quinta-feira, 13 de novembro de 2008

P21 - MANUEL JOAQUIM BARBOSA AGUIAR

O TIO AGUIARÍSSIMO

Manuel Joaquim Barbosa Aguiar
Nasceu a 13 de Novembro de 1912, em S. Cosme - Gondomar.

AGUIARÍSSIMO, mas não só no sentido em que pensei ao "baptizar" um blog (que é o equivalente ao "politicamente incorrecto", ao "quebra a louça toda"...).
Também nesse sentido - é claro, para quem o conheceu! O Tio era o expoente máximo do "provocador" e do gozão, à boa maneira coimbrã. Já assim era antes de aderir, afectivamente, à sua (e minha) Universidade.
Lá deve ter tido um sucesso louco, nas trupes, na animação das noites das "repúblicas", nos debates, nas assembleias. Mas era um aluno excelente, e um caso evidentíssimo de vocação!
Parece impossível que tenha desistido do curso, no último ano, com a pressa de casar com a Tia Clara.
Um caso de paixão avassaladora. E, naquele tempo, não se usava casar, sem ter um emprego... Imagino o desgosto do Tio Alexandre, que sempre insistiu em ser ele a pagar-lhe os estudos.
E tão médico ele era já, tão competente, que, na família todos o consultávamos, se caíamos doentes... Quando necessário, remetia-nos para os melhores amigos, que se tinham tornado especialistas famosos... e que nos tratavam de graça. Deviam ter uma grande admiração e amizade por ele, e consideravam-lo um autêntico colega, porque estendiam a liberalidade a uma numerosa família, através de gerações...

Aguiaríssimo, também no sentido de que foi um dos mais espantosos utilizadores do nosso apelido! E gostava de o usar. E de o projectar consigo. Foi sempre o número um, em qualquer domínio, em tudo o que fez. Enveredou pelo funcionalismo, na área da previdência social. Licenciou-se, não sei em quê. O importante é que se converteu em grande perito na matéria.
Mas não teve, isso não, a carreira que, de certeza, estava ao seu alcance como médico ou investigador na ciência médica. Não em temperamento, mas em inteligência dirigida a esse domínio, só posso compara-lo ao Mário, seu sobrinho.

Vamos procurar fazer a sua história possível, através dos nossos comentários, a partir de 13 de Novembro, a data do seu aniversário.
Hoje deixo, aqui, apenas um versinho seu, dedicado à filha, que morreu, pequenina:

Dorme, filha, em tua graça
Uma virtude consigo:
No breve instante que passa,
Eu irei dormir contigo.

Tão simples, tão verdadeiro e tão emotivo... A quadra estava numa lápide do cemitério de Gondomar e já não está. Mas eu sei-a de cor. É a coisa mais bonita e menos lúgubre que vi como lembrança, em cima de um túmulo.
Além do mais, o Tio escrevia bem. Começou no colégio, como autor de peças de teatro. Continuou em Gondomar, já mais a sério. Foi um dos criadores da revista"O Nabo". Nunca li, mas imagino... O que tenho em mãos são as suas cartas, dos tempos do colégio, e aqui estão duas, uma para a Mãe e outra para o irmão António. AGUIARÍSSIMAS!

Manela
i

14 comentários:

Maria Manuela Aguiar disse...

O Tio Manuel é fisicamente parecidíssimo com o seu bisavô materno e meu trisavô Joaquim Ferreira Ramos. Em velhinho era igual!Mas teve sempre uma "garra",uma "juventude" de espírito, que talvez tenha faltado ao antepassado. Digo isto, baseada apenas na foto conhecida do trisavô: uma imagem de lassidão, de quebra de energias, ou mesmo desânimo, que é imagem que o Tio Manuel nunca deu de si! Nem o Tio Zé. Nem a minha já mítica Mãe, que, aos 80 e muitos anos ainda descia pelo corrimão da escada cá de casa (neste momento, aos 88, todos desaconselhamos o exercício). Nem a Tia Lola, que, aos 86, posa, garbosamente, para a objectiva, a fumar de comprida boquilha. Nem a Tia Lena, com o seu ar imperturbável e plácido. A mesma serenidade que vi no Tio António, tão bem humorado, na clínica, à beira do fim... O que lhes dá esta resistência? De que genes a herdaram? Lamento não pertencer a esta forte estirpe...

Maria Manuela Aguiar disse...

Ainda sobre o que as fotos nos não dizem, quando não complementadas pelo testemunho dos contemporâneos: não sabemos se o trisavô seria muito loiro e de olhos muito azuis. O Tio Manuel era!

Maria Manuela Aguiar disse...

O Tio Manuel pertencia à ala mais esquerdista da família. Na tradição que vem do Tio Manuel Guedes, e, na geração seguinte, do Tio António Mendes Barboza e seus irmãos José e Alexandre. Estes terão tido o maior quinhão de influência no jovem e aguerrido Manuel Joaquim, como no primo José Joaquim, filho do Tio José Barboza Ramos( o meu grande amigo Zé Quim, que, sendo da idade da minha mãe, sempre me pareceu da minha!). Porém, enquanto o Zé Quim foi do PCP primeiro, e, depois do 25 de Abril, do MDP-CDE, o Tio Manuel aderiu ao PS. Com o mesmo entusiasmo dedicado à Académica de Coimbra... Nos tempos do PREC, a varanda de sua casa, na Av. Fernão de Magalhães, no Porto,tinha enormes bandeiras do PS! O que levou um Padre Capuchinho, que ia visitar a Avó Maria, aí a residir, transitoriamente,a julgar ter-se enganado. Foi embora e, depois, já de Gondomar, telefonou a dizer à Avó que, por engano, lhe tinha dado a morada de uma sede do PS!... Imagine-se o pesar da Avó, que estava à espera do confessor. Mas qualquer outra pessoa teria chegado à mesma conclusão. O melhor mesmo era a Avó ter prevenido o sacerdote, dizendo, por exemplo: "è fácil reconhecer a casa do meu filho - é a das bandeirinhas socialistas".

Maria Manuela Aguiar disse...

Ontem lá fui ver com o Tózinho o FCP-ACADÉMICA, que ganhamos por 3-2. E de quem me lembro sempre nestes jogos? Do "fanático" Tio Manuel, que adorava a Académica e chamava "Andrades" aos Dragões.
Aí não estávamos nunca de acordo...

Maria Manuela Aguiar disse...

Quando era criança, as lembranças que tenho de convívio com o Tio Manuel e a sua numerosa família são sobretudo da sua quinta de Mirão, perto das Caldas de Aregos.
De Aregos atravessávamos o Douro em grandes barcaças, subíamos monte acima e lá chegavamos a um verdadeiro paraíso rural - muito queiroziano, muito serra, sem cidade perto.
Havia caminhos cheios de medronhos, dentro da própria quinta.
Às vezes, íamos (muitos!) em excursão por altura da matança do porco. Ao bárbaro espectáculo não assistíamos, mas ouviam-se, por todo o lado, os gritos dos pobres animais...
Mas, depois, era delicioso comer os cozinhados suculentos, feitos pela caseira - o arroz delicioso, servido em alguidares de barro. Tanta graça achava que é a primeira imagem que me vem, ainda hoje, à memória...
A vista sobre o rio era fantástica.
E o Tio Manuel sempre bem disposto! Sempre a gozar com tudo e com todos. Não é do que dizia que me recordo, mas do tom, da ironia,da palavra forte, na sua voz um pouci rouca, dos argumentos aos quais ninguém sabia dar resposta, de igual para igual.
A palavra era dele! Dominava a conversa, marcava o ritmo, animava as horas que passavamos juntos.
O meu pai era uma das "vítimas" habituais. Como sabia que a minha mãe era muito ciumenta, quando a conversa estava morna, começava com tiradas deste género:
"Oh João, quem era aquela loira com quem o vi na Praça dos Poveiros?" E a minha mãe não acreditava, mas ficava sempre ligeiramente na dúvida...
Se não fosse isso, era futebol, ou política - sempre do lado oposto à maioria para haver luta (um gosto de oposição que eu herdei, mais do que qualquer dos seus filhos..).

Maria Manuela Aguiar disse...

Uma vez fomos a uma feira - e o Tio Manuel aparece na foto a segurar os chifres de um boi. Não um touro bravo, porque não havia, felizmente.
Nós, pequenas, assustadíssimas e assombradas...
Era o tio herói, capaz de todas as bravuras!

Maria Manuela Aguiar disse...

Era o mais descontraído dos irmãos. E tudo o que fazia, no seu círculo de amizades e na família, como profissionalmente, era bem aceite, em se tratando dele, ainda que não o fosse em relação a mais ninguém. Um irreverente nato.
Ajudava o facto da sua inteligência, e na carreira profissional, como disse, a sua enorme competência.
As pessoas gostavam dele!...

Maria Manuela Aguiar disse...

Muito à maneira de Coimbra - a sua bem amada Coimbra - coleccionava amigos de todos os quadrantes políticos.
Sendo um socialista de alma e coração, muito antes do 25 de Abril, tinha alguns amigos que eram pessoas influentes do regime, caso do presidente da Caixa de Previdência, onde era director.
(Hei-de recordar o seu nome, que agora me escapa...).
Era visita de sua casa. Uma vez, levou-me com ele a uma das quintas desse senhor doutor, que até era simpático e casado com uma senhora mulata.

Maria Manuela Aguiar disse...

Por isto, por ser assim, era, a par do Tio Serafim, a pessoa mais influente da família... (o Tio Serafim nao admira tanto, porque pertencia pertencia à União Nacional,e, também, à Causa Monárquica - estava, politicamente falando, nas suas antípodas...)
No entanto, o Tio Manuel, discussões àparte, dava-se com ele como "Deus com os anjos"...

Maria Manuela Aguiar disse...

E a influência espontânea estendia-se para além desse campo à área da saúde. Os seus colegas do curso de medicina, que o adoravam, tratavam-lhe toda a família de graça...
Os melhores, nas diversas especialidades!

Maria Manuela Aguiar disse...

Muitos anos mais tarde, já eu estava em Lisboa no Ministério das Corporações e Previdência Social - e a Previdência tornou-se o domínio do Tio no Porto e nos arredores, obrigando-o a muitas idas a Lisboa, à Praça de Londres, onde era estimadíssimo - e ele não só me visitava e convidava para almoçar, como ficava em minha casa.
Sempre óptimas ocasiões para conversarmos longamente!
às vezes, pelo meio das novidades de época, contava velhas histórias de família.
Uma pena não as ter registado, porque a minha memória dessas conversas é vaga, indistinta, como uma bela tela impressionista.
Lembro, sobretudo, o ambiente, aquele sabor de tertúlia, o encanto de o escutar, mas não sei reproduzir detalhe algum...
Se fosse vivo, ele seria a alma deste blogue!!!

Maria Manuela Aguiar disse...

Também costumavamos encontrá-lo, com a família toda no verão, em Esmoriz. Alugava sempre a mesma casa, junto à Barrinha. Nós eramos visitas frequentes, é claro!

Maria Manuela Aguiar disse...

Foi lá que se passou aquele célebre episódio, que tanto embaraçou o meu pai - acho que, embora gostasse muito do cunhado, estava sempre à espera do insólito...
O "caso da pequena senhora e do grande bombo".
Era dia de procissão religiosa, com banda e bombos a animar. Todos assistíamos na berma do caminho. Entusiamada, a minha mãe, que, além de fã de CHOPIN, também o é de música popular, confidenciou ao irmão que um dos seus sonhos era desfilar, um dia, a tocar bombo.
Resposta dele, de imediato:
"Nada mais fácil. Vais ver!"
Dirige-se a um dos músico, com a maior das naturalidades e pregunta-lhe:
"Não se importa de emprestar o instrumento, por uns minutos, a esta senhora?"
O homem, muito atencioso, disse logo que sim. E a Mª Antónia realizou um sonho, marchando na procissão a tocar - lindamente! -um bombo maior do que ela!

Maria Manuela Aguiar disse...

Esta rapidez de actuação e espontaneidade - e óbvia excentricidade! - são traços identitários deste tio, na linha dos fantásticos tios da geração anterior. Os republicanos de Gondomar...
Para aém das coisas sérias, em que foram fiáveis e brilhantes, o que eles se divertiam com estas pequenas coisas! Pequenas, mas significativas e só ao alcance de mentes que pensam por si, e pouco se ralam com o que pensam e dizem os outros.