dia, estava em Lisboa, no Ministério.
Recebi o telefonema do meu Pai, triste, mas resignado: " A Madrinha morreu, agora. Foi melhor assim. Estava a sofrer muito".

Maria Manuela Aguiar disse...

Nessa altura eu era Secretária de Estado da Emigração. Como o Avô teria ficado orgulhoso de me ver no Palácio das Necessidades, nas minhas infindáveis viagens, ou com as minhas múltiplas condecorações (uma das quais até me tornou "Honorary Dame of the British Empire", dando azo a divertida conversa com o Duque de Edinburgo - e não esquecer que o Avô era monárquico...)
Pelo contrário a Madrinha preocupava-se comigo, com aquela agitação louca em que me via, e um dos últimos conselhos que lhe ouvi foi: "Deixa isso! É um cansaço e não vale a pena".
Tinha razão. Sabedoria feminina...

Maria Manuela Aguiar disse...

Uma outra motivação para visitas ao Porto era a saúde, as consultas médicas, com os melhores especialistas de cada ramo.
A Avó Olívia apresentava alguns sinais de hipocondria. A única outra pessoa da família com essa tendência sou eu mesma...
O Avô João Capela morreu com um cancro na língua. Um horror...
E a filha cuidava-se particularmente bem em matéria de odontologistas. Foi tratada pelo Dr. José de Freitas e pelo Dr. Alcino de Magalhães - dois nomes famosos, no Porto de então. Não teve qualquer problema grave nessa especialidade (teve, infelizmente, em outra).E bem tentou cuidar dos meus dentes tortos, com aparelhos de correção. O Dr. Magalhães conseguia pô-los direitos, mas, recordo-me perfeitamente,dizia-nos ele, graças a muito trabalho, o triplo do normal - em três movimentos diferentes, porque a dentadura não entortava linearmente.
E eu estava pronta para o sacrifício, mas a minha Mãe não consentiu. Tinha lido, no Readers Digest, ou coisa parecida, que a manipulação dos dentes podia causar transtornos mentais!!!
Verdade seja dita, a família de Avintes era bem mais sensata. De um Aguiar, pode sempre esperar-se o melhor e o pior.
Se soubessem o desconforto que sinto com os dentes tortos, compreenderiam a minha irritação, até hoje, subsistente com os meus Pais - ele, só por ser tão influenciável... - e a minha simpatia por esta Avó atenta e generosa.

Maria Manuela Aguiar disse...

Sempre compreendi e aceitei que a minha irmã fosse a preferida da Madrinha. Afinal, eu gozava desse estatuto junto da Avó Maria (que era a minha madrinha de baptismo, mas nunca reclamou o título), e do Avô Manuel (a quem chamava Padrinho, e que o era mesmo).
Mas, quer em vida da Lecas, quer, naturalmente, ainda mais depois,".
Tinha uma faceta de frescura, de juventude, que resiste à idade.
Enquanto a Avó Maria era, desde que me lembro dela, uma, uma Senhora de idade, sempre de escuro vestida, sempre a lembrar a viuvez, um certo lado trágico da vida, a Avó Olívia nunca pareceu ter 70, ou perto de 80 anos. Mesmo o choque da morte do marido foi suportado com resignação. Reagiu. Continuou a mesma, na relação connosco e com os amigos. Interessava-se pelas coisas de sempre. Falava comigo, animadamente, dos cães e dos gatos, porque sabia que era um dos meus tópicos preferidos. Não interferia na minha vida, sobretudo depois da minha "maioridade".
Embora eu gostasse, por igual das duas Avós - reconhecendo o maior "glamour" da materna, e até, também, maiores afinidades com ela, desde a mais tenra infância - o certo é que houve pelo menos um episódio que mostra a forma oposta como encaravam o "conflito de gerações", ou a maneira de lidar com a "mudança de comportamentos - sinal dos tempos".
Estávamos no verão, em Espinho, onde eu costumava passar temporadas, e onde ía para a praia, de manhã, para o cinema ou esplanada, à tarde, para o café, ver televisão, à noite - sozinha, excepto quando o Avô cá estava ou quando o Manel, que estava na tropa, vinha passar o fim de semana.
A Avó Maria, a dada altura, foi convidada a juntar-se a nós, na casa da Rua 7, durante uns tempos.
Eu segui o meu programa normal, que nunca, jamais, tinha levantado sombra de objecção por parte da Madrinha. À noite, lá fui um bocado ao café, como em Espinho,é normalíssimo. Ao chegar a casa, deparo com as duas Avós à janela!
Ao entrar, a Madrinha diz-me, imediatamente, alguma coisa do género: "sabes que não fica bem a uma senhora casada sair sozinha à noite?"
Imaginam a minha resposta...
Pouco mais ou menos, isto: "Vou já fazer as malas e voltar para o Porto!"
(E devo ter acrescentado que o tempo em que as mulheres, casadas, solteiras ou viuvas, não tinham autonomia para dar um passeio, sem escolta, já tinha passado, há muito...).
E a Avó Olívia lá começou a desculpar-se e a dizer que eu tinha toda a razão. Dava bem para perceber quem tinha levantado a questão... Porém, a Avó Maria não proferiu nem uma palavra. Era como se nem estivess ali...
Uma grande senhora, sem dúvida, mas tão conservadora, tão moralista e interventora!... Sempre em campanha, ou em missão.

Maria Manuela Aguiar disse...

Faz hoje 28 anos que a Avó Olívia morreu, na Ordem do Terço, onde fora internada, de urgência, depois de ter sentido mal, em Espinho.
Eu estava no MNE, em Lisboa, e as sobrinhas, Alda e Maria Helena, é que tinham vindo para casa dela, tratá-la - a Arminda só era competente, e não muito, para fazer limpezas e recados...
(Não sei por intermédio de quem acabou por cair na nossa família - foi herdada da bisavó Joaquina, disso tenho certeza).
Quando recebi a notícia, pelo Pai, vim imediatamente. Só me lembro de ver a Madrinha já na capela mortuária da Ordem. Parecia tão pequena, estava tão magra, de vestido escuro, sobre um fundo muito branco, acetinado, no caixão.
A missa de corpo presente teve um número grande de padres. O Padre Pinheiro, o Abade Álvaro e vários outros. Foi o Senhor Padre Leão quem falou. Breve e muito bem, como sempre. Salientando as qualidades de bondade, de religiosidade, de rectidão da minha Avó. Pura verdade!
Mas que eu, em criança, a achava excessivamente pia, também é verdade. Os terços que nos obrigava a rezar,em coro, no quarto dela, quando estávamos em Avintes, pareciam não ter fim...
Nem a Avó Maria, em Gondomar, era tão exigente. Levava-nos para a Igreja, à missa, e, às vezes, ao terço, mas não todos os dias - e,depois, em casa, não insistia...

Maria Manuela Aguiar disse...

Foram mortes quase seguidas, a da Maria Póvoas, no verão de 1979, e a da Madrinha, no início de 81 - e com a mesma doença terrível: cancro do esófago.
Tenho esta sensação de proximidade das duas fatalidades, até porque o Pai me preveniu da doença, praticamente irreversível, da Avó, logo depois, no outono de 79. Ao contrário da Maria, que só muito tardiamente foi diagnosticada e tratada, a Madrinha ainda fez "quimio", mas de nada valeu. Ou valeu mais uns meses de vida.
Mal, mal, sentiu-se, sobretudo, nas últimas semanas, em que pedia a Deus para a levar depressa.
Agora que a eutanásia está em discussão, penso sempre em ambas, na Madrinha e na Maria, se bem que nenhuma delas, por razões de ordem religiosa aceitasse essa saída...
A mim, apesar de tudo, também me repugna. O meu fundo católico leva-me a sonhar com milagres, no meio da maior desgraça...

Maria Manuela Aguiar disse...

Quero agora lembrar, de preferência, coisas alegres.
Por exemplo, um 14 de Agosto, aniversário do meu casamento, em que a Madrinha me deu um presente, para me animar.
Eu já estava tão convictamente divorciada, que nem sequer me tinha recordado da efeméride!

Maria Manuela Aguiar disse...

Na azáfama inerente a novas funções de vereadora, com pelouro, na Câmara de Espinho nem sei, como diz o povo, "a quantas ando"...
Não reparei que ontem era o dia 5 de Novembro, dia dos anos da Madrinha.
Reparei nas datas hoje e logo a recordei, como deve ser.
E, a propósito desta conjuntura agitada vêem-me à memória palavrassuas, quando já estava muito doente:
"Não trabalhes tanto, não te cances tanto! Não vale a pena..."
Era a sabedoria de quem estava a fazer um último balanço de vida, e dava um óptimo conselho - difícil de seguir!
Shakespeariano, embora ela não tivesse lido a célebre frase:
Life is a tale, told by a fool, plenty of sound and fury, signifying nothing.